BRASÍLIA – O ano de 2024 será de articulações para a definição dos nomes na disputa pelo comando das duas Casas do Congresso Nacional, que ocorre no início de 2025. Na Câmara dos Deputados, há ao menos três candidatos já colocados, com o desafio do atual presidente Arthur Lira (PP-AL) de manter relevância na escolha do sucessor, evitando o que ocorreu com o antecessor, Rodrigo Maia, que demorou a articular a candidatura de um aliado e foi atropelado pelo próprio Lira em 2021. No Senado, por sua vez, o ex-presidente Davi Alcolumbre (União-AP) despontou primeiro como candidato, com o apoio de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e agora tenta se consolidar como favorito. Nos dois casos, o governo federal acompanha a disputa de perto, mas evitando acenos mais diretos, para afastar as consequências de um passo em falso que possa colocar desafetos no comando das Casas do Legislativo.
Lira resiste a começar articulação, mas aliados veem disputa já aberta
A avaliação no Congresso é de que 2024 será decisivo para o futuro de Arthur Lira. A capacidade do deputado alagoano de controlar a própria sucessão, para manter influência interna, será testada. Segundo apurou o Broadcast/Estadão, o parlamentar tem dito a interlocutores que só quer discutir a eleição para a presidência da Câmara, que ocorrerá em fevereiro de 2025, depois de agosto. Mas os próprios aliados admitem que a disputa avança nos bastidores, mesmo contra a vontade de Lira.
O ano de 2023 terminou com três pré-candidatos em plena campanha pelo cargo: o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), favorito de Lira; o primeiro vice-presidente da Casa, Marcos Pereira (Republicanos-SP); e o líder do PSD, Antonio Brito (BA). O deputado Isnaldo Bulhões (AL), que lidera a bancada do MDB, também é citado, mas até agora não entrou completamente na corrida pela cadeira de presidente da Câmara.
Se conseguir eleger seu sucessor, Lira sairá fortalecido politicamente, dizem integrantes do Congresso. O deputado alagoano quer manter sua influência na Câmara para concorrer ao Senado em 2026, quando a vaga de seu maior rival político, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), estará em jogo. A aproximação com o governo Lula é parte dessa estratégia, avaliam interlocutores de Lira.
Alguns membros do Congresso dizem que a vontade de Lira é comandar um ministério quando deixar a presidência da Câmara em 2025. Mas outros afirmam que o maior trunfo do deputado alagoano seria manter influência interna na Casa legislativa. Há quem tenha visto o movimento do parlamentar para turbinar as emendas de comissão – serão R$ 16,6 bilhões em 2024 – como um indicativo de que ele deseja presidir a Comissão Mista de Orçamento (CMO).
Nas últimas semanas, contudo, outra aposta ganhou força: a de que Lira pode ser o relator do Orçamento de 2026, ano de eleição geral, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá disputar um novo mandato no Palácio do Planalto. Essa peça orçamentária será discutida em 2025 no Congresso, exatamente quando o presidente da Câmara deixará o atual cargo.
Para se tornar relator do Orçamento, presidente da CMO ou ministro, Lira precisará mostrar capacidade de manter influência política e não repetir seu antecessor no cargo, Rodrigo Maia, que apostou na candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) em 2021, foi traído por aliados e viu seu candidato ser derrotado pelo próprio Lira. Maia saiu da política e hoje preside a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF).
Nos corredores do Congresso, uma das explicações dadas para o fracasso de Maia em eleger o sucessor é que ele descumpriu acordos que haviam sido feitos com os deputados. Lira, por outro lado, é conhecido por entregar tudo o que promete. Mas há insatisfações. Alguns parlamentares reclamam que o atual presidente da Câmara concentra muito poder e toma decisões ouvindo apenas um grupo seleto de líderes partidários.
Também há reclamações de que Lira esvaziou os debates nas comissões temáticas, com a aprovação em série de requerimentos de urgência que levam os projetos diretamente ao plenário em votações relâmpagos, entre outras manobras no regimento interno da Casa.
Essas críticas à forma como Lira comanda a Câmara com “mãos de ferro” vêm principalmente do chamado baixo clero, grupo de deputados que têm pouca influência e ficam longe de presidir comissões ou relatar projetos importantes. Em 2005, uma revolta do baixo clero levou o então deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) à presidência da Casa, em uma derrota de Lula, que estava no primeiro mandato no Planalto.
Muitos parlamentares sonham com uma nova rebelião do “chão de fábrica” em 2025, vinte anos depois da ascensão de Cavalcanti – que durou pouco, já que ele renunciou ao posto sete meses depois ao se envolver em um escândalo.
Em uma conversa presenciada pelo Broadcast/Estadão no Salão Verde da Câmara, na última semana de trabalho do Congresso antes do recesso parlamentar, um deputado perguntou a um dos pré-candidatos à Presidência da Casa se ele era do baixo clero ou do alto clero. “Sou de todos os cleros”, respondeu.
Candidatos
Nos bastidores, fala-se que o “candidato do coração” de Lira para 2025 é Elmar. A proximidade entre os dois – que chegaram a viajar juntos para o cruzeiro do cantor Wesley Safadão, em julho, nos Estados Unidos – é o maior trunfo do deputado baiano, mas ele não é unanimidade entre os pares. Muitos o veem como alguém avesso ao diálogo e mais preocupado com questões regionais, além de ter um histórico de atritos com o PT na Bahia.
Presidente nacional do Republicanos e vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira é outro que tem atuado para concorrer ao comando da Casa. O parlamentar tem se apresentado como um “cumpridor de acordos”, característica também usada por deputados para justificar o apoio que deram a Lira.
Nas últimas semanas do ano, contudo, Pereira submergiu, após ter falhado ao tentar colocar em pauta o projeto de lei da taxação dos fundos de alta renda, importante para o governo, enquanto Lira estava no exterior. Há relatos de que, apesar de ter autorizado o vice a tocar os trabalhos na Câmara, Lira atuou para que os líderes dessem o sinal verde para a votação apenas quando ele retornasse a Brasília.
Pereira tem buscado fazer acenos ao governo, que tende a influenciar a disputa nos bastidores. O impasse para o embarque do Palácio do Planalto na candidatura, contudo, é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, integrante do Republicanos e ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Outro nome que tem ganhado força é o de Antonio Brito, visto como alguém que tem diálogo com todos, além de ser o mais próximo de Lula entre os possíveis candidatos. Caso eleito, ele seria o primeiro deputado negro a comandar a Casa, o que também poderia agradar ao Planalto, que tem um discurso de defesa da diversidade.
Brito foi praticamente lançado na disputa pelo presidente nacional do partido, Gilberto Kassab, durante um jantar de comemoração dos 12 anos do PSD. Algumas lideranças da Câmara, contudo, temem a influência de Kassab nos rumos da Casa caso o deputado seja eleito, devido à proximidade entre os dois.
Correndo por fora, está Isnaldo Bulhões. O nome do parlamentar é citado nos bastidores como uma alternativa para a disputa, mas alguns deputados veem a proximidade dele com o senador Renan Calheiros como um empecilho. Renan e Lira são ferrenhos adversários políticos em Alagoas.
Um grupo de deputados também não descarta que Lira esteja preparando uma candidatura do próprio PP para sua sucessão. Nesse caso, o nome seria o do atual líder da bancada na Casa, Doutor Luizinho (RJ), que assumiu o posto após a ida de André Fufuca (PP-MA) para o comando do Ministério do Esporte.
O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, tem afirmado que o partido terá candidato próprio à presidência da Câmara em 2025. Nos bastidores, contudo, membros de outras siglas e integrantes do próprio PL veem no movimento uma estratégia de Valdemar para barganhar cargos na Mesa Diretora da Casa, além de relatorias de projetos importantes e presidências de comissões.
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, também afirmou que o partido avaliará a possibilidade de ter candidato próprio ao comando da Câmara, mas a declaração foi vista mais como uma forma de marcar posição. Tanto os petistas quanto os integrantes do PL terão papel decisivo na disputa, já que são as duas maiores bancadas da Casa.
Senado antecipa debate, e Alcolumbre já trabalha como favorito
No caso do Senado, até o momento, apenas um nome está quase abertamente na disputa para ser o presidente da Casa Alta do Congresso a partir de 2025: Davi Alcolumbre, ex-presidente do Senado e aliado do atual Rodrigo Pacheco.
Alcolumbre comandou o Senado de 2019 a 2021 e fez de Pacheco seu sucessor. À época, os dois eram do mesmo partido, o Democratas. A sigla se fundiu com o PSL em 2022. Antes disso, porém, Pacheco já havia deixado a legenda para se filiar ao PSD e foi cotado como presidenciável pelo partido de Gilberto Kassab.
Um dos principais desafios para o senador se consolidar como o principal candidato à presidência do Senado é aproximar-se dos outros dois relevantes atores na Casa Alta do Congresso, o MDB e o PL.
MDB perde protagonismo
Acostumado a ocupar o comando do Senado desde a redemocratização, o MDB tem ficado em segundo plano nos últimos anos na Casa Alta do Congresso. O partido perdeu o posto de maior bancada do Senado para o PSD.
O último emedebista a liderar a Casa foi Eunício Oliveira, de 2017 a 2019. Desde então, Alcolumbre foi eleito em 2019 pelo Democratas e Pacheco, em 2021 e 2023 pelo Democratas e PSD, respectivamente.
Fontes ouvidas pelo Broadcast/Estadão dizem que o MDB ainda tem o desejo de retomar o protagonismo na base governista e se cacifar para voltar à presidência do Senado. Em uma reunião de líderes do Senado com Lula em novembro, por exemplo, parlamentares emedebistas tentaram mostrar ao presidente que foram mais fiéis ao governo que os do PSD.
O objetivo desse discurso não era o de conquistar nenhum espaço a mais no governo, apurou a reportagem. Tratou-se de um gesto do MDB ao Planalto, tentando mostrar que a bancada é confiável e que pode ganhar mais protagonismo dentro da agenda prioritária para os próximos meses. Além disso, também serviu para tentar ganhar mais pontos com o presidente.
O líder da bancada, Eduardo Braga (MDB-AM), e o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), são dois nomes citados para ocuparem cargos de destaque na próxima legislatura. Veneziano disse ao Broadcast/Estadão ser “muito antecipado” falar sobre a sucessão à presidência do Senado no momento.
“Até mesmo no primeiro semestre do ano que vem. Acho muito antecipado falar sobre a sucessão à presidência. Esse será um assunto que deve vir somente a partir do segundo semestre do ano que vem”, afirmou.
Oposição não definiu candidato
Por outro lado, a oposição ainda não definiu se deve apoiar Alcolumbre ou lançar um candidato próprio. Os gestos dados pelo ex-presidente do Senado são reconhecidos por parlamentares das mais diversas matrizes ideológicas.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE), por exemplo, disse ao Broadcast/Estadão que Alcolumbre vem “trabalhando fortemente” para conquistar o apoio da oposição nos últimos meses. Mesmo assim, Girão disse que o grupo deve apresentar um candidato para marcar posição, mesmo que o assunto só seja discutido no ano que vem.
“Seria uma alternância pró-forma, porque ele [Alcolumbre] é do mesmo grupo [do presidente Rodrigo Pacheco]. No começo do ano que vem, vamos começar a falar sobre isso, mas certamente a oposição terá um nome, alinhado com os anseios da sociedade brasileira. O Senado está sendo muito questionado nas ruas”, afirmou Girão.
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O líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ), por outro lado, afirmou que o assunto ainda não está em pauta entre os oposicionistas. Questionado se os ações recentes de Alcolumbre e de Pacheco, como a votação do marco temporal e das propostas reduzindo poderes de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), seriam gestos à oposição, Portinho disse que essas são “pautas do Senado” e que “não há condicionamento” para a oposição apoiá-lo por isso.
“Não percebi [os gestos de Alcolumbre], sinceramente. Essas são pautas do Senado, não somente dos senadores. A função do presidente é botar para votar essas e outras pautas. Não há condicionamento algum [para apoiarmos Alcolumbre]”, disse Portinho ao Broadcast/Estadão.
Wagner critica discussão
Em café com jornalistas no final do ano, ao ser questionado pelo Broadcast/Estadão sobre as discussões pela sucessão no Senado, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disse que as duas Casas do Congresso anteciparam esse debate “estupidamente”.
Wagner reconheceu os gestos feitos por Alcolumbre à oposição, mas reforçou a importância que a base governista terá para sua eventual eleição em 2025.
“Na minha opinião, é óbvio que ele [Alcolumbre] quer [ser presidente do Senado], mas se for fazer a conta, na base tem mais [senadores] do que na oposição”, afirmou, indicando que a base governista teria mais votos para garantir a eleição de Alcolumbre do que a oposição.
Jaques Wagner, líder do governo no Senado
O líder do governo no Senado, um dos principais e mais longevos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que “em vários momentos ele [Alcolumbre] faz gestos”.
“Mas são gestos, em geral, de matérias que sabidamente seriam difíceis para o governo. Nas matérias que eram viscerais, não houve essa hesitação”, afirmou.
O líder disse, ainda, ser “cedo demais” para avaliar se o PT e o governo devem apoiar, mesmo que informalmente, a eleição de Alcolumbre para a presidência do Senado.