Livro mostra que tribunais da guerrilha mataram inocentes e deixaram delatores impunes


Jornalista investiga a execução de militantes de grupos de esquerda feitas por seus colegas durante os anos da ditadura militar brasileira

Por Marcelo Godoy

A execução de guerrilheiros suspeitos de traição por decisão da direção da organização a que pertenciam é um dos aspectos mais polêmicos da ação dos grupos que pegaram em armas contra a ditadura militar. É sobre quatro casos comprovados de assassinato de colegas que supostamente iriam trair a guerrilha ou que não resistiram à tortura e forneceram dados que levaram à captura de companheiros que o jornalista Lucas Ferraz trata em seu livro Injustiçados, execuções de militantes nos tribunais revolucionários durante a ditadura (Companhia das Letras, 238 págs.). 

Reproduçãoda foto demembro da ALN, Márcio Leite de Toledo, publicada no Estadão,em 16/4/1971 Foto: Reprodução

O título é ele mesmo uma sentença sobre cada uma das vítimas da violência dos revolucionários. O autor lembra que os executores tinham diante de si inocentes ao mesmo tempo que não foram capazes de dirigir sua violência aos verdadeiros traidores, aos que receberam dinheiro para delatar os colegas ou simplesmente mudaram de lado, como José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo

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É um julgamento. Ferraz aborda quatro casos em que a guerrilha julgou e matou seus integrantes – todos eles ocorreram em centros urbanos. São eles: Márcio Leite Toledo, Carlos Alberto Maciel Cardoso, Francisco Jacques de Alvarenga e Salatiel Teixeira Rolim. Os três primeiros foram mortos por companheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN), o grupo fundado por Carlos Marighella, enquanto o último foi executado por remanescentes do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). 

Todos foram mortos entre 1971 e 1973, quando a luta armada estava derrotada e o que restava dos grupos que decidiram em pegar em armas contra a ditadura vivia acossado pela ameaça da prisão, tortura e morte nos Destacamentos de Operações Especiais (DOI). Esse ambiente ficou ainda mais envenenado diante da tática adotada pelos órgãos de repressão de cooptar militantes para transformá-los nos chamados cachorros: colaboradores que se deixavam seguir para entregar os colegas. Como o Judas, da Bíblia, eles apontavam quem devia ser detido. Tinham contrato e salário. 

Criou-se o que o autor chama de a "síndrome de Severino", a desconfiança generalizada no interior dos grupos nascida em razão de traições conhecidas, como a do militante José da Silva Tavares, o Severino, que fez um acordo com a Marinha e com o delegado Sergio Paranhos Fleury e lhes entregou o líder da ALN Joaquim Camara Ferreira, o Toledo, em 1970. Eram alvos de desconfiança quem se desviasse do caminho da luta e pudesse expor, com seu comportamento, a segurança dos colegas, como Márcio Toledo executado a tiros nos Jardins, em São Paulo, pelo seu grupo porque a "revolução não admitia recuos". 

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Eram chamados ainda de traidores aqueles que, sob tortura, abriram informações aos repressores, como se um revolucionário tivesse o dever de morrer calado. Rolim não foi capaz de cumprir essa obrigação, e isso foia sua perdição. As balas dos companheiros lhes foram dirigidas em vez de serem direcionadas ao inimigo. Na mesma situação estava o professor Alvarenga, morto por ter fornecido, debaixo de tortura, informações que levaram à morte de um militante da ALN. E, por fim, Cardoso, que, preso, aceitou colaborar com a Marinha, mas solto, despistou seus captores, procurou a ALN, contou tudo e, mesmo assim, foi julgado e executado como traidor. 

O historiador Jacques Le Goff escreveu em seu prefácio à obra Apologia da História do também historiador Marc Bloch que este, apesar de detestar os historiadores que "julgam em lugar de compreender" não deixava, por isso, de enraizar  "mais profundamente a história na verdade e na moral". "A ciência histórica se consuma na ética. A história deve ser verdade; o historiador se realiza como moralista, como justo", escreveu le Goff. E concluiu: "Nossa época, desesperadamente em busca de uma nova ética, deve admitir o historiador entre aqueles que procuram a verdade e a justiça não fora do tempo, mas no tempo". 

Na falta de uma deontologia para guiar os jornalistas que se aventuram em escrever história, Le Goff fornece um caminho não muito diverso daquele do editor do Washington Post Ben Bradlee, responsável por fazer seu jornal publicar os Papéis do Pentágono. "Na medida em que o jornalista conta a verdade, com consciência e justiça, não é seu trabalho se preocupar com as consequências. A verdade nunca é tão perigosa quanto uma mentira no longo prazo. Eu realmente acredito que a verdade liberta os homens." Em seu livro, Ferraz como tantos outros jornalistas, aproxima-se da pesquisa histórica. É mais do que uma reportagem. O autor procura pôr cada caso dentro do seu contexto, do seu tempo e espaço. 

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Como em toda obra, é possível encontrar falhas. E a maior delas talvez seja a avaliação do papel de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, um dos líderes da ALN e participante confesso das ações que mataram Toledo e do empresário Henning Albert Boilesen, que colaborava com o DOI. Conhecido como Clemente, ele não estava mais no Brasil quando sua organização decidiu praticar outro ato de vingança: o assassinato do comerciante Manoel Henrique Oliveira, em 1973. Clemente apenas recebeu a informação repassada por Francisco Emanoel Penteado de que o comerciante estava se gabando em seu bar de ter entregue ao DOI três integrantes da ALN que foram mortos. Era mentira do comerciante. Quem havia feito isso era o informante João Henrique Pereira da Carvalho, o Jota. Quando da decisão de matar o comerciante, Clemente não estava mais no País. 

Ocorpo do industrialHenning Albert Boilesen, assassinado por comando da AçãoLibertadora Nacional (ALN) Foto: CLAUDINE PETROLI / ESTADÃO

O autor ainda trata de Flávio Augusto Neves Leão Salles, outro sobrevivente da ALN envolvido nos justiçamentos. Ferraz não exibe um depoimento público ou provas de suposta colaboração de Salles com os militares ao se referir às suspeitas da época. Eram tantas as suspeitas da época sobre tantas pessoas que cabe ao pesquisador tentar resolvê-las em vez de reproduzi-las, quando não guardam correlação com os fatos ou não tenham tido maiores consequências na história. Trata-se do dever do pesquisador de buscar, sempre que possível, estabelecer os fatos. E não as suspeitas.

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Por fim, o livro não é um estudo sobre a violência revolucionária, nem procura igualar a do opressor àquela do oprimido. As técnicas usadas são claramente as do jornalismo, muito embora o autor se esforce em ir além da reportagem. Não traz relatos detalhados dos casos, como o Notícia de um Sequestro, de García Marques. Tampouco procura expor as memórias de revolucionários como Victor Serge. Mas cumpre o papel de registrar uma face pouco conhecida dos anos da ditadura militar, um capítulo que permaneceu entre o esquecimento de quem o protagonizou e o uso vulgar desses crimes por aqueles que buscam justificar a tortura e o assassinato cometidos pelos agentes do Estado. O uso da violência na política e as tragédias que o acompanham deveriam servir de alerta aos que pensam que um punhado de soldados é o que no fim sempre o salva a humanidade.

A execução de guerrilheiros suspeitos de traição por decisão da direção da organização a que pertenciam é um dos aspectos mais polêmicos da ação dos grupos que pegaram em armas contra a ditadura militar. É sobre quatro casos comprovados de assassinato de colegas que supostamente iriam trair a guerrilha ou que não resistiram à tortura e forneceram dados que levaram à captura de companheiros que o jornalista Lucas Ferraz trata em seu livro Injustiçados, execuções de militantes nos tribunais revolucionários durante a ditadura (Companhia das Letras, 238 págs.). 

Reproduçãoda foto demembro da ALN, Márcio Leite de Toledo, publicada no Estadão,em 16/4/1971 Foto: Reprodução

O título é ele mesmo uma sentença sobre cada uma das vítimas da violência dos revolucionários. O autor lembra que os executores tinham diante de si inocentes ao mesmo tempo que não foram capazes de dirigir sua violência aos verdadeiros traidores, aos que receberam dinheiro para delatar os colegas ou simplesmente mudaram de lado, como José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo

É um julgamento. Ferraz aborda quatro casos em que a guerrilha julgou e matou seus integrantes – todos eles ocorreram em centros urbanos. São eles: Márcio Leite Toledo, Carlos Alberto Maciel Cardoso, Francisco Jacques de Alvarenga e Salatiel Teixeira Rolim. Os três primeiros foram mortos por companheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN), o grupo fundado por Carlos Marighella, enquanto o último foi executado por remanescentes do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). 

Todos foram mortos entre 1971 e 1973, quando a luta armada estava derrotada e o que restava dos grupos que decidiram em pegar em armas contra a ditadura vivia acossado pela ameaça da prisão, tortura e morte nos Destacamentos de Operações Especiais (DOI). Esse ambiente ficou ainda mais envenenado diante da tática adotada pelos órgãos de repressão de cooptar militantes para transformá-los nos chamados cachorros: colaboradores que se deixavam seguir para entregar os colegas. Como o Judas, da Bíblia, eles apontavam quem devia ser detido. Tinham contrato e salário. 

Criou-se o que o autor chama de a "síndrome de Severino", a desconfiança generalizada no interior dos grupos nascida em razão de traições conhecidas, como a do militante José da Silva Tavares, o Severino, que fez um acordo com a Marinha e com o delegado Sergio Paranhos Fleury e lhes entregou o líder da ALN Joaquim Camara Ferreira, o Toledo, em 1970. Eram alvos de desconfiança quem se desviasse do caminho da luta e pudesse expor, com seu comportamento, a segurança dos colegas, como Márcio Toledo executado a tiros nos Jardins, em São Paulo, pelo seu grupo porque a "revolução não admitia recuos". 

Eram chamados ainda de traidores aqueles que, sob tortura, abriram informações aos repressores, como se um revolucionário tivesse o dever de morrer calado. Rolim não foi capaz de cumprir essa obrigação, e isso foia sua perdição. As balas dos companheiros lhes foram dirigidas em vez de serem direcionadas ao inimigo. Na mesma situação estava o professor Alvarenga, morto por ter fornecido, debaixo de tortura, informações que levaram à morte de um militante da ALN. E, por fim, Cardoso, que, preso, aceitou colaborar com a Marinha, mas solto, despistou seus captores, procurou a ALN, contou tudo e, mesmo assim, foi julgado e executado como traidor. 

O historiador Jacques Le Goff escreveu em seu prefácio à obra Apologia da História do também historiador Marc Bloch que este, apesar de detestar os historiadores que "julgam em lugar de compreender" não deixava, por isso, de enraizar  "mais profundamente a história na verdade e na moral". "A ciência histórica se consuma na ética. A história deve ser verdade; o historiador se realiza como moralista, como justo", escreveu le Goff. E concluiu: "Nossa época, desesperadamente em busca de uma nova ética, deve admitir o historiador entre aqueles que procuram a verdade e a justiça não fora do tempo, mas no tempo". 

Na falta de uma deontologia para guiar os jornalistas que se aventuram em escrever história, Le Goff fornece um caminho não muito diverso daquele do editor do Washington Post Ben Bradlee, responsável por fazer seu jornal publicar os Papéis do Pentágono. "Na medida em que o jornalista conta a verdade, com consciência e justiça, não é seu trabalho se preocupar com as consequências. A verdade nunca é tão perigosa quanto uma mentira no longo prazo. Eu realmente acredito que a verdade liberta os homens." Em seu livro, Ferraz como tantos outros jornalistas, aproxima-se da pesquisa histórica. É mais do que uma reportagem. O autor procura pôr cada caso dentro do seu contexto, do seu tempo e espaço. 

Como em toda obra, é possível encontrar falhas. E a maior delas talvez seja a avaliação do papel de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, um dos líderes da ALN e participante confesso das ações que mataram Toledo e do empresário Henning Albert Boilesen, que colaborava com o DOI. Conhecido como Clemente, ele não estava mais no Brasil quando sua organização decidiu praticar outro ato de vingança: o assassinato do comerciante Manoel Henrique Oliveira, em 1973. Clemente apenas recebeu a informação repassada por Francisco Emanoel Penteado de que o comerciante estava se gabando em seu bar de ter entregue ao DOI três integrantes da ALN que foram mortos. Era mentira do comerciante. Quem havia feito isso era o informante João Henrique Pereira da Carvalho, o Jota. Quando da decisão de matar o comerciante, Clemente não estava mais no País. 

Ocorpo do industrialHenning Albert Boilesen, assassinado por comando da AçãoLibertadora Nacional (ALN) Foto: CLAUDINE PETROLI / ESTADÃO

O autor ainda trata de Flávio Augusto Neves Leão Salles, outro sobrevivente da ALN envolvido nos justiçamentos. Ferraz não exibe um depoimento público ou provas de suposta colaboração de Salles com os militares ao se referir às suspeitas da época. Eram tantas as suspeitas da época sobre tantas pessoas que cabe ao pesquisador tentar resolvê-las em vez de reproduzi-las, quando não guardam correlação com os fatos ou não tenham tido maiores consequências na história. Trata-se do dever do pesquisador de buscar, sempre que possível, estabelecer os fatos. E não as suspeitas.

Por fim, o livro não é um estudo sobre a violência revolucionária, nem procura igualar a do opressor àquela do oprimido. As técnicas usadas são claramente as do jornalismo, muito embora o autor se esforce em ir além da reportagem. Não traz relatos detalhados dos casos, como o Notícia de um Sequestro, de García Marques. Tampouco procura expor as memórias de revolucionários como Victor Serge. Mas cumpre o papel de registrar uma face pouco conhecida dos anos da ditadura militar, um capítulo que permaneceu entre o esquecimento de quem o protagonizou e o uso vulgar desses crimes por aqueles que buscam justificar a tortura e o assassinato cometidos pelos agentes do Estado. O uso da violência na política e as tragédias que o acompanham deveriam servir de alerta aos que pensam que um punhado de soldados é o que no fim sempre o salva a humanidade.

A execução de guerrilheiros suspeitos de traição por decisão da direção da organização a que pertenciam é um dos aspectos mais polêmicos da ação dos grupos que pegaram em armas contra a ditadura militar. É sobre quatro casos comprovados de assassinato de colegas que supostamente iriam trair a guerrilha ou que não resistiram à tortura e forneceram dados que levaram à captura de companheiros que o jornalista Lucas Ferraz trata em seu livro Injustiçados, execuções de militantes nos tribunais revolucionários durante a ditadura (Companhia das Letras, 238 págs.). 

Reproduçãoda foto demembro da ALN, Márcio Leite de Toledo, publicada no Estadão,em 16/4/1971 Foto: Reprodução

O título é ele mesmo uma sentença sobre cada uma das vítimas da violência dos revolucionários. O autor lembra que os executores tinham diante de si inocentes ao mesmo tempo que não foram capazes de dirigir sua violência aos verdadeiros traidores, aos que receberam dinheiro para delatar os colegas ou simplesmente mudaram de lado, como José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo

É um julgamento. Ferraz aborda quatro casos em que a guerrilha julgou e matou seus integrantes – todos eles ocorreram em centros urbanos. São eles: Márcio Leite Toledo, Carlos Alberto Maciel Cardoso, Francisco Jacques de Alvarenga e Salatiel Teixeira Rolim. Os três primeiros foram mortos por companheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN), o grupo fundado por Carlos Marighella, enquanto o último foi executado por remanescentes do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). 

Todos foram mortos entre 1971 e 1973, quando a luta armada estava derrotada e o que restava dos grupos que decidiram em pegar em armas contra a ditadura vivia acossado pela ameaça da prisão, tortura e morte nos Destacamentos de Operações Especiais (DOI). Esse ambiente ficou ainda mais envenenado diante da tática adotada pelos órgãos de repressão de cooptar militantes para transformá-los nos chamados cachorros: colaboradores que se deixavam seguir para entregar os colegas. Como o Judas, da Bíblia, eles apontavam quem devia ser detido. Tinham contrato e salário. 

Criou-se o que o autor chama de a "síndrome de Severino", a desconfiança generalizada no interior dos grupos nascida em razão de traições conhecidas, como a do militante José da Silva Tavares, o Severino, que fez um acordo com a Marinha e com o delegado Sergio Paranhos Fleury e lhes entregou o líder da ALN Joaquim Camara Ferreira, o Toledo, em 1970. Eram alvos de desconfiança quem se desviasse do caminho da luta e pudesse expor, com seu comportamento, a segurança dos colegas, como Márcio Toledo executado a tiros nos Jardins, em São Paulo, pelo seu grupo porque a "revolução não admitia recuos". 

Eram chamados ainda de traidores aqueles que, sob tortura, abriram informações aos repressores, como se um revolucionário tivesse o dever de morrer calado. Rolim não foi capaz de cumprir essa obrigação, e isso foia sua perdição. As balas dos companheiros lhes foram dirigidas em vez de serem direcionadas ao inimigo. Na mesma situação estava o professor Alvarenga, morto por ter fornecido, debaixo de tortura, informações que levaram à morte de um militante da ALN. E, por fim, Cardoso, que, preso, aceitou colaborar com a Marinha, mas solto, despistou seus captores, procurou a ALN, contou tudo e, mesmo assim, foi julgado e executado como traidor. 

O historiador Jacques Le Goff escreveu em seu prefácio à obra Apologia da História do também historiador Marc Bloch que este, apesar de detestar os historiadores que "julgam em lugar de compreender" não deixava, por isso, de enraizar  "mais profundamente a história na verdade e na moral". "A ciência histórica se consuma na ética. A história deve ser verdade; o historiador se realiza como moralista, como justo", escreveu le Goff. E concluiu: "Nossa época, desesperadamente em busca de uma nova ética, deve admitir o historiador entre aqueles que procuram a verdade e a justiça não fora do tempo, mas no tempo". 

Na falta de uma deontologia para guiar os jornalistas que se aventuram em escrever história, Le Goff fornece um caminho não muito diverso daquele do editor do Washington Post Ben Bradlee, responsável por fazer seu jornal publicar os Papéis do Pentágono. "Na medida em que o jornalista conta a verdade, com consciência e justiça, não é seu trabalho se preocupar com as consequências. A verdade nunca é tão perigosa quanto uma mentira no longo prazo. Eu realmente acredito que a verdade liberta os homens." Em seu livro, Ferraz como tantos outros jornalistas, aproxima-se da pesquisa histórica. É mais do que uma reportagem. O autor procura pôr cada caso dentro do seu contexto, do seu tempo e espaço. 

Como em toda obra, é possível encontrar falhas. E a maior delas talvez seja a avaliação do papel de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, um dos líderes da ALN e participante confesso das ações que mataram Toledo e do empresário Henning Albert Boilesen, que colaborava com o DOI. Conhecido como Clemente, ele não estava mais no Brasil quando sua organização decidiu praticar outro ato de vingança: o assassinato do comerciante Manoel Henrique Oliveira, em 1973. Clemente apenas recebeu a informação repassada por Francisco Emanoel Penteado de que o comerciante estava se gabando em seu bar de ter entregue ao DOI três integrantes da ALN que foram mortos. Era mentira do comerciante. Quem havia feito isso era o informante João Henrique Pereira da Carvalho, o Jota. Quando da decisão de matar o comerciante, Clemente não estava mais no País. 

Ocorpo do industrialHenning Albert Boilesen, assassinado por comando da AçãoLibertadora Nacional (ALN) Foto: CLAUDINE PETROLI / ESTADÃO

O autor ainda trata de Flávio Augusto Neves Leão Salles, outro sobrevivente da ALN envolvido nos justiçamentos. Ferraz não exibe um depoimento público ou provas de suposta colaboração de Salles com os militares ao se referir às suspeitas da época. Eram tantas as suspeitas da época sobre tantas pessoas que cabe ao pesquisador tentar resolvê-las em vez de reproduzi-las, quando não guardam correlação com os fatos ou não tenham tido maiores consequências na história. Trata-se do dever do pesquisador de buscar, sempre que possível, estabelecer os fatos. E não as suspeitas.

Por fim, o livro não é um estudo sobre a violência revolucionária, nem procura igualar a do opressor àquela do oprimido. As técnicas usadas são claramente as do jornalismo, muito embora o autor se esforce em ir além da reportagem. Não traz relatos detalhados dos casos, como o Notícia de um Sequestro, de García Marques. Tampouco procura expor as memórias de revolucionários como Victor Serge. Mas cumpre o papel de registrar uma face pouco conhecida dos anos da ditadura militar, um capítulo que permaneceu entre o esquecimento de quem o protagonizou e o uso vulgar desses crimes por aqueles que buscam justificar a tortura e o assassinato cometidos pelos agentes do Estado. O uso da violência na política e as tragédias que o acompanham deveriam servir de alerta aos que pensam que um punhado de soldados é o que no fim sempre o salva a humanidade.

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