No dia em que sentiu dores de cabeça que mais tarde se mostrariam sintomas de uma hemorragia intracraniana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 79 anos, teve a seguinte agenda: reunião com 14 ministros para discutir governança das estatais que dão prejuízo - durou a manhã toda. À tarde, novo encontro com ministros para despachos diversos, como discussão de vetos do PL dos Seguros, que opunham Fazenda e Justiça, e assinatura de decretos.
Para coroar o dia, no fim da tarde, um encontro espinhoso que não estava inicialmente previsto, com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Assunto: o perrengue do pagamento das emendas parlamentares, travada depois de decisões do Supremo. Só saberíamos no dia seguinte, mas Lula passou a segunda-feira, 9, sentindo as tais dores. Participantes das reuniões disseram à Coluna terem notado cansaço e abatimento, mas nada fora do esperado. Desde então, o presidente fez exames, foi transferido para São Paulo e passou por dois procedimentos na cabeça.
Lula está bem e se recuperando dentro do esperado, segundo os médicos que o acompanham. Mas as sucessivas agendas cheias do presidente demonstram que há uma “lulodependência” no governo e, quando se trata de sua sucessão, no PT e na esquerda. Lula não delega porque não consegue. Sem base no Congresso, os ministros e líderes responsáveis pelas negociações políticas até tentam, mas é com o Lula que Liras e Pachecos da vida querem fechar os acordos.
Para lembrar: o ex-presidente Jair Bolsonaro praticamente entregou o governo e as chaves do cofre para o Congresso - com a criação do esquema do “orçamento secreto”, revelado pelo Estadão, que deu dinheiro e poder a deputados e senadores. Lula subiu a rampa com o objetivo - e a necessidade - de fazer o contrário. Centralizou na sua forte figura política todas as articulações políticas.
O mesmo vale para dentro do governo. Se nos governos Lula 1 e 2 havia figuras importantes na Casa Civil como José Dirceu ou Dilma Rousseff, que exerciam a função de coordenadores dos ministérios e tinham autonomia e voz de comando, o mesmo não ocorre com o atual ocupante do posto, Rui Costa.
Vejam o exemplo do pacote de corte de gastos. Lula participou de exaustivas reuniões, com todos os ministros afetados, ouviu todos os argumentos. Na reta final, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, levou até o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, para convencê-lo. O pacote foi anunciado e, mesmo depois, Lula ainda foi procurado por chefes das Forças Armadas na tentativa de reverter a imposição de idade mínima para a aposentadoria dos militares - a reserva remunerada. E foi ouvi-los outra vez.
A dependência do governo de Lula será testada nas próximas semanas. O plano de Haddad e cia era aprovar ainda neste ano as medidas de contenção de despesas, por isso a correria de segunda-feira para liberar o pagamento de emendas e deixar os parlamentares felizes. Com o presidente convalescendo, o primeiro escalão dará conta de tocar o barco e garantir as votações? Adicione aqui o fato de que, nas conversas e negociações em troca de votos, já estava sendo discutido reforma ministerial, assunto no qual, definitivamente, só Lula baterá o martelo.
“Lulodependência”
No cenário eleitoral, o apego a Lula na esquerda existe desde 1989, quando o petista concorreu pela primeira vez. Desde então, foi amansando a imagem e se tornou o único nome desse espectro político viável a concorrer e se eleger. Em 2018, quando Lula estava preso, Fernando Haddad concorreu e perdeu.
Com a saúde de Lula no noticiário, a sucessão de 2026 ganha cada vez mais os holofotes. Há 15 dias, já tínhamos dito na Coluna que Haddad parece continuar sendo a aposta de Lula para lhe suceder, apesar das resistências internas no PT ao ministro da Fazenda. Na pesquisa Quaest divulgada nesta quinta-feira, Haddad é o favorito também dos entrevistados, cuja maioria (52%) também disse preferir que Lula não concorra em 2026. Assim como Lula, o levantamento mostrou que o ministro da Fazenda venceria nomes de direita como Tarcísio de Freitas, Pablo Marçal e Ronaldo Caiado.
Mas, como os especialistas sempre dizem, pesquisas são retratos do momento. Agora, restam duas coisas a saber: se em dois anos Lula ainda tentará a reeleição e, caso resolva indicar Haddad ou outro sucessor em 2026, se os eleitores aceitarão um novo nome da esquerda ou se ainda estarão “lulodependentes”.