Acerte ou erre na condução da política econômica, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se tornou a cara do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta quarta-feira, 27, de gravata “vermelho-PT”, em pronunciamento em cadeia de rádio e TV, o ministro teve que assumir para ele a responsabilidade de divulgar um pacote que era de corte de gastos, mas ficou mais amplo. Teve que abarcar pontos que o próprio Haddad nem queria anunciar agora, como a ampliação da faixa de isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 salários mínimos e a taxação dos chamados “super-ricos”.
O ministro foi escalado para cumprir a missão de minimizar o impacto das mudanças na popularidade do governo. Isso porque as notícias sobre o tal pacote de corte de gastos já estavam na “boca do povo”, o que, em 2024, significa rodar grupos de WhatsApp e redes sociais com direito a desinformação e fake news. A discussão à exaustão deu margem para que as medidas, nas ruas ou nos celulares, virassem tema de conversas e mentiras como que o Lula ia confiscar o FGTS, que o governo reduziu o salário mínimo para 2025 em R$ 15 ou aumentou o Imposto de Renda para 35% – para citar três tópicos falsos que o Estadão Verifica desmentiu nas últimas semanas.
Mesmo antes dos detalhes serem anunciados oficialmente, o que só ocorreu nesta manhã, o ministro da Fazenda foi à TV para tentar melhorar a imagem citando o “olhar humanista na economia” do governo. Enquanto o mercado já se antecipava criticando as medidas e precificando o mirrado pacote em alta do dólar e queda da bolsa, coube a Haddad tentar “vender” para a população em geral que limitar o reajuste do salário mínimo ao arcabouço fiscal e mexer nos critérios para a concessão do BPC valeria a pena porque, veja só, também se irá dificultar a vida de militares que se aposentam muito cedo, funcionários que ganham salários altos demais e gente que ganha muito e paga pouco imposto de renda.
Desavisados poderiam achar que se tratava de um anúncio de benesses, já que as “tesouradas” mesmo ficaram escondidas no discurso. Ou de uma propaganda política. Da fotografia ao “tratamento carinhoso” aos brasileiros, a fala de Haddad lembrou pronunciamentos e programas políticos de Lula – o ministro foi de “queridos e queridas”, enquanto o presidente sempre usa o “meus amigos e minhas amigas”.
A imagem de Haddad sério e bem arrumado foi intercalada com cenas do presidente sorridente no G-20 ao lado de líderes de Estado como o francês Emmanuel Macron, o norte-americano Joe Biden – Lula carrancudo com o argentino Javier Milei ficou de fora. As cenas remetem à propaganda política de 2018, quando Haddad teve que assumir às pressas o posto de candidato a presidente após Lula ser impedido pela Justiça e sua campanha foi toda em cima do lema “Haddad é Lula, Lula é Haddad”, sempre com imagens dos dois juntos.
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A aposta arriscada de fazer do ministro a vitrine do governo tem claramente caráter político. Nos bastidores, dizem que o argumento usado pelo titular da Fazenda para convencer o presidente da necessidade dos cortes é que era preciso fazê-lo agora para chegar com a economia melhor em 2026. Politicamente, faz sentido que Haddad seja o “pai da criança” se a previsão é que isso renda fruto daqui a dois anos. Um tiro que pode sair pela culatra, uma vez que, até agora, a percepção do mercado é de que as medidas são insuficientes para garantir o equilíbrio necessário e fazer o País decolar. Se der errado na economia, em 2026, a culpa também será do Haddad.
Depois do desempenho pífio do PT nas eleições municipais, Lula deve estar ainda mais preocupado em construir um nome viável para seu sucessor. Politicamente, o melhor candidato para as próximas eleições presidenciais no partido é o próprio Lula, mas há uma preocupação do que vem depois. Haddad enfrenta resistências internas na legenda e no governo, mas, se entregar o que promete, pode minimizá-las. Após o pronunciamento desta quarta, parece que a aposta do presidente continua sendo a mesma de 2018. A ver se, até 2026, Lula continuará sendo Haddad.