Assim como não precisou “suar a camisa” para que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aceitasse todos os termos colocados por ela quando decidiu que queria vender refinarias, ainda no governo Jair Bolsonaro, a Petrobras também não deverá ter muitas preocupações com a autoridade antitruste agora que, no governo Lula, mudou de ideia e quer manter os ativos.
A avaliação de fontes ouvidas pela Coluna é que dificilmente o conselho imporá algum tipo de restrição efetiva obrigando a quase monopolista a repassar refinarias à concorrência. Multa, talvez. Venda compulsória, não.
Para lembrar: em 2019, o Brasil tinha um governo que se dizia “conservador nos costumes e liberal na economia”. Era o primeiro ano do então ministro da Economia, Paulo Guedes, que queria vender tudo o que fosse possível. (Vimos depois que Guedes subestimou as dificuldades da máquina pública e acabou entregando bem menos do que prometia em privatizações.)
Naquele contexto, a administração da Petrobras escolheu se desfazer de oito unidades de refino. A própria estatal decidiu quais, como e quando. Para passar um verniz de legitimidade, a empresa enviou seu plano de desinvestimento ao Cade, que aceitou de bom grado — afinal, mais concorrência é mesmo o que o órgão almeja.
O plano virou um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) e serviu para suspender um inquérito administrativo que investigava a empresa por abuso de poder econômico no mercado de refino. O TCC previa que o meganegócio ocorreria até o fim de 2021, prorrogável por mais um ano.
Ainda dentro do governo Bolsonaro, a estatal não cumpriu os termos. Só quatro refinarias foram vendidas. Uma delas teve a transação cancelada agora no atual governo petista, a Lubnor, no Ceará. Mesmo antes de a Petrobras pedir, integrantes do próprio Cade já vinham sinalizando que o acordo teria de ser revisto. No fim de novembro, a empresa solicitou oficialmente o reexame, somente depois de rescindir o contrato da Lubnor.
Pelo acordo, em tese, a Petrobras teria de pagar multas que podem chegar a R$ 100 mil por dia por refinaria em caso de descumprimento. Na prática, porém, isso depende de nova avaliação do conselho. Membros “antigos” do órgão já discutem a revisão do acordo, mas nada será feito muito rapidamente, já que quatro novos conselheiros acabaram de ser aprovados pelo Senado e devem assumir em breve. A questão da Petrobras, inclusive, dominou a sabatina deles na Comissão de Assuntos Econômicos na terça-feira, 12.
Em entrevista recente ao Broadcast/Estadão, o conselheiro do Cade Gustavo Augusto repreendeu a Petrobras por ter rescindido o contrato da Lubnor sem falar com o órgão antes e disse que Executivos da empresa podem ser punidos.
A ver. Até agora, independentemente do governo de ocasião, o Cade tem servido aos interesses da estatal. Pouco fez para interferir nesse mercado, além de instaurar processos, especialmente em momentos de interesse público. É praxe no órgão, abrir uma investigação em meio a alguma comoção popular — greve dos caminhoneiros, aumento de preços do combustível ou algo do tipo — que depois não dá em nada.
Legalmente, há dois caminhos pela frente. O acordo é revisto, a Petrobras se compromete a alienar alguma coisa e o Cade mantém a investigação contra ela arquivada. Só que a estatal não está nem um pouco a fim de vender mais nada, então qual compromissos poderia oferecer? Bastaria as três refinarias repassadas até agora, sendo somente uma de grande porte, na Bahia, cujo negócio vem sendo questionado inclusive?
O outro caminho é o Cade declarar o descumprimento do acordo, determinar alguma multa (que, no negócio bilionário do Petróleo, não deverá ser nenhum impeditivo para a empresa continuar seu plano de manter os ativos) e reabrir o inquérito contra a Petrobras.
Nesse caso, apesar das ameaças do conselho, pode ser que a empresa tenha vida mais fácil ainda. O inquérito, que ainda virará processo, deverá tramitar por anos, bem mais do que os três que o governo Lula ainda tem pela frente. E ainda assim, a avaliação de quem acompanha é que é difícil provar o abuso da posição dominante da empresa. Se, lá na frente, o Cade determinar que ela se desfaça de ativos, ainda teria o Judiciário para acionar, tornando ainda mais arrastado todo o processo.