Após ser chamado de “desafeto pessoal” por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, o ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha foi blindado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Só de teimosia, o Padilha vai ficar muito tempo nesse ministério”, disse o petista. Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, a defesa ao ministro sinaliza apoio ao aliado, mas o “jogo de cena” do presidente não encerra o conflito entre Executivo e Legislativo e o futuro de Padilha ainda é incerto.
A condição do articulador político do governo Lula se agrava porque, sem diálogo com Lira, sua atuação na Câmara fica limitada. E os precedentes para a troca de ministros na atual gestão indicam que o presidente da República costuma elogiar em público, mas costura nos bastidores uma troca. Em 2023, tanto Daniela Carneiro, ex-ministra do Turismo, quanto Ana Moser, ex-titular de Esportes, tiveram seus sucessores negociados pelo governo enquanto ainda ocupavam os cargos.
Durante as tratativas para a escolha dos novos nomes, o governo abafou que as titulares pudessem deixar os postos. O cenário se repete com Nísia Trindade, ameaçada na Saúde, e Jean Paul Prates, que pode deixar a presidência da Petrobras. Lula banca os nomes de Nísia e Prates, mas já conta com substitutos engatados para eventuais mudanças: como mostrou o Estadão, Adriano Massuda pode assumir a Saúde caso a permanência de Nísia fique insustentável, e Aloizo Mercadante está cotado na Petrobras.
Padilha foi blindado, mas desfecho é incerto
Nos bastidores, ainda não há nomes que despontam para a eventual sucessão de Padilha, por mais que o desgaste entre o articulador do governo e Lira tenda a abrir mais espaço a Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil, que transita melhor entre líderes do Congresso. Segundo analistas, se Padilha permanece no cargo por ora, isso se deve mais ao impasse nos bastidores do que pelo afago ao membro da Esplanada dos Ministérios.
É o que explica Marco Antônio Teixeira, cientista político e professor de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Lira tentou demonstrar força, mas, ao que parece, errou no momento e no tom”, diz o professor, relembrando que o embate entre o presidente da Câmara e Padilha se agravou nesta semana, mas não é de hoje. “Por trás disso há o resultado da votação em relação ao caso (do deputado federal Chiquinho) Brazão, que saiu do controle de Arthur Lira e o governo (Lula) acabou tendo peso considerável no resultado”, analisa Teixeira.
Mesmo blindado por Lula, a situação de Padilha é delicada e não deixa de expor uma rusga entre Executivo e Legislativo, podendo haver novos desdobramentos. “O Padilha se expôs demais”, afirma Daniel Pinheiro, professor de Cultura Política da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), a quem os cenários estão em aberto. Pinheiro avalia Lula pode ser levado a “ceder”, mas deve calcular o que isso sinalizaria à sua base de apoio.
“Pode ser que alguma cessão o Lula tenha que fazer, sim, mas se ele der mais espaço para o Centrão, indicar mais um ministro, será uma derrota muito grande para o partido”, afirma o professor. “Seria muito delicado para o PT”.
A sombra imediata a Padilha são os casos de Daniela Carneiro e Ana Moser, nos quais os sucessores aos cargos despontaram durante a sobrevida das ministras, que passaram semanas com a saída iminente. Para Marco Teixeira, no entanto, a situação de Padilha é diferente, pois “envolve mais do que espaço no governo”. “Esse embate é mais complexo. Envolve, inclusive, o Ministério da Saúde, objeto de desejo tanto do Padilha quanto do Centrão.
Pinheiro também crê que os precedentes de Daniela e Moser são diferentes, principalmente quanto ao trânsito de cada ministro com o presidente. “Ele (Padilha) está num patamar de confiança um pouco mais alto em relação ao Lula”, diz o professor. Em razão disso, outras saídas são possíveis. “Se o próprio Padilha se vir encurralado, ele mesmo e o Lula podem negociar”, sugere Pinheiro.
Por outro lado, Padilha é o ministro das Relações Institucionais e está envolto a um embate público com um dos líderes do Legislativo, prejudicando diretamente as atribuições da pasta. “Quando se cria uma rusga, há uma desculpa para dizer: ‘Olha, você não está fazendo o seu trabalho”, analisa o professor.
Daniela Carneiro tinha ‘apreço’ de Lula
A crise que culminou no afastamento de Daniela Carneiro começou em abril de 2023, quando a então ministra pediu para sair do União Brasil, sigla que havia a indicado para o cargo. Enquanto Daniela solicitava a migração partidária ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a legenda passou a pressionar o governo Lula para indicar um novo nome à pasta.
Mas o Planalto abafou a trama contra Daniela, alegando que Lula não iria intervir numa questão interna do União Brasil e que pretendia seguir com a titular do Turismo, que dispunha de “apreço” do presidente. “O governo não interfere nos problemas internos dos partidos”, disse à época Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais. “Daniela Carneiro sempre contou com todo o apreço do presidente Lula”.
A pressão sobre Daniela seguiu nos meses seguintes e, em junho, Padilha admitiu que o União Brasil formalizou ao governo um desejo de “reformulação” nas pastas destinadas à sigla. Mesmo com a saída dada como certa nos bastidores, Daniela teve uma sobrevida e deixou o cargo em julho, sendo sucedida por Celso Sabino (União Brasil-PA), atual ministro do Turismo.
Sobrevida de Ana Moser
Tal como Daniela Carneiro, a trama que levou à saída de Ana Moser do Ministério dos Esportes também teve início meses antes da saída oficial. Assim como a ex-ministra do Turismo, Moser passou semanas no cargo diante de uma demissão iminente.
Em 11 de julho, após uma reunião com Lula, Moser desmentiu que estivesse cotada a deixar a pasta. De acordo com a ministra, a eventual estava “mais na imprensa do que no nosso dia a dia”. Mas as negociações entre governo e Centrão não só seguiram como, dias depois, foram consolidadas as duas indicações do grupo à Esplanada: Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA).
Durante o mês de agosto, o governo articulou um remanejamento na Esplanada para comportar as indicações do Centrão. Costa Filho foi para a pasta de Portos e Aeroportos, então comandada por Márcio França, que ganhou um novo ministério como compensação. Fufuca foi o substituto de Moser, que deixou em definitivo a gestão federal.