Em mais uma recalibragem na estratégia eleitoral, a campanha do PT à presidência abandonou a tática de poupar Ciro Gomes (PDT) de ataques e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu nesta terça-feira, de maneira escancarada, a disputa por eleitores que não apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL) e tampouco pretendem votar no petista. Sem citar o nome de Ciro, terceiro colocado nas pesquisas, Lula estimulou o comando de sua campanha a trabalhar pela vitória ainda no primeiro turno, com atração do ‘voto útil’ em torno de seu nome. Em declaração a aliados acompanhada pela imprensa, Lula falou sobre os demais adversários em pronunciamento - e não apenas sobre Bolsonaro, como costumava fazer - e disse que “tem candidato” que não consegue “juntar gente” em comício na rua.
“Eu quero dizer que, de todas as eleições, nunca tivemos a chance de resolver no primeiro turno como temos nessas eleições. E a gente não tem que ter vergonha de dizer isso, se falta apenas um tiquinho”, disse Lula. “O que nós precisamos é aumentar a nossa capacidade de trabalho (...). Nós ainda não demos visibilidade à campanha de rua e é preciso que a gente dê”, afirmou.
O roteiro em busca da vitória no primeiro turno engloba outras estratégias, além da tentativa de atrair novos eleitores anti-Bolsonaro que hoje preferem Ciro ou Simone Tebet (MDB). A campanha aposta em aumentar a frequência e o tom dos ataques a Bolsonaro, concentrar esforços nos três Estados do Sudeste, distribuir mais material de campanha e ampliar a mobilização de rua a partir do dia 10 de setembro. O direcionamento foi definido na reunião do comando da campanha nesta terça-feira, 6, e explicado pelo deputado federal José Guimarães ao fim do encontro.
Na busca pelos eleitores de Simone e Ciro, a campanha petista acredita que uma das narrativas importantes será o discurso de que há risco para a democracia caso Bolsonaro vá para o segundo turno e que possível questionamento ao resultado das eleições será mais difícil no primeiro turno, quando também são eleitos deputados e senadores. Os desdobramentos do ato realizado neste 7 de setembro devem dar o tom de como o PT pretende explorar esse assunto.
Até então, Lula orientava seus aliados a “manter o pé no chão” sobre a possível vitória no primeiro turno. Mas, além de ver a campanha estacionada nas pesquisas de intenção de voto - embora em patamar confortável -, o movimento de candidatos da chamada terceira via nas últimas semanas orientou a mudança de rota petista.
O PT contava com o apoio de Ciro Gomes no segundo turno e, ciente de que a maioria dos votos do pedetista poderia migrar para Lula, o ex-presidente evitou até agora o embate com o ex-aliado. No debate entre presidenciáveis que aconteceu no último dia 28, Lula chegou a falar que não levava as críticas de Ciro em consideração porque “ele tem o coração mais mole do que a língua”. Ciro, por sua vez, manteve temperatura alta no ataque contra Lula na ocasião. No dia seguinte, Ciro publicou nas redes sociais um comentário colocando em xeque a saúde de Lula.
A gota d’água dentro da campanha petista foi a última entrevista de Ciro Gomes. À Jovem Pan, o candidato do PDT chamou o filho de Lula de “ladrão”, negou abertamente a possibilidade de apoiar o ex-presidente no segundo turno e disse que o petista está “debilitado” e “fragilizado”.
Um dia depois da entrevista, veio a resposta no comando da campanha de Lula. “Infelizmente, Ciro Gomes está rasgando sua biografia. Está, nitidamente, fazendo alianças com o fascismo brasileiro”, escreveu Edinho Silva em seu Twitter, ele é um dos coordenadores de comunicação da campanha de Lula.
Pouco depois da publicação, a imprensa foi chamada para acompanhar uma declaração do ex-presidente durante a reunião de coordenação de campanha - o convite aos jornalistas para testemunhar a fala de Lula nestas ocasiões raramente acontece.
Lula, então, autorizou a busca aos votos da oposição - e não mirou o ataque só em Bolsonaro, como costuma fazer. “Além do candidato a presidente temos os candidatos da oposição. Sei que às vezes vocês (aliados da campanha) ficam chateados porque a oposição nos ataca. É normal. Eles me atacam porque eles têm medo que eu ganhe no primeiro turno. A gente não tem que ter vergonha de dizer que quer ganhar no primeiro turno”, disse Lula.
“Quem tem 5, 6, 7 ou 8 (por cento das intenções de voto) sonha em chegar a 40 ou 30 para ir a segundo turno? Ora, por que quem tem 45 não pode sonhar apenas com mais 5 e ganhar no primeiro turno?”, disse. “Estou convencido que a gente pode definir essas eleições no primeiro turno. Se por acaso, o povo quiser segundo turno, nós vamos ganhar também no segundo turno”, afirmou o petista.
Lula afirmou que “nenhum candidato na história desse país teve esse leque de apoio dos partidos políticos e do movimento social” que ele tem. Ciro Gomes tentou, mas não conseguiu atrair nenhuma legenda para sua campanha. Ao falar sobre o fato de candidatos não conseguirem fazer comício na rua por falta de apoio popular, Lula emendou: “É preciso ter história, ter programa, ter compromisso para poder juntar o povo na rua e discutir com eles”.
O ataque genérico serve também à candidatura de Simone Tebet (MDB), avaliada pela própria campanha do PT como o nome de destaque no debate entre presidenciáveis. Simone também foi a candidata que recebeu melhores notícias na última pesquisa de intenção de voto, com crescimento de 2% para 5% no último DataFolha.
No pronunciamento desta terça-feira, Lula citou apenas uma de suas propostas de governo já anunciadas, o Desenrola Brasil. É justamente o programa do PT semelhante ao proposto por Ciro Gomes, para renegociação de dívidas.
Ele defendeu a estratégia de “não baixar o nível” da campanha e não responder “ataques rasteiros”.
Apesar da fala, o PT mudou recentemente a orientação das peças de propaganda e passou a atacar diretamente Bolsonaro pelas revelações sobre o patrimônio de sua família e também pela condução da pandemia.