BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu nesta sexta-feira, 26, com as ministras Marina Silva, do Meio Ambiente, e Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas, e disse que o governo vai trabalhar para reverter o esvaziamento de suas pastas promovido pela Câmara ao alterar a Medida Provisória (MP) de reestruturação da Esplanada dos Ministérios. O texto removeu competências importantes das duas titulares do primeiro escalão do governo e teve voto de quatro parlamentares do PT, sem que o governo atuasse para proteger as Pastas de Marina e Sônia Guajajara.
O encontro entre Lula e as ministras ocorreu no Palácio do Planalto. Também participaram da reunião o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social (Secom).
“Feita a avaliação,a gente precisa reafirmar a prerrogativa de quem ganhou a eleição e de quem ganhou a implementação de um projeto político. A prerrogativa é do governo de poder se organizar da melhor forma possível”, disse Rui Costa. “Portanto, o governo continuará trabalhando nos outros espaços legislativos que a MP tramitará para que os conceitos originais que foram mexidos e, em nossa opinião estão desalinhados com as políticas que precisam ser implementadas, que nós possamos retomar o conceito original”, completou.
Marina e Guajajara não participaram da entrevista em que os ministros relataram o que foi tratado na reunião com Lula. Segundo Padilha, as ministras se ausentaram porque teriam outras agendas.
O discurso do governo se modificou em relação à MP. O ministro Padilha chegou a elogiar o relatório aprovado pela Comissão Mista do Congresso. Ele disse que o documento é “equilibrado’” e que foi feito em diálogo “com o conjunto do governo”.
Nesta sexta-feira, Padilha voltou a contemporizar com as alterações feitas por Câmara e Senado e disse que, mesmo assim, em nada atrapalhariam a implementação de políticas públicas pelo governo Lula. O ministro se alternou com Rui Costa: o primeiro fez o papel de amenizar a relação com o Congresso, enquanto o segundo foi mais enfático na defesa da proposta original enviada pelo Planalto.
“ Qualquer mudança de troca de competências que o Congresso Nacional não impede que a ação do governo e de seus ministros e ministras continue a agenda de sustentabilidade”, disse Padilha.
As mudanças realizadas pela Comissão Mista de análise das MPs ainda precisam passar por análise dos plenários de Câmara e Senado. É nessas arenas de dificuldade maior por envolver mais parlamentares que o articulação de Lula pretende atuar para reverter a derrota imposta ao setor ambiental do governo.
Na prática, no entanto, o Planalto fez uma promessa a Marina que pode não cumprir. O governo não tem maioria para assegurar mudanças no texto já aprovado na comissão especial e ainda corre contra o tempo porque a MP caduca no dia 1 de junho. Se o texto não for aprovado até lá, volta a valer a regra do governo Jair Bolsonaro em que o Poder Executivo tinha menos ministérios do que os criados por Lula.
Padilha ainda disse que “não existe por parte do governo nenhuma medida de judicialização” da MP. A medida foi aventada por parlamentares da base de Lula e chegou a contar com o apoio da presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann. O líder do governo na Câmara, José Guimarães, disse que questões como essa “se resolvem pela política”.
Lula também chamou para o encontro a ministra de Gestão e Inovação, Esther Dweck. Caso o relatório seja aprovado, a pasta de Esther Dweck será responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), até então alocado no Ministério do Meio Ambiente.
O CAR é o registro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais e funciona como um dos principais instrumentos do governo contra a grilagem de terras e para o controle do desmatamento no País. Rui Costa defendeu a manutenção do cadastro no Meio Ambiente, mas chegou a dizer que a ferramenta é apenas um banco de dados e não seria alterada caso fosse direcionado para outro Ministério. Os críticos do remanejamento, contudo, apontam que a pasta da Gestão e Inovação não tem especialidade técnica para administrar essa ferramenta.
A desidratação das pastas de Marina e Guajajara gerou reação em grupos organizados da sociedade civil e dentro do próprio governo. Marina chegou a falar em “resistir” e reagiu ao ato do Congresso ao dizer que os parlamentares “estão transformando a MP da gestão do governo que ganhou na MP do governo que perdeu”, numa alusão à estrutura da Esplanada durante a gestão Jair Bolsonaro (PL), que desmontou a área ambiental para privilegiar os interesses da bancada ruralista.
Além do CAR, a pasta de Marina perdeu a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para o Ministério da Integração e a gestão de resíduos sólidos para o Ministério das Cidades. Já Guajajara não terá mais sob seu comando a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), devolvida ao Ministério da Justiça.
Em relação à ANA, Rui Costa sugeriu que pode haver a divisão da agência entre Ministérios, como aconteceu com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conad), que teve a sua estrutura repartida entre as pastas do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura.
“Qual é o conceito que nós entendemos ser mais adequado? E que na verdade foi praticado anteriormente pelo governo federal e é praticado pela quase totalidade dos Estados: é o conceito de divisão de tarefas. Quem define regras, procedimentos e política de uso dos recursos hídricos, que têm o uso múltiplo, é a área ambiental. Aqueles que implementam e materializam esse uso hídrico são cada pasta”, disse Rui Costa.
Apesar da ofensiva do Centrão contra a estrutura de Ministérios idealizada pelo núcleo duro do governo durante a transição, Lula tem minimizado as perdas de seus subordinados. Em publicação no Twitter na última quinta-feira, 25, o presidente escreveu “o jogo” apenas começou e que as pessoas “não podem se assustar com a política”.
Nesta sexta-feira, o ministro Padilha afirmou ao Estadão/Broadcast que Marina desempenha o papel de “sustentar” a agenda ambiental da gestão Lula. Quando questionado sobre a possível saída da ministra do governo, Padilha disse que “em nenhum momento isso entrou em discussão”.
Além de ter seu ministério desconfigurado pelo Centrão, Marina também entrou em confronto com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em torno de um pedido da Petrobrás para exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas.
Lula também chamou ao Planalto os líderes do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, no Senado, Jacques Wagner, e na Câmara, José Guimarães. Eles serão os responsáveis por negociar eventuais modificações no relatório apresentado pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), que acabou aprovado por 15 votos a 3 na Comissão Mista que analisa a proposta de reestruturação do governo Lula.