SANTOS E BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou não poder “querer dar um golpe” em São Paulo, diante dos atritos com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em aceno ao gestor estadual, Lula afirmou que Tarcísio terá da Presidência da República “tudo aquilo que for necessário” e destacou que os investimentos no Estado têm como foco a população paulista, não o governador.
“Disputamos (as eleições estaduais de 2022) com Tarcísio e perdemos as eleições. Não dá para querer dar um golpe de São Paulo, invadir prédio de São Paulo. É voltar para casa, se preparar e disputar outra vez, e respeitar o direito do exercício da função de quem ganhou as eleições, senão a democracia fica capenga”, disse o presidente em cerimônia em comemoração aos 132 anos do Porto de Santos e anúncio de investimentos no Túnel Submerso Santos-Guarujá nesta sexta-feira, 2.
Lula afirmou que o ato representa mais do que anúncio de investimentos, mas a necessidade de “restaurar a normalidade”. “E a normalidade é a gente respeitar o direito às diferenças.” “É a gente aprender a conviver com quem a gente não gosta, mas a gente respeita o direito da pessoa até não gostar da gente”, destacou.
O petista disse ainda ter recorrido “humildemente” a Tarcísio para selar a parceria entre o governo federal e a gestão estadual na construção do túnel. Lula repetiu que, como presidente, não tem “direito de escolher inimigos”.
“Tenho que dedicar o que tiver de tempo, de saúde e inteligência para melhorar vida do povo pobre”, disse. “Vim anunciar ao Tarcísio que estamos juntos. Em quem ele vai votar é problema dele, em quem eu vou votar é problema meu, mas estamos juntos com o compromisso de servir o povo desse Estado e povo brasileiro”, afirmou.
Lula e Tarcísio assinaram nesta sexta o termo de cooperação técnica para a execução das obras do túnel de Santos. Com um valor de investimento na ordem de R$ 6 bilhões, a obra ligará Santos ao Guarujá com a promessa de tirar do papel um projeto de 100 anos.
Em seu discurso, Tarcísio agradeceu ao presidente pela parceria, que vai além do túnel anunciado nesta sexta-feira. Também foram feitos acordos para reformas da Avenida Perimetral, nas proximidades do Porto de Santos, e para construção de moradias para populações em situações de vulnerabilidade, morando em palafitas, no litoral sul.
“Eu me sinto privilegiado de estar celebrando essa parceria para entregar para a população um sonho de 100 anos. Vamos fazer esse sonho sair do papel. Juntamente com a parceria do túnel, acertamos a parceria da Avenida Perimetral e também para a construção de casas populares. Quando somamos, vamos passar de R$ 8 bilhões. É hora de celebrar o que é histórico. O que importa é enxergar o interesse público. Vamos deixar o legado trabalhando juntos. Muito obrigado pela parceria, presidente”, discursou Tarcísio em direção a Lula.
Lula, por sua vez, devolveu o afago. “Governei com Alckmin, Serra, nunca em oito anos, eu tratei o Estado de maneira diferente. Eu quero te dizer, Tarcísio, que você terá tudo o que for necessário. Não estou beneficiando o governador, estou beneficiando o Estado mais importante da federação. São Paulo merece respeito e o governador merece ser tratado com respeito”, afirmou o presidente.
Enquanto Lula discursava, lembrando que Tarcísio já havia trabalhado nos governos do PT no Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit), um homem na plateia gritou para Tarcísio: “Volta para o PT, Tarcísio”. O governador não conteve a risada. Lula disse novamente em direção a Tarcísio que vai se preparar para derrotá-lo nas próximas eleições. Tarcísio é um dos nomes cotados para disputar a Presidência em 2026 – Jair Bolsonaro (PL), padrinho político de Tarcísio, está inelegível. “Vou me preparar para te derrotar nas próximas eleições, mas, da minha parte, não faltará respeito ao papel que você exerce em São Paulo. Eu e o Alckmin éramos adversários, mas estamos casadinhos agora”, brincou.
O público também vaiou o governador em vários momentos, principalmente no início do seu discurso. Em alguns momentos, Tarcísio teve de subir o tom diante dos gritos de “Lula, guerreiro do povo brasileiro”. O pronunciamento do presidente, pedindo respeito ao governador, foi uma reprimenda indireta ao comportamento da plateia, formada, em sua maioria, por representantes de centrais sindicais da Baixada Santista, servidores públicos e trabalhadores do Porto de Santos.
Lula e Tarcísio chegaram juntos ao palco, por volta das 10h25, e permaneceram lado a lado durante toda a cerimônia. Foram vários momentos de interação entre os políticos. Os dois fizeram juntos, por exemplo, a entrega das chaves de um conjunto habitacional construído a partir da parceria dos governos federal e estadual. Também conversaram em alguns momentos durante o discurso do ministro Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos).
Também estiveram presentes à cerimônia o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Marcio França (Empreendedorismo), Marcio Macedo (Secretaria-Geral) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), além de Anderson Pomini, presidente da Autoridade Portuária de Santos (Porto de Santos).
Ainda no evento, Lula disse que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou R$ 1,35 bilhões para o Estado de São Paulo para o eixo Norte do Rodoanel. O presidente ainda afirmou que o governo federal fará 12 institutos federais e as cidades de Santos e São Vicente serão beneficiadas.
Um projeto de 100 anos pode sair do papel
O projeto da ligação imersa, chamado oficialmente “Túnel Imerso Santos-Guarujá”, prevê investimentos de R$ 5,96 bilhões, com aportes públicos de R$ 2,7 bilhões dos governos estadual e federal, além da participação da iniciativa privada, por meio de parceria público-privada (PPP). É o maior projeto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com consulta pública prevista para março. A previsão é que o leilão ocorra no segundo semestre deste ano. A inauguração está prevista para 2028.
A construção do túnel foi motivo de disputas nos bastidores. O plano do governo federal era construir o túnel por meio de uma PPP (parceria público-privada) sem apoio da gestão paulista. Depois de várias reuniões, a gestão de Lula recuou e firmou a parceria com o governo Tarcísio.
Na saída da cerimônia, perguntado sobre a posição contrária a privatizações do governo Lula, Tarcísio disse que há divergências em relação à visão do Palácio dos Bandeirantes, mas que se busca pontos em comum nas agendas. “A busca por capital privado traz investimentos”, afirmou.
O principal objetivo do túnel é melhorar o fluxo de pedestres, cargas e automóveis que transitam entre as duas maiores cidades do litoral, com reflexos em pelo menos nove municípios da Baixada Santista. A expectativa é de 80 mil pessoas usem a passagem diariamente.
Um dos principais benefícios da obra é a redução do tempo na viagem entre as duas cidades. Interligando os bairros Macuco, em Santos, e Vicente de Carvalho, Guarujá, o túnel terá 860 metros de extensão, dos quais 761 serão imersos, embaixo do canal do Porto de Santos. A travessia deve ser feita em menos de dois minutos. Trata-se de um ganho considerável em relação aos 43 quilômetros de estrada que separam as duas cidades.
Hoje, outra opção dos motoristas é usar uma balsa, que opera de 15 em 15 minutos, com capacidade para 872 veículos por hora. Mas ela depende da movimentação do próprio porto de Santos. O serviço é interrompido quando os navios circulam – são 35 por dia. A média de espera é de 20 a 60 minutos.