Lula e Biden encontram-se pessoalmente nesta sexta-feira, 10. Trata-se de uma das reuniões mais esperadas dos últimos tempos - e não apenas pelos motivos corriqueiros, típicos das visitas diplomáticas.
Sabemos que os Estados Unidos são um parceiro prioritário para o Brasil e que as relações bilaterais, por si só, são importantes em múltiplas dimensões. Apesar disso, em 2023, o aperto de mão entre os dois líderes pode selar, ao menos do ponto de vista simbólico, um compromisso diferente. Lula e Biden buscam, no campo internacional, meios para fortalecer a cruzada doméstica que travam contra a direita radical.
É claro que durante a visita de Lula aos Estados Unidos haverá muito espaço para o diálogo que envolve os interesses nacionais dos dois países. Temas como dinamização do comércio, ampliação de investimentos, cooperação em defesa e segurança, além de proteção da Amazônia, certamente estarão na pauta das reuniões.
É razoável pensar que os países possam estabelecer, por exemplo, um mecanismo de alto nível para tratar de questões ambientais ou que possam anunciar algum tipo de parceria estratégica nesse sentido, já que a pauta é vista, por seus líderes, como oportunidade para criação de um legado.
Apesar disso, é cada vez mais difícil separar a realidade interna da ação internacional. A direita radical é um elo que conecta umbilicalmente, hoje, Brasil e Estados Unidos. Importamos do Norte não apenas várias características do trumpismo, como algumas de suas manifestações mais violentas. Vícios graves, que vão da defesa de interesses privados em detrimento de interesses públicos até a própria negação da política como meio de construção coletiva.
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Biden e Lula têm, hoje, ao menos três desafios comuns que precisam endereçar quando o assunto é defesa da democracia. Precisam encontrar meios de conter a onda de ressentimento que conquistou mentes e corações nos dois países, levando pessoas rumo à radicalização. Precisam lidar com os efeitos do populismo nacionalista e do antiglobalismo, que insuflam narrativas xenófobas e preconceituosas. Precisam encontrar formas para combater a desinformação, que fomenta e aprofunda o processo de polarização.
A tarefa não é fácil. Do lado brasileiro, esbarra em preocupações legítimas e em um passado de desconfianças. Não queremos outros países interferindo em nossos assuntos internos. Tampouco esperamos ser tutelados por terceiros.
Ao mesmo tempo está claro que o que acontece lá e cá não é matéria do acaso. A direita radical organiza-se de forma transnacional e gera efeitos em cascata, incluindo ondas de legitimação mútua e a ideia de “salvo-conduto”, com a perigosa naturalização de certas práticas. A complexidade é tamanha que há quem fale em uma lógica de “culto” sendo gestada com método e intencionalidade.
A realidade impõe-se diante de Lula e Biden. Falar sobre a direita radical tornou-se imperativo em uma visita oficial de Estado. Os dois presidentes derrotaram seus adversários nas urnas, mas chegaram ao poder com a sensação de “derrota dentro da vitória”, afinal, o inimigo do radicalismo permanece vivo e forte.
*Fernanda Magnotta é doutora pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), especialista em Estados Unidos. Professora e coordenadora do curso de Relações Internacionais da FAAP. Atuou como visiting scholar da University of Southern California (USC) com bolsa Fulbright em 2022.