O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que encerra nesta sexta-feira, 14, uma viagem de três dias à China, buscou passar uma mensagem a agentes econômicos do país asiático de que o Brasil é um país “amigo” e seguro em termos de investimentos, afirma o ex-embaixador em Pequim e conselheiro internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Marcos Caramuru.
“Isso tem um impacto sobre a visão dos investidores”, afirmou ele em entrevista ao Estadão, por telefone, antes de Lula se encontrar com o presidente chinês Xi Jinping, em Pequim. Para Caramuru, Lula reestabelece “ambiente de confiança”, algo, na visão dele, perdido durante o governo de Jair Bolsonaro. Abaixo, leia os principais trechos da entrevista.
Xi Jinping é visto como um presidente que adota uma diplomacia mais ambiciosa do que os antecessores. Como a relação diplomática com a China evoluiu com a chegada do atual líder chinês e com as transições de governo no Brasil?
Não houve um clima de confiança na relação Brasil China no tempo do governo Bolsonaro, mas também não houve um dano visível. No final do governo chegaram a aprovar planos de trabalho de curto e longo prazo. A diferença que o Lula faz é estabelecer esse ambiente de confiança. Seja porque ele já tem um histórico de relação com os chineses, seja porque é de um partido de esquerda, seja porque exista agora de fato um interesse de colaborar com a China e ampliar as relações.
O que se esperar como resultado do diálogo entre Lula e Xi Jinping?
O que eu espero é fortalecer a confiança mútua. Conversar além de comércio de proteínas, de soja. Isso já existe e não vai deixar de acontecer. Que os países possam trocar impressões sobre como veem a ordem internacional. Vou prestar muita atenção no que vai sair sobre construção de economia de baixo carbono, mudanças climáticas e novos projetos ambientais. E no que vai ter de novo em matéria de ciência e tecnologia.
A viagem de Lula à China acontece em meio à tensão entre Washington e Pequim. Lula esteve com o presidente americano Joe Biden e agora, na China, questiona o uso do dólar como lastro para exportações. Quais mensagens a visita do presidente passa em relação à política externa de seu governo?
Na relação com a China é importante passar mensagens para os agentes econômicos chineses. A primeira mensagem que ele passa é que o Brasil é um país amigo da China. Isso tem um impacto sobre a visão dos investidores. A segunda é que tem muitas perspectivas novas no relacionamento, como a construção da economia de baixo carbono, a cooperação ambiental. O Brasil tem biodiversidade, a China tem tecnologia. Em terceiro lugar, tenho percebido o interesse do Brasil de ampliar a cooperação tecnológica. A quarta, que Lula está dizendo, (é de abrir) novas alternativas de comércio bilateral, o uso de moedas nacionais. Estão se abrindo portas.
Tem se falado sobre as chances de Lula aderir ao cinturão chinês, uma iniciativa de cooperação econômica, política e cultural. O que significaria a adesão do Brasil nesse projeto e quais contrapartidas a China pode oferecer?
O fluxo mais geral de investimentos do Brasil e a estrutura de relações não vai mudar. Mas para as empresas, sobretudo as que operam em projetos subnacionais, essa adesão é mais fácil para operar quando busca financiamento e relação com o setor financeiro chinês. Dentro da China isso tem mensagem positiva e pode facilitar muito a ação com empresas em áreas de infraestrutura. Na realidade federal a China já investe muito, mas não porque assina acordos, mas porque participa de licitações. Quando você diz que o país é parte do Belt and Road (cinturão chinês), isso abre portas.
A visita de Lula à China e os sinais que faz ao país asiático afetam a relação com os Estados Unidos?
Não creio. Os EUA está em tal situação que está muito sensível aos mínimos movimentos em relação à China. Mas o Brasil não vai deixar de fazer aproximação com a China. As nossas relações são muito fortes, é o maior parceiro comercial, tem um fluxo expressivo de investimentos. A sociedade brasileira - formadores de opinião e empresários - tem posição genericamente positiva em relação à China. É um país que alcançou resultados bons nos últimos anos. É natural que uma economia como a do Brasil se relacione com essa realidade.
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Os discursos de Lula já no primeiro dia de visita mostra que tem interesse de posicionar o Brasil como líder dessas economias emergentes. Essa é uma postura parecida com Lula 1 e 2 cuja política externa apostava em um mundo multipolar e priorizava o pragmatismo? O Brasil consegue liderar esse processo hoje?
O Brasil terá esse poder se conseguir ter uma posição expressiva de liderança na América Latina e, se mantiver a casa em ordem, se internamente as coisas estiverem sob controle. Esses são os fatores essenciais. O mundo está se reorganizando no momento. O Brasil é uma economia grande, tem histórico de relacionamento mundial. É natural que desempenhe um papel. Se é semelhante a Lula 1 e 2, é menos relevante do que o fato que o mundo não é mais o mesmo e o Brasil tem que se inserir de uma outra forma. Não necessariamente se chamando de líder, mas se chamando como sempre a diplomacia brasileira quis ser chamada: um país que constrói pontes.
Qual o peso do Brasil no bloco diplomático liderado pela China para oferecer uma diplomacia alternativa na questão da guerra na Ucrânia. Esse bloco tem as mesmas chances de sucesso com o Brasil?
O Brasil tem um papel limitado, mas está procurando estender ao máximo apresentando-se como um país que tem tradição na paz. É isso que o Brasil pode significar. Que não acredita que a persistência desse conflito seja de interesse para os países de renda média porque tem um impacto no comércio internacional. Em particular para o Brasil o fato de que a Rússia e a China são parte dos Brics. Isso cria situações complexas como você ter que parar o financiamento de novos projetos e o fluxo de recursos para países membros. Pode ter um impacto sobre o banco como um todo. Tem uma legitimidade do Brasil de querer envolver-se nesse problema e de querer uma economia internacional sem sobressalto.