BRASÍLIA – A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, é uma das pessoas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais ouve sobre todos os temas. A socióloga gosta de discutir com Lula assuntos que vão da política à economia, como ele mesmo contou. A confissão de que tudo passa pelo crivo de Janja despertou uma curiosidade no meio político: além dela, com quem o presidente se aconselha na solidão do poder?
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, se aproximou muito de Lula nos últimos tempos e ampliou sua influência sobre o governo. Considerado mal-educado e até rude por vários colegas, Costa tem vencido quedas de braço importantes e tenta fazer um contraponto ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Os dois são pré-candidatos à cadeira do presidente, em 2030, e reeditam a velha disputa entre a Fazenda e a Casa Civil, como a que marcou o primeiro mandato do petista, com o duelo protagonizado por Antônio Palocci e José Dirceu. Como mostrou o Estadão, no entanto, o duelo da vez tem ingredientes diferentes e Costa não tem apoio do PT como tinha Dirceu.
Lula gosta de estimular conflitos na equipe para arbitrar os embates e dar a última palavra, que leva em conta a opinião de Janja até mesmo para campanhas publicitárias do governo. A primeira-dama tem prestigiado Haddad, a quem chama de “meu amigo”, e, recentemente, gravou com ele um vídeo para comemorar a regulamentação da reforma tributária pela Câmara.
“A Janja é o meu farol, aquele farol que guia”, afirmou o presidente, em janeiro. “Quando tem coisa errada, ela me chama a atenção. Às vezes, ela fala uma coisa para mim que a minha assessoria não fala. E isso, obviamente, me ajuda.”
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Na semana passada, depois de uma série de gafes cometidas por Lula em pronunciamentos, a primeira-dama pediu que o marido tomasse cuidado com as palavras e lesse o discurso no encerramento da 5.ª Conferência dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Janja conseguiu, ao menos naquele dia, o que nenhum assessor consegue: desde o primeiro mandato de Lula, quem produz os seus discursos reclama que ele deixa os escritos de lado para falar de improviso. Mesmo assim, sempre quer ter os papéis à mão. Para despachar com o petista no gabinete, ministros devem levar todas as informações impressas.
Embora muitas vezes pareça jogar bola nas costas de Haddad, como quando disse que precisava ser convencido da necessidade do corte de gastos – anunciado depois em R$ 15 bilhões –, o presidente tem grande apreço pelo ministro. Em 2022, foi aquele ex-prefeito de São Paulo quem levou a ele a inimaginável ideia de convidar o antigo adversário Geraldo Alckmin para vice da chapa. Deu certo.
‘Quando vocês batem no Haddad, é em mim que estão batendo’
A portas fechadas, Lula pediu a dirigentes do PT que parassem de atacar o chefe da equipe econômica e concentrassem as críticas no presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
“Quando vocês batem na política econômica do Haddad é em mim que vocês estão batendo porque essa política é minha”, disse o presidente, de acordo com relatos de dois integrantes da Executiva petista. “Ele não faz nada sem me consultar.”
Na prática, ao fustigar as altas taxas de juros do País, Lula adota um discurso que “fala” com a classe média, “ativo” importante neste ano de eleições municipais. Quando o assunto é eleição em São Paulo, aliás, os nomes mais consultados por Lula estão fora do governo: trata-se de Rui Falcão, integrante da coordenação política da campanha de Guilherme Boulos (PSOL) à sucessão paulistana, lançada neste sábado, 20, e do prefeito de Araraquara, Edinho Silva, cotado para assumir a presidência do PT, em 2025.
A última resolução política do Diretório Nacional do PT, aprovada na quinta-feira, 18, e antecipada pelo Estadão, deu uma “trégua” a Haddad, apesar das críticas internas ao ministro. O documento não chamou mais o arcabouço fiscal de “austericídio” e focou a artilharia em Campos Neto, sustentando que o presidente do BC usa a autarquia como “um bunker para sabotar a economia do país e uma plataforma de articulação político-partidária” bolsonarista.
“Fizemos um desagravo a Haddad, que está sob ataque”, observou o deputado Jilmar Tatto, secretário de Comunicação do PT. “Esses memes contra ele são choro de bolsonarista e já avisamos que, se o governo precisar de dinheiro, vamos taxar os super-ricos.” Campos Neto tem dito que as críticas à condução da política monetária e à autonomia do Banco Central por parte de Lula e de seu partido atrapalham o controle da inflação. Mas não é essa a avaliação do Palácio do Planalto.
No fim de junho, por exemplo, Haddad foi anfitrião de um jantar, em São Paulo, que reuniu Lula e alguns economistas, como o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luciano Coutinho, com quem até hoje o chefe do Executivo se aconselha. Todos pediram a ele cautela nos ataques ao Banco Central para não piorar a crise.
Lula ouviu e, segundo um dos convidados, mostrou extrema irritação com o mercado, que, no seu diagnóstico, age contra o governo. Depois, acabou terceirizando para o PT o bombardeio mais pesado contra Campos Neto.
Quem conhece bem o presidente, no entanto, garante que o seu estilo é o de manter o controle do jogo até o fim. Com isso, muitas vezes ele dá sinais trocados para testar auxiliares: conta determinado fato de um jeito para um e fala sobre o mesmo tema para outro, mas de forma diferente. Assim, quando o assunto sai na imprensa, dependendo da versão publicada, sabe quem foi o “vazador”.
Do início do ano para cá, Lula tem feito acenos frequentes na direção de Rui Costa, desafeto de Haddad. Quando a empresária Cristiana Prestes Taddeo afirmou, em acordo de delação premiada, que Costa estava envolvido em fraude na compra de respiradores para enfrentar a Covid, à época em que era governador da Bahia, Lula não só ignorou a denúncia como o elogiou.
Em abril, ao inaugurar uma estação de abastecimento de água em Pernambuco, o presidente apresentou o auxiliar como “primeiro-ministro” do governo. Antes, em março, já havia dito que Rui Costa era sua “Dilma de calças”, numa referência à ex-presidente Dilma Rousseff, que foi titular da Casa Civil.
Nos bastidores, Costa atribui o vazamento das denúncias contra ele, consideradas “absurdas”, ao time de Haddad. Na Fazenda, porém, o chefe da Casa Civil é visto como um “brucutu”.
O presidente deixa o “fogo amigo” atingir altas temperaturas e demora para tomar decisões. No início deste mês, para ira do grupo de Haddad, Lula disse que o trabalho de Costa o fazia “dormir tranquilo” toda noite.
“Nenhum ministro conta uma mentira para mim que o Rui e a Miriam (Belchior, secretária-executiva da Casa Civil) não desmintam. E é por isso que muitas vezes vocês ouvem que há divergência entre o Rui e os outros ministros”, afirmou ele durante ato em Feira de Santana (BA).
Em maio, Haddad perdeu para o titular da Casa Civil o cabo de guerra na Petrobras. Naquele mês, Lula anunciou a demissão do presidente da estatal, Jean Paul Prates, que era defendido pelo ministro da Fazenda. O último round da briga, que se estendeu por quase um ano e meio, foi vencido por Costa e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Os dois queriam a cabeça de Prates, sob a alegação de que ele não fazia o que o governo planejava.
Mesmo sem ter traquejo político, Rui Costa foi escolhido por Lula para ser o interlocutor do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que chamou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, de “incompetente”.
Costa também se reconciliou com o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil, nome vetado por ele para integrar o ministério, no início do governo. Elmar é o favorito de Lira para sua sucessão ao comando da Câmara, em fevereiro de 2025, e agora tem o apoio do ministro da Casa Civil.
Responsável pela articulação politica com o Congresso, Padilha não fala sobre o assunto, sob o argumento de que o Planalto não vai se intrometer nessa disputa. Sabe-se, porém, que aliados de Padilha veem Elmar como “longa manus” de Lira e preferem Antônio Brito (PSD-BA) à frente da Câmara.
O seleto grupo dos ministros mais ouvidos por Lula inclui, ainda, amigos desde que ele era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, como Luiz Marinho (Trabalho) e Ricardo Lewandowski (Justiça). Foi Marinho quem convenceu Lula, com muito custo, a ir à casa do ex-prefeito Paulo Maluf, em 2012, e se deixar fotografar no jardim, apertando a mão do rival. A exigência foi feita por Maluf para apoiar Haddad à Prefeitura.
Agora, foi Lewandowski quem aconselhou Lula a não dividir o Ministério da Justiça, após a saída de Flávio Dino, que assumiu uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Na campanha de 2022, o então candidato do PT propôs que a segurança pública fosse uma pasta separada. “Isso não é tão simples como tirar o paletó”, disse-lhe Lewandowski, o ex-presidente do STF que comanda o Ministério da Justiça desde 1.º de fevereiro.
Lula avalia, atualmente, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) enviada pelo Ministério da Justiça para dar mais poder ao governo federal na área de segurança pública, hoje a cargo dos Estados, e no combate ao crime organizado. Janja, por sinal, aprova a atuação de Lewandowski e sempre o elogia.
Na temporada de disputas municipais, a segurança aparece em todas as pesquisas como uma das principais preocupações dos eleitores, à frente até mesmo do desemprego. É mais um desafio para o PT, que sempre teve dificuldade em acertar o tom desse discurso.