O ato de 1º de Maio, organizado pelas centrais sindicais em São Paulo, contou com um pedido explícito de votos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao pré-candidato Guilherme Boulos (PSOL), o que é vedado pela legislação eleitoral no período de pré-campanha. Além disso, participantes do evento receberam panfletos contrários ao prefeito Ricardo Nunes (MDB), que deve ser adversário de Boulos na campanha à Prefeitura da capital em 2024, e favoráveis ao psolista. A Presidência da República foi procurada para comentar o caso, mas ainda não se manifestou. A campanha de Boulos também foi acionada para falar sobre o caso, mas não se posicionou até o momento. Adversários anunciaram que irão à Justiça contra o presidente e o pré-candidato do PSOL.
No palco, Lula chamou Boulos de candidato, apesar de o período de convenções e registros de candidatura só se abrir em julho. “Ninguém derrotará esse moço aqui se vocês votarem no Boulos para prefeito de São Paulo nas próximas eleições. E eu vou fazer um apelo: cada pessoa que votou no Lula, em 1989, em 1994, em 1998, em 2006, em 2010 e em 2022, tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo”, reiterou.
O pedido explícito de votos a um pré-candidato é proibido pela Lei das Eleições (Lei 9.504/97). O artigo 36-A diz que não configura propaganda eleitoral antecipada “a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidato”. No entanto, reforça que isso só é permitido “desde que não envolvam pedido explícito de voto”. Em geral, o TSE pune com multa o descumprimento da regra.
“Totalmente indubitável que houve pedido explícito. Tentei até dar uma olhada na jurisprudência quando envolve terceiros, mas realmente configura campanha extemporânea”, explicou Rodrigo Cândido Nunes, advogado e especialista em direito eleitoral.
Vânia Aieta, coordenadora-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, tem visão semelhante.
“No caso em diagnóstico, o presidente pede votos. O Boulos não pediu mas o presidente pede e o Boulos é beneficiário do pedido, pois estavam no palanque. Pode ser considerado propaganda antecipada sujeita a mera multa. Considerando a importância de São Paulo, pode ser que tenham feito misura de risco e entendido que valeria a pena pedir votos no Primeiro de Maio. Mas, me parece mais um caso do presidente, no calor do discurso político acalorado do Primeiro de Maio, ter atravessado a linha de vedação e ter escorregado na fala que deveria ser vedada para o momento”, disse ela, que é professora da UFRJ
Ela diz, porém, que é “zero” o risco de a declaração do Lula colocar Boulos em apuros. A punição a ser aplicada a Lula é de multa de R$ 5 a R$ 25 mil, segundo ela.
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Adversários de Boulos reclamaram imediatamente do episódio. Em nota, o MDB, partido de Ricardo Nunes, informou que vai “promover uma ação na Justiça Eleitoral, buscando a aplicação de multa ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e ao pré-candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, por propaganda eleitoral antecipada, uma vez que houve pedido expresso de votos, durante o ato de 1º de Maio, na capital”.
O partido, que faz parte da base do presidente com três ministérios, diz, ainda, que “pedirá ao Ministério Público (MP) a abertura de inquérito para a apuração dos valores gastos com o evento, incluindo os públicos, além do uso da estrutura sindical com o objetivo de se promover candidatura”.
“Verificada a ocorrência de abuso do poder econômico e de autoridade, deverá ser ajuizada investigação judicial eleitoral, que poderá resultar na decretação de inelegibilidade a Lula e a cassação da candidatura de Boulos, na qualidade de beneficiário consentido da conduta vedada”, afirma o diretório municipal da legenda.
O coordenador da pré-campanha de Boulos, Josué Rocha, afirmou, em nota, que “Ricardo Nunes tenta criar uma cortina de fumaça para despistar o uso de eventos oficiais da Prefeitura, realizados com dinheiro público, para a promoção de sua candidatura à reeleição - como já noticiado pela imprensa”. “Ele é quem deve explicações à sociedade”, concluiu o texto. Ele fazia menção à notícia do site Metrópoles de que a a supervisora se saúde da subprefeitura de Perus teria orientado servidores públicos a comparecer sem identificação num evento organizado por Nunes no dia 12 de abril.
Os também pré-candidatos Marina Helena (Novo) e Kim Kataguiri (União Brasil) anunciaram iniciativas semelhantes.
“Anuncio a todos que estou entrando com uma ação na Justiça Eleitoral contra a pré-campanha de Guilherme Boulos por evidente propaganda antecipada. Também denunciaremos Lula ao Ministério Público por abuso de poder político. O presidente usou a máquina pública para praticar algo ilegal - o pedido explícito de voto antes da campanha começar. É bom lembrar que o TSE declarou Bolsonaro inelegível por uma acusação parecida: “Abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na tentativa de ter ganhos eleitorais’. E aí, será que o TSE vai ser coerente e aplicar a mesma punição ao atual presidente?”, disparou Marina Helena.
“Lula cometeu crime eleitoral. Em evento com sindicalistas, Lula pediu voto para Guilherme Boulos. Isso é campanha antecipada. amos entrar com ação na Justiça imediatamente”, afirmou Kim Kataguiri.
Já coordenador do grupo jurídico Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, saiu em defesa de Lula. Ele afirmou ao Estadão que o presidente “não pode ser enquadrada como propaganda eleitoral antecipada, e nem mesmo teve o escopo de influenciar as eleições”. Na sua avaliação, “trata-se, em verdade, de manifesto exercício da liberdade de expressão”.
Jornais pró-Boulos e anti-Nunes são distribuídos no Itaquerão
Boulos é o mais preparado para cuidar de São Paulo”, diz a manchete principal da capa da publicação “Cuidar de São Paulo” As quatro reportagens do periódico são elogiosas ao pré-candidato do PSOL. Uma inscrição no rodapé da última página indica que a tiragem da edição é de cem mil exemplares e que o responsável pela publicação é o diretório paulista do PSOL. A capa do jornal também conta com uma chamada elogiosa a Marta Suplicy, que retornou ao PT e é cotada para compor a chapa de Boulos como vice. “Marta voltou!”, diz uma das manchetes. Também há uma manchete que relaciona o pré-candidato do PSOL ao presidente Luiz Inácio da Silva (PT): “Lula é Boulos, Boulos é Lula”.
Cada uma das chamadas na capa menciona uma reportagem veiculada na publicação. A manchete principal faz referência a uma matéria que detalha a biografia de Boulos, expondo a vida pregressa do pré-candidato e elogiando sua atuação no Congresso. O texto diz que “Boulos é uma pessoa que não consegue pensar só nele” e que o pré-candidato está “fechado com Lula, trabalhando por São Paulo e pelo Brasil”.
O título da reportagem sobre Marta Suplicy diz que a petista é “a inesquecível prefeita que está ao lado de Boulos”. O texto exalta a gestão da ex-prefeita e afirma que “Boulos e Marta têm tudo para ser uma dupla de muito sucesso”.
Marta deixou a gestão de Ricardo Nunes em janeiro deste ano e se filiou novamente ao PT, sigla em que esteve por mais de 30 anos, mas estava afastada desde 2015.
Para Rodrigo Cândido Nunes, advogado e especialista em direito eleitoral, no entanto, ao contrário da fala de Lula, os panfletos pró-Boulos não configuram pré-campanha eleitoral, a despeito do tom elogioso. Segundo Cândido Nunes, a campanha antecipada “exige a presença de pedido explícito de votos”.
Procurado, o PSOL apontou que o material “foi elaborado nos termos previstos em lei e apresenta conteúdo informativo político-partidário para a cidade de São Paulo em consonância com o material da propaganda político-partidária veiculada em rádio e TV”.
Um jornal anti-Nunes também era distribuído no local. Este, denominado “Jornal São Paulo Urgente”, de responsabilidade do Partido dos Trabalhadores. Segundo o expediente, com uma tiragem de 100 mil exemplares.
De forma análoga, Cândido Nunes afirma não se enquadrar, em tese, como pré-campanha, pois não há um pedido explícito para que o leitor não vote no prefeito de São Paulo, apesar do tom jocoso e ‘denuncioso’ contra o mandatário. De acordo o advogado, as publicações também não fizeram o uso de “palavras mágicas” fixadas em um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o enquadramento de campanha antecipada.