BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já desembolsou R$ 3 milhões na contratação da empresa que vai fazer a montagem e organização do desfile do 7 de Setembro, valor mais que o dobro do gasto por Jair Bolsonaro (PL) em seu primeiro ano de mandato.
A vencedora da licitação foi a mesma que realizou o primeiro desfile cívico-militar de Bolsonaro, em 2019, mas, neste ano, ela embolsará R$ 1,8 milhão a mais do que quatro anos atrás. Não é possível comparar os gastos deste ano com os eventos promovidos em 2021 e 2022, pois os contratos não estão disponíveis na plataforma da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) - em 2020, não houve desfile por causa da pandemia do covid-19. Os dois últimos feriados da gestão Bolsonaro foram os de maior repercussão política por causa dos enfrentamentos do ex-presidente às instituições democráticas.
Neste ano, a empresa M.M Faleiros Montagens e Eventos receberá R$3,1 milhões pela organização do feriado de 7 de Setembro. Em 2019, a licitante venceu o pregão organizado pelo governo por R$ 971.500 mil, que, corrigidos pelo índice IPCA, equivalem a R$1,2 milhão atualmente.
A cifra destinada à empresa poderia ser ainda maior, já que o Palácio do Planalto chegou a estimar o gasto de R$ 6,8 milhões somente com a contratação do serviço de montagem de arquibancadas, instalação de banheiros químicos e demais instalações para o evento.
Além do pagamento pela estrutura, a cifra total gasta ainda incluíra outros repasses, já que a realização do evento envolve o Ministério da Defesa, que costuma repassar milhões de reais a seus soldados a título de diárias. No 7 de Setembro do ano passado, somente a Defesa gastou R$ 8,4 milhões. Além de ser o bicentenário da Independência, o governo Bolsonaro turbinou o evento num contexto de politização das festividades pelo Planalto em meio à disputa eleitoral.
Bolsonaro chegou a ser investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por suspeita de abuso de poder na maneira como o evento foi realizado. O então presidente fez um discurso a milhares de apoiadores na Esplanada dos Ministérios que foi acusado de ser de cunho eleitoral.
A data de 7 de Setembro ficou atrelada ao bolsonarismo, sobretudo após a celebração do feriado da Independência de 2021, quando o então presidente Bolsonaro inflamou seus apoiadores com discursos de ataque ao Poder Judiciário e ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Na ocasião, Bolsonaro disse que não iria mais cumprir decisões judiciais que o atingissem. Depois, voltou atrás.
Neste ano, assessores de Lula afirmam que o presidente quer ressignificar a data. A organização do desfile cívico-militar deste ano está sob a coordenação do ministro da Secom, Paulo Pimenta, que montou uma força-tarefa para dar conta da missão passada pelo presidente. O governo estima que 30 mil pessoas vão comparecer à Esplanada para ver a passagem de efetivos militares, blindados e o voo da esquadrilha da fumaça.
A ordem que circula no Palácio do Planalto é de transformar o 7 de Setembro deste ano em um “ato de resgate das cores da bandeira e dos símbolos patrióticos” que ficaram associados a Bolsonaro e seus apoiadores. Em seu discurso de vitória, em 30 de outubro do ano passado, o atual presidente sinalizou essa intenção: “Esse verde-amarelo e essa bandeira pertencem ao povo brasileiro”, afirmou na Paulista.
Dentre as mudanças preparadas para este ano, o governo realizará uma exposição em homenagem às Forças Armadas na área externa do Museu Nacional. A data e o cortejo aos militares também são apontados como uma oportunidade de Lula se aproximar da categoria e diminuir a tensão dentro do governo diante do avanço das investigações da Polícia Federal (PF) que miram oficiais envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro.
“O 7 de Setembro vai ser uma boa oportunidade para Lula verificar em que pé está sua relação com os militares brasileiros de modo mais geral”, avaliou o professor de ciência política na Fundação Getúlio Vargas (FGV) Sérgio Praça. “Nos anos sob Bolsonaro, o feriado foi uma oportunidade para oficiais adesistas ao governo demonstrarem boa vontade e lealdade com o presidente”, completou.
O cientista político e professor do Insper Leandro Consentino, por sua vez, destacou o aspecto negativo e “desaconselhável” da “disputa política em torno de uma data de Estado e cívica para o País”. “A data tem a ver com valores da República e não com valores de determinada facção ou partido estabelecidos. Os símbolos nacionais, tal qual a bandeira e a data da Independência do País precisam ser, de fato, resgatados pelo Estado brasileiros e não pertencentes a um candidato ou outro”, afirmou.
Para Consentino, a data pode, sim, vir a ser usada para melhorar a relação do governo com as Forças Armadas, mas que essa iniciativa não pode redundar em “dispêndio de recursos”. “É preciso tomar muito cuidado com o que é resgate dos símbolos nacionais e dessa boa relação entre os militares e o presidente da República; e o que é simplesmente um gasto perdulário que não precisaríamos ter”, concluiu.