A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China faz parte de um movimento que reforça a autonomia estratégica do Brasil no cenário internacional e expõe a tentativa de o País se equilibrar entre “Pequim e Washington”. Essa é a avaliação de analistas de relações internacionais ouvidos pelo Estadão. Segundo eles, o principal objetivo desta agenda foi comercial.
Para o ex-embaixador Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), o Brasil se manteve “equidistante” entre China e Estados Unidos, ainda que Lula tenha contestado o poder do dólar em seu primeiro discurso durante a viagem.
“O dólar é a moeda conversível mais importante do mundo. Todo mundo transaciona em dólar. Não é uma questão política. A posição do Brasil é defender o interesse brasileiro tanto junto ao governo americano quanto ao governo chinês”, disse Barbosa.
Nos últimos dois meses, Lula visitou a Argentina, o Uruguai e os Estados Unidos. “É uma construção que faz sentido”, avalia o ex-embaixador. Na sua percepção, o diferencial da visita à China em relação aos demais países é o tom. “A ênfase dessa visita é econômica e comercial, ao contrário da visita para os Estados Unidos, que foi política. A agenda com a China é concreta, na qual entra a expansão do comércio exterior.”
Para Guilherme Casarões, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Lula tem um novo desafio em seu terceiro mandato, que é como “navegar um mundo diferente daquele de 20 anos atrás”.
“Hoje, Estados Unidos e China disputam a primazia do comércio e da tecnologia em nível global. O Brasil, um país emergente diante do horizonte de um mundo multipolar, precisa se equilibrar entre as duas grandes potências. Neste novo mandato, Lula tem buscado a equidistância entre Washington e Beijing.”
A rodada de viagens feita nos dois primeiros meses de governo mostra, na perspectiva do professor, “a prioridade atribuída aos grandes parceiros brasileiros, bem como a centralidade de pautas estruturantes, como comércio, investimentos e tecnologia”.
Ucrânia
Além das implicações econômicas, o encontro de Lula com o presidente chinês Xi-Jiping, marcado para esta sexta, 14, cria expectativas no campo diplomático. Para o professor de relações internacionais da FGV Oliver Stuenkel, o ponto mais importante “é a possibilidade de o Brasil buscar algum tipo de ativismo na negociação de paz da Ucrânia de uma forma que possa beneficiar a Rússia”. O New York Times mostrou, nesta quarta, 12, que o Brasil se recusou duas vezes a vender armamentos para Kiev.
“Quanto mais Lula falar sobre a Ucrânia durante essa visita, estando na China – que, na percepção ocidental, não é um ator neutro – , maior o risco de que o Brasil seja visto na Europa e nos Estados Unidos como um ator mais próximo da Rússia e da China do que deles”, pontua Stuenkel, que é doutor em Ciência Política pela Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha.
Segundo ele, há vários entraves para que um acordo de paz se torne algo factível, como o fato de a Ucrânia não aceitar negociar com a Rússia enquanto ela não retirar as tropas do território ucraniano. Para o cientista político, “o risco maior dessa iniciativa brasileira, não é que ela seja ignorada, mas que ela afete negativamente a relação do Brasil com países ocidentais”.
Desafios comuns
A especialista do núcleo de Ásia do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) Larissa Wachholz vê como natural a visita de Lula a Xi Jinping, uma vez que a China é o maior parceiro comercial do Brasil.
“A questão é como se usa a política externa como um dos instrumentos de desenvolvimento socioeconômico. Não é interessante para o Brasil uma relação em que o mundo tenha poucos países que possam nos oferecer essas oportunidades. A gente ganha em um mundo multipolar e a gente tem que saber operar nessas condições, mantendo equidistância, conversando com todo mundo e sendo um parceiro confiável”, disse.
Segundo ela, Lula, em seu discurso na posse da ex-presidente Dilma Rousseff no comando do banco dos Brics, deu sinais que o Brasil faz parte de um grupo de países emergentes com desafios comuns, sendo um deles o desenvolvimento da infraestrutura. “Existem desafios semelhantes de desenvolvimento que podem ser encarados por esses países de forma conjunta.”/COLABOROU LEVY TELES