Lula não tem admiração de antes no exterior pois não defende mesmas causas do Ocidente, diz Ricupero


Ex-ministro e ex-embaixador diz que país rompeu isolamento internacional graças à política de meio ambiente e que Lula deveria ser menos condescendente com Maduro

Por Monica Gugliano
Atualização:
Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Entrevista comRubens RicuperoEmbaixador aposentado e ex-ministro

“O Brasil rompeu o isolamento internacional, graças à política de meio ambiente”, diz o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Itamar Franco, Rubens Ricupero. Embaixador aposentado e ex-ministro da Fazenda, ele avalia, porém, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não voltou a ter a mesma admiração que tinha do mundo em seus dois primeiros mandatos. Segundo ele, em razão de o petista não defender hoje necessariamente as mesmas causas que os ocidentais, como se dava anteriormente.

“A começar pela Ucrânia que ele teve desde o início uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia”, diz ele.

O diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero avaliou a política externa do governo Lula Foto: Werther Santana/Estadão
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Em entrevista ao Estadão, ao tratar da crise entre a Venezuela e a Guiana, o ex-ministro avalia que dificilmente a tensão acabará em um confronto armado. Mas, afirma que situação já se tornou um problema para o Brasil e que o presidente Lula deveria ser menos condescendente com seu colega venezuelano, Nicolás Maduro.

Veja a íntegra da entrevista:

Em que medida a Venezuela pode se transformar em um problemão para o Brasil?

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De certa forma já virou. Lula depositou uma confiança em Nicolás Maduro quando, alguns meses atrás, ele fez uma reunião de presidentes em Brasília para refundar a Unasul. Mas não conseguiu. Lula estendeu o tapete vermelho para Maduro, embora, naquele momento, o Brasil não tivesse relações diplomáticas com a Venezuela - o ex-presidente Jair Bolsonaro havia rompido. Ele quis mostrar, com isso, que tinha confiança de que Maduro poderia aceitar aos poucos a ideia de uma eleição presidencial, por causa das pressões, das sanções americanas.

E parece que não deu certo, não é?

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia. Tanto assim, que agora está criando um problema para o Brasil e é complicado. Embora eu não acredite muito que o Maduro tenha intenção realmente de desencadear uma agressão militar contra a Guiana porque seria uma aventura.

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O senhor acha que é uma bravata?

Toda guerra, como mostra a própria guerra da Ucrânia, costuma ser imprevisível. Todo o mundo achava que a Rússia ia resolver aquilo em pouco tempo, mas, na verdade, houve uma reviravolta e já dura quase dois anos. Eu acredito que Maduro deve ter tomado essa decisão sobretudo por razões internas. O apoio dele vem, em último caso, dos militares, ele e, no fundo, o regime venezuelano é amparado nas Forças Armadas. Ele tem uma popularidade muito baixa, a eleição vai ser complicada. Por isso, está tentando, com os meios de que dispõe, preparar a eleição para não correr perigo de perder. Tanto é assim que o Tribunal venezuelano, que ele controla, já declarou inelegível Maria Corina Machado, que é a principal adversária dele e aparece melhor nas pesquisas. Mas ele provavelmente quis, com essa decisão, aumentar o apoio que ele possa ter da parte dos militares, da própria opinião pública.

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia.

Rubens Ricupero, embaixador aposentado e ex-ministro

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Mas agora ele saiu do território venezuelano...

Agora, ele tomou esta iniciativa e criou um problema grave, pois ele, depois de destruir a Venezuela - é um caso único nos tempos modernos, num país que não tem uma população tão grande (cerca de 28 milhões de habitantes), que cinco, seis milhões de pessoas tenham saído de lá e só isso mostra o desastre que é - está criando uma situação complicada para o continente. Para nós, em primeiro lugar, pois, além desse precedente de o Lula ter apostado nele, uma aposta que não deu certo, ele criou um problema numa área em que o Brasil tem limites com dois países. O Brasil é o único país da América do Sul que tem limites com a Venezuela e a Guiana e que, se acontecesse alguma coisa muito grave lá, dificilmente o Brasil poderia ficar passivo. Não creio que os militares aqui iriam aceitar alguma coisa mais grave, como uma incorporação de um território. Você vê pelas declarações do próprio ministro da Defesa, José Múcio Teixeira. Ele não quis ser agressivo, mas deixou claro que, pelo território brasileiro, os venezuelanos não poderiam passar nunca, se quisessem atacar a Guiana. É mais ou menos óbvio, mas ele não precisava falar. O fato de ele ter falado foi uma espécie de recado e, além do mais, há outros sinais, o Exército mandou pra lá mísseis, blindados. Isso não quer dizer que o Brasil queira entrar numa contenda, mas mostra que está preparado para isso. E, com tudo isso, Maduro está criando um problema enorme.

Há um receio de que um hipotético conflito trouxesse os Estados Unidos ao continente...

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Ainda acho que Maduro dificilmente iria desencadear uma operação militar. As consequências seriam imprevisíveis, em último caso poderia levar até a queda dele. Acho que ele vai ter muito mais prudência do que muita gente poderia pensar, se seguir a retórica dele. Não há dúvida de que, se essa situação escapasse ao controle e chegasse de fato a uma operação militar, os americanos seriam a garantia da Guiana. Primeiro, porque eles não poderiam aceitar que um governo como o da Venezuela, que eles detestam, agredisse a Guiana. Segundo, porque a principal empresa que explora o petróleo lá é a Exxon, americana. Eles não vão ficar indiferentes. Isso que os militares brasileiros receiam é uma alternativa plausível. De fato, embora não haja esse descontrole, não acho impossível. Mas acho pouco provável.

O senhor acha que Lula deveria ter sido mais duro com o presidente da Venezuela?

A primeira coisa que eu acho bom dizer é que esse caso mostra claramente que, além de um problema de princípios, é um erro. Quando não se critica uma política de indiferença às violações dos direitos humanos, como essa política que o PT e Lula costumam conduzir que, por afinidades ideológicas, não querem criticar a Venezuela, a Nicarágua, Cuba, além do problema de princípios, se comete um erro. Por que há outro aspecto: o ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro. Então, a gente vê claramente que é preciso condenar com firmeza as ditaduras e as violações, porque quem faz isso prejudica não só os próprios cidadãos, mas, na primeira oportunidade que aparecer, se torna uma ameaça aos demais, como estamos vendo na Venezuela.

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O ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro.

Rubens Ricupero

O senhor diria que o Brasil está perdendo a liderança no continente?

Para o Brasil, que sempre disse que a prioridade era a América Latina, a América do Sul, especialmente, a situação está ficando cada vez mais difícil. A América do Sul está se tornando um terreno muito complicado. Com a eleição na Argentina, Lula perdeu seu principal interlocutor, seu principal aliado, que era o governo peronista. E não é um aliado qualquer, é o mais importante na América do Sul. Aí, ele perde também dentro do Mercosul, em que nem o Uruguai nem o Paraguai têm posições ideológicas parecidas às do PT. E, além disso, no resto do continente, o Brasil está numa situação duvidosa. O Chile pela segunda vez rejeitou a proposta de mudança na constituição, e o governo está com uma popularidade muito baixa. O Peru é um país com muita instabilidade política, até agora está aquela presidente interina, depois que o impeachment derrubou o presidente, vive uma situação tão agitada que praticamente não conta na política do continente. Colômbia, que poderia ser mais simpática às posições daqui, Gustavo Petro (presidente colombiano) adotou uma postura que é oposta à do Brasil. Petro sugeriu não explorar o petróleo da Amazônia, coisa que o Lula não quis aceitar. Neste continente, agora, Lula tem um espaço muito pequeno. Tanto que a ideia que ele tinha de refazer a Unasul não deu certo.

Mas no caso da Guiana, o Brasil tem feito uma certa mediação...

No caso da Guiana é verdade que ele contribuiu para essa reunião que houve entre Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, tanto que o segundo encontro vai ser aqui. Mas é um problema que não precisava existir se não fosse Maduro ter criado essa dificuldade. Um panorama que ficou muito mais desfavorável para o Lula. Não digo que seja culpa dele, mas que ele apostou num homem e deu errado.

O senhor acha que Lula atingiu os objetivos que se propôs na política externa para este primeiro ano de governo?

Alguns dos primeiros objetivos que ele anunciou, ele conseguiu atingir. O Brasil estaria de volta, sairia da situação de pária. Delineou um programa que ele cumpriu. Voltou a se tornar um parceiro ativo e, graças à política de meio ambiente, ele conseguiu romper aquele isolamento, a condição de pária que o Bolsonaro havia criado. Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade. Teve a nomeação de Marina Silva, a campanha contra o garimpo ilegal em Roraima, com a destruição dos equipamentos, a campanha para diminuir o desmatamento da Amazônia, que diminuiu muito. Então, esse lado, eu acho altamente positivo. Há uma situação bem melhor.

Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade.

Rubens Ricupero

Mas o mundo é muito diferente daquele dos dois primeiros mandatos dele...

Ele não conseguiu voltar a ter a admiração que tinha nos dois primeiros mandatos porque, naquela ocasião, ele aparecia como um homem que defendia causas que os ocidentais também defendiam. Mas, neste momento, algumas causas que o Lula tem procurado são diferentes dos países ocidentais. A começar pela Ucrânia, que ele teve, desde o início, uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações, e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia. Também no caso de Israel, ele tem exagerado um pouco nas palavras, embora haja no mundo uma grande preocupação com o que está acontecendo lá. Ele é admirado hoje pelos direitos humanos e sobretudo pelo meio ambiente em que ele realizou muita coisa.

Como o senhor interpreta a decisão do Brasil apoiar a acusação da África do Sul contra Israel na CIJ?

nterpreto a decisão (de apoiar a ação da África do Sul) como uma pressão sobre Israel. Não acho que a Corte Internacional vá dá um parecer favorável à alegação de genocídio porque a Convenção (para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio) tem uma definição muito estrita e o nível para provar isso é muito difícil porque é preciso provar a intenção de eliminar um povo. Isso é muito difícil de fazer a não ser em casos como o Holocausto, em que havia um plano deliberado.

Se compreende que o Brasil tenha decidido pesar mais porque a verdade é que, até agora, as tentativas dos americanos para persuadir Israel a moderar em relação à morte de civis não deram resultado. Então se compreende que haja um aumento da pressão internacional. Faço uma interpretação mais política que jurídica.

Particularmente, não acho que o que acontece em Gaza seja um genocídio, pelo menos não pelos atuais critérios, mas, sem dúvida alguma pode se dizer que é uma ação desproporcional ao ataque. Tanto que já tem 23 mil mortes. Isso, por si só, é muito eloquente. Em três meses morreram mais civis, sobretudo mulheres e crianças, que em quase dois anos de guerra na Ucrânia. Os explosivos usados em Gaza são mais poderosos que os usados na Ucrânia. Há uma série de indícios que mostram uma resposta desequilibrada.

Eu vejo a atitude brasileira mais como gesto político.

Depois da fase de argumentação, os juízes terão um tempo para decidir - acredito que deve demorar umas duas semanas - e eles provavelmente vão emitir uma sentença com indicações provisórias. Também no caso da Ucrânia, quando procurou o tribunal pedia uma injunção para que cessassem as operações, algo que os russos nunca fizeram, eles nunca obedeceram essa ordem. É possível que, no caso de Gaza, se faça também uma injunção nesse sentido, exortando Israel a cum cessar-fogo e é pouco provável que Israel aceite. Há quase 20 anos, a corte emitiu uma decisão contrária à construção do muro para cercar territórios palestinos e a muralha foi construída. Não atendeu aos objetivos que Israel pretendia, mas foi construída.

O problema da Corte Internacional de Justiça é exatamente esse. Embora seja a instância judiciária mais elevada do mundo - e a prova disso é que Israel se mobilizou e está se defendendo porque (o julgamento da Corte) tem esse peso moral e político - mas, apesar disso, o tribunal não tem o poder de impor.

Mas é claro que, se toma uma decisão, como se espera, para que Israel interrompa operações, o peso político é muito alto. Ainda que Israel não cumpra a ordem, pode tentar de alguma maneira encurtar esse período para reduzir o desgaste internacional.

Assim como a África do Sul recorreu ao tribunal, Israel está se defendendo, não negou a jurisdição da Corte Internacional de Justiça como fez a Venezuela no caso do Essequibo. A Venezuela foi ao tribunal, mas disse que não aceitava a jurisdição.

Então o senhor acredita que o apoio é mais um gesto para aumentar essa pressão internacional?

Não chega a ser uma surpresa, o próprio Lula falou em genocídio. Eu, pessoalmente, não usaria a palavra porque não acho que seja adequada. Basta ver a diferença entre o que está acontecendo na Faixa de Gaza e o caso que deu origem à convenção contra o genocídio, uma convenção de 1948 que tem como base o Holocausto. Havia um plano deliberado, documentado. E a própria dimensão, morreram 6 milhões de judeus. Hitler eliminou os judeus de parte do continente, que é a definição de Holocausto - a eliminação total ou parcial de um povo. No caso do Holocausto, não há dúvida (que foi genocídio). /colaborou Jéssica Petrovna

“O Brasil rompeu o isolamento internacional, graças à política de meio ambiente”, diz o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Itamar Franco, Rubens Ricupero. Embaixador aposentado e ex-ministro da Fazenda, ele avalia, porém, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não voltou a ter a mesma admiração que tinha do mundo em seus dois primeiros mandatos. Segundo ele, em razão de o petista não defender hoje necessariamente as mesmas causas que os ocidentais, como se dava anteriormente.

“A começar pela Ucrânia que ele teve desde o início uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia”, diz ele.

O diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero avaliou a política externa do governo Lula Foto: Werther Santana/Estadão

Em entrevista ao Estadão, ao tratar da crise entre a Venezuela e a Guiana, o ex-ministro avalia que dificilmente a tensão acabará em um confronto armado. Mas, afirma que situação já se tornou um problema para o Brasil e que o presidente Lula deveria ser menos condescendente com seu colega venezuelano, Nicolás Maduro.

Veja a íntegra da entrevista:

Em que medida a Venezuela pode se transformar em um problemão para o Brasil?

De certa forma já virou. Lula depositou uma confiança em Nicolás Maduro quando, alguns meses atrás, ele fez uma reunião de presidentes em Brasília para refundar a Unasul. Mas não conseguiu. Lula estendeu o tapete vermelho para Maduro, embora, naquele momento, o Brasil não tivesse relações diplomáticas com a Venezuela - o ex-presidente Jair Bolsonaro havia rompido. Ele quis mostrar, com isso, que tinha confiança de que Maduro poderia aceitar aos poucos a ideia de uma eleição presidencial, por causa das pressões, das sanções americanas.

E parece que não deu certo, não é?

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia. Tanto assim, que agora está criando um problema para o Brasil e é complicado. Embora eu não acredite muito que o Maduro tenha intenção realmente de desencadear uma agressão militar contra a Guiana porque seria uma aventura.

O senhor acha que é uma bravata?

Toda guerra, como mostra a própria guerra da Ucrânia, costuma ser imprevisível. Todo o mundo achava que a Rússia ia resolver aquilo em pouco tempo, mas, na verdade, houve uma reviravolta e já dura quase dois anos. Eu acredito que Maduro deve ter tomado essa decisão sobretudo por razões internas. O apoio dele vem, em último caso, dos militares, ele e, no fundo, o regime venezuelano é amparado nas Forças Armadas. Ele tem uma popularidade muito baixa, a eleição vai ser complicada. Por isso, está tentando, com os meios de que dispõe, preparar a eleição para não correr perigo de perder. Tanto é assim que o Tribunal venezuelano, que ele controla, já declarou inelegível Maria Corina Machado, que é a principal adversária dele e aparece melhor nas pesquisas. Mas ele provavelmente quis, com essa decisão, aumentar o apoio que ele possa ter da parte dos militares, da própria opinião pública.

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia.

Rubens Ricupero, embaixador aposentado e ex-ministro

Mas agora ele saiu do território venezuelano...

Agora, ele tomou esta iniciativa e criou um problema grave, pois ele, depois de destruir a Venezuela - é um caso único nos tempos modernos, num país que não tem uma população tão grande (cerca de 28 milhões de habitantes), que cinco, seis milhões de pessoas tenham saído de lá e só isso mostra o desastre que é - está criando uma situação complicada para o continente. Para nós, em primeiro lugar, pois, além desse precedente de o Lula ter apostado nele, uma aposta que não deu certo, ele criou um problema numa área em que o Brasil tem limites com dois países. O Brasil é o único país da América do Sul que tem limites com a Venezuela e a Guiana e que, se acontecesse alguma coisa muito grave lá, dificilmente o Brasil poderia ficar passivo. Não creio que os militares aqui iriam aceitar alguma coisa mais grave, como uma incorporação de um território. Você vê pelas declarações do próprio ministro da Defesa, José Múcio Teixeira. Ele não quis ser agressivo, mas deixou claro que, pelo território brasileiro, os venezuelanos não poderiam passar nunca, se quisessem atacar a Guiana. É mais ou menos óbvio, mas ele não precisava falar. O fato de ele ter falado foi uma espécie de recado e, além do mais, há outros sinais, o Exército mandou pra lá mísseis, blindados. Isso não quer dizer que o Brasil queira entrar numa contenda, mas mostra que está preparado para isso. E, com tudo isso, Maduro está criando um problema enorme.

Há um receio de que um hipotético conflito trouxesse os Estados Unidos ao continente...

Ainda acho que Maduro dificilmente iria desencadear uma operação militar. As consequências seriam imprevisíveis, em último caso poderia levar até a queda dele. Acho que ele vai ter muito mais prudência do que muita gente poderia pensar, se seguir a retórica dele. Não há dúvida de que, se essa situação escapasse ao controle e chegasse de fato a uma operação militar, os americanos seriam a garantia da Guiana. Primeiro, porque eles não poderiam aceitar que um governo como o da Venezuela, que eles detestam, agredisse a Guiana. Segundo, porque a principal empresa que explora o petróleo lá é a Exxon, americana. Eles não vão ficar indiferentes. Isso que os militares brasileiros receiam é uma alternativa plausível. De fato, embora não haja esse descontrole, não acho impossível. Mas acho pouco provável.

O senhor acha que Lula deveria ter sido mais duro com o presidente da Venezuela?

A primeira coisa que eu acho bom dizer é que esse caso mostra claramente que, além de um problema de princípios, é um erro. Quando não se critica uma política de indiferença às violações dos direitos humanos, como essa política que o PT e Lula costumam conduzir que, por afinidades ideológicas, não querem criticar a Venezuela, a Nicarágua, Cuba, além do problema de princípios, se comete um erro. Por que há outro aspecto: o ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro. Então, a gente vê claramente que é preciso condenar com firmeza as ditaduras e as violações, porque quem faz isso prejudica não só os próprios cidadãos, mas, na primeira oportunidade que aparecer, se torna uma ameaça aos demais, como estamos vendo na Venezuela.

O ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro.

Rubens Ricupero

O senhor diria que o Brasil está perdendo a liderança no continente?

Para o Brasil, que sempre disse que a prioridade era a América Latina, a América do Sul, especialmente, a situação está ficando cada vez mais difícil. A América do Sul está se tornando um terreno muito complicado. Com a eleição na Argentina, Lula perdeu seu principal interlocutor, seu principal aliado, que era o governo peronista. E não é um aliado qualquer, é o mais importante na América do Sul. Aí, ele perde também dentro do Mercosul, em que nem o Uruguai nem o Paraguai têm posições ideológicas parecidas às do PT. E, além disso, no resto do continente, o Brasil está numa situação duvidosa. O Chile pela segunda vez rejeitou a proposta de mudança na constituição, e o governo está com uma popularidade muito baixa. O Peru é um país com muita instabilidade política, até agora está aquela presidente interina, depois que o impeachment derrubou o presidente, vive uma situação tão agitada que praticamente não conta na política do continente. Colômbia, que poderia ser mais simpática às posições daqui, Gustavo Petro (presidente colombiano) adotou uma postura que é oposta à do Brasil. Petro sugeriu não explorar o petróleo da Amazônia, coisa que o Lula não quis aceitar. Neste continente, agora, Lula tem um espaço muito pequeno. Tanto que a ideia que ele tinha de refazer a Unasul não deu certo.

Mas no caso da Guiana, o Brasil tem feito uma certa mediação...

No caso da Guiana é verdade que ele contribuiu para essa reunião que houve entre Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, tanto que o segundo encontro vai ser aqui. Mas é um problema que não precisava existir se não fosse Maduro ter criado essa dificuldade. Um panorama que ficou muito mais desfavorável para o Lula. Não digo que seja culpa dele, mas que ele apostou num homem e deu errado.

O senhor acha que Lula atingiu os objetivos que se propôs na política externa para este primeiro ano de governo?

Alguns dos primeiros objetivos que ele anunciou, ele conseguiu atingir. O Brasil estaria de volta, sairia da situação de pária. Delineou um programa que ele cumpriu. Voltou a se tornar um parceiro ativo e, graças à política de meio ambiente, ele conseguiu romper aquele isolamento, a condição de pária que o Bolsonaro havia criado. Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade. Teve a nomeação de Marina Silva, a campanha contra o garimpo ilegal em Roraima, com a destruição dos equipamentos, a campanha para diminuir o desmatamento da Amazônia, que diminuiu muito. Então, esse lado, eu acho altamente positivo. Há uma situação bem melhor.

Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade.

Rubens Ricupero

Mas o mundo é muito diferente daquele dos dois primeiros mandatos dele...

Ele não conseguiu voltar a ter a admiração que tinha nos dois primeiros mandatos porque, naquela ocasião, ele aparecia como um homem que defendia causas que os ocidentais também defendiam. Mas, neste momento, algumas causas que o Lula tem procurado são diferentes dos países ocidentais. A começar pela Ucrânia, que ele teve, desde o início, uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações, e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia. Também no caso de Israel, ele tem exagerado um pouco nas palavras, embora haja no mundo uma grande preocupação com o que está acontecendo lá. Ele é admirado hoje pelos direitos humanos e sobretudo pelo meio ambiente em que ele realizou muita coisa.

Como o senhor interpreta a decisão do Brasil apoiar a acusação da África do Sul contra Israel na CIJ?

nterpreto a decisão (de apoiar a ação da África do Sul) como uma pressão sobre Israel. Não acho que a Corte Internacional vá dá um parecer favorável à alegação de genocídio porque a Convenção (para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio) tem uma definição muito estrita e o nível para provar isso é muito difícil porque é preciso provar a intenção de eliminar um povo. Isso é muito difícil de fazer a não ser em casos como o Holocausto, em que havia um plano deliberado.

Se compreende que o Brasil tenha decidido pesar mais porque a verdade é que, até agora, as tentativas dos americanos para persuadir Israel a moderar em relação à morte de civis não deram resultado. Então se compreende que haja um aumento da pressão internacional. Faço uma interpretação mais política que jurídica.

Particularmente, não acho que o que acontece em Gaza seja um genocídio, pelo menos não pelos atuais critérios, mas, sem dúvida alguma pode se dizer que é uma ação desproporcional ao ataque. Tanto que já tem 23 mil mortes. Isso, por si só, é muito eloquente. Em três meses morreram mais civis, sobretudo mulheres e crianças, que em quase dois anos de guerra na Ucrânia. Os explosivos usados em Gaza são mais poderosos que os usados na Ucrânia. Há uma série de indícios que mostram uma resposta desequilibrada.

Eu vejo a atitude brasileira mais como gesto político.

Depois da fase de argumentação, os juízes terão um tempo para decidir - acredito que deve demorar umas duas semanas - e eles provavelmente vão emitir uma sentença com indicações provisórias. Também no caso da Ucrânia, quando procurou o tribunal pedia uma injunção para que cessassem as operações, algo que os russos nunca fizeram, eles nunca obedeceram essa ordem. É possível que, no caso de Gaza, se faça também uma injunção nesse sentido, exortando Israel a cum cessar-fogo e é pouco provável que Israel aceite. Há quase 20 anos, a corte emitiu uma decisão contrária à construção do muro para cercar territórios palestinos e a muralha foi construída. Não atendeu aos objetivos que Israel pretendia, mas foi construída.

O problema da Corte Internacional de Justiça é exatamente esse. Embora seja a instância judiciária mais elevada do mundo - e a prova disso é que Israel se mobilizou e está se defendendo porque (o julgamento da Corte) tem esse peso moral e político - mas, apesar disso, o tribunal não tem o poder de impor.

Mas é claro que, se toma uma decisão, como se espera, para que Israel interrompa operações, o peso político é muito alto. Ainda que Israel não cumpra a ordem, pode tentar de alguma maneira encurtar esse período para reduzir o desgaste internacional.

Assim como a África do Sul recorreu ao tribunal, Israel está se defendendo, não negou a jurisdição da Corte Internacional de Justiça como fez a Venezuela no caso do Essequibo. A Venezuela foi ao tribunal, mas disse que não aceitava a jurisdição.

Então o senhor acredita que o apoio é mais um gesto para aumentar essa pressão internacional?

Não chega a ser uma surpresa, o próprio Lula falou em genocídio. Eu, pessoalmente, não usaria a palavra porque não acho que seja adequada. Basta ver a diferença entre o que está acontecendo na Faixa de Gaza e o caso que deu origem à convenção contra o genocídio, uma convenção de 1948 que tem como base o Holocausto. Havia um plano deliberado, documentado. E a própria dimensão, morreram 6 milhões de judeus. Hitler eliminou os judeus de parte do continente, que é a definição de Holocausto - a eliminação total ou parcial de um povo. No caso do Holocausto, não há dúvida (que foi genocídio). /colaborou Jéssica Petrovna

“O Brasil rompeu o isolamento internacional, graças à política de meio ambiente”, diz o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Itamar Franco, Rubens Ricupero. Embaixador aposentado e ex-ministro da Fazenda, ele avalia, porém, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não voltou a ter a mesma admiração que tinha do mundo em seus dois primeiros mandatos. Segundo ele, em razão de o petista não defender hoje necessariamente as mesmas causas que os ocidentais, como se dava anteriormente.

“A começar pela Ucrânia que ele teve desde o início uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia”, diz ele.

O diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero avaliou a política externa do governo Lula Foto: Werther Santana/Estadão

Em entrevista ao Estadão, ao tratar da crise entre a Venezuela e a Guiana, o ex-ministro avalia que dificilmente a tensão acabará em um confronto armado. Mas, afirma que situação já se tornou um problema para o Brasil e que o presidente Lula deveria ser menos condescendente com seu colega venezuelano, Nicolás Maduro.

Veja a íntegra da entrevista:

Em que medida a Venezuela pode se transformar em um problemão para o Brasil?

De certa forma já virou. Lula depositou uma confiança em Nicolás Maduro quando, alguns meses atrás, ele fez uma reunião de presidentes em Brasília para refundar a Unasul. Mas não conseguiu. Lula estendeu o tapete vermelho para Maduro, embora, naquele momento, o Brasil não tivesse relações diplomáticas com a Venezuela - o ex-presidente Jair Bolsonaro havia rompido. Ele quis mostrar, com isso, que tinha confiança de que Maduro poderia aceitar aos poucos a ideia de uma eleição presidencial, por causa das pressões, das sanções americanas.

E parece que não deu certo, não é?

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia. Tanto assim, que agora está criando um problema para o Brasil e é complicado. Embora eu não acredite muito que o Maduro tenha intenção realmente de desencadear uma agressão militar contra a Guiana porque seria uma aventura.

O senhor acha que é uma bravata?

Toda guerra, como mostra a própria guerra da Ucrânia, costuma ser imprevisível. Todo o mundo achava que a Rússia ia resolver aquilo em pouco tempo, mas, na verdade, houve uma reviravolta e já dura quase dois anos. Eu acredito que Maduro deve ter tomado essa decisão sobretudo por razões internas. O apoio dele vem, em último caso, dos militares, ele e, no fundo, o regime venezuelano é amparado nas Forças Armadas. Ele tem uma popularidade muito baixa, a eleição vai ser complicada. Por isso, está tentando, com os meios de que dispõe, preparar a eleição para não correr perigo de perder. Tanto é assim que o Tribunal venezuelano, que ele controla, já declarou inelegível Maria Corina Machado, que é a principal adversária dele e aparece melhor nas pesquisas. Mas ele provavelmente quis, com essa decisão, aumentar o apoio que ele possa ter da parte dos militares, da própria opinião pública.

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia.

Rubens Ricupero, embaixador aposentado e ex-ministro

Mas agora ele saiu do território venezuelano...

Agora, ele tomou esta iniciativa e criou um problema grave, pois ele, depois de destruir a Venezuela - é um caso único nos tempos modernos, num país que não tem uma população tão grande (cerca de 28 milhões de habitantes), que cinco, seis milhões de pessoas tenham saído de lá e só isso mostra o desastre que é - está criando uma situação complicada para o continente. Para nós, em primeiro lugar, pois, além desse precedente de o Lula ter apostado nele, uma aposta que não deu certo, ele criou um problema numa área em que o Brasil tem limites com dois países. O Brasil é o único país da América do Sul que tem limites com a Venezuela e a Guiana e que, se acontecesse alguma coisa muito grave lá, dificilmente o Brasil poderia ficar passivo. Não creio que os militares aqui iriam aceitar alguma coisa mais grave, como uma incorporação de um território. Você vê pelas declarações do próprio ministro da Defesa, José Múcio Teixeira. Ele não quis ser agressivo, mas deixou claro que, pelo território brasileiro, os venezuelanos não poderiam passar nunca, se quisessem atacar a Guiana. É mais ou menos óbvio, mas ele não precisava falar. O fato de ele ter falado foi uma espécie de recado e, além do mais, há outros sinais, o Exército mandou pra lá mísseis, blindados. Isso não quer dizer que o Brasil queira entrar numa contenda, mas mostra que está preparado para isso. E, com tudo isso, Maduro está criando um problema enorme.

Há um receio de que um hipotético conflito trouxesse os Estados Unidos ao continente...

Ainda acho que Maduro dificilmente iria desencadear uma operação militar. As consequências seriam imprevisíveis, em último caso poderia levar até a queda dele. Acho que ele vai ter muito mais prudência do que muita gente poderia pensar, se seguir a retórica dele. Não há dúvida de que, se essa situação escapasse ao controle e chegasse de fato a uma operação militar, os americanos seriam a garantia da Guiana. Primeiro, porque eles não poderiam aceitar que um governo como o da Venezuela, que eles detestam, agredisse a Guiana. Segundo, porque a principal empresa que explora o petróleo lá é a Exxon, americana. Eles não vão ficar indiferentes. Isso que os militares brasileiros receiam é uma alternativa plausível. De fato, embora não haja esse descontrole, não acho impossível. Mas acho pouco provável.

O senhor acha que Lula deveria ter sido mais duro com o presidente da Venezuela?

A primeira coisa que eu acho bom dizer é que esse caso mostra claramente que, além de um problema de princípios, é um erro. Quando não se critica uma política de indiferença às violações dos direitos humanos, como essa política que o PT e Lula costumam conduzir que, por afinidades ideológicas, não querem criticar a Venezuela, a Nicarágua, Cuba, além do problema de princípios, se comete um erro. Por que há outro aspecto: o ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro. Então, a gente vê claramente que é preciso condenar com firmeza as ditaduras e as violações, porque quem faz isso prejudica não só os próprios cidadãos, mas, na primeira oportunidade que aparecer, se torna uma ameaça aos demais, como estamos vendo na Venezuela.

O ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro.

Rubens Ricupero

O senhor diria que o Brasil está perdendo a liderança no continente?

Para o Brasil, que sempre disse que a prioridade era a América Latina, a América do Sul, especialmente, a situação está ficando cada vez mais difícil. A América do Sul está se tornando um terreno muito complicado. Com a eleição na Argentina, Lula perdeu seu principal interlocutor, seu principal aliado, que era o governo peronista. E não é um aliado qualquer, é o mais importante na América do Sul. Aí, ele perde também dentro do Mercosul, em que nem o Uruguai nem o Paraguai têm posições ideológicas parecidas às do PT. E, além disso, no resto do continente, o Brasil está numa situação duvidosa. O Chile pela segunda vez rejeitou a proposta de mudança na constituição, e o governo está com uma popularidade muito baixa. O Peru é um país com muita instabilidade política, até agora está aquela presidente interina, depois que o impeachment derrubou o presidente, vive uma situação tão agitada que praticamente não conta na política do continente. Colômbia, que poderia ser mais simpática às posições daqui, Gustavo Petro (presidente colombiano) adotou uma postura que é oposta à do Brasil. Petro sugeriu não explorar o petróleo da Amazônia, coisa que o Lula não quis aceitar. Neste continente, agora, Lula tem um espaço muito pequeno. Tanto que a ideia que ele tinha de refazer a Unasul não deu certo.

Mas no caso da Guiana, o Brasil tem feito uma certa mediação...

No caso da Guiana é verdade que ele contribuiu para essa reunião que houve entre Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, tanto que o segundo encontro vai ser aqui. Mas é um problema que não precisava existir se não fosse Maduro ter criado essa dificuldade. Um panorama que ficou muito mais desfavorável para o Lula. Não digo que seja culpa dele, mas que ele apostou num homem e deu errado.

O senhor acha que Lula atingiu os objetivos que se propôs na política externa para este primeiro ano de governo?

Alguns dos primeiros objetivos que ele anunciou, ele conseguiu atingir. O Brasil estaria de volta, sairia da situação de pária. Delineou um programa que ele cumpriu. Voltou a se tornar um parceiro ativo e, graças à política de meio ambiente, ele conseguiu romper aquele isolamento, a condição de pária que o Bolsonaro havia criado. Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade. Teve a nomeação de Marina Silva, a campanha contra o garimpo ilegal em Roraima, com a destruição dos equipamentos, a campanha para diminuir o desmatamento da Amazônia, que diminuiu muito. Então, esse lado, eu acho altamente positivo. Há uma situação bem melhor.

Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade.

Rubens Ricupero

Mas o mundo é muito diferente daquele dos dois primeiros mandatos dele...

Ele não conseguiu voltar a ter a admiração que tinha nos dois primeiros mandatos porque, naquela ocasião, ele aparecia como um homem que defendia causas que os ocidentais também defendiam. Mas, neste momento, algumas causas que o Lula tem procurado são diferentes dos países ocidentais. A começar pela Ucrânia, que ele teve, desde o início, uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações, e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia. Também no caso de Israel, ele tem exagerado um pouco nas palavras, embora haja no mundo uma grande preocupação com o que está acontecendo lá. Ele é admirado hoje pelos direitos humanos e sobretudo pelo meio ambiente em que ele realizou muita coisa.

Como o senhor interpreta a decisão do Brasil apoiar a acusação da África do Sul contra Israel na CIJ?

nterpreto a decisão (de apoiar a ação da África do Sul) como uma pressão sobre Israel. Não acho que a Corte Internacional vá dá um parecer favorável à alegação de genocídio porque a Convenção (para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio) tem uma definição muito estrita e o nível para provar isso é muito difícil porque é preciso provar a intenção de eliminar um povo. Isso é muito difícil de fazer a não ser em casos como o Holocausto, em que havia um plano deliberado.

Se compreende que o Brasil tenha decidido pesar mais porque a verdade é que, até agora, as tentativas dos americanos para persuadir Israel a moderar em relação à morte de civis não deram resultado. Então se compreende que haja um aumento da pressão internacional. Faço uma interpretação mais política que jurídica.

Particularmente, não acho que o que acontece em Gaza seja um genocídio, pelo menos não pelos atuais critérios, mas, sem dúvida alguma pode se dizer que é uma ação desproporcional ao ataque. Tanto que já tem 23 mil mortes. Isso, por si só, é muito eloquente. Em três meses morreram mais civis, sobretudo mulheres e crianças, que em quase dois anos de guerra na Ucrânia. Os explosivos usados em Gaza são mais poderosos que os usados na Ucrânia. Há uma série de indícios que mostram uma resposta desequilibrada.

Eu vejo a atitude brasileira mais como gesto político.

Depois da fase de argumentação, os juízes terão um tempo para decidir - acredito que deve demorar umas duas semanas - e eles provavelmente vão emitir uma sentença com indicações provisórias. Também no caso da Ucrânia, quando procurou o tribunal pedia uma injunção para que cessassem as operações, algo que os russos nunca fizeram, eles nunca obedeceram essa ordem. É possível que, no caso de Gaza, se faça também uma injunção nesse sentido, exortando Israel a cum cessar-fogo e é pouco provável que Israel aceite. Há quase 20 anos, a corte emitiu uma decisão contrária à construção do muro para cercar territórios palestinos e a muralha foi construída. Não atendeu aos objetivos que Israel pretendia, mas foi construída.

O problema da Corte Internacional de Justiça é exatamente esse. Embora seja a instância judiciária mais elevada do mundo - e a prova disso é que Israel se mobilizou e está se defendendo porque (o julgamento da Corte) tem esse peso moral e político - mas, apesar disso, o tribunal não tem o poder de impor.

Mas é claro que, se toma uma decisão, como se espera, para que Israel interrompa operações, o peso político é muito alto. Ainda que Israel não cumpra a ordem, pode tentar de alguma maneira encurtar esse período para reduzir o desgaste internacional.

Assim como a África do Sul recorreu ao tribunal, Israel está se defendendo, não negou a jurisdição da Corte Internacional de Justiça como fez a Venezuela no caso do Essequibo. A Venezuela foi ao tribunal, mas disse que não aceitava a jurisdição.

Então o senhor acredita que o apoio é mais um gesto para aumentar essa pressão internacional?

Não chega a ser uma surpresa, o próprio Lula falou em genocídio. Eu, pessoalmente, não usaria a palavra porque não acho que seja adequada. Basta ver a diferença entre o que está acontecendo na Faixa de Gaza e o caso que deu origem à convenção contra o genocídio, uma convenção de 1948 que tem como base o Holocausto. Havia um plano deliberado, documentado. E a própria dimensão, morreram 6 milhões de judeus. Hitler eliminou os judeus de parte do continente, que é a definição de Holocausto - a eliminação total ou parcial de um povo. No caso do Holocausto, não há dúvida (que foi genocídio). /colaborou Jéssica Petrovna

“O Brasil rompeu o isolamento internacional, graças à política de meio ambiente”, diz o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Itamar Franco, Rubens Ricupero. Embaixador aposentado e ex-ministro da Fazenda, ele avalia, porém, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não voltou a ter a mesma admiração que tinha do mundo em seus dois primeiros mandatos. Segundo ele, em razão de o petista não defender hoje necessariamente as mesmas causas que os ocidentais, como se dava anteriormente.

“A começar pela Ucrânia que ele teve desde o início uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia”, diz ele.

O diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero avaliou a política externa do governo Lula Foto: Werther Santana/Estadão

Em entrevista ao Estadão, ao tratar da crise entre a Venezuela e a Guiana, o ex-ministro avalia que dificilmente a tensão acabará em um confronto armado. Mas, afirma que situação já se tornou um problema para o Brasil e que o presidente Lula deveria ser menos condescendente com seu colega venezuelano, Nicolás Maduro.

Veja a íntegra da entrevista:

Em que medida a Venezuela pode se transformar em um problemão para o Brasil?

De certa forma já virou. Lula depositou uma confiança em Nicolás Maduro quando, alguns meses atrás, ele fez uma reunião de presidentes em Brasília para refundar a Unasul. Mas não conseguiu. Lula estendeu o tapete vermelho para Maduro, embora, naquele momento, o Brasil não tivesse relações diplomáticas com a Venezuela - o ex-presidente Jair Bolsonaro havia rompido. Ele quis mostrar, com isso, que tinha confiança de que Maduro poderia aceitar aos poucos a ideia de uma eleição presidencial, por causa das pressões, das sanções americanas.

E parece que não deu certo, não é?

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia. Tanto assim, que agora está criando um problema para o Brasil e é complicado. Embora eu não acredite muito que o Maduro tenha intenção realmente de desencadear uma agressão militar contra a Guiana porque seria uma aventura.

O senhor acha que é uma bravata?

Toda guerra, como mostra a própria guerra da Ucrânia, costuma ser imprevisível. Todo o mundo achava que a Rússia ia resolver aquilo em pouco tempo, mas, na verdade, houve uma reviravolta e já dura quase dois anos. Eu acredito que Maduro deve ter tomado essa decisão sobretudo por razões internas. O apoio dele vem, em último caso, dos militares, ele e, no fundo, o regime venezuelano é amparado nas Forças Armadas. Ele tem uma popularidade muito baixa, a eleição vai ser complicada. Por isso, está tentando, com os meios de que dispõe, preparar a eleição para não correr perigo de perder. Tanto é assim que o Tribunal venezuelano, que ele controla, já declarou inelegível Maria Corina Machado, que é a principal adversária dele e aparece melhor nas pesquisas. Mas ele provavelmente quis, com essa decisão, aumentar o apoio que ele possa ter da parte dos militares, da própria opinião pública.

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia.

Rubens Ricupero, embaixador aposentado e ex-ministro

Mas agora ele saiu do território venezuelano...

Agora, ele tomou esta iniciativa e criou um problema grave, pois ele, depois de destruir a Venezuela - é um caso único nos tempos modernos, num país que não tem uma população tão grande (cerca de 28 milhões de habitantes), que cinco, seis milhões de pessoas tenham saído de lá e só isso mostra o desastre que é - está criando uma situação complicada para o continente. Para nós, em primeiro lugar, pois, além desse precedente de o Lula ter apostado nele, uma aposta que não deu certo, ele criou um problema numa área em que o Brasil tem limites com dois países. O Brasil é o único país da América do Sul que tem limites com a Venezuela e a Guiana e que, se acontecesse alguma coisa muito grave lá, dificilmente o Brasil poderia ficar passivo. Não creio que os militares aqui iriam aceitar alguma coisa mais grave, como uma incorporação de um território. Você vê pelas declarações do próprio ministro da Defesa, José Múcio Teixeira. Ele não quis ser agressivo, mas deixou claro que, pelo território brasileiro, os venezuelanos não poderiam passar nunca, se quisessem atacar a Guiana. É mais ou menos óbvio, mas ele não precisava falar. O fato de ele ter falado foi uma espécie de recado e, além do mais, há outros sinais, o Exército mandou pra lá mísseis, blindados. Isso não quer dizer que o Brasil queira entrar numa contenda, mas mostra que está preparado para isso. E, com tudo isso, Maduro está criando um problema enorme.

Há um receio de que um hipotético conflito trouxesse os Estados Unidos ao continente...

Ainda acho que Maduro dificilmente iria desencadear uma operação militar. As consequências seriam imprevisíveis, em último caso poderia levar até a queda dele. Acho que ele vai ter muito mais prudência do que muita gente poderia pensar, se seguir a retórica dele. Não há dúvida de que, se essa situação escapasse ao controle e chegasse de fato a uma operação militar, os americanos seriam a garantia da Guiana. Primeiro, porque eles não poderiam aceitar que um governo como o da Venezuela, que eles detestam, agredisse a Guiana. Segundo, porque a principal empresa que explora o petróleo lá é a Exxon, americana. Eles não vão ficar indiferentes. Isso que os militares brasileiros receiam é uma alternativa plausível. De fato, embora não haja esse descontrole, não acho impossível. Mas acho pouco provável.

O senhor acha que Lula deveria ter sido mais duro com o presidente da Venezuela?

A primeira coisa que eu acho bom dizer é que esse caso mostra claramente que, além de um problema de princípios, é um erro. Quando não se critica uma política de indiferença às violações dos direitos humanos, como essa política que o PT e Lula costumam conduzir que, por afinidades ideológicas, não querem criticar a Venezuela, a Nicarágua, Cuba, além do problema de princípios, se comete um erro. Por que há outro aspecto: o ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro. Então, a gente vê claramente que é preciso condenar com firmeza as ditaduras e as violações, porque quem faz isso prejudica não só os próprios cidadãos, mas, na primeira oportunidade que aparecer, se torna uma ameaça aos demais, como estamos vendo na Venezuela.

O ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro.

Rubens Ricupero

O senhor diria que o Brasil está perdendo a liderança no continente?

Para o Brasil, que sempre disse que a prioridade era a América Latina, a América do Sul, especialmente, a situação está ficando cada vez mais difícil. A América do Sul está se tornando um terreno muito complicado. Com a eleição na Argentina, Lula perdeu seu principal interlocutor, seu principal aliado, que era o governo peronista. E não é um aliado qualquer, é o mais importante na América do Sul. Aí, ele perde também dentro do Mercosul, em que nem o Uruguai nem o Paraguai têm posições ideológicas parecidas às do PT. E, além disso, no resto do continente, o Brasil está numa situação duvidosa. O Chile pela segunda vez rejeitou a proposta de mudança na constituição, e o governo está com uma popularidade muito baixa. O Peru é um país com muita instabilidade política, até agora está aquela presidente interina, depois que o impeachment derrubou o presidente, vive uma situação tão agitada que praticamente não conta na política do continente. Colômbia, que poderia ser mais simpática às posições daqui, Gustavo Petro (presidente colombiano) adotou uma postura que é oposta à do Brasil. Petro sugeriu não explorar o petróleo da Amazônia, coisa que o Lula não quis aceitar. Neste continente, agora, Lula tem um espaço muito pequeno. Tanto que a ideia que ele tinha de refazer a Unasul não deu certo.

Mas no caso da Guiana, o Brasil tem feito uma certa mediação...

No caso da Guiana é verdade que ele contribuiu para essa reunião que houve entre Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, tanto que o segundo encontro vai ser aqui. Mas é um problema que não precisava existir se não fosse Maduro ter criado essa dificuldade. Um panorama que ficou muito mais desfavorável para o Lula. Não digo que seja culpa dele, mas que ele apostou num homem e deu errado.

O senhor acha que Lula atingiu os objetivos que se propôs na política externa para este primeiro ano de governo?

Alguns dos primeiros objetivos que ele anunciou, ele conseguiu atingir. O Brasil estaria de volta, sairia da situação de pária. Delineou um programa que ele cumpriu. Voltou a se tornar um parceiro ativo e, graças à política de meio ambiente, ele conseguiu romper aquele isolamento, a condição de pária que o Bolsonaro havia criado. Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade. Teve a nomeação de Marina Silva, a campanha contra o garimpo ilegal em Roraima, com a destruição dos equipamentos, a campanha para diminuir o desmatamento da Amazônia, que diminuiu muito. Então, esse lado, eu acho altamente positivo. Há uma situação bem melhor.

Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade.

Rubens Ricupero

Mas o mundo é muito diferente daquele dos dois primeiros mandatos dele...

Ele não conseguiu voltar a ter a admiração que tinha nos dois primeiros mandatos porque, naquela ocasião, ele aparecia como um homem que defendia causas que os ocidentais também defendiam. Mas, neste momento, algumas causas que o Lula tem procurado são diferentes dos países ocidentais. A começar pela Ucrânia, que ele teve, desde o início, uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações, e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia. Também no caso de Israel, ele tem exagerado um pouco nas palavras, embora haja no mundo uma grande preocupação com o que está acontecendo lá. Ele é admirado hoje pelos direitos humanos e sobretudo pelo meio ambiente em que ele realizou muita coisa.

Como o senhor interpreta a decisão do Brasil apoiar a acusação da África do Sul contra Israel na CIJ?

nterpreto a decisão (de apoiar a ação da África do Sul) como uma pressão sobre Israel. Não acho que a Corte Internacional vá dá um parecer favorável à alegação de genocídio porque a Convenção (para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio) tem uma definição muito estrita e o nível para provar isso é muito difícil porque é preciso provar a intenção de eliminar um povo. Isso é muito difícil de fazer a não ser em casos como o Holocausto, em que havia um plano deliberado.

Se compreende que o Brasil tenha decidido pesar mais porque a verdade é que, até agora, as tentativas dos americanos para persuadir Israel a moderar em relação à morte de civis não deram resultado. Então se compreende que haja um aumento da pressão internacional. Faço uma interpretação mais política que jurídica.

Particularmente, não acho que o que acontece em Gaza seja um genocídio, pelo menos não pelos atuais critérios, mas, sem dúvida alguma pode se dizer que é uma ação desproporcional ao ataque. Tanto que já tem 23 mil mortes. Isso, por si só, é muito eloquente. Em três meses morreram mais civis, sobretudo mulheres e crianças, que em quase dois anos de guerra na Ucrânia. Os explosivos usados em Gaza são mais poderosos que os usados na Ucrânia. Há uma série de indícios que mostram uma resposta desequilibrada.

Eu vejo a atitude brasileira mais como gesto político.

Depois da fase de argumentação, os juízes terão um tempo para decidir - acredito que deve demorar umas duas semanas - e eles provavelmente vão emitir uma sentença com indicações provisórias. Também no caso da Ucrânia, quando procurou o tribunal pedia uma injunção para que cessassem as operações, algo que os russos nunca fizeram, eles nunca obedeceram essa ordem. É possível que, no caso de Gaza, se faça também uma injunção nesse sentido, exortando Israel a cum cessar-fogo e é pouco provável que Israel aceite. Há quase 20 anos, a corte emitiu uma decisão contrária à construção do muro para cercar territórios palestinos e a muralha foi construída. Não atendeu aos objetivos que Israel pretendia, mas foi construída.

O problema da Corte Internacional de Justiça é exatamente esse. Embora seja a instância judiciária mais elevada do mundo - e a prova disso é que Israel se mobilizou e está se defendendo porque (o julgamento da Corte) tem esse peso moral e político - mas, apesar disso, o tribunal não tem o poder de impor.

Mas é claro que, se toma uma decisão, como se espera, para que Israel interrompa operações, o peso político é muito alto. Ainda que Israel não cumpra a ordem, pode tentar de alguma maneira encurtar esse período para reduzir o desgaste internacional.

Assim como a África do Sul recorreu ao tribunal, Israel está se defendendo, não negou a jurisdição da Corte Internacional de Justiça como fez a Venezuela no caso do Essequibo. A Venezuela foi ao tribunal, mas disse que não aceitava a jurisdição.

Então o senhor acredita que o apoio é mais um gesto para aumentar essa pressão internacional?

Não chega a ser uma surpresa, o próprio Lula falou em genocídio. Eu, pessoalmente, não usaria a palavra porque não acho que seja adequada. Basta ver a diferença entre o que está acontecendo na Faixa de Gaza e o caso que deu origem à convenção contra o genocídio, uma convenção de 1948 que tem como base o Holocausto. Havia um plano deliberado, documentado. E a própria dimensão, morreram 6 milhões de judeus. Hitler eliminou os judeus de parte do continente, que é a definição de Holocausto - a eliminação total ou parcial de um povo. No caso do Holocausto, não há dúvida (que foi genocídio). /colaborou Jéssica Petrovna

“O Brasil rompeu o isolamento internacional, graças à política de meio ambiente”, diz o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Itamar Franco, Rubens Ricupero. Embaixador aposentado e ex-ministro da Fazenda, ele avalia, porém, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não voltou a ter a mesma admiração que tinha do mundo em seus dois primeiros mandatos. Segundo ele, em razão de o petista não defender hoje necessariamente as mesmas causas que os ocidentais, como se dava anteriormente.

“A começar pela Ucrânia que ele teve desde o início uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia”, diz ele.

O diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero avaliou a política externa do governo Lula Foto: Werther Santana/Estadão

Em entrevista ao Estadão, ao tratar da crise entre a Venezuela e a Guiana, o ex-ministro avalia que dificilmente a tensão acabará em um confronto armado. Mas, afirma que situação já se tornou um problema para o Brasil e que o presidente Lula deveria ser menos condescendente com seu colega venezuelano, Nicolás Maduro.

Veja a íntegra da entrevista:

Em que medida a Venezuela pode se transformar em um problemão para o Brasil?

De certa forma já virou. Lula depositou uma confiança em Nicolás Maduro quando, alguns meses atrás, ele fez uma reunião de presidentes em Brasília para refundar a Unasul. Mas não conseguiu. Lula estendeu o tapete vermelho para Maduro, embora, naquele momento, o Brasil não tivesse relações diplomáticas com a Venezuela - o ex-presidente Jair Bolsonaro havia rompido. Ele quis mostrar, com isso, que tinha confiança de que Maduro poderia aceitar aos poucos a ideia de uma eleição presidencial, por causa das pressões, das sanções americanas.

E parece que não deu certo, não é?

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia. Tanto assim, que agora está criando um problema para o Brasil e é complicado. Embora eu não acredite muito que o Maduro tenha intenção realmente de desencadear uma agressão militar contra a Guiana porque seria uma aventura.

O senhor acha que é uma bravata?

Toda guerra, como mostra a própria guerra da Ucrânia, costuma ser imprevisível. Todo o mundo achava que a Rússia ia resolver aquilo em pouco tempo, mas, na verdade, houve uma reviravolta e já dura quase dois anos. Eu acredito que Maduro deve ter tomado essa decisão sobretudo por razões internas. O apoio dele vem, em último caso, dos militares, ele e, no fundo, o regime venezuelano é amparado nas Forças Armadas. Ele tem uma popularidade muito baixa, a eleição vai ser complicada. Por isso, está tentando, com os meios de que dispõe, preparar a eleição para não correr perigo de perder. Tanto é assim que o Tribunal venezuelano, que ele controla, já declarou inelegível Maria Corina Machado, que é a principal adversária dele e aparece melhor nas pesquisas. Mas ele provavelmente quis, com essa decisão, aumentar o apoio que ele possa ter da parte dos militares, da própria opinião pública.

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia.

Rubens Ricupero, embaixador aposentado e ex-ministro

Mas agora ele saiu do território venezuelano...

Agora, ele tomou esta iniciativa e criou um problema grave, pois ele, depois de destruir a Venezuela - é um caso único nos tempos modernos, num país que não tem uma população tão grande (cerca de 28 milhões de habitantes), que cinco, seis milhões de pessoas tenham saído de lá e só isso mostra o desastre que é - está criando uma situação complicada para o continente. Para nós, em primeiro lugar, pois, além desse precedente de o Lula ter apostado nele, uma aposta que não deu certo, ele criou um problema numa área em que o Brasil tem limites com dois países. O Brasil é o único país da América do Sul que tem limites com a Venezuela e a Guiana e que, se acontecesse alguma coisa muito grave lá, dificilmente o Brasil poderia ficar passivo. Não creio que os militares aqui iriam aceitar alguma coisa mais grave, como uma incorporação de um território. Você vê pelas declarações do próprio ministro da Defesa, José Múcio Teixeira. Ele não quis ser agressivo, mas deixou claro que, pelo território brasileiro, os venezuelanos não poderiam passar nunca, se quisessem atacar a Guiana. É mais ou menos óbvio, mas ele não precisava falar. O fato de ele ter falado foi uma espécie de recado e, além do mais, há outros sinais, o Exército mandou pra lá mísseis, blindados. Isso não quer dizer que o Brasil queira entrar numa contenda, mas mostra que está preparado para isso. E, com tudo isso, Maduro está criando um problema enorme.

Há um receio de que um hipotético conflito trouxesse os Estados Unidos ao continente...

Ainda acho que Maduro dificilmente iria desencadear uma operação militar. As consequências seriam imprevisíveis, em último caso poderia levar até a queda dele. Acho que ele vai ter muito mais prudência do que muita gente poderia pensar, se seguir a retórica dele. Não há dúvida de que, se essa situação escapasse ao controle e chegasse de fato a uma operação militar, os americanos seriam a garantia da Guiana. Primeiro, porque eles não poderiam aceitar que um governo como o da Venezuela, que eles detestam, agredisse a Guiana. Segundo, porque a principal empresa que explora o petróleo lá é a Exxon, americana. Eles não vão ficar indiferentes. Isso que os militares brasileiros receiam é uma alternativa plausível. De fato, embora não haja esse descontrole, não acho impossível. Mas acho pouco provável.

O senhor acha que Lula deveria ter sido mais duro com o presidente da Venezuela?

A primeira coisa que eu acho bom dizer é que esse caso mostra claramente que, além de um problema de princípios, é um erro. Quando não se critica uma política de indiferença às violações dos direitos humanos, como essa política que o PT e Lula costumam conduzir que, por afinidades ideológicas, não querem criticar a Venezuela, a Nicarágua, Cuba, além do problema de princípios, se comete um erro. Por que há outro aspecto: o ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro. Então, a gente vê claramente que é preciso condenar com firmeza as ditaduras e as violações, porque quem faz isso prejudica não só os próprios cidadãos, mas, na primeira oportunidade que aparecer, se torna uma ameaça aos demais, como estamos vendo na Venezuela.

O ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro.

Rubens Ricupero

O senhor diria que o Brasil está perdendo a liderança no continente?

Para o Brasil, que sempre disse que a prioridade era a América Latina, a América do Sul, especialmente, a situação está ficando cada vez mais difícil. A América do Sul está se tornando um terreno muito complicado. Com a eleição na Argentina, Lula perdeu seu principal interlocutor, seu principal aliado, que era o governo peronista. E não é um aliado qualquer, é o mais importante na América do Sul. Aí, ele perde também dentro do Mercosul, em que nem o Uruguai nem o Paraguai têm posições ideológicas parecidas às do PT. E, além disso, no resto do continente, o Brasil está numa situação duvidosa. O Chile pela segunda vez rejeitou a proposta de mudança na constituição, e o governo está com uma popularidade muito baixa. O Peru é um país com muita instabilidade política, até agora está aquela presidente interina, depois que o impeachment derrubou o presidente, vive uma situação tão agitada que praticamente não conta na política do continente. Colômbia, que poderia ser mais simpática às posições daqui, Gustavo Petro (presidente colombiano) adotou uma postura que é oposta à do Brasil. Petro sugeriu não explorar o petróleo da Amazônia, coisa que o Lula não quis aceitar. Neste continente, agora, Lula tem um espaço muito pequeno. Tanto que a ideia que ele tinha de refazer a Unasul não deu certo.

Mas no caso da Guiana, o Brasil tem feito uma certa mediação...

No caso da Guiana é verdade que ele contribuiu para essa reunião que houve entre Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, tanto que o segundo encontro vai ser aqui. Mas é um problema que não precisava existir se não fosse Maduro ter criado essa dificuldade. Um panorama que ficou muito mais desfavorável para o Lula. Não digo que seja culpa dele, mas que ele apostou num homem e deu errado.

O senhor acha que Lula atingiu os objetivos que se propôs na política externa para este primeiro ano de governo?

Alguns dos primeiros objetivos que ele anunciou, ele conseguiu atingir. O Brasil estaria de volta, sairia da situação de pária. Delineou um programa que ele cumpriu. Voltou a se tornar um parceiro ativo e, graças à política de meio ambiente, ele conseguiu romper aquele isolamento, a condição de pária que o Bolsonaro havia criado. Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade. Teve a nomeação de Marina Silva, a campanha contra o garimpo ilegal em Roraima, com a destruição dos equipamentos, a campanha para diminuir o desmatamento da Amazônia, que diminuiu muito. Então, esse lado, eu acho altamente positivo. Há uma situação bem melhor.

Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade.

Rubens Ricupero

Mas o mundo é muito diferente daquele dos dois primeiros mandatos dele...

Ele não conseguiu voltar a ter a admiração que tinha nos dois primeiros mandatos porque, naquela ocasião, ele aparecia como um homem que defendia causas que os ocidentais também defendiam. Mas, neste momento, algumas causas que o Lula tem procurado são diferentes dos países ocidentais. A começar pela Ucrânia, que ele teve, desde o início, uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações, e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia. Também no caso de Israel, ele tem exagerado um pouco nas palavras, embora haja no mundo uma grande preocupação com o que está acontecendo lá. Ele é admirado hoje pelos direitos humanos e sobretudo pelo meio ambiente em que ele realizou muita coisa.

Como o senhor interpreta a decisão do Brasil apoiar a acusação da África do Sul contra Israel na CIJ?

nterpreto a decisão (de apoiar a ação da África do Sul) como uma pressão sobre Israel. Não acho que a Corte Internacional vá dá um parecer favorável à alegação de genocídio porque a Convenção (para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio) tem uma definição muito estrita e o nível para provar isso é muito difícil porque é preciso provar a intenção de eliminar um povo. Isso é muito difícil de fazer a não ser em casos como o Holocausto, em que havia um plano deliberado.

Se compreende que o Brasil tenha decidido pesar mais porque a verdade é que, até agora, as tentativas dos americanos para persuadir Israel a moderar em relação à morte de civis não deram resultado. Então se compreende que haja um aumento da pressão internacional. Faço uma interpretação mais política que jurídica.

Particularmente, não acho que o que acontece em Gaza seja um genocídio, pelo menos não pelos atuais critérios, mas, sem dúvida alguma pode se dizer que é uma ação desproporcional ao ataque. Tanto que já tem 23 mil mortes. Isso, por si só, é muito eloquente. Em três meses morreram mais civis, sobretudo mulheres e crianças, que em quase dois anos de guerra na Ucrânia. Os explosivos usados em Gaza são mais poderosos que os usados na Ucrânia. Há uma série de indícios que mostram uma resposta desequilibrada.

Eu vejo a atitude brasileira mais como gesto político.

Depois da fase de argumentação, os juízes terão um tempo para decidir - acredito que deve demorar umas duas semanas - e eles provavelmente vão emitir uma sentença com indicações provisórias. Também no caso da Ucrânia, quando procurou o tribunal pedia uma injunção para que cessassem as operações, algo que os russos nunca fizeram, eles nunca obedeceram essa ordem. É possível que, no caso de Gaza, se faça também uma injunção nesse sentido, exortando Israel a cum cessar-fogo e é pouco provável que Israel aceite. Há quase 20 anos, a corte emitiu uma decisão contrária à construção do muro para cercar territórios palestinos e a muralha foi construída. Não atendeu aos objetivos que Israel pretendia, mas foi construída.

O problema da Corte Internacional de Justiça é exatamente esse. Embora seja a instância judiciária mais elevada do mundo - e a prova disso é que Israel se mobilizou e está se defendendo porque (o julgamento da Corte) tem esse peso moral e político - mas, apesar disso, o tribunal não tem o poder de impor.

Mas é claro que, se toma uma decisão, como se espera, para que Israel interrompa operações, o peso político é muito alto. Ainda que Israel não cumpra a ordem, pode tentar de alguma maneira encurtar esse período para reduzir o desgaste internacional.

Assim como a África do Sul recorreu ao tribunal, Israel está se defendendo, não negou a jurisdição da Corte Internacional de Justiça como fez a Venezuela no caso do Essequibo. A Venezuela foi ao tribunal, mas disse que não aceitava a jurisdição.

Então o senhor acredita que o apoio é mais um gesto para aumentar essa pressão internacional?

Não chega a ser uma surpresa, o próprio Lula falou em genocídio. Eu, pessoalmente, não usaria a palavra porque não acho que seja adequada. Basta ver a diferença entre o que está acontecendo na Faixa de Gaza e o caso que deu origem à convenção contra o genocídio, uma convenção de 1948 que tem como base o Holocausto. Havia um plano deliberado, documentado. E a própria dimensão, morreram 6 milhões de judeus. Hitler eliminou os judeus de parte do continente, que é a definição de Holocausto - a eliminação total ou parcial de um povo. No caso do Holocausto, não há dúvida (que foi genocídio). /colaborou Jéssica Petrovna

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Entrevista por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

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