O governo federal deve contemplar o Exército com R$ 1,5 bilhão para projetos estratégicos no próximo ano. O valor, previsto no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2024, será destinado a quatro ações: expandir o sistema de monitoramento das fronteiras (Sisfron), investir na produção do míssil de cruzeiro Astros, nas Forças Blindadas e desenvolver drones e novos helicópteros com a Avibras.
A medida é mais um passo na direção de distender e normalizar as relações depois do conturbado período, entre os últimos dias do governo de Jair Bolsonaro e o começo do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os militares consideram que, gradualmente – com algumas exceções – está ficando para trás o período em que as páginas da política concentravam o noticiário sobre a Força.
“Somos uma instituição apartidária e apolítica e isso já está mais do que claro”, disse ao Estadão o general Fernando José Sant’Ana Soares, chefe do Estado-Maior do Exército.
O valor previsto no orçamento representa R$ 300 milhões a mais do que o de 2023. “Os recursos garantem que possamos adquirir mais material de emprego militar, são extremamente importantes e, assim, vamos melhorando nossa capacidade de Defesa”, explicou ele. Haverá recursos para o Guarani (veículo militar blindado de combate), que é produzido pela Iveco, “o coração das forças blindadas” como diz o general, e outras viaturas similares.
O Guarani é o centro de uma polêmica, conforme informou a colunista Eliane Cantanhêde. Depois de o presidente Lula – pouco depois da posse – ter confirmado a venda de 156 blindados (aproximadamente R$ 10 milhões cada um) para a Argentina, um negócio que o Exército considera de extrema importância, o ministério da Fazenda não está disposto a liberar os recursos para o financiamento da compra.
Na próxima semana, durante a reunião do Alto Comando, os comandantes vão interromper o encontro para participar, por dois dias, de um exercício em conjunto com o exército argentino no Campo de Instrução General Ávalos, na província de Corrientes. E é muito provável que o negócio volte a ser discutido.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
O senhor acha que as últimas semanas sinalizam no sentido de que fica cada vez mais longe o 8 de janeiro e a Força vai saindo do noticiário político?
Sim. O que é ótimo. Nós somos apolíticos e apartidários e vamos continuar assim.
O senhor acredita que com a volta dos trabalhos no Congresso Nacional e, com eles, da CPMI do 8 de janeiro, esse cenário pode mudar?
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito tem os trâmites dela. Nós não interferimos em nada. Eles chamam, ouvem quem considerarem necessário.
Houve um debate sobre quem fazia a segurança do presidente e sua família – se a Polícia Federal ou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – e agora foi editado por Lula um decreto em que o governo passa para a PF a fiscalização de armamentos e a munição desses artefatos. Isso incomoda o Exército?
Esse não é um assunto de Defesa. Por lei tínhamos até agora a fiscalização do CAC e o governo decidiu passar parte dessas atribuições para outros órgãos. Não há problema. Quanto ao GSI, me parece um equívoco essa interpretação. Primeiro por que o GSI não é do Exército, nem da Defesa. É outro ministério. Nós cedemos pessoas ao Gabinete por que há cargos militares na pasta. Sobre a PF sempre tivemos um ótimo relacionamento. Eu mesmo participei de vários eventos em conjunto com ele quando, por exemplo, fui Chefe do Estado-Maior do Leste durante as Olimpíadas. Nunca tivemos nenhum problema com a PF ou com a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Na próxima semana, o Alto Comando vai participar de um exercício com o exército argentino na província de Corrientes. A Força está estreitando laços com os países vizinhos, depois de um período em que as relações diplomáticas em geral na região foram congeladas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro?
Imaginamos que a Defesa tem que ter duas preocupações ao falar com entes externos: capacidade de dissuasão que consiste em ter forças suficientes para que outras potências não queiram intervir no Brasil, não queiram fazer pressão militar sob o Brasil, para que a sociedade brasileira tenha autonomia decisória. Possa decidir o que ela quiser, independente de pressões externas. No que diz respeito aos nossos vizinhos e aos países sul-americanos, nós temos uma estreita cooperação. O Exército brasileiro está à disposição para qualquer colaboração, temos que transformar a América do Sul numa área de paz onde potências extracontinentais não queiram fazer suas guerras aqui. Se quiserem fazer guerras que façam longe daqui. O treinamento conjunto Brasil-Argentina é muito importante, bem como outro exercício que faremos em agosto com países da América Latina e Central que integram a Comissão dos Exércitos Americanos (CEA).
Como será esse exercício?
Será uma oportunidade muito importante de treinarmos em conjunto como seria a reação e a ação de vários exércitos trabalhando juntos diante de uma catástrofe, dando apoio à defesa civil.
Voltando aos projetos, além do Guarani quais os outros que serão contemplados?
Temos viaturas similares ao Guarani que desempenham outra função em combate como, por exemplo, um canhão de artilharia sobre rodas que se movimenta rápido. Nosso país tem uma característica que é o de ser muito grande, nós não temos condições de ter tropas em todo o País, então precisamos de mobilidade. Teremos recursos para o Sisfron, o sistema de monitoramento das fronteiras que, também, poderá ganhar em velocidade com a expansão.
E o Astros?
É o nosso míssil de cruzeiro que estamos desenvolvendo e, quando digo nós, incluo a empresa nacional, a Avibras. É um míssil para atingir um alvo a 300 quilômetros com uma precisão de nove metros. É uma arma de dissuasão, muito importante para nós. Aviação, no caso do Exército, tem a ver com helicópteros, com aumentar a nossa capacidade de transporte de tropas, especialmente na região amazônica. E também entre nesse pacote um novo equipamento que são os drones.
A Avibras tem dívidas de pelo menos R$ 640 milhões, desse total R$ 400 milhões a serem reestruturados e entrou em recuperação judicial em março de 2022...
A nossa indústria nacional não está bem. Mas tem muita capacidade. O que as vezes dificulta é que nós encomendamos pouco, então eles não têm escala para nos atenderem. Vou lhe dar um exemplo. O Brasil tem a maior indústria do planeta de motores elétricos e muitos dos nossos veículos mais modernos precisam de motores elétricos. Mas temos poucos veículos, então não vale a pena para essa indústria ter uma linha de montagem para nos atender. Esse é um ponto muito importante porque quando recebemos recursos para desenvolver projetos estratégicos, estamos acionando toda uma cadeia que envolve também as universidades e, principalmente, a indústria.
De acordo com o orçamento a Força terá que diminuir despesas discricionárias. Isso poderá afetar o dia-a-dia, o trabalho nas unidades militares?
Sobre a redução de despesas teremos que fazer um estudo mais detalhado para ver o que vamos cortar. A gente espera que a medida ainda sofra alterações por que está relacionada à arrecadação. Mas são despesas importantes, combustível, energia, munição, tudo importante para o nosso dia-a-dia. Mas é um assunto que ainda está em negociação.