BRASÍLIA – O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, disse nesta sexta-feira, 20, que os comandantes das Forças Armadas concordaram em abrir processos para apurar e punir casos de militares que se insubordinaram, em manifestações nas redes sociais, ou que tiveram envolvimento nos atos extremistas de 8 de janeiro. Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia afirmado que cobraria providências dos comandantes-gerais, a despeito da patente de quem estivesse sob averiguação.
Lula convocou os chefes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para uma reunião no Palácio do Planalto, que teve como objetivo mudar a agenda. “Foi um encontro para virar a página”, afirmou o titular da Defesa. “Os militares stão cientes e concordam que nós vamos tomar essas providências. Evidentemente, no calor da emoção, a gente precisa ter cuidado para que essas acusações e penas sejam justas. Tudo será providenciado em seu tempo.”
Na prática, os comandos já começaram a punir militares da reserva. O Exército informou que abrirá um procedimento para apurar a conduta do coronel da reserva José Placídio, que trabalhou no Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Como mostrou o Estadão, em tom provocativo, ele ofendia os comandantes e chamava Lula de “ladrão” nas redes sociais. Em uma publicação, escreveu: “Vem me prender”.
Oficiais do Forte Apache dizem que o coronel “passou dos limites” da crítica. “Os fatos seguem em apuração pelas autoridades competentes. Militares, sejam da ativa ou da reserva, estão sujeitos a todas as prescrições jurídicas previstas na legislação militar vigente”, informou o Centro de Comunicação Social do Exército.
Dois oficiais que participaram do 8 de janeiro perderam cargos que ocupavam. O coronel Adriano Testoni foi indiciado por ofensas a oficiais superiores e o Exército, ao fim de um inquérito policial militar expresso. A Marinha dispensou o capitão de mar e guerra Vilmar José Fortuna dos serviços que prestava na Defesa.
Múcio destacou que, com o encontro, Lula buscava recuperar a confiança nas Forças Armadas. Por isso, antecipou uma conversa que planejava fazer em fevereiro e sabe ser de interesse direto dos militares: recursos para seus projetos estratégicos. A reunião com os comandantes do Exército, Julio Cesar de Arruda, da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, e da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno, ocorreu uma semana depois de o presidente admitir ao Estadão que “perdeu a confiança” em militares da ativa.
“Ele (Lula) tem consciência, e as Forças Armadas também, da atenção que deu às Forças Armadas. E quis renovar essa confiança. Evidentemente, temos que pensar para a frente, pacificar esse País e governar”, afirmou Múcio.
De acordo com o relato do ministro, o presidente disse acreditar no trabalho dos comandantes e garantiu que “todos se indignaram” com a agressão às instituições. Ele classificou os episódios de politização na tropa como “página virada”.
Para Múcio, não houve envolvimento direto das Forças nos atos cometidos por extremistas, durante o ataque às sedes dos três Poderes. O ministro negou que Lula tenha tratado com os comandantes militares, diante de empresários convidados para o encontro, de punições relacionadas aos atos golpistas do último dia 8.
“Eu entendo que não houve envolvimento direto das Forças Armadas. Agora, se algum elemento individualmente teve participação, ele vai responder como cidadão”, observou Múcio. “Isso está com a Justiça. Estamos aguardando as comprovações para que as providências sejam e serão tomadas.”
O ministro disse não se arrepender de ter classificado os acampamentos bolsonaristas em frente a quartéis pelo País de “democráticos”. Múcio chegou a admitir que tinha amigos e parentes nessas concentrações. As investigações mostraram que de lá saíram extremistas que planejavam provocar uma intervenção militar e derrubar o governo Lula, além de tentar explodir uma bomba em Brasília. “Eu vim para negociar, e não podia negociar e a priori criar um pré-julgamento”, justificou.
Múcio garantiu que as Forças Armadas vão cumprir seu papel em casos de nova tentativa de ataque aos Poderes. “Não tem a menor dúvida de que outro daquele não vai acontecer, porque as Forças Armadas vão se antecipar”.
Participaram do encontro, a convite de Lula, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) Josué Gomes da Silva, o ex-presidente da Embraer Defesa e Segurança Jackson Schneider, o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luciano Coutinho, e Benjamin Steinbruch, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e do Grupo Vicunha. Lula convidou para a reunião o vice-presidente e ministro da Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Segundo Múcio, todos propuseram ideias sobre como injetar recursos na indústria da Defesa para gerar empregos e desenvolver tecnologia. Ele e Alckmin integrarão um grupo de trabalho que tratará de um programa entre governo e iniciativa privada, com o objetivo de buscar recursos externos para a Defesa. “Vamos investir”, disse Lula, segundo relatos dos participantes da reunião.
O ministro afirmou que o presidente não se comprometeu com valores, pois a disponibilidade de recursos precisa ser verificada. “São benefícios de curtíssimo prazo. Precisamos criar mecanismos, que tenha dinheiro extra-orçamentário para fazer essas coisas”, observou. “Vamos precisar de dinheiro de fora, de fundos de investimento.”
O foco da discussão entre Lula e os comandantes eram os projetos estratégicos. Todos tiveram impulso nos primeiros mandatos de Lula. O presidente aproveitou esse histórico como trunfo e pautou a questão orçamentária. Lula já afirmou que planeja modernizar as Forças Armadas e a base industrial brasileira de Defesa. Há interesse dos três comandos, por exemplo, no desenvolvimento de drones. As forças aérea e terrestre têm planos de reforçar a frota de helicópteros.
Não é a primeira vez que Lula pauta os projetos estratégicos das Forças Armadas. Em 2007, diante de um cenário de muita insatisfação com escassez de recursos e sucateamento, em que a Marinha previa que até 2035 poderia deixar de operar por falta de equipamentos renovados, o petista pediu que os comandantes estabelecessem todos os programas estratégicos e depois apontassem prioridades. De início foram 39 projetos ao custo estimado de 53 bilhões de dólares, à época. A lista seria enxugada nos anos seguintes.