BRASÍLIA - Com a comunicação do governo federal criticada até por aliados, o Palácio do Planalto promoveu ajustes que já estão em campo e devem ganhar força nos próximos meses. Em uma reedição da estratégia de comunicação adotada no segundo governo Lula, entre 2007 e 2011, o presidente quer intensificar a concessão de entrevistas, com atenção especial à mídia regional, sobretudo durante suas viagens pelo País – que também vão aumentar neste ano eleitoral. A partir de agora, nas agendas fora de Brasília, Lula será acompanhado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), hoje comandada interinamente pelo jornalista Laércio Portela.
O novo ritmo de entrevistas ficou claro nesta semana. Mas a ideia, agora, é criar um modelo estruturado que entre na rotina do presidente, resgatando a estratégia consolidada pelo ex-ministro da Secom Franklin Martins no Lula 2. Não à toa, Portela – assessor especial que está à frente da secretaria enquanto Paulo Pimenta comanda o ministério extraordinário de Apoio ao Rio Grande do Sul – é chamado por Lula de “o menino do Franklin”, como revelou a Coluna do Estadão. Portela trabalhou na gestão de Franklin entre 2007 e 2010.
A mudança na Secom já começou. Na quinta e na sexta-feira desta semana, por exemplo, Lula esteve em Belo Horizonte, Contagem e Juiz de Fora (MG) para anunciar investimentos em rodovias. Para selar a passagem por Minas Gerais, concedeu uma entrevista por e-mail ao jornal O TEMPO e conversou com as rádios locais Itatiaia e FM O TEMPO, na mesma semana em que já havia recebido o UOL em seu gabinete e respondido às perguntas dos jornalistas ao pé da rampa do Palácio do Planalto.
Quando Franklin Martins comandava a Secom, havia uma espécie de “kit de comunicação” para as viagens presidenciais. O presidente concedia duas entrevistas: uma por escrito a um jornal regional, e outra a uma rádio do local da visita. Ele também atendia aos pedidos de “quebra queixo”, as conversas rápidas com jornalistas que o cercam de microfones. Além disso, os ministros envolvidos na viagem promoviam, um dia antes, uma coletiva de imprensa para detalhar a agenda prevista.
A ideia no Planalto é retomar parte desse modelo, que o presidente gosta e vê resultado. “Eu gosto muito de fazer rádio”, disse o petista nesta sexta-feira à FM O TEMPO. O diagnóstico no Palácio do Planalto é que o Lula 3 tem entregas a mostrar, mas não consegue informá-las de maneira eficiente. A primeira-dama Janja da Silva foi escalada para apresentar, durante as viagens pelo País, a plataforma Comunica BR, um compilado das entregas e dos investimentos confirmados pelo governo federal desde 2023. Está no forno a conversão do sistema para um aplicativo que poderá ser acessado em qualquer celular.
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Apesar da ligação entre Laércio Portela e Franklin Martins, auxiliares palacianos afirmam que a guinada na comunicação do governo não tem a ver com o afastamento de Paulo Pimenta da Secom, e já era pensada antes do desastre no Rio Grande do Sul. O ministro do Apoio ao Rio Grande do Sul, na verdade, continua acompanhando as ações da pasta, e sequer abriu mão do seu gabinete no Palácio do Planalto. Procurados, Portela e Pimenta não comentaram.
Auxiliares defendem que Lula dê ao menos uma entrevista por semana
Nos corredores do Planalto, os mais otimistas falam em ao menos uma entrevista do presidente por semana, com o objetivo de tentar tentar pautar o debate público. Uma pesquisa interna da Secom mostra que entrevistas a rádios – que hoje também usam recursos de imagem – repercutem mais em todos os tipos de mídia.
Inicialmente, o governo Lula apostava nas lives semanais nas redes sociais para deixar o presidente nos holofotes. O projeto “Conversa com o Presidente” chegou a mobilizar oito funcionários da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), incluindo o ex-jornalista da TV Globo Marcos Uchôa, mas foi um fiasco de público e desagradou Lula. Desde o início deste ano, a ideia foi descontinuada.
Auxiliares de Lula reconhecem, porém, que a exposição mais acentuada do presidente eleva o risco de “deslizes”. Um exemplo recente se deu durante a entrevista à rádio CBN, quando o presidente, ao criticar o projeto antiaborto, acabou por atacar o bebê. “Por que uma menina é obrigada a ter um filho de um cara que estuprou ela? Que monstro vai sair do ventre dessa menina?”, disparou o petista.
A associação do bebê ao monstro foi explorada pela oposição nas redes sociais. A plataforma Google Trends, que reúne dados de pesquisa no Google, mostra um salto nas buscas das palavras “Lula” e “monstro”. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, compartilhou uma versão editada da frase em que a citação ao “monstro” não é exibida.
Há ainda a percepção de que falas descalibradas de Lula — que ora vão contra a opinião pública, ora contra a expectativa do mercado financeiro — terminam por apagar ganhos de comunicação do próprio presidente. Na última quartafeira, dia 26, o dólar atingiu o maior patamar desde 18 de janeiro de 2022, ao fechar o dia em R$ 5,51, uma alta de 1,19%. O movimento ocorreu em meio a uma tendência externa de valorização da moeda americana e às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre gasto público e autonomia do Banco Central.
Para Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, o ruído político desta semana impediu que o mercado reagisse positivamente à publicação do decreto de metas de inflação, considerado por ele uma medida técnica.
“O presidente tem algum cálculo político, mas [o ruído] claramente estressa o mercado. E esse estresse se traduz em aperto das condições financeiras, em dólar em alta. Isso danifica o crescimento da própria economia, e em um momento em que a economia está relativamente bem”, afirmou Volpon ao Estadão.
O ex-BC acrescenta que o impacto negativo das falas de Lula sobre o mercado financeiro viram uma “profecia autorrealizável”. “As condições financeiras pioram com a precificação pessimista, fica mais caro tomar crédito, os preços das empresas pioram. Isso por si só já desacelera a atividade econômica”.
Até o momento, de acordo com auxiliares palacianos, a Secom ainda não tem pesquisas em mãos para aferir o saldo da estratégia em andamento. Ou seja, se a maior exposição do presidente tem mais efeitos positivos do que negativos, em um cenário de polarização e comunicação predominantemente digital que não eram realidade no segundo governo petista.
A avaliação do cientista político Leandro Consentino, do Insper, reconhece que Lula conseguiu se inserir mais no debate nesta semana. “O lado negativo é que quem muito fala, acaba escorregando. O saldo me parece mais negativo, no momento. Trouxe holofotes, mas não os melhores”, avaliou.