Ao contestar a hegemonia do dólar como lastro de trocas comerciais internacionais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “subiu o tom” na crítica à moeda americana e se distanciou da tradição diplomática brasileira de assumir neutralidade. A avaliação é de analistas ouvidos pelo Estadão, que veem uma postura mais agressiva do petista no tema e acreditam que a declaração desviou o foco dos acordos celebrados entre os dois países.
Conforme revelou o Estadão, os governos da China e do Brasil avançaram nas últimas semanas na negociação para que comércio e investimentos entre os dois países sejam feitos diretamente entre o real e o yuan, o que exclui o dólar americano das transações.
No seu primeiro discurso em território chinês, porém, Lula revelou uma postura mais dura no tema e disse que toda noite se pergunta “por que todos os países estão obrigados a fazer o seu comércio lastreado no dólar”. “Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que não temos o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda, depois que desapareceu o ouro como paridade?”, questionou o presidente.
Para o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas Livio Ribeiro, a ideia de contornar o dólar no comércio internacional não é absurda, mas o tom do discurso do presidente foi mais agressivo do que necessário e leva ao perigo de parecer que a diplomacia brasileira toma um lado na disputa entre China e Estados Unidos.
“Genuinamente não acho que essa foi a intenção, mas temos que tomar muito cuidado da forma como se fala e o que se fala para evitar um ruído que nos seja desnecessário. A tradição da diplomacia brasileira é de neutralidade e acho que isso deve ser mantido. O tom do presidente foi algumas oitavas acima do necessário”, disse.
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A senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Lia Valls, também acredita que a fala do presidente sobre o dólar ”desviou da importância dos outros acordos”. “Isso todo mundo sabe, pode ser irritativo sem necessidade, mas pode ser de momento. Não precisava isso.” afirma. Para ela, no entanto, o balanço da missão oficial foi positivo. “Marca a importância da China como nosso parceiro estratégico e tentar alavancar novamente a importância dos acordos. Muitos acordos que têm caráter de cooperação técnica e que nos interessa também”, afirmou.
“A China é uma potência. O Brasil quer ter um papel relevante, então você tem que se dar bem com as grandes potências”, completou.