BRASÍLIA – O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-SP), defendeu ontem a ampliação do montante de recursos públicos destinados aos partidos para a campanha eleitoral de 2020. O parecer do deputado Cacá Leão (PP-BA), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), prevê um aumento de R$ 2 bilhões no fundo eleitoral, que pode chegar a R$ 3,7 bilhões nas eleições municipais do ano que vem. Entidades que atuam pela transparência das contas públicas e dos partidos e movimentos de renovação política, porém, condenaram a proposta de aumento do dinheiro público nas campanhas.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido com fundo eleitoral, foi criado em 2017 pelo Congresso, após o Supremo Tribunal Federal proibir, dois anos antes, doações de empresas para campanhas eleitorais. Em 2016, as doações de pessoas físicas declaradas chegaram a R$ 2,6 bilhões (cerca de 2,9 bilhões em valores atualizados pela inflação).
Se mantidas as regras eleitorais do ano passado, as legendas poderão usar também outra fonte de recursos públicos para o financiamento das campanhas: o Fundo Partidário, que tem girado em torno de R$ 1 bilhão por ano.
“Não acho que é exagero (R$ 3,7 bilhões). Acho que uma eleição municipal, com 5 mil municípios com milhares de candidatos a vereador, é uma campanha que vai requerer um custo um pouco maior que a eleição do regime geral”, disse Maia, para quem “está se gastando o mínimo possível em relação ao que se gastava”. “O pior é a gente não ter uma eleição que seja transparente e dê condições para que os partidos possam levar os seus candidatos aos eleitores. A democracia não pode tratar de uma forma menor a importância da campanha.”
A proposta de aumentar o fundo eleitoral dos partidos políticos vai na contramão do discurso pela diminuição dos gastos em campanhas, um dos argumentos utilizados para a extinção do financiamento empresarial. O possível aumento coloca os parlamentares em uma “encruzilhada”, analisa o colunista do Estado Carlos Pereira, cientista político da FGV.
“Eles se veem numa encruzilhada. Existe uma competição eleitoral muito avassaladora em que agora os recursos são fundamentalmente públicos", diz o cientista político. "Se eles não colocam o dinheiro público no processo, as chances de eleição ficam comprometidas. Não existe uma solução ideal, mas é preciso saber que tipo de preço a sociedade quer pagar.”
Para Pereira, pode haver pressão contra o aumento. “A sociedade vai reagir. Talvez os parlamentares tenham se antecipado a qualquer tipo de reação e então superestimaram o valor do Fundo como forma de que, com a pressão, possam chegar a algum ponto que eles já estimam como suficiente. Num momento como este, a discussão tende a gerar desgaste político.”
Para Manoel Galdino, diretor executivo da Transparência Brasil, a possibilidade de aumento do fundo eleitoral é, ainda, uma mensagem contrária à ideia de contenção de gastos – no momento de contingenciamentos e reformas. “Vivemos uma crise fiscal e certamente essa não é a prioridade da população, e sim do próprio sistema político.”
Nas últimas eleições, o maior valor recebido por um partido foi R$ 234 milhões, pelo MDB. Caso o fundo eleitoral tenha verba expandida para R$ 3,7 bilhões, ao menos seis siglas receberiam um montante maior que esse: PSL, PT, PSD, MDB, PP e PR. A legenda de Jair Bolsonaro receberia R$ 400 milhões, e o PT, R$ 381 milhões.
Crítico do dinheiro público para partidos, o Novo pode receber cerca de 52 vezes a mais do que em 2018. O PSL também deve ter um salto de 43 vezes. Ambas as legendas receberam valores relativamente baixos nas eleições 2018, já que o cálculo do fundo leva em conta o tamanho da bancada na Câmara e no Senado.
O deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ), contudo, é contra o aumento de recursos públicos destinados ao financiamento eleitoral. “Gastei R$ 45 mil com a minha campanha. Acho que tem de reduzir o fundo – e já. É muito dinheiro para partido, que poderia ser investido na saúde, na educação e em outros setores.”
Entidades questionam ampliação dos gastos
Movimentos e entidades questionam os argumentos usados para justificar a ampliação dos recursos públicos para as campanhas eleitorais em 2020. “Houve um recado aos maus costumes políticos no ano passado”, disse Leandro Machado, cofundador do movimento Agora!. Para ele, o aumento no fundo eleitoral é ainda pior do que as altas doações empresariais. “Antes, não havia limites, estava errado. Mas agora estamos falando de dinheiro público, tirado indistintamente de toda a população. Dinheiro que não cai do céu.”
Para Marcelo Issa, da Transparência Partidária, a proposta de aumentar o fundo é contraproducente e a quantidade maior de candidaturas municipais não justifica esta mudança. “O amadurecimento da democracia no Brasil passa pela adoção de mecanismos e regras que diminuam os custos das campanhas eleitorais ao mesmo tempo em que estejam orientados ao aprofundamento dos debates sobre propostas e programas.”
“As eleições municipais podem demandar menos recursos que as eleições estaduais ou nacionais, sem qualquer prejuízo para a qualidade dos debates democráticos, uma vez que as bases territoriais nas quais a disputa ocorre são muito menores.” Manoel Galdino, da Transparência Brasil, avalia que a projeção maior de recursos públicos seja uma estratégia dos dirigentes partidários. “Esperava-se que os caciques políticos conseguissem controlar quem seria ou não eleito, pois controlariam a maior parte dos recursos. Mas isso não aconteceu. Ao colocar mais dinheiro, possivelmente querem retomar o controle perdido.”
Diretora Rede de Ação Política para Sustentabilidade (Raps), Mônica Sodré avalia que “a redução nos gastos de campanha pode vir da opção e da combinação de alguns elementos”. “O estabelecimento de teto absoluto para gastos de campanhas é certamente o principal deles e, ainda, a limitação de autofinanciamento - via valores absolutos ou porcentagem do volume total do teto, o endurecimento de alguns critérios para distribuição dos recursos, tais como destinação para candidaturas femininas e aumento da capacidade de fiscalização por parte da Justiça.” /RAFAEL MORAES MOURA, MATHEUS LARA, ALESSANDRA MONNERAT e CECÍLIA DO LAGO