Maioria que votou contra fundo eleitoral de R$ 5 bilhões usa dinheiro na campanha


Dos 167 deputados e senadores que votaram contra o aumento do fundão eleitoral, 124 receberam recursos da verba para gastar na campanha deste ano

Por Daniel Weterman

BRASÍLIA - Na frente das câmeras, eles fizeram discursos contundentes contra o fundão eleitoral de R$ 5 bilhões, mas, longe dos holofotes, aceitaram usar o dinheiro que condenaram. Dos 167 deputados e senadores que se posicionaram contra a reserva bilionária em votação e nas redes sociais, justificando ser uma “excrescência”, uma “vergonha”, uma “aberração”, 124 estão usando o dinheiro para financiar suas campanhas neste ano.

Em dezembro de 2021, fundo eleitoral de R$ 5 bilhões foi confirmado em votação no Congresso.  Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Os candidatos podem abrir mão de receber os recursos e utilizar apenas doações de pessoas físicas. Nesses casos, o partido pode direcionar o dinheiro para outros postulantes ou, até mesmo, devolver para os cofres públicos, mas não foi o que ocorreu na maioria dos casos.

O deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), ex-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, o senador Rodrigo Cunha (União-AL), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Bia Kicis (PL-DF), da tropa de choque do Palácio do Planalto no Congresso, estão entre os críticos do fundão que mais pegaram dinheiro dessa verba. Vitor Hugo e Rodrigo Cunha têm em comum candidaturas a governo de Estado.

Conforme levantamento do Estadão, 117 deputados e sete senadores que votaram contra o fundão de R$ 5 bilhões aceitaram receber R$ 188 milhões para gastar na eleição. A lista é reforçada ainda por estrelas de um campo e outro da política, como os deputados Carla Zambelli (PL-SP), André Janones (Avante-MG) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Candidatos a um novo mandato na Câmara, eles recorreram a valores menos expressivos.

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Na época da votação que definiu o fundão de R$ 5 bilhões, Vitor Hugo classificou a verba como um “exagero”. Hoje, candidato ao governo de Goiás, é o parlamentar do “grupo dos contra” que mais usou o dinheiro na sua campanha, um total de R$ 7 milhões, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Procurado, ele não respondeu aos contatos da reportagem.

“É uma vergonha. Incompatível com a realidade do Brasil e um desrespeito aos brasileiros. Sou totalmente contra”, escreveu o senador Rodrigo Cunha (União-AL) no seu Facebook em dezembro de 2021. Não passaram nove meses para o senador mudar o discurso. Agora candidato ao governo de Alagoas, ele já aceitou receber R$ 6 milhões do “fundão vergonha”. Ao Estadão, disse que “quem determina os valores repassados são os partidos” e que foi contra o aumento do valor do fundo e não o mecanismo de financiamento. Pelas regras, o senador poderia recusar receber o valor.

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O deputado André Janones também votou contra o fundão eleitoral de R$ 5 bilhões. Para seus 318 mil seguidores no Twitter, disse que o valor era uma “desconexão” com a realidade do Brasil. “Não é justo, não é certo, não é moral”, postou em julho do ano passado. Agora candidato à reeleição, o deputado recebeu meio milhão para bancar sua campanha. “Eu votei contra o aumento, e não pelo fim do fundo. Usei em 2016, usei em 2018, usei este ano e vou continuar usando enquanto o fundo existir”, afirmou ao Estadão, ressaltando que, se não usasse, o valor iria para outros candidatos do seu partido.

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A votação no Congresso não colocava em discussão a existência do fundão, mas o valor para a campanha deste ano. O parlamentar que foi contra e agora usa o dinheiro, na prática, concordou em ser beneficiado com a cifra que condenou.

‘Excrescência’

Tradicionalmente, os presidentes de partido privilegiam candidatos à reeleição na divisão dos recursos. A deputada Bia Kicis, por exemplo, recebeu R$ 2 milhões do fundão para bancar sua tentativa de renovar o mandato. Foi a sexta candidata do PL que mais ganhou dinheiro dessa fonte entre todos os seus colegas.

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No ano passado, Kicis foi contra o fundão de R$ 5 bilhões e postou um vídeo para seus 1,4 milhão de seguidores no Instagram associando os recursos à corrupção: “Nós somos os deputados que combatem a corrupção e somos contra o fundão”. Pouco mais de um ano depois, a deputada mudou o discurso.

“Enquanto nossos adversários dispõem de verba para concorrer, não posso entrar na disputa sem as mesmas armas”, afirma ela agora. Além do fundão, porém, os candidatos também podem financiar suas campanhas com dinheiro próprio, doações individuais e financiamento coletivo.

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Também candidato à reeleição, o deputado Eduardo Bolsonaro recebeu R$ 500 mil do fundo eleitoral. No ano passado, o filho do presidente da República classificou o fundão de R$ 5 bilhões como uma “excrescência” em vídeo divulgado para seus quatro milhões de seguidores no Instagram. Procurado, Eduardo não justificou os motivos de agora aceitar ser beneficiado pelo valor que condenou.

Da mesma forma, a deputada Carla Zambelli votou contra e condenou o fundão de R$ 5 bilhões, segundo ela “uma aberração”, “um escárnio”, algo “inaceitável”. No Facebook, dizia para seus 2,8 milhões de seguidores que “sempre foi contra dinheiro público em campanha”. Como candidata, aceitou recebeu R$ 1 milhão para financiar sua reeleição. Ao Estadão, ela disse que fez uma enquete com seus eleitores, que concordaram com o uso.

O único partido que rejeitou o fundão de R$ 5 bilhões em votações no Congresso, nas redes sociais e manteve essa posição na campanha foi o Novo. A sigla, de atuação voltada a setores do empresariado, abriu mão de R$ 87,7 milhões para financiar a eleição de seus 479 candidatos a deputados federal e estadual, senador, governador e presidente. Nesse caso, como a decisão de não receber é do partido, os recursos voltam para os cofres públicos.

Dinheiro na conta

O governo federal já repassou aos partidos políticos os R$ 5 bilhões do fundão eleitoral. No total, 31 agremiações receberam os recursos. E R$ 3,3 bilhões já entraram na conta das campanhas.

Líder nas pesquisas de intenção de voto, o petista Luiz Inácio Lula da Silva recebeu R$ 85,9 milhões até agora. É o maior valor do fundão repassado a um candidato. O PT tem direito a distribuir R$ 500 milhões por ter eleito uma bancada de 54 deputados federais em 2018.

Os petistas votaram a favor do fundão de R$ 5 bilhões no ano passado, o que beneficiou a sigla com o segundo maior volume de recursos públicos. O primeiro é o União Brasil, uma junção do PSL (que elegeu Bolsonaro em 2018) com o DEM. A sigla lançou para a Presidência a senadora Soraya Thronicke (MT). A campanha dela encabeça os repasses do fundo eleitoral da legenda, com R$ 15,5 milhões. Assim como seu partido, Thronicke votou a favor do fundão bilionário.

O PL, de Bolsonaro, tem R$ 268 milhões, dos quais apenas R$ 90 mil foram para a campanha do presidente à reeleição. A maior parte dos recursos utilizados por ele até agora saiu do Fundo Partidário, R$ 10 milhões, formado ainda por verba pública. A sigla, que ao lado do Progressistas e do Republicanos forma o Centrão, também foi a favor do fundão.

Candidata do MDB ao Planalto, a senadora Simone Tebet (MS) recebeu R$ 19,8 milhões do fundo eleitoral para sua campanha. É o maior valor destinado pelo partido a um candidato. Tebet não participou da votação que aumentou o fundão, mas seu partido orientou o voto a favor. Ciro Gomes (PDT) tem R$ 16 milhões do fundão para gastar. Sua sigla também foi a favor.

Destino

O fundão foi criado em 2017 como resposta do Congresso à Lava Jato, que revelou empresários pagando propina a políticos travestida de doação de campanha. As pessoas jurídicas foram proibidas de doar, e o financiamento das eleições passou a ser quase 100% público. Além de fechar a torneira da corrupção, acreditava-se que as eleições ficariam mais baratas. Desde que o fundão foi criado, porém, o Congresso já triplicou seu valor.

O dinheiro pode financiar toda a despesa de campanha, de gráfica até gastos com marqueteiro e jatinho. A prestação de contas pode ser conferida no site do TSE.

BRASÍLIA - Na frente das câmeras, eles fizeram discursos contundentes contra o fundão eleitoral de R$ 5 bilhões, mas, longe dos holofotes, aceitaram usar o dinheiro que condenaram. Dos 167 deputados e senadores que se posicionaram contra a reserva bilionária em votação e nas redes sociais, justificando ser uma “excrescência”, uma “vergonha”, uma “aberração”, 124 estão usando o dinheiro para financiar suas campanhas neste ano.

Em dezembro de 2021, fundo eleitoral de R$ 5 bilhões foi confirmado em votação no Congresso.  Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Os candidatos podem abrir mão de receber os recursos e utilizar apenas doações de pessoas físicas. Nesses casos, o partido pode direcionar o dinheiro para outros postulantes ou, até mesmo, devolver para os cofres públicos, mas não foi o que ocorreu na maioria dos casos.

O deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), ex-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, o senador Rodrigo Cunha (União-AL), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Bia Kicis (PL-DF), da tropa de choque do Palácio do Planalto no Congresso, estão entre os críticos do fundão que mais pegaram dinheiro dessa verba. Vitor Hugo e Rodrigo Cunha têm em comum candidaturas a governo de Estado.

Conforme levantamento do Estadão, 117 deputados e sete senadores que votaram contra o fundão de R$ 5 bilhões aceitaram receber R$ 188 milhões para gastar na eleição. A lista é reforçada ainda por estrelas de um campo e outro da política, como os deputados Carla Zambelli (PL-SP), André Janones (Avante-MG) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Candidatos a um novo mandato na Câmara, eles recorreram a valores menos expressivos.

Na época da votação que definiu o fundão de R$ 5 bilhões, Vitor Hugo classificou a verba como um “exagero”. Hoje, candidato ao governo de Goiás, é o parlamentar do “grupo dos contra” que mais usou o dinheiro na sua campanha, um total de R$ 7 milhões, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Procurado, ele não respondeu aos contatos da reportagem.

“É uma vergonha. Incompatível com a realidade do Brasil e um desrespeito aos brasileiros. Sou totalmente contra”, escreveu o senador Rodrigo Cunha (União-AL) no seu Facebook em dezembro de 2021. Não passaram nove meses para o senador mudar o discurso. Agora candidato ao governo de Alagoas, ele já aceitou receber R$ 6 milhões do “fundão vergonha”. Ao Estadão, disse que “quem determina os valores repassados são os partidos” e que foi contra o aumento do valor do fundo e não o mecanismo de financiamento. Pelas regras, o senador poderia recusar receber o valor.

O deputado André Janones também votou contra o fundão eleitoral de R$ 5 bilhões. Para seus 318 mil seguidores no Twitter, disse que o valor era uma “desconexão” com a realidade do Brasil. “Não é justo, não é certo, não é moral”, postou em julho do ano passado. Agora candidato à reeleição, o deputado recebeu meio milhão para bancar sua campanha. “Eu votei contra o aumento, e não pelo fim do fundo. Usei em 2016, usei em 2018, usei este ano e vou continuar usando enquanto o fundo existir”, afirmou ao Estadão, ressaltando que, se não usasse, o valor iria para outros candidatos do seu partido.

A votação no Congresso não colocava em discussão a existência do fundão, mas o valor para a campanha deste ano. O parlamentar que foi contra e agora usa o dinheiro, na prática, concordou em ser beneficiado com a cifra que condenou.

‘Excrescência’

Tradicionalmente, os presidentes de partido privilegiam candidatos à reeleição na divisão dos recursos. A deputada Bia Kicis, por exemplo, recebeu R$ 2 milhões do fundão para bancar sua tentativa de renovar o mandato. Foi a sexta candidata do PL que mais ganhou dinheiro dessa fonte entre todos os seus colegas.

No ano passado, Kicis foi contra o fundão de R$ 5 bilhões e postou um vídeo para seus 1,4 milhão de seguidores no Instagram associando os recursos à corrupção: “Nós somos os deputados que combatem a corrupção e somos contra o fundão”. Pouco mais de um ano depois, a deputada mudou o discurso.

“Enquanto nossos adversários dispõem de verba para concorrer, não posso entrar na disputa sem as mesmas armas”, afirma ela agora. Além do fundão, porém, os candidatos também podem financiar suas campanhas com dinheiro próprio, doações individuais e financiamento coletivo.

Também candidato à reeleição, o deputado Eduardo Bolsonaro recebeu R$ 500 mil do fundo eleitoral. No ano passado, o filho do presidente da República classificou o fundão de R$ 5 bilhões como uma “excrescência” em vídeo divulgado para seus quatro milhões de seguidores no Instagram. Procurado, Eduardo não justificou os motivos de agora aceitar ser beneficiado pelo valor que condenou.

Da mesma forma, a deputada Carla Zambelli votou contra e condenou o fundão de R$ 5 bilhões, segundo ela “uma aberração”, “um escárnio”, algo “inaceitável”. No Facebook, dizia para seus 2,8 milhões de seguidores que “sempre foi contra dinheiro público em campanha”. Como candidata, aceitou recebeu R$ 1 milhão para financiar sua reeleição. Ao Estadão, ela disse que fez uma enquete com seus eleitores, que concordaram com o uso.

O único partido que rejeitou o fundão de R$ 5 bilhões em votações no Congresso, nas redes sociais e manteve essa posição na campanha foi o Novo. A sigla, de atuação voltada a setores do empresariado, abriu mão de R$ 87,7 milhões para financiar a eleição de seus 479 candidatos a deputados federal e estadual, senador, governador e presidente. Nesse caso, como a decisão de não receber é do partido, os recursos voltam para os cofres públicos.

Dinheiro na conta

O governo federal já repassou aos partidos políticos os R$ 5 bilhões do fundão eleitoral. No total, 31 agremiações receberam os recursos. E R$ 3,3 bilhões já entraram na conta das campanhas.

Líder nas pesquisas de intenção de voto, o petista Luiz Inácio Lula da Silva recebeu R$ 85,9 milhões até agora. É o maior valor do fundão repassado a um candidato. O PT tem direito a distribuir R$ 500 milhões por ter eleito uma bancada de 54 deputados federais em 2018.

Os petistas votaram a favor do fundão de R$ 5 bilhões no ano passado, o que beneficiou a sigla com o segundo maior volume de recursos públicos. O primeiro é o União Brasil, uma junção do PSL (que elegeu Bolsonaro em 2018) com o DEM. A sigla lançou para a Presidência a senadora Soraya Thronicke (MT). A campanha dela encabeça os repasses do fundo eleitoral da legenda, com R$ 15,5 milhões. Assim como seu partido, Thronicke votou a favor do fundão bilionário.

O PL, de Bolsonaro, tem R$ 268 milhões, dos quais apenas R$ 90 mil foram para a campanha do presidente à reeleição. A maior parte dos recursos utilizados por ele até agora saiu do Fundo Partidário, R$ 10 milhões, formado ainda por verba pública. A sigla, que ao lado do Progressistas e do Republicanos forma o Centrão, também foi a favor do fundão.

Candidata do MDB ao Planalto, a senadora Simone Tebet (MS) recebeu R$ 19,8 milhões do fundo eleitoral para sua campanha. É o maior valor destinado pelo partido a um candidato. Tebet não participou da votação que aumentou o fundão, mas seu partido orientou o voto a favor. Ciro Gomes (PDT) tem R$ 16 milhões do fundão para gastar. Sua sigla também foi a favor.

Destino

O fundão foi criado em 2017 como resposta do Congresso à Lava Jato, que revelou empresários pagando propina a políticos travestida de doação de campanha. As pessoas jurídicas foram proibidas de doar, e o financiamento das eleições passou a ser quase 100% público. Além de fechar a torneira da corrupção, acreditava-se que as eleições ficariam mais baratas. Desde que o fundão foi criado, porém, o Congresso já triplicou seu valor.

O dinheiro pode financiar toda a despesa de campanha, de gráfica até gastos com marqueteiro e jatinho. A prestação de contas pode ser conferida no site do TSE.

BRASÍLIA - Na frente das câmeras, eles fizeram discursos contundentes contra o fundão eleitoral de R$ 5 bilhões, mas, longe dos holofotes, aceitaram usar o dinheiro que condenaram. Dos 167 deputados e senadores que se posicionaram contra a reserva bilionária em votação e nas redes sociais, justificando ser uma “excrescência”, uma “vergonha”, uma “aberração”, 124 estão usando o dinheiro para financiar suas campanhas neste ano.

Em dezembro de 2021, fundo eleitoral de R$ 5 bilhões foi confirmado em votação no Congresso.  Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Os candidatos podem abrir mão de receber os recursos e utilizar apenas doações de pessoas físicas. Nesses casos, o partido pode direcionar o dinheiro para outros postulantes ou, até mesmo, devolver para os cofres públicos, mas não foi o que ocorreu na maioria dos casos.

O deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), ex-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, o senador Rodrigo Cunha (União-AL), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Bia Kicis (PL-DF), da tropa de choque do Palácio do Planalto no Congresso, estão entre os críticos do fundão que mais pegaram dinheiro dessa verba. Vitor Hugo e Rodrigo Cunha têm em comum candidaturas a governo de Estado.

Conforme levantamento do Estadão, 117 deputados e sete senadores que votaram contra o fundão de R$ 5 bilhões aceitaram receber R$ 188 milhões para gastar na eleição. A lista é reforçada ainda por estrelas de um campo e outro da política, como os deputados Carla Zambelli (PL-SP), André Janones (Avante-MG) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Candidatos a um novo mandato na Câmara, eles recorreram a valores menos expressivos.

Na época da votação que definiu o fundão de R$ 5 bilhões, Vitor Hugo classificou a verba como um “exagero”. Hoje, candidato ao governo de Goiás, é o parlamentar do “grupo dos contra” que mais usou o dinheiro na sua campanha, um total de R$ 7 milhões, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Procurado, ele não respondeu aos contatos da reportagem.

“É uma vergonha. Incompatível com a realidade do Brasil e um desrespeito aos brasileiros. Sou totalmente contra”, escreveu o senador Rodrigo Cunha (União-AL) no seu Facebook em dezembro de 2021. Não passaram nove meses para o senador mudar o discurso. Agora candidato ao governo de Alagoas, ele já aceitou receber R$ 6 milhões do “fundão vergonha”. Ao Estadão, disse que “quem determina os valores repassados são os partidos” e que foi contra o aumento do valor do fundo e não o mecanismo de financiamento. Pelas regras, o senador poderia recusar receber o valor.

O deputado André Janones também votou contra o fundão eleitoral de R$ 5 bilhões. Para seus 318 mil seguidores no Twitter, disse que o valor era uma “desconexão” com a realidade do Brasil. “Não é justo, não é certo, não é moral”, postou em julho do ano passado. Agora candidato à reeleição, o deputado recebeu meio milhão para bancar sua campanha. “Eu votei contra o aumento, e não pelo fim do fundo. Usei em 2016, usei em 2018, usei este ano e vou continuar usando enquanto o fundo existir”, afirmou ao Estadão, ressaltando que, se não usasse, o valor iria para outros candidatos do seu partido.

A votação no Congresso não colocava em discussão a existência do fundão, mas o valor para a campanha deste ano. O parlamentar que foi contra e agora usa o dinheiro, na prática, concordou em ser beneficiado com a cifra que condenou.

‘Excrescência’

Tradicionalmente, os presidentes de partido privilegiam candidatos à reeleição na divisão dos recursos. A deputada Bia Kicis, por exemplo, recebeu R$ 2 milhões do fundão para bancar sua tentativa de renovar o mandato. Foi a sexta candidata do PL que mais ganhou dinheiro dessa fonte entre todos os seus colegas.

No ano passado, Kicis foi contra o fundão de R$ 5 bilhões e postou um vídeo para seus 1,4 milhão de seguidores no Instagram associando os recursos à corrupção: “Nós somos os deputados que combatem a corrupção e somos contra o fundão”. Pouco mais de um ano depois, a deputada mudou o discurso.

“Enquanto nossos adversários dispõem de verba para concorrer, não posso entrar na disputa sem as mesmas armas”, afirma ela agora. Além do fundão, porém, os candidatos também podem financiar suas campanhas com dinheiro próprio, doações individuais e financiamento coletivo.

Também candidato à reeleição, o deputado Eduardo Bolsonaro recebeu R$ 500 mil do fundo eleitoral. No ano passado, o filho do presidente da República classificou o fundão de R$ 5 bilhões como uma “excrescência” em vídeo divulgado para seus quatro milhões de seguidores no Instagram. Procurado, Eduardo não justificou os motivos de agora aceitar ser beneficiado pelo valor que condenou.

Da mesma forma, a deputada Carla Zambelli votou contra e condenou o fundão de R$ 5 bilhões, segundo ela “uma aberração”, “um escárnio”, algo “inaceitável”. No Facebook, dizia para seus 2,8 milhões de seguidores que “sempre foi contra dinheiro público em campanha”. Como candidata, aceitou recebeu R$ 1 milhão para financiar sua reeleição. Ao Estadão, ela disse que fez uma enquete com seus eleitores, que concordaram com o uso.

O único partido que rejeitou o fundão de R$ 5 bilhões em votações no Congresso, nas redes sociais e manteve essa posição na campanha foi o Novo. A sigla, de atuação voltada a setores do empresariado, abriu mão de R$ 87,7 milhões para financiar a eleição de seus 479 candidatos a deputados federal e estadual, senador, governador e presidente. Nesse caso, como a decisão de não receber é do partido, os recursos voltam para os cofres públicos.

Dinheiro na conta

O governo federal já repassou aos partidos políticos os R$ 5 bilhões do fundão eleitoral. No total, 31 agremiações receberam os recursos. E R$ 3,3 bilhões já entraram na conta das campanhas.

Líder nas pesquisas de intenção de voto, o petista Luiz Inácio Lula da Silva recebeu R$ 85,9 milhões até agora. É o maior valor do fundão repassado a um candidato. O PT tem direito a distribuir R$ 500 milhões por ter eleito uma bancada de 54 deputados federais em 2018.

Os petistas votaram a favor do fundão de R$ 5 bilhões no ano passado, o que beneficiou a sigla com o segundo maior volume de recursos públicos. O primeiro é o União Brasil, uma junção do PSL (que elegeu Bolsonaro em 2018) com o DEM. A sigla lançou para a Presidência a senadora Soraya Thronicke (MT). A campanha dela encabeça os repasses do fundo eleitoral da legenda, com R$ 15,5 milhões. Assim como seu partido, Thronicke votou a favor do fundão bilionário.

O PL, de Bolsonaro, tem R$ 268 milhões, dos quais apenas R$ 90 mil foram para a campanha do presidente à reeleição. A maior parte dos recursos utilizados por ele até agora saiu do Fundo Partidário, R$ 10 milhões, formado ainda por verba pública. A sigla, que ao lado do Progressistas e do Republicanos forma o Centrão, também foi a favor do fundão.

Candidata do MDB ao Planalto, a senadora Simone Tebet (MS) recebeu R$ 19,8 milhões do fundo eleitoral para sua campanha. É o maior valor destinado pelo partido a um candidato. Tebet não participou da votação que aumentou o fundão, mas seu partido orientou o voto a favor. Ciro Gomes (PDT) tem R$ 16 milhões do fundão para gastar. Sua sigla também foi a favor.

Destino

O fundão foi criado em 2017 como resposta do Congresso à Lava Jato, que revelou empresários pagando propina a políticos travestida de doação de campanha. As pessoas jurídicas foram proibidas de doar, e o financiamento das eleições passou a ser quase 100% público. Além de fechar a torneira da corrupção, acreditava-se que as eleições ficariam mais baratas. Desde que o fundão foi criado, porém, o Congresso já triplicou seu valor.

O dinheiro pode financiar toda a despesa de campanha, de gráfica até gastos com marqueteiro e jatinho. A prestação de contas pode ser conferida no site do TSE.

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