Junto com Chile, Uruguai e Costa Rica, o Panamá tradicionalmente aparece na lista dos países latino-americanos mais bem-sucedidos e estáveis da região. Foi um tanto surpreendente, portanto, ter sido justamente ele um dos primeiros palcos da onda de protestos que veio a reboque do choque econômico resultante da invasão russa na Ucrânia e das consequentes sanções ocidentais contra Moscou. O caos nas ruas da Cidade do Panamá já dura mais de um mês e representa a pior crise do país desde o fim da ditadura em 1989. Os protestos levaram à paralisação do transporte público e ao fechamento de escolas.
No Panamá, o gatilho para as manifestações em massa foram gravações em que deputados celebram o início do período legislativo da Assembleia Nacional com garrafas de whisky importado, cenas que se tornaram símbolos de uma elite política vista como irresponsável, corrupta e acima da lei. Mas, assim como os protestos no Brasil em 2013 e no Chile em 2019, nos quais o aumento do custo do transporte público deu início às maiores manifestações em décadas, tais eventos costumam ser apenas a última gota que “rompe o dique” e leva cidadãos frustrados às ruas: no caso panamenho, escândalos de corrupção, desemprego elevado e altos níveis de desigualdade já haviam gerado crescente descontentamento público com o governo do presidente Laurentino Cortizo.
Por mais que o ódio dos manifestantes se concentre na figura do presidente e dos apreciadores da bebida importada – presumidamente paga pelo contribuinte –, a crise política do Panamá faz parte de uma onda global de protestos pós-pandemia e pós-guerra na Ucrânia. Foi essa mesma onda que levou, recentemente, manifestantes do Sri Lanka a invadirem o palácio presidencial e o presidente Rajapaksa fugir do país e renunciar. Rajapaksa não teve a mesma sorte que o presidente equatoriano Guillermo Lasso, o qual conseguiu recentemente, com intermediação da Igreja Católica, negociar um acordo com os manifestantes depois de três semanas de protestos que deixaram centenas de feridos e pelo menos seis mortos.
É difícil prever qual será o próximo país atingido pela atual onda global de protestos. No entanto, além do grau de descontentamento generalizado, a data das próximas eleições gerais é mais um indicador relevante: quanto mais próximo o pleito, menos chance há de grandes explosões sociais. Afinal, por que tomar as ruas se é possível punir os governantes na urna? No Sri Lanka e no Panamá, os manifestantes não tiveram paciência de esperar até 2024 ou, no caso equatoriano, até 2025. Entre os presidentes latino-americanos, o peruano Pedro Castillo, que já enfrentou protestos em abril, talvez seja o mais vulnerável e provavelmente não chegará ao fim do mandato, em 2026. Em todo caso, dificilmente será o único presidente latino-americano a sentir a ira das ruas.