BRASÍLIA - O ato militar da Marinha com blindados na Praça dos Três Poderes, uma tentativa de demonstração de força política do Palácio do Planalto, evidenciou o isolamento do presidente Jair Bolsonaro. Contestada publicamente até pelo aliado Arthur Lira (Progressistas-AL), presidente da Câmara dos Deputados, a iniciativa não reuniu apoio nem sequer do vice-presidente Hamilton Mourão, e a derradeira manobra para convidar autoridades da cúpula do Legislativo e do Judiciário fracassou.
A classe política desconfiou das intenções do presidente e viu margem para intimidação, depois das ameaças às eleições feitas por Bolsonaro e pelo ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, interventor do presidente nas Forças Armadas. A exibição bélica era originalmente dirigida apenas aos dois. Nem Lira, nem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), compareceram.
Até mesmo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), reconhecido pelo tom beligerante na defesa de Bolsonaro, afirmou, na abertura de audiência na CPI da Covid, que dividia as “preocupações" levantadas pelos senadores sobre o ato. "Estamos em trincheiras distintas, mas somos do Parlamento brasileiro. Eu tenho uma história nesse Congresso Nacional, eu sou subscritor da Constituinte cidadã, eu aposto na democracia e no Estado Democrático de Direito. Quero compartilhar as preocupações de todos aqui que reverberaram, apenas, digamos, assim, querendo retirar os excessos das falas que foram feitas", disse Bezerra.
Das cortes superiores, apenas ministros alinhados ao bolsonarismo posaram para a foto na rampa do Palácio do Planalto: o ministro do Tribunal de Contas da União Jorge Oliveira, ex-secretário-geral da Presidência, e o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra Filho, que tem uma irmã empregada no governo.
Uma das ausências mais notadas foi a de Hamilton Mourão. O general de Exército da reserva, apesar do distanciamento de Bolsonaro, costuma se fazer presente em eventos públicos que envolvem as Forças Armadas. Mourão não tinha outros compromissos no horário e despachava em Brasília na manhã desta terça-feira, 10, conforme sua agenda pública.
Do outro lado, no chão da praça, apenas uma concentração diminuta de apoiadores do presidente fazia campanha pelo voto impresso, bandeira do presidente que tende a ser derrotada logo mais no plenário da Câmara. Eles acenavam e gritavam “mito” para o presidente e uma fileira de ministros e parlamentares de baixo clero e expoentes do Centrão, como o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR).
A inédita passagem de mais de quarenta viaturas, entre jipes, blindados, tanques e caminhões foi justificada como uma forma de convidar o presidente a assistir na semana que vem a Operação Formosa, tradicional treinamento de Fuzileiros Navais em Goiás. A ideia, segundo almirantes da ativa, partiu do Comando da Marinha e foi levada ao presidente pelo ministro da Defesa, Braga Netto. Bolsonaro deu a ordem para que fosse executada na sexta-feira passada, conforme revelou a colunista Eliane Cantanhêde.
O almirante de esquadra Almir Garnier Santos não estava com o tradicional traje branco da Marinha, que o distinguiria dos demais comandantes do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior. Garnier foi ao Planalto trajado como Fuzileiro Naval, farda cor camuflada e coturno marrom, como os demais comandados. Ativo nas redes sociais depois de alçar o topo da Força Naval, ele não se pronunciou.
Os três comandantes haviam sido escolhidos por Bolsonaro, com intermédio de Braga Netto, justamente após insatisfações do presidente com os chefes militares antecessores, que teriam resistido a demonstrações como essa.
Apesar do constrangimento, os almirantes da ativa consideram a Operação Formosa como a principal oportunidade da Marinha de mostrar, com armamento real e 2 mil militares, o poder de fogo da Força de Fuzileiros da Esquadra brasileira. É um mecanismo de dissuasão, de convencer alguém a mudar de ideia por meio da exibição do poderio. No campo de batalha, por exemplo, funciona como forma de levar o inimigo a desistir de um plano de agressão ou atitude hostil.
A coincidência de datas do treinamento, agendado há meses, com a votação de uma bandeira do presidente prestes a ser derrotada no voto não causaria protestos, não fosse uma manobra inusual. Organizada de última hora durante o fim de semana, ela forçou parte dos tanques a circular ao redor do Congresso, o que levou os parlamentares, aliados e opositores, a se verem no papel de alvo da ameaça bélica.