‘Marçal mostrou que existe um caminho para desafiar Bolsonaro em seu campo’, diz cientista político


Leonardo Avritzer aponta que a disputa eleitoral trouxe realinhamento político, com PSD ganhando protagonismo; para ele, direita cresceu menos que esperava e esquerda reagiu em alguns locais

Por Bianca Gomes
Foto: Gualter Naves/Estadão
Entrevista comLeonardo Avritzercientista político

O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições, avalia que o primeiro turno da disputa municipal trouxe um realinhamento no campo político. O PSD superou o MDB como principal força de centro, consolidando Gilberto Kassab como uma das lideranças políticas mais influentes do País.

Embora a direita tenha avançado, o crescimento ficou aquém das expectativas. Já o PT mostrou uma recuperação, elegendo aliados em capitais estratégicas, ainda que não tenha sido vitorioso como legenda. Para Avritzer, o resultado da eleição em São Paulo não foi positivo para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), e Pablo Marçal (PRTB) mostrou que existe um caminho para desafiar Jair Bolsonaro (PL) em seu próprio campo. Leia a entrevista:

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Que avaliação o senhor faz sobre o resultado deste primeiro turno? Que partidos e grupos saem fortalecidos?

Ainda temos uma visão parcial, pois muitas das principais cidades do Brasil terão segundo turno. No entanto, já é possível identificar algumas tendências. A principal mudança talvez seja no campo do centro. O MDB, que por mais de uma década foi o maior partido do Brasil em eleições municipais, foi deslocado pelo PSD. Apesar de ser um partido que ainda não tem características muito definidas, sob a liderança de Gilberto Kassab, o PSD se apresenta como centrista. Contudo, ele também abriga setores conservadores que vieram do Democratas durante o governo Dilma e buscaram se reposicionar no sistema político brasileiro.

Temos também um crescimento da direita, mas esse avanço foi menor do que o esperado. Alguns líderes do PL falavam em conquistar 1.500 prefeituras; Valdemar Costa Neto, mais modesto, estimava 600. O PL de fato obteve um número relevante de prefeituras, mas ainda está longe de ser o principal partido do Brasil no nível municipal. Por fim, o Partido dos Trabalhadores teve uma recuperação significativa, passando de 181 para 250 prefeituras e voltando a disputar o segundo turno em capitais importantes do Nordeste e do Sul, algo que não acontecia desde 2016.

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O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições Foto: Gualter Naves/Estadão

O desempenho do PT melhorou, mas ainda está bem abaixo do PSD e do próprio PL. Por que, mesmo com Lula na Presidência, o partido não teve um resultado mais expressivo?

O desempenho do PT não é ruim. Se considerarmos que Fortaleza está entre as 10 maiores cidades do país, e que a candidatura de Boulos em São Paulo foi uma parceria com o PSOL — com apoio financeiro, militância e o próprio respaldo do presidente Lula —, o resultado é positivo. Além disso, em lugares onde o PT havia praticamente desaparecido, como no Rio Grande do Sul, o partido voltou a aparecer e vai disputar o segundo turno em importantes cidades, como Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas. No entanto, esse resultado ainda está aquém do que o partido já teve no passado, quando chegou a conquistar mais de 600 prefeituras. Naquela época, porém, não era um movimento tão claramente de pessoas identificadas com o PT, mas com a ideia de que ser filiado ao PT ajudava a ganhar a eleição, assim como hoje estar no PSD contribui para ganhar eleições.

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E sobre a esquerda de forma geral, incluindo PT, PSOL e PSB? O senhor mencionou que a direita saiu fortalecida, mas como podemos avaliar o desempenho da esquerda?

A esquerda sai mais forte do que estava em 2016 e 2020. Ela manteve sua competitividade em alguns locais, como Recife e Fortaleza. Resta ver o que acontecerá em São Paulo, que, apesar de ser apenas uma cidade, tem um peso enorme por ser o quinto maior orçamento do Brasil e reunir quase 10 milhões de eleitores. O resultado em São Paulo pode ajudar a definir melhor o cenário nacional.

E quanto ao desempenho de Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais? Lula esteve bastante presente em São Paulo, enquanto Bolsonaro teve uma agenda mais intensa em outras regiões. Eles tiveram um peso significativo nas principais candidaturas?

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Depende. Muitas disputas municipais têm dinâmicas essencialmente locais. No Rio de Janeiro, por exemplo, berço do bolsonarismo, o candidato apoiado por Bolsonaro não teve um bom desempenho, mas isso se deve a fortes dinâmicas locais. Em Salvador, a esquerda também não foi bem, mas isso não reflete as tendências nacionais. O PT venceu na cidade em eleições anteriores e provavelmente manterá esse cenário em 2026. Já Bolsonaro venceu no Rio e deve continuar com força por lá. Ou seja, existe uma forte influência das dinâmicas locais nas eleições municipais.

Por outro lado, é possível ver a presença deles em algumas disputas específicas. O ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Marcelo Queiroga, por exemplo, conseguiu ir ao segundo turno em João Pessoa, na Paraíba, com o apoio do ex-presidente, mostrando a força do bolsonarismo localmente. Já em Belém, Bolsonaro tentou impulsionar um candidato conservador, mas os Barbalhos reagiram. Mesmo com diferenças regionais, tanto Lula quanto Bolsonaro atuaram como cabos eleitorais relevantes nesta eleição.

Há quem diga que o Bolsonaro teve mais influência nos municípios do que Lula. O que o sr. acha?

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Acredito que o PL teve um desempenho melhor do que o PT. No entanto, o PT fez a opção por construir alianças com partidos de sua base, o que o posiciona bem em algumas capitais. Por exemplo, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro, com o Paes. As estratégias eleitorais foram muito diferentes: enquanto o PL, um partido menor, focou em conquistar prefeituras próprias, o PT, por ser um partido mais consolidado, investiu em fortalecer a base de apoio ao governo. Essa é a principal diferença entre os dois.

E qual é o impacto desse resultado das eleições municipais para 2026? Com partidos de centro como PSD e MDB fortalecidos, Lula pode ficar mais dependente deles?

De modo geral, na ciência política, entendemos que as eleições municipais não têm uma relação direta com as eleições presidenciais. O efeito é mais evidente nas eleições proporcionais, especialmente na escolha de deputados para a Câmara. O cenário atual sugere que teremos um Congresso talvez tão conservador quanto, ou até mais, em 2026.

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E olhando para o cenário nacional, quais lideranças saem fortalecidas? O senhor citou Campos e Paes, mas há outras que ganham relevância com um futuro promissor para 2026 e além?

Em primeiro lugar, Gilberto Kassab. A vitória do PSD é uma vitória dele. Não é pouca coisa liderar o partido com o maior número de prefeituras no Brasil. Ele, que se posiciona como uma figura centrista, embora seu partido abrigue diferentes correntes, sem dúvida se consolida como um dos principais políticos do país.

Em segundo lugar, há vitórias locais que também merecem destaque. João Campos reforça sua posição, e o PSB, que não teve um bom desempenho nacionalmente, se fortalece em Pernambuco. Há ainda vitórias menos comentadas, mas igualmente relevantes. Renan Calheiros, por exemplo, garantiu ao MDB vitórias em quase 70% dos municípios de Alagoas, derrotando Arthur Lira em seu próprio Estado — após Lira ter fracassado na indicação do vice de João Henrique Caldas. No entanto, a influência de Eduardo Paes e João Campos ainda é mais regional, enquanto Kassab e Renan têm alcance mais nacional, o que deve pesar nas negociações para 2026.

Aqui em São Paulo, vimos os eleitores de Bolsonaro ignorarem a indicação dele para a prefeitura. A maioria, como apontam as pesquisas, acabou optando por Marçal. O que isso revela sobre o futuro do bolsonarismo?

A eleição em São Paulo coloca uma série de problemas para Bolsonaro. Passa a haver uma nova liderança de direita, ou extrema direita, muito competitiva com ele e que utiliza os mesmos métodos — forte presença nas redes sociais e apoio de grupos conservadores e religiosos. São exatamente os mesmos mecanismos que sustentam o bolsonarismo. O futuro de Pablo Marçal ainda é incerto e, eventualmente, ele pode até se tornar inelegível no curto prazo. No entanto, ele demonstra que existe um caminho para desafiar o Bolsonaro no seu próprio campo, o que certamente preocupa o ex-presidente.

Sobre o desempenho de Tarcísio como cabo eleitoral aqui em São Paulo, ele sai fortalecido ou a vitória apertada de Ricardo Nunes, com apenas 80 mil votos de diferença para Marçal, representa um risco para ele?

O desempenho de Ricardo Nunes, de fato, não foi bom. Considerando que ele é o prefeito de São Paulo, tinha a máquina municipal e o apoio do governador do estado, o fato de ter vencido por uma margem tão estreita mostra que nem ele nem Tarcísio de Freitas saem fortalecidos. Claro que o segundo turno pode mudar essa percepção, dependendo de como será a vitória, se ela ocorrer. Mas, na fotografia de hoje, nenhum dos dois pode ser considerado um vencedor.

Como os presidenciáveis Zema e Caiado saem das eleições municipais?

Em Goiás, o fortalecimento do PL e do PSD tem características políticas bem distintas. O ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu desafiar Ronaldo Caiado em seu próprio reduto e conseguiu que seu candidato terminasse em primeiro lugar nas eleições em Goiânia. Esse segundo turno será decisivo para definir a correlação de forças entre as diferentes alas da direita no Estado.

Já em Minas Gerais, Romeu Zema perdeu protagonismo. Seu candidato, Tramonte, deixou de ser a principal escolha em Belo Horizonte, e Zema praticamente sumiu da disputa. O resultado das eleições não teve impacto relevante para ele, nem positivo, nem negativo. No Estado, algumas vitórias ficaram com o PT, outras com Bolsonaro ou PSD. Nada disso favorece os projetos políticos de Zema.

O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições, avalia que o primeiro turno da disputa municipal trouxe um realinhamento no campo político. O PSD superou o MDB como principal força de centro, consolidando Gilberto Kassab como uma das lideranças políticas mais influentes do País.

Embora a direita tenha avançado, o crescimento ficou aquém das expectativas. Já o PT mostrou uma recuperação, elegendo aliados em capitais estratégicas, ainda que não tenha sido vitorioso como legenda. Para Avritzer, o resultado da eleição em São Paulo não foi positivo para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), e Pablo Marçal (PRTB) mostrou que existe um caminho para desafiar Jair Bolsonaro (PL) em seu próprio campo. Leia a entrevista:

Que avaliação o senhor faz sobre o resultado deste primeiro turno? Que partidos e grupos saem fortalecidos?

Ainda temos uma visão parcial, pois muitas das principais cidades do Brasil terão segundo turno. No entanto, já é possível identificar algumas tendências. A principal mudança talvez seja no campo do centro. O MDB, que por mais de uma década foi o maior partido do Brasil em eleições municipais, foi deslocado pelo PSD. Apesar de ser um partido que ainda não tem características muito definidas, sob a liderança de Gilberto Kassab, o PSD se apresenta como centrista. Contudo, ele também abriga setores conservadores que vieram do Democratas durante o governo Dilma e buscaram se reposicionar no sistema político brasileiro.

Temos também um crescimento da direita, mas esse avanço foi menor do que o esperado. Alguns líderes do PL falavam em conquistar 1.500 prefeituras; Valdemar Costa Neto, mais modesto, estimava 600. O PL de fato obteve um número relevante de prefeituras, mas ainda está longe de ser o principal partido do Brasil no nível municipal. Por fim, o Partido dos Trabalhadores teve uma recuperação significativa, passando de 181 para 250 prefeituras e voltando a disputar o segundo turno em capitais importantes do Nordeste e do Sul, algo que não acontecia desde 2016.

O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições Foto: Gualter Naves/Estadão

O desempenho do PT melhorou, mas ainda está bem abaixo do PSD e do próprio PL. Por que, mesmo com Lula na Presidência, o partido não teve um resultado mais expressivo?

O desempenho do PT não é ruim. Se considerarmos que Fortaleza está entre as 10 maiores cidades do país, e que a candidatura de Boulos em São Paulo foi uma parceria com o PSOL — com apoio financeiro, militância e o próprio respaldo do presidente Lula —, o resultado é positivo. Além disso, em lugares onde o PT havia praticamente desaparecido, como no Rio Grande do Sul, o partido voltou a aparecer e vai disputar o segundo turno em importantes cidades, como Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas. No entanto, esse resultado ainda está aquém do que o partido já teve no passado, quando chegou a conquistar mais de 600 prefeituras. Naquela época, porém, não era um movimento tão claramente de pessoas identificadas com o PT, mas com a ideia de que ser filiado ao PT ajudava a ganhar a eleição, assim como hoje estar no PSD contribui para ganhar eleições.

E sobre a esquerda de forma geral, incluindo PT, PSOL e PSB? O senhor mencionou que a direita saiu fortalecida, mas como podemos avaliar o desempenho da esquerda?

A esquerda sai mais forte do que estava em 2016 e 2020. Ela manteve sua competitividade em alguns locais, como Recife e Fortaleza. Resta ver o que acontecerá em São Paulo, que, apesar de ser apenas uma cidade, tem um peso enorme por ser o quinto maior orçamento do Brasil e reunir quase 10 milhões de eleitores. O resultado em São Paulo pode ajudar a definir melhor o cenário nacional.

E quanto ao desempenho de Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais? Lula esteve bastante presente em São Paulo, enquanto Bolsonaro teve uma agenda mais intensa em outras regiões. Eles tiveram um peso significativo nas principais candidaturas?

Depende. Muitas disputas municipais têm dinâmicas essencialmente locais. No Rio de Janeiro, por exemplo, berço do bolsonarismo, o candidato apoiado por Bolsonaro não teve um bom desempenho, mas isso se deve a fortes dinâmicas locais. Em Salvador, a esquerda também não foi bem, mas isso não reflete as tendências nacionais. O PT venceu na cidade em eleições anteriores e provavelmente manterá esse cenário em 2026. Já Bolsonaro venceu no Rio e deve continuar com força por lá. Ou seja, existe uma forte influência das dinâmicas locais nas eleições municipais.

Por outro lado, é possível ver a presença deles em algumas disputas específicas. O ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Marcelo Queiroga, por exemplo, conseguiu ir ao segundo turno em João Pessoa, na Paraíba, com o apoio do ex-presidente, mostrando a força do bolsonarismo localmente. Já em Belém, Bolsonaro tentou impulsionar um candidato conservador, mas os Barbalhos reagiram. Mesmo com diferenças regionais, tanto Lula quanto Bolsonaro atuaram como cabos eleitorais relevantes nesta eleição.

Há quem diga que o Bolsonaro teve mais influência nos municípios do que Lula. O que o sr. acha?

Acredito que o PL teve um desempenho melhor do que o PT. No entanto, o PT fez a opção por construir alianças com partidos de sua base, o que o posiciona bem em algumas capitais. Por exemplo, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro, com o Paes. As estratégias eleitorais foram muito diferentes: enquanto o PL, um partido menor, focou em conquistar prefeituras próprias, o PT, por ser um partido mais consolidado, investiu em fortalecer a base de apoio ao governo. Essa é a principal diferença entre os dois.

E qual é o impacto desse resultado das eleições municipais para 2026? Com partidos de centro como PSD e MDB fortalecidos, Lula pode ficar mais dependente deles?

De modo geral, na ciência política, entendemos que as eleições municipais não têm uma relação direta com as eleições presidenciais. O efeito é mais evidente nas eleições proporcionais, especialmente na escolha de deputados para a Câmara. O cenário atual sugere que teremos um Congresso talvez tão conservador quanto, ou até mais, em 2026.

E olhando para o cenário nacional, quais lideranças saem fortalecidas? O senhor citou Campos e Paes, mas há outras que ganham relevância com um futuro promissor para 2026 e além?

Em primeiro lugar, Gilberto Kassab. A vitória do PSD é uma vitória dele. Não é pouca coisa liderar o partido com o maior número de prefeituras no Brasil. Ele, que se posiciona como uma figura centrista, embora seu partido abrigue diferentes correntes, sem dúvida se consolida como um dos principais políticos do país.

Em segundo lugar, há vitórias locais que também merecem destaque. João Campos reforça sua posição, e o PSB, que não teve um bom desempenho nacionalmente, se fortalece em Pernambuco. Há ainda vitórias menos comentadas, mas igualmente relevantes. Renan Calheiros, por exemplo, garantiu ao MDB vitórias em quase 70% dos municípios de Alagoas, derrotando Arthur Lira em seu próprio Estado — após Lira ter fracassado na indicação do vice de João Henrique Caldas. No entanto, a influência de Eduardo Paes e João Campos ainda é mais regional, enquanto Kassab e Renan têm alcance mais nacional, o que deve pesar nas negociações para 2026.

Aqui em São Paulo, vimos os eleitores de Bolsonaro ignorarem a indicação dele para a prefeitura. A maioria, como apontam as pesquisas, acabou optando por Marçal. O que isso revela sobre o futuro do bolsonarismo?

A eleição em São Paulo coloca uma série de problemas para Bolsonaro. Passa a haver uma nova liderança de direita, ou extrema direita, muito competitiva com ele e que utiliza os mesmos métodos — forte presença nas redes sociais e apoio de grupos conservadores e religiosos. São exatamente os mesmos mecanismos que sustentam o bolsonarismo. O futuro de Pablo Marçal ainda é incerto e, eventualmente, ele pode até se tornar inelegível no curto prazo. No entanto, ele demonstra que existe um caminho para desafiar o Bolsonaro no seu próprio campo, o que certamente preocupa o ex-presidente.

Sobre o desempenho de Tarcísio como cabo eleitoral aqui em São Paulo, ele sai fortalecido ou a vitória apertada de Ricardo Nunes, com apenas 80 mil votos de diferença para Marçal, representa um risco para ele?

O desempenho de Ricardo Nunes, de fato, não foi bom. Considerando que ele é o prefeito de São Paulo, tinha a máquina municipal e o apoio do governador do estado, o fato de ter vencido por uma margem tão estreita mostra que nem ele nem Tarcísio de Freitas saem fortalecidos. Claro que o segundo turno pode mudar essa percepção, dependendo de como será a vitória, se ela ocorrer. Mas, na fotografia de hoje, nenhum dos dois pode ser considerado um vencedor.

Como os presidenciáveis Zema e Caiado saem das eleições municipais?

Em Goiás, o fortalecimento do PL e do PSD tem características políticas bem distintas. O ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu desafiar Ronaldo Caiado em seu próprio reduto e conseguiu que seu candidato terminasse em primeiro lugar nas eleições em Goiânia. Esse segundo turno será decisivo para definir a correlação de forças entre as diferentes alas da direita no Estado.

Já em Minas Gerais, Romeu Zema perdeu protagonismo. Seu candidato, Tramonte, deixou de ser a principal escolha em Belo Horizonte, e Zema praticamente sumiu da disputa. O resultado das eleições não teve impacto relevante para ele, nem positivo, nem negativo. No Estado, algumas vitórias ficaram com o PT, outras com Bolsonaro ou PSD. Nada disso favorece os projetos políticos de Zema.

O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições, avalia que o primeiro turno da disputa municipal trouxe um realinhamento no campo político. O PSD superou o MDB como principal força de centro, consolidando Gilberto Kassab como uma das lideranças políticas mais influentes do País.

Embora a direita tenha avançado, o crescimento ficou aquém das expectativas. Já o PT mostrou uma recuperação, elegendo aliados em capitais estratégicas, ainda que não tenha sido vitorioso como legenda. Para Avritzer, o resultado da eleição em São Paulo não foi positivo para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), e Pablo Marçal (PRTB) mostrou que existe um caminho para desafiar Jair Bolsonaro (PL) em seu próprio campo. Leia a entrevista:

Que avaliação o senhor faz sobre o resultado deste primeiro turno? Que partidos e grupos saem fortalecidos?

Ainda temos uma visão parcial, pois muitas das principais cidades do Brasil terão segundo turno. No entanto, já é possível identificar algumas tendências. A principal mudança talvez seja no campo do centro. O MDB, que por mais de uma década foi o maior partido do Brasil em eleições municipais, foi deslocado pelo PSD. Apesar de ser um partido que ainda não tem características muito definidas, sob a liderança de Gilberto Kassab, o PSD se apresenta como centrista. Contudo, ele também abriga setores conservadores que vieram do Democratas durante o governo Dilma e buscaram se reposicionar no sistema político brasileiro.

Temos também um crescimento da direita, mas esse avanço foi menor do que o esperado. Alguns líderes do PL falavam em conquistar 1.500 prefeituras; Valdemar Costa Neto, mais modesto, estimava 600. O PL de fato obteve um número relevante de prefeituras, mas ainda está longe de ser o principal partido do Brasil no nível municipal. Por fim, o Partido dos Trabalhadores teve uma recuperação significativa, passando de 181 para 250 prefeituras e voltando a disputar o segundo turno em capitais importantes do Nordeste e do Sul, algo que não acontecia desde 2016.

O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições Foto: Gualter Naves/Estadão

O desempenho do PT melhorou, mas ainda está bem abaixo do PSD e do próprio PL. Por que, mesmo com Lula na Presidência, o partido não teve um resultado mais expressivo?

O desempenho do PT não é ruim. Se considerarmos que Fortaleza está entre as 10 maiores cidades do país, e que a candidatura de Boulos em São Paulo foi uma parceria com o PSOL — com apoio financeiro, militância e o próprio respaldo do presidente Lula —, o resultado é positivo. Além disso, em lugares onde o PT havia praticamente desaparecido, como no Rio Grande do Sul, o partido voltou a aparecer e vai disputar o segundo turno em importantes cidades, como Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas. No entanto, esse resultado ainda está aquém do que o partido já teve no passado, quando chegou a conquistar mais de 600 prefeituras. Naquela época, porém, não era um movimento tão claramente de pessoas identificadas com o PT, mas com a ideia de que ser filiado ao PT ajudava a ganhar a eleição, assim como hoje estar no PSD contribui para ganhar eleições.

E sobre a esquerda de forma geral, incluindo PT, PSOL e PSB? O senhor mencionou que a direita saiu fortalecida, mas como podemos avaliar o desempenho da esquerda?

A esquerda sai mais forte do que estava em 2016 e 2020. Ela manteve sua competitividade em alguns locais, como Recife e Fortaleza. Resta ver o que acontecerá em São Paulo, que, apesar de ser apenas uma cidade, tem um peso enorme por ser o quinto maior orçamento do Brasil e reunir quase 10 milhões de eleitores. O resultado em São Paulo pode ajudar a definir melhor o cenário nacional.

E quanto ao desempenho de Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais? Lula esteve bastante presente em São Paulo, enquanto Bolsonaro teve uma agenda mais intensa em outras regiões. Eles tiveram um peso significativo nas principais candidaturas?

Depende. Muitas disputas municipais têm dinâmicas essencialmente locais. No Rio de Janeiro, por exemplo, berço do bolsonarismo, o candidato apoiado por Bolsonaro não teve um bom desempenho, mas isso se deve a fortes dinâmicas locais. Em Salvador, a esquerda também não foi bem, mas isso não reflete as tendências nacionais. O PT venceu na cidade em eleições anteriores e provavelmente manterá esse cenário em 2026. Já Bolsonaro venceu no Rio e deve continuar com força por lá. Ou seja, existe uma forte influência das dinâmicas locais nas eleições municipais.

Por outro lado, é possível ver a presença deles em algumas disputas específicas. O ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Marcelo Queiroga, por exemplo, conseguiu ir ao segundo turno em João Pessoa, na Paraíba, com o apoio do ex-presidente, mostrando a força do bolsonarismo localmente. Já em Belém, Bolsonaro tentou impulsionar um candidato conservador, mas os Barbalhos reagiram. Mesmo com diferenças regionais, tanto Lula quanto Bolsonaro atuaram como cabos eleitorais relevantes nesta eleição.

Há quem diga que o Bolsonaro teve mais influência nos municípios do que Lula. O que o sr. acha?

Acredito que o PL teve um desempenho melhor do que o PT. No entanto, o PT fez a opção por construir alianças com partidos de sua base, o que o posiciona bem em algumas capitais. Por exemplo, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro, com o Paes. As estratégias eleitorais foram muito diferentes: enquanto o PL, um partido menor, focou em conquistar prefeituras próprias, o PT, por ser um partido mais consolidado, investiu em fortalecer a base de apoio ao governo. Essa é a principal diferença entre os dois.

E qual é o impacto desse resultado das eleições municipais para 2026? Com partidos de centro como PSD e MDB fortalecidos, Lula pode ficar mais dependente deles?

De modo geral, na ciência política, entendemos que as eleições municipais não têm uma relação direta com as eleições presidenciais. O efeito é mais evidente nas eleições proporcionais, especialmente na escolha de deputados para a Câmara. O cenário atual sugere que teremos um Congresso talvez tão conservador quanto, ou até mais, em 2026.

E olhando para o cenário nacional, quais lideranças saem fortalecidas? O senhor citou Campos e Paes, mas há outras que ganham relevância com um futuro promissor para 2026 e além?

Em primeiro lugar, Gilberto Kassab. A vitória do PSD é uma vitória dele. Não é pouca coisa liderar o partido com o maior número de prefeituras no Brasil. Ele, que se posiciona como uma figura centrista, embora seu partido abrigue diferentes correntes, sem dúvida se consolida como um dos principais políticos do país.

Em segundo lugar, há vitórias locais que também merecem destaque. João Campos reforça sua posição, e o PSB, que não teve um bom desempenho nacionalmente, se fortalece em Pernambuco. Há ainda vitórias menos comentadas, mas igualmente relevantes. Renan Calheiros, por exemplo, garantiu ao MDB vitórias em quase 70% dos municípios de Alagoas, derrotando Arthur Lira em seu próprio Estado — após Lira ter fracassado na indicação do vice de João Henrique Caldas. No entanto, a influência de Eduardo Paes e João Campos ainda é mais regional, enquanto Kassab e Renan têm alcance mais nacional, o que deve pesar nas negociações para 2026.

Aqui em São Paulo, vimos os eleitores de Bolsonaro ignorarem a indicação dele para a prefeitura. A maioria, como apontam as pesquisas, acabou optando por Marçal. O que isso revela sobre o futuro do bolsonarismo?

A eleição em São Paulo coloca uma série de problemas para Bolsonaro. Passa a haver uma nova liderança de direita, ou extrema direita, muito competitiva com ele e que utiliza os mesmos métodos — forte presença nas redes sociais e apoio de grupos conservadores e religiosos. São exatamente os mesmos mecanismos que sustentam o bolsonarismo. O futuro de Pablo Marçal ainda é incerto e, eventualmente, ele pode até se tornar inelegível no curto prazo. No entanto, ele demonstra que existe um caminho para desafiar o Bolsonaro no seu próprio campo, o que certamente preocupa o ex-presidente.

Sobre o desempenho de Tarcísio como cabo eleitoral aqui em São Paulo, ele sai fortalecido ou a vitória apertada de Ricardo Nunes, com apenas 80 mil votos de diferença para Marçal, representa um risco para ele?

O desempenho de Ricardo Nunes, de fato, não foi bom. Considerando que ele é o prefeito de São Paulo, tinha a máquina municipal e o apoio do governador do estado, o fato de ter vencido por uma margem tão estreita mostra que nem ele nem Tarcísio de Freitas saem fortalecidos. Claro que o segundo turno pode mudar essa percepção, dependendo de como será a vitória, se ela ocorrer. Mas, na fotografia de hoje, nenhum dos dois pode ser considerado um vencedor.

Como os presidenciáveis Zema e Caiado saem das eleições municipais?

Em Goiás, o fortalecimento do PL e do PSD tem características políticas bem distintas. O ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu desafiar Ronaldo Caiado em seu próprio reduto e conseguiu que seu candidato terminasse em primeiro lugar nas eleições em Goiânia. Esse segundo turno será decisivo para definir a correlação de forças entre as diferentes alas da direita no Estado.

Já em Minas Gerais, Romeu Zema perdeu protagonismo. Seu candidato, Tramonte, deixou de ser a principal escolha em Belo Horizonte, e Zema praticamente sumiu da disputa. O resultado das eleições não teve impacto relevante para ele, nem positivo, nem negativo. No Estado, algumas vitórias ficaram com o PT, outras com Bolsonaro ou PSD. Nada disso favorece os projetos políticos de Zema.

O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições, avalia que o primeiro turno da disputa municipal trouxe um realinhamento no campo político. O PSD superou o MDB como principal força de centro, consolidando Gilberto Kassab como uma das lideranças políticas mais influentes do País.

Embora a direita tenha avançado, o crescimento ficou aquém das expectativas. Já o PT mostrou uma recuperação, elegendo aliados em capitais estratégicas, ainda que não tenha sido vitorioso como legenda. Para Avritzer, o resultado da eleição em São Paulo não foi positivo para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), e Pablo Marçal (PRTB) mostrou que existe um caminho para desafiar Jair Bolsonaro (PL) em seu próprio campo. Leia a entrevista:

Que avaliação o senhor faz sobre o resultado deste primeiro turno? Que partidos e grupos saem fortalecidos?

Ainda temos uma visão parcial, pois muitas das principais cidades do Brasil terão segundo turno. No entanto, já é possível identificar algumas tendências. A principal mudança talvez seja no campo do centro. O MDB, que por mais de uma década foi o maior partido do Brasil em eleições municipais, foi deslocado pelo PSD. Apesar de ser um partido que ainda não tem características muito definidas, sob a liderança de Gilberto Kassab, o PSD se apresenta como centrista. Contudo, ele também abriga setores conservadores que vieram do Democratas durante o governo Dilma e buscaram se reposicionar no sistema político brasileiro.

Temos também um crescimento da direita, mas esse avanço foi menor do que o esperado. Alguns líderes do PL falavam em conquistar 1.500 prefeituras; Valdemar Costa Neto, mais modesto, estimava 600. O PL de fato obteve um número relevante de prefeituras, mas ainda está longe de ser o principal partido do Brasil no nível municipal. Por fim, o Partido dos Trabalhadores teve uma recuperação significativa, passando de 181 para 250 prefeituras e voltando a disputar o segundo turno em capitais importantes do Nordeste e do Sul, algo que não acontecia desde 2016.

O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições Foto: Gualter Naves/Estadão

O desempenho do PT melhorou, mas ainda está bem abaixo do PSD e do próprio PL. Por que, mesmo com Lula na Presidência, o partido não teve um resultado mais expressivo?

O desempenho do PT não é ruim. Se considerarmos que Fortaleza está entre as 10 maiores cidades do país, e que a candidatura de Boulos em São Paulo foi uma parceria com o PSOL — com apoio financeiro, militância e o próprio respaldo do presidente Lula —, o resultado é positivo. Além disso, em lugares onde o PT havia praticamente desaparecido, como no Rio Grande do Sul, o partido voltou a aparecer e vai disputar o segundo turno em importantes cidades, como Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas. No entanto, esse resultado ainda está aquém do que o partido já teve no passado, quando chegou a conquistar mais de 600 prefeituras. Naquela época, porém, não era um movimento tão claramente de pessoas identificadas com o PT, mas com a ideia de que ser filiado ao PT ajudava a ganhar a eleição, assim como hoje estar no PSD contribui para ganhar eleições.

E sobre a esquerda de forma geral, incluindo PT, PSOL e PSB? O senhor mencionou que a direita saiu fortalecida, mas como podemos avaliar o desempenho da esquerda?

A esquerda sai mais forte do que estava em 2016 e 2020. Ela manteve sua competitividade em alguns locais, como Recife e Fortaleza. Resta ver o que acontecerá em São Paulo, que, apesar de ser apenas uma cidade, tem um peso enorme por ser o quinto maior orçamento do Brasil e reunir quase 10 milhões de eleitores. O resultado em São Paulo pode ajudar a definir melhor o cenário nacional.

E quanto ao desempenho de Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais? Lula esteve bastante presente em São Paulo, enquanto Bolsonaro teve uma agenda mais intensa em outras regiões. Eles tiveram um peso significativo nas principais candidaturas?

Depende. Muitas disputas municipais têm dinâmicas essencialmente locais. No Rio de Janeiro, por exemplo, berço do bolsonarismo, o candidato apoiado por Bolsonaro não teve um bom desempenho, mas isso se deve a fortes dinâmicas locais. Em Salvador, a esquerda também não foi bem, mas isso não reflete as tendências nacionais. O PT venceu na cidade em eleições anteriores e provavelmente manterá esse cenário em 2026. Já Bolsonaro venceu no Rio e deve continuar com força por lá. Ou seja, existe uma forte influência das dinâmicas locais nas eleições municipais.

Por outro lado, é possível ver a presença deles em algumas disputas específicas. O ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Marcelo Queiroga, por exemplo, conseguiu ir ao segundo turno em João Pessoa, na Paraíba, com o apoio do ex-presidente, mostrando a força do bolsonarismo localmente. Já em Belém, Bolsonaro tentou impulsionar um candidato conservador, mas os Barbalhos reagiram. Mesmo com diferenças regionais, tanto Lula quanto Bolsonaro atuaram como cabos eleitorais relevantes nesta eleição.

Há quem diga que o Bolsonaro teve mais influência nos municípios do que Lula. O que o sr. acha?

Acredito que o PL teve um desempenho melhor do que o PT. No entanto, o PT fez a opção por construir alianças com partidos de sua base, o que o posiciona bem em algumas capitais. Por exemplo, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro, com o Paes. As estratégias eleitorais foram muito diferentes: enquanto o PL, um partido menor, focou em conquistar prefeituras próprias, o PT, por ser um partido mais consolidado, investiu em fortalecer a base de apoio ao governo. Essa é a principal diferença entre os dois.

E qual é o impacto desse resultado das eleições municipais para 2026? Com partidos de centro como PSD e MDB fortalecidos, Lula pode ficar mais dependente deles?

De modo geral, na ciência política, entendemos que as eleições municipais não têm uma relação direta com as eleições presidenciais. O efeito é mais evidente nas eleições proporcionais, especialmente na escolha de deputados para a Câmara. O cenário atual sugere que teremos um Congresso talvez tão conservador quanto, ou até mais, em 2026.

E olhando para o cenário nacional, quais lideranças saem fortalecidas? O senhor citou Campos e Paes, mas há outras que ganham relevância com um futuro promissor para 2026 e além?

Em primeiro lugar, Gilberto Kassab. A vitória do PSD é uma vitória dele. Não é pouca coisa liderar o partido com o maior número de prefeituras no Brasil. Ele, que se posiciona como uma figura centrista, embora seu partido abrigue diferentes correntes, sem dúvida se consolida como um dos principais políticos do país.

Em segundo lugar, há vitórias locais que também merecem destaque. João Campos reforça sua posição, e o PSB, que não teve um bom desempenho nacionalmente, se fortalece em Pernambuco. Há ainda vitórias menos comentadas, mas igualmente relevantes. Renan Calheiros, por exemplo, garantiu ao MDB vitórias em quase 70% dos municípios de Alagoas, derrotando Arthur Lira em seu próprio Estado — após Lira ter fracassado na indicação do vice de João Henrique Caldas. No entanto, a influência de Eduardo Paes e João Campos ainda é mais regional, enquanto Kassab e Renan têm alcance mais nacional, o que deve pesar nas negociações para 2026.

Aqui em São Paulo, vimos os eleitores de Bolsonaro ignorarem a indicação dele para a prefeitura. A maioria, como apontam as pesquisas, acabou optando por Marçal. O que isso revela sobre o futuro do bolsonarismo?

A eleição em São Paulo coloca uma série de problemas para Bolsonaro. Passa a haver uma nova liderança de direita, ou extrema direita, muito competitiva com ele e que utiliza os mesmos métodos — forte presença nas redes sociais e apoio de grupos conservadores e religiosos. São exatamente os mesmos mecanismos que sustentam o bolsonarismo. O futuro de Pablo Marçal ainda é incerto e, eventualmente, ele pode até se tornar inelegível no curto prazo. No entanto, ele demonstra que existe um caminho para desafiar o Bolsonaro no seu próprio campo, o que certamente preocupa o ex-presidente.

Sobre o desempenho de Tarcísio como cabo eleitoral aqui em São Paulo, ele sai fortalecido ou a vitória apertada de Ricardo Nunes, com apenas 80 mil votos de diferença para Marçal, representa um risco para ele?

O desempenho de Ricardo Nunes, de fato, não foi bom. Considerando que ele é o prefeito de São Paulo, tinha a máquina municipal e o apoio do governador do estado, o fato de ter vencido por uma margem tão estreita mostra que nem ele nem Tarcísio de Freitas saem fortalecidos. Claro que o segundo turno pode mudar essa percepção, dependendo de como será a vitória, se ela ocorrer. Mas, na fotografia de hoje, nenhum dos dois pode ser considerado um vencedor.

Como os presidenciáveis Zema e Caiado saem das eleições municipais?

Em Goiás, o fortalecimento do PL e do PSD tem características políticas bem distintas. O ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu desafiar Ronaldo Caiado em seu próprio reduto e conseguiu que seu candidato terminasse em primeiro lugar nas eleições em Goiânia. Esse segundo turno será decisivo para definir a correlação de forças entre as diferentes alas da direita no Estado.

Já em Minas Gerais, Romeu Zema perdeu protagonismo. Seu candidato, Tramonte, deixou de ser a principal escolha em Belo Horizonte, e Zema praticamente sumiu da disputa. O resultado das eleições não teve impacto relevante para ele, nem positivo, nem negativo. No Estado, algumas vitórias ficaram com o PT, outras com Bolsonaro ou PSD. Nada disso favorece os projetos políticos de Zema.

O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições, avalia que o primeiro turno da disputa municipal trouxe um realinhamento no campo político. O PSD superou o MDB como principal força de centro, consolidando Gilberto Kassab como uma das lideranças políticas mais influentes do País.

Embora a direita tenha avançado, o crescimento ficou aquém das expectativas. Já o PT mostrou uma recuperação, elegendo aliados em capitais estratégicas, ainda que não tenha sido vitorioso como legenda. Para Avritzer, o resultado da eleição em São Paulo não foi positivo para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), e Pablo Marçal (PRTB) mostrou que existe um caminho para desafiar Jair Bolsonaro (PL) em seu próprio campo. Leia a entrevista:

Que avaliação o senhor faz sobre o resultado deste primeiro turno? Que partidos e grupos saem fortalecidos?

Ainda temos uma visão parcial, pois muitas das principais cidades do Brasil terão segundo turno. No entanto, já é possível identificar algumas tendências. A principal mudança talvez seja no campo do centro. O MDB, que por mais de uma década foi o maior partido do Brasil em eleições municipais, foi deslocado pelo PSD. Apesar de ser um partido que ainda não tem características muito definidas, sob a liderança de Gilberto Kassab, o PSD se apresenta como centrista. Contudo, ele também abriga setores conservadores que vieram do Democratas durante o governo Dilma e buscaram se reposicionar no sistema político brasileiro.

Temos também um crescimento da direita, mas esse avanço foi menor do que o esperado. Alguns líderes do PL falavam em conquistar 1.500 prefeituras; Valdemar Costa Neto, mais modesto, estimava 600. O PL de fato obteve um número relevante de prefeituras, mas ainda está longe de ser o principal partido do Brasil no nível municipal. Por fim, o Partido dos Trabalhadores teve uma recuperação significativa, passando de 181 para 250 prefeituras e voltando a disputar o segundo turno em capitais importantes do Nordeste e do Sul, algo que não acontecia desde 2016.

O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições Foto: Gualter Naves/Estadão

O desempenho do PT melhorou, mas ainda está bem abaixo do PSD e do próprio PL. Por que, mesmo com Lula na Presidência, o partido não teve um resultado mais expressivo?

O desempenho do PT não é ruim. Se considerarmos que Fortaleza está entre as 10 maiores cidades do país, e que a candidatura de Boulos em São Paulo foi uma parceria com o PSOL — com apoio financeiro, militância e o próprio respaldo do presidente Lula —, o resultado é positivo. Além disso, em lugares onde o PT havia praticamente desaparecido, como no Rio Grande do Sul, o partido voltou a aparecer e vai disputar o segundo turno em importantes cidades, como Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas. No entanto, esse resultado ainda está aquém do que o partido já teve no passado, quando chegou a conquistar mais de 600 prefeituras. Naquela época, porém, não era um movimento tão claramente de pessoas identificadas com o PT, mas com a ideia de que ser filiado ao PT ajudava a ganhar a eleição, assim como hoje estar no PSD contribui para ganhar eleições.

E sobre a esquerda de forma geral, incluindo PT, PSOL e PSB? O senhor mencionou que a direita saiu fortalecida, mas como podemos avaliar o desempenho da esquerda?

A esquerda sai mais forte do que estava em 2016 e 2020. Ela manteve sua competitividade em alguns locais, como Recife e Fortaleza. Resta ver o que acontecerá em São Paulo, que, apesar de ser apenas uma cidade, tem um peso enorme por ser o quinto maior orçamento do Brasil e reunir quase 10 milhões de eleitores. O resultado em São Paulo pode ajudar a definir melhor o cenário nacional.

E quanto ao desempenho de Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais? Lula esteve bastante presente em São Paulo, enquanto Bolsonaro teve uma agenda mais intensa em outras regiões. Eles tiveram um peso significativo nas principais candidaturas?

Depende. Muitas disputas municipais têm dinâmicas essencialmente locais. No Rio de Janeiro, por exemplo, berço do bolsonarismo, o candidato apoiado por Bolsonaro não teve um bom desempenho, mas isso se deve a fortes dinâmicas locais. Em Salvador, a esquerda também não foi bem, mas isso não reflete as tendências nacionais. O PT venceu na cidade em eleições anteriores e provavelmente manterá esse cenário em 2026. Já Bolsonaro venceu no Rio e deve continuar com força por lá. Ou seja, existe uma forte influência das dinâmicas locais nas eleições municipais.

Por outro lado, é possível ver a presença deles em algumas disputas específicas. O ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Marcelo Queiroga, por exemplo, conseguiu ir ao segundo turno em João Pessoa, na Paraíba, com o apoio do ex-presidente, mostrando a força do bolsonarismo localmente. Já em Belém, Bolsonaro tentou impulsionar um candidato conservador, mas os Barbalhos reagiram. Mesmo com diferenças regionais, tanto Lula quanto Bolsonaro atuaram como cabos eleitorais relevantes nesta eleição.

Há quem diga que o Bolsonaro teve mais influência nos municípios do que Lula. O que o sr. acha?

Acredito que o PL teve um desempenho melhor do que o PT. No entanto, o PT fez a opção por construir alianças com partidos de sua base, o que o posiciona bem em algumas capitais. Por exemplo, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro, com o Paes. As estratégias eleitorais foram muito diferentes: enquanto o PL, um partido menor, focou em conquistar prefeituras próprias, o PT, por ser um partido mais consolidado, investiu em fortalecer a base de apoio ao governo. Essa é a principal diferença entre os dois.

E qual é o impacto desse resultado das eleições municipais para 2026? Com partidos de centro como PSD e MDB fortalecidos, Lula pode ficar mais dependente deles?

De modo geral, na ciência política, entendemos que as eleições municipais não têm uma relação direta com as eleições presidenciais. O efeito é mais evidente nas eleições proporcionais, especialmente na escolha de deputados para a Câmara. O cenário atual sugere que teremos um Congresso talvez tão conservador quanto, ou até mais, em 2026.

E olhando para o cenário nacional, quais lideranças saem fortalecidas? O senhor citou Campos e Paes, mas há outras que ganham relevância com um futuro promissor para 2026 e além?

Em primeiro lugar, Gilberto Kassab. A vitória do PSD é uma vitória dele. Não é pouca coisa liderar o partido com o maior número de prefeituras no Brasil. Ele, que se posiciona como uma figura centrista, embora seu partido abrigue diferentes correntes, sem dúvida se consolida como um dos principais políticos do país.

Em segundo lugar, há vitórias locais que também merecem destaque. João Campos reforça sua posição, e o PSB, que não teve um bom desempenho nacionalmente, se fortalece em Pernambuco. Há ainda vitórias menos comentadas, mas igualmente relevantes. Renan Calheiros, por exemplo, garantiu ao MDB vitórias em quase 70% dos municípios de Alagoas, derrotando Arthur Lira em seu próprio Estado — após Lira ter fracassado na indicação do vice de João Henrique Caldas. No entanto, a influência de Eduardo Paes e João Campos ainda é mais regional, enquanto Kassab e Renan têm alcance mais nacional, o que deve pesar nas negociações para 2026.

Aqui em São Paulo, vimos os eleitores de Bolsonaro ignorarem a indicação dele para a prefeitura. A maioria, como apontam as pesquisas, acabou optando por Marçal. O que isso revela sobre o futuro do bolsonarismo?

A eleição em São Paulo coloca uma série de problemas para Bolsonaro. Passa a haver uma nova liderança de direita, ou extrema direita, muito competitiva com ele e que utiliza os mesmos métodos — forte presença nas redes sociais e apoio de grupos conservadores e religiosos. São exatamente os mesmos mecanismos que sustentam o bolsonarismo. O futuro de Pablo Marçal ainda é incerto e, eventualmente, ele pode até se tornar inelegível no curto prazo. No entanto, ele demonstra que existe um caminho para desafiar o Bolsonaro no seu próprio campo, o que certamente preocupa o ex-presidente.

Sobre o desempenho de Tarcísio como cabo eleitoral aqui em São Paulo, ele sai fortalecido ou a vitória apertada de Ricardo Nunes, com apenas 80 mil votos de diferença para Marçal, representa um risco para ele?

O desempenho de Ricardo Nunes, de fato, não foi bom. Considerando que ele é o prefeito de São Paulo, tinha a máquina municipal e o apoio do governador do estado, o fato de ter vencido por uma margem tão estreita mostra que nem ele nem Tarcísio de Freitas saem fortalecidos. Claro que o segundo turno pode mudar essa percepção, dependendo de como será a vitória, se ela ocorrer. Mas, na fotografia de hoje, nenhum dos dois pode ser considerado um vencedor.

Como os presidenciáveis Zema e Caiado saem das eleições municipais?

Em Goiás, o fortalecimento do PL e do PSD tem características políticas bem distintas. O ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu desafiar Ronaldo Caiado em seu próprio reduto e conseguiu que seu candidato terminasse em primeiro lugar nas eleições em Goiânia. Esse segundo turno será decisivo para definir a correlação de forças entre as diferentes alas da direita no Estado.

Já em Minas Gerais, Romeu Zema perdeu protagonismo. Seu candidato, Tramonte, deixou de ser a principal escolha em Belo Horizonte, e Zema praticamente sumiu da disputa. O resultado das eleições não teve impacto relevante para ele, nem positivo, nem negativo. No Estado, algumas vitórias ficaram com o PT, outras com Bolsonaro ou PSD. Nada disso favorece os projetos políticos de Zema.

Entrevista por Bianca Gomes

Repórter de Política em São Paulo. Antes, foi estagiária e trainee do Estadão e trabalhou por três anos na sucursal do Jornal O Globo em São Paulo, escrevendo sobre política e cidades. Formada pela ESPM.

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