As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Ação da Defesa contra urnas eletrônicas aumenta a pressão por um civil para a Pasta e por quarentena


Ações de generais nomeados por Bolsonaro reacendem em integrantes das candidaturas da oposição a necessidade de afastar as carreiras de Estado da política e a defesa do profissionalismo das Forças Armadas

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor,

A atuação dos generais nomeados para o Ministério da Defesa por Jair Bolsonaro está fortalecendo a ideia entre os partidos de oposição, desde a terceira via até à coalizão liderada pelo PT, da nomeação de um civil para a pasta da Defesa em um futuro governo, seja Lula, Ciro ou Tebet. Procura-se um ministro para esse cargo político de natureza civil que possa afastar a sombra da politização dos quartéis que paira sobre a democracia brasileira desde os famosos tuítes do general Eduardo Villas Bôas, em 2018.

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O Ministro da Defesa, Paulo Sérgio, reuniu-se com o Presidente da República, Jair Bolsonaro, e com os Comandantes das Forças Armadas pouco antes de se reunir com o presidente do STF, Luiz Fux, em 3 de maio Foto: DEFESAGOVBR-TWITTER

O Brasil tem na função atualmente o general Paulo Sérgio Oliveira que, durante recente reunião ministerial tratou das urnas eletrônicas, plantando dúvidas como a de que as Justiças Eleitorais dos Estados não fariam a soma dos votos para presidente. Qualquer escrevente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo sabe o tamanho dessa impostura. A magistratura paulista pode dar seu testemunho da lisura das eleições. Duvidar dela é ofender a honra de centenas de juízes que trabalham a cada ciclo eleitoral. E quem o faz, tem apenas um objetivo: manter as sinecuras de uns tantos espertalhões em Brasília.

O general Paulo Sérgio é ministro há quase quatro meses e a Nação desconhece o que ele pensa sobre a recuperação judicial da Avibrás ou qual o plano da Pasta, caso o fabricante de armas não saia do buraco. O general Eduardo Villas Bôas, por exemplo, imagina uma situação em que um porta-aviões, como o Charles De Gaulle, apareça na foz do Rio Amazonas. Ele traria 40 caças Rafales e quase uma dezena de outras aeronaves, além de um batalhão de comandos. Seria acompanhado por submarinos nucleares e fragatas. Apesar de distante, essa seria o tipo de ameaça com a qual um ministro da Defesa deve se ocupar.

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O general titular da Pasta, entretanto, tem um plano para enfrentar as urnas eletrônicas e o veredicto popular, mas não consegue mobilizar dez mísseis AV-TM 300 contra um invasor estrangeiro. Essa situação exige uma mudança no protagonismo adquirido pelos oficiais generais no Brasil de Jair Bolsonaro. Políticos de oposição pensam que é preciso valorizar os oficiais generais que, em vez de sinecuras, lutam pelo profissionalismo e pela prontidão de suas Forças.

Uma vez, a história do nosso Exército foi marcada pela oposição entre tarimbeiros e bacharéis. Agora, parece reduzida à querela entre os profissionais que leram O Soldado e o Estado, de Samuel Huntington, e conhecem o conceito de controle objetivo das Forças Armadas pelo Poder Civil e os que seguem a cartilha populista de Bolsonaro, esse antigo admirador de Hugo Chávez , que aparelha o Estado com quadros militares para que todos participem do governo do orçamento secreto.

O sociólogo Gilberto Freyre, em Apipucos. Foto: Chantal Regnault/FGF/DIVULGACAO
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Quando Gilberto Freyre proferiu sua conferência Nação e Exército, o sociólogo escreveu uma sentença que era ao mesmo tempo uma advertência e um retrato de uma revolução silenciosa que começava no Brasil: “Nação desorganizada não é Nação; é apenas paisagem. Paisagem ou cenário de Nação. E mesmo que o Exército seja moral e tecnicamente primoroso, se é a única força organizada da Nação, esta Nação corre o perigo de se transformar em cenário de paradas ou simples campo de manobras.” Estávamos em 1948. A conferências do Mestre de Apipucos ocorreu na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Bolsonaro a desconhece. Outros a esqueceram.

De lá para cá, o País criou elites de administradores, cientistas e estudiosos nos mais diferentes campos, como lembrou o antigo presidente da Associação Brasileira de Estudos da Defesa (Abed), Manuel Domingos. Profissionalizou uma burocracia estatal capaz de manter políticas públicas, apesar dos inquilinos do Planalto. Há muito conhecimento acumulado – muito sucesso e insucessos também – em todas as áreas da gestão pública. O País não é mais um pátio de manobras nem um cenário de paradas, como a encenada pela Marinha no dia da votação da PEC do Voto Impresso.

Esse corpo técnico foi capaz de criar o míssil AV-TM 300, da Avibrás. A maior indústria bélica do Brasil é responsável ainda pelo projeto Astros 2020. Sem mísseis de alcance médio, sem defesa antiaérea de média e grande altura ou forças de prontidão, a dissuasão do Brasil contra forças extrarregionais ficará reservada à saliva, algo que não falta ao presidente Bolsonaro. E o ministro da Defesa, o que fará? Usará relatórios sobre urnas eletrônicas para abater aeronaves inimigas?

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O que a Nação quer saber de um ministro da Defesa é qual o programa de drones das Forças Armadas. Ou se nossos submarinos derivados da classe Scorpène – francesa – terão seus códigos protegidos para enfrentar a hipotética flotilha de Emmanuel Macron, que, segundo o general Villas Bôas, nos ameaça. O general Paulo Sérgio poderia responder se, afinal, o País tem condições de pôr em prática um sistema de defesa com base no conceito estratégico A2/AD – antiacesso e negação de área.

Os gastos do Ministério ainda hoje estão quase todos comprometidos com o pagamento de salários, gratificações e pensões. Há pouco espaço para investimentos necessários em pesquisa e tecnologia. Nesses 70 anos, desde a conferência de Freyre, o Brasil criou uma rede capaz de produzir cérebros, como o físico Sérgio Novaes, da Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita (Unesp). Ele participou da descoberta do bóson de Higgs. Enquanto isso, a Aeronáutica precisa de apoio na construção um veiculo lançador de satélites.

A Defesa na era Bolsonaro devia se preocupar com seus afazeres e menos com a vontade dos eleitores ou com o comportamento dos ministros dos tribunais superiores. Desde a República Velha, nunca se viu neste País uma campanha eleitoral onde o abuso da máquina do governo fosse tão claro. Afinal, onde estão os valores dos generais que ocupam o Planalto e se prestam a apoiar a PEC Kamikaze? Seria demais lembrar que o Japão fez a mesma aposta suicida e perdeu a guerra? Em vez de pilotos, sacrifica-se a moral pública.

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Ministro Edson Fachin durante sessão plenária do TSE. Brasília-DF, 12/12/2019 Foto: Roberto Jayme/ Ascom /TSE Foto: Roberto Jayme/Ascom TSE - 12/12/19

E isso não é bom para o País. O presidente Bolsonaro disse que o ministro Edson Fachin já sabe o resultado das eleições. Tem razão. Fachin e todos os brasileiros que sabem ser a Terra redonda. Se o voto fosse hoje, Bolsonaro estaria fora do poder. Há generais, almirantes e brigadeiros da ativa descontentes com o atual estado de coisas. Eles são capazes de dialogar com qualquer futuro governo.

Há conversas entre políticos sobre um civil para a Pasta ainda que muitos acreditem ser cedo para tratar desse tema. Não querem criar resistências desnecessárias. Mas alertam que Bolsonaro desprestigiou reiteradamente a Marinha e a Força Aérea ao escolher três vezes generais do Exército para a Defesa. Depois, acreditam que generais da ativa ou recém passados à reserva nomeados pelo presidente contribuíram – ainda que involuntariamente – decisivamente para levar a política aos quartéis.

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São esses os argumentos. No caso de Lula, nomear um civil para a Defesa seria a primeira medida na área. Mas as conversas vão além. Querem uma quarentena para todas as carreiras de Estado: militares, juízes e procuradores só poderiam exercer cargos políticos depois de quatro anos afastados das funções a fim de evitar a contaminação das instituições. Só assim – disse um tucano – o juiz que condenar um ex-presidente não será mais considerado parcial, nem a sentença anulada. Como também seria afastado o risco de um general querer se ocupar demais com as urnas eletrônicas.

Caro leitor,

A atuação dos generais nomeados para o Ministério da Defesa por Jair Bolsonaro está fortalecendo a ideia entre os partidos de oposição, desde a terceira via até à coalizão liderada pelo PT, da nomeação de um civil para a pasta da Defesa em um futuro governo, seja Lula, Ciro ou Tebet. Procura-se um ministro para esse cargo político de natureza civil que possa afastar a sombra da politização dos quartéis que paira sobre a democracia brasileira desde os famosos tuítes do general Eduardo Villas Bôas, em 2018.

O Ministro da Defesa, Paulo Sérgio, reuniu-se com o Presidente da República, Jair Bolsonaro, e com os Comandantes das Forças Armadas pouco antes de se reunir com o presidente do STF, Luiz Fux, em 3 de maio Foto: DEFESAGOVBR-TWITTER

O Brasil tem na função atualmente o general Paulo Sérgio Oliveira que, durante recente reunião ministerial tratou das urnas eletrônicas, plantando dúvidas como a de que as Justiças Eleitorais dos Estados não fariam a soma dos votos para presidente. Qualquer escrevente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo sabe o tamanho dessa impostura. A magistratura paulista pode dar seu testemunho da lisura das eleições. Duvidar dela é ofender a honra de centenas de juízes que trabalham a cada ciclo eleitoral. E quem o faz, tem apenas um objetivo: manter as sinecuras de uns tantos espertalhões em Brasília.

O general Paulo Sérgio é ministro há quase quatro meses e a Nação desconhece o que ele pensa sobre a recuperação judicial da Avibrás ou qual o plano da Pasta, caso o fabricante de armas não saia do buraco. O general Eduardo Villas Bôas, por exemplo, imagina uma situação em que um porta-aviões, como o Charles De Gaulle, apareça na foz do Rio Amazonas. Ele traria 40 caças Rafales e quase uma dezena de outras aeronaves, além de um batalhão de comandos. Seria acompanhado por submarinos nucleares e fragatas. Apesar de distante, essa seria o tipo de ameaça com a qual um ministro da Defesa deve se ocupar.

O general titular da Pasta, entretanto, tem um plano para enfrentar as urnas eletrônicas e o veredicto popular, mas não consegue mobilizar dez mísseis AV-TM 300 contra um invasor estrangeiro. Essa situação exige uma mudança no protagonismo adquirido pelos oficiais generais no Brasil de Jair Bolsonaro. Políticos de oposição pensam que é preciso valorizar os oficiais generais que, em vez de sinecuras, lutam pelo profissionalismo e pela prontidão de suas Forças.

Uma vez, a história do nosso Exército foi marcada pela oposição entre tarimbeiros e bacharéis. Agora, parece reduzida à querela entre os profissionais que leram O Soldado e o Estado, de Samuel Huntington, e conhecem o conceito de controle objetivo das Forças Armadas pelo Poder Civil e os que seguem a cartilha populista de Bolsonaro, esse antigo admirador de Hugo Chávez , que aparelha o Estado com quadros militares para que todos participem do governo do orçamento secreto.

O sociólogo Gilberto Freyre, em Apipucos. Foto: Chantal Regnault/FGF/DIVULGACAO

Quando Gilberto Freyre proferiu sua conferência Nação e Exército, o sociólogo escreveu uma sentença que era ao mesmo tempo uma advertência e um retrato de uma revolução silenciosa que começava no Brasil: “Nação desorganizada não é Nação; é apenas paisagem. Paisagem ou cenário de Nação. E mesmo que o Exército seja moral e tecnicamente primoroso, se é a única força organizada da Nação, esta Nação corre o perigo de se transformar em cenário de paradas ou simples campo de manobras.” Estávamos em 1948. A conferências do Mestre de Apipucos ocorreu na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Bolsonaro a desconhece. Outros a esqueceram.

De lá para cá, o País criou elites de administradores, cientistas e estudiosos nos mais diferentes campos, como lembrou o antigo presidente da Associação Brasileira de Estudos da Defesa (Abed), Manuel Domingos. Profissionalizou uma burocracia estatal capaz de manter políticas públicas, apesar dos inquilinos do Planalto. Há muito conhecimento acumulado – muito sucesso e insucessos também – em todas as áreas da gestão pública. O País não é mais um pátio de manobras nem um cenário de paradas, como a encenada pela Marinha no dia da votação da PEC do Voto Impresso.

Esse corpo técnico foi capaz de criar o míssil AV-TM 300, da Avibrás. A maior indústria bélica do Brasil é responsável ainda pelo projeto Astros 2020. Sem mísseis de alcance médio, sem defesa antiaérea de média e grande altura ou forças de prontidão, a dissuasão do Brasil contra forças extrarregionais ficará reservada à saliva, algo que não falta ao presidente Bolsonaro. E o ministro da Defesa, o que fará? Usará relatórios sobre urnas eletrônicas para abater aeronaves inimigas?

O que a Nação quer saber de um ministro da Defesa é qual o programa de drones das Forças Armadas. Ou se nossos submarinos derivados da classe Scorpène – francesa – terão seus códigos protegidos para enfrentar a hipotética flotilha de Emmanuel Macron, que, segundo o general Villas Bôas, nos ameaça. O general Paulo Sérgio poderia responder se, afinal, o País tem condições de pôr em prática um sistema de defesa com base no conceito estratégico A2/AD – antiacesso e negação de área.

Os gastos do Ministério ainda hoje estão quase todos comprometidos com o pagamento de salários, gratificações e pensões. Há pouco espaço para investimentos necessários em pesquisa e tecnologia. Nesses 70 anos, desde a conferência de Freyre, o Brasil criou uma rede capaz de produzir cérebros, como o físico Sérgio Novaes, da Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita (Unesp). Ele participou da descoberta do bóson de Higgs. Enquanto isso, a Aeronáutica precisa de apoio na construção um veiculo lançador de satélites.

A Defesa na era Bolsonaro devia se preocupar com seus afazeres e menos com a vontade dos eleitores ou com o comportamento dos ministros dos tribunais superiores. Desde a República Velha, nunca se viu neste País uma campanha eleitoral onde o abuso da máquina do governo fosse tão claro. Afinal, onde estão os valores dos generais que ocupam o Planalto e se prestam a apoiar a PEC Kamikaze? Seria demais lembrar que o Japão fez a mesma aposta suicida e perdeu a guerra? Em vez de pilotos, sacrifica-se a moral pública.

Ministro Edson Fachin durante sessão plenária do TSE. Brasília-DF, 12/12/2019 Foto: Roberto Jayme/ Ascom /TSE Foto: Roberto Jayme/Ascom TSE - 12/12/19

E isso não é bom para o País. O presidente Bolsonaro disse que o ministro Edson Fachin já sabe o resultado das eleições. Tem razão. Fachin e todos os brasileiros que sabem ser a Terra redonda. Se o voto fosse hoje, Bolsonaro estaria fora do poder. Há generais, almirantes e brigadeiros da ativa descontentes com o atual estado de coisas. Eles são capazes de dialogar com qualquer futuro governo.

Há conversas entre políticos sobre um civil para a Pasta ainda que muitos acreditem ser cedo para tratar desse tema. Não querem criar resistências desnecessárias. Mas alertam que Bolsonaro desprestigiou reiteradamente a Marinha e a Força Aérea ao escolher três vezes generais do Exército para a Defesa. Depois, acreditam que generais da ativa ou recém passados à reserva nomeados pelo presidente contribuíram – ainda que involuntariamente – decisivamente para levar a política aos quartéis.

São esses os argumentos. No caso de Lula, nomear um civil para a Defesa seria a primeira medida na área. Mas as conversas vão além. Querem uma quarentena para todas as carreiras de Estado: militares, juízes e procuradores só poderiam exercer cargos políticos depois de quatro anos afastados das funções a fim de evitar a contaminação das instituições. Só assim – disse um tucano – o juiz que condenar um ex-presidente não será mais considerado parcial, nem a sentença anulada. Como também seria afastado o risco de um general querer se ocupar demais com as urnas eletrônicas.

Caro leitor,

A atuação dos generais nomeados para o Ministério da Defesa por Jair Bolsonaro está fortalecendo a ideia entre os partidos de oposição, desde a terceira via até à coalizão liderada pelo PT, da nomeação de um civil para a pasta da Defesa em um futuro governo, seja Lula, Ciro ou Tebet. Procura-se um ministro para esse cargo político de natureza civil que possa afastar a sombra da politização dos quartéis que paira sobre a democracia brasileira desde os famosos tuítes do general Eduardo Villas Bôas, em 2018.

O Ministro da Defesa, Paulo Sérgio, reuniu-se com o Presidente da República, Jair Bolsonaro, e com os Comandantes das Forças Armadas pouco antes de se reunir com o presidente do STF, Luiz Fux, em 3 de maio Foto: DEFESAGOVBR-TWITTER

O Brasil tem na função atualmente o general Paulo Sérgio Oliveira que, durante recente reunião ministerial tratou das urnas eletrônicas, plantando dúvidas como a de que as Justiças Eleitorais dos Estados não fariam a soma dos votos para presidente. Qualquer escrevente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo sabe o tamanho dessa impostura. A magistratura paulista pode dar seu testemunho da lisura das eleições. Duvidar dela é ofender a honra de centenas de juízes que trabalham a cada ciclo eleitoral. E quem o faz, tem apenas um objetivo: manter as sinecuras de uns tantos espertalhões em Brasília.

O general Paulo Sérgio é ministro há quase quatro meses e a Nação desconhece o que ele pensa sobre a recuperação judicial da Avibrás ou qual o plano da Pasta, caso o fabricante de armas não saia do buraco. O general Eduardo Villas Bôas, por exemplo, imagina uma situação em que um porta-aviões, como o Charles De Gaulle, apareça na foz do Rio Amazonas. Ele traria 40 caças Rafales e quase uma dezena de outras aeronaves, além de um batalhão de comandos. Seria acompanhado por submarinos nucleares e fragatas. Apesar de distante, essa seria o tipo de ameaça com a qual um ministro da Defesa deve se ocupar.

O general titular da Pasta, entretanto, tem um plano para enfrentar as urnas eletrônicas e o veredicto popular, mas não consegue mobilizar dez mísseis AV-TM 300 contra um invasor estrangeiro. Essa situação exige uma mudança no protagonismo adquirido pelos oficiais generais no Brasil de Jair Bolsonaro. Políticos de oposição pensam que é preciso valorizar os oficiais generais que, em vez de sinecuras, lutam pelo profissionalismo e pela prontidão de suas Forças.

Uma vez, a história do nosso Exército foi marcada pela oposição entre tarimbeiros e bacharéis. Agora, parece reduzida à querela entre os profissionais que leram O Soldado e o Estado, de Samuel Huntington, e conhecem o conceito de controle objetivo das Forças Armadas pelo Poder Civil e os que seguem a cartilha populista de Bolsonaro, esse antigo admirador de Hugo Chávez , que aparelha o Estado com quadros militares para que todos participem do governo do orçamento secreto.

O sociólogo Gilberto Freyre, em Apipucos. Foto: Chantal Regnault/FGF/DIVULGACAO

Quando Gilberto Freyre proferiu sua conferência Nação e Exército, o sociólogo escreveu uma sentença que era ao mesmo tempo uma advertência e um retrato de uma revolução silenciosa que começava no Brasil: “Nação desorganizada não é Nação; é apenas paisagem. Paisagem ou cenário de Nação. E mesmo que o Exército seja moral e tecnicamente primoroso, se é a única força organizada da Nação, esta Nação corre o perigo de se transformar em cenário de paradas ou simples campo de manobras.” Estávamos em 1948. A conferências do Mestre de Apipucos ocorreu na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Bolsonaro a desconhece. Outros a esqueceram.

De lá para cá, o País criou elites de administradores, cientistas e estudiosos nos mais diferentes campos, como lembrou o antigo presidente da Associação Brasileira de Estudos da Defesa (Abed), Manuel Domingos. Profissionalizou uma burocracia estatal capaz de manter políticas públicas, apesar dos inquilinos do Planalto. Há muito conhecimento acumulado – muito sucesso e insucessos também – em todas as áreas da gestão pública. O País não é mais um pátio de manobras nem um cenário de paradas, como a encenada pela Marinha no dia da votação da PEC do Voto Impresso.

Esse corpo técnico foi capaz de criar o míssil AV-TM 300, da Avibrás. A maior indústria bélica do Brasil é responsável ainda pelo projeto Astros 2020. Sem mísseis de alcance médio, sem defesa antiaérea de média e grande altura ou forças de prontidão, a dissuasão do Brasil contra forças extrarregionais ficará reservada à saliva, algo que não falta ao presidente Bolsonaro. E o ministro da Defesa, o que fará? Usará relatórios sobre urnas eletrônicas para abater aeronaves inimigas?

O que a Nação quer saber de um ministro da Defesa é qual o programa de drones das Forças Armadas. Ou se nossos submarinos derivados da classe Scorpène – francesa – terão seus códigos protegidos para enfrentar a hipotética flotilha de Emmanuel Macron, que, segundo o general Villas Bôas, nos ameaça. O general Paulo Sérgio poderia responder se, afinal, o País tem condições de pôr em prática um sistema de defesa com base no conceito estratégico A2/AD – antiacesso e negação de área.

Os gastos do Ministério ainda hoje estão quase todos comprometidos com o pagamento de salários, gratificações e pensões. Há pouco espaço para investimentos necessários em pesquisa e tecnologia. Nesses 70 anos, desde a conferência de Freyre, o Brasil criou uma rede capaz de produzir cérebros, como o físico Sérgio Novaes, da Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita (Unesp). Ele participou da descoberta do bóson de Higgs. Enquanto isso, a Aeronáutica precisa de apoio na construção um veiculo lançador de satélites.

A Defesa na era Bolsonaro devia se preocupar com seus afazeres e menos com a vontade dos eleitores ou com o comportamento dos ministros dos tribunais superiores. Desde a República Velha, nunca se viu neste País uma campanha eleitoral onde o abuso da máquina do governo fosse tão claro. Afinal, onde estão os valores dos generais que ocupam o Planalto e se prestam a apoiar a PEC Kamikaze? Seria demais lembrar que o Japão fez a mesma aposta suicida e perdeu a guerra? Em vez de pilotos, sacrifica-se a moral pública.

Ministro Edson Fachin durante sessão plenária do TSE. Brasília-DF, 12/12/2019 Foto: Roberto Jayme/ Ascom /TSE Foto: Roberto Jayme/Ascom TSE - 12/12/19

E isso não é bom para o País. O presidente Bolsonaro disse que o ministro Edson Fachin já sabe o resultado das eleições. Tem razão. Fachin e todos os brasileiros que sabem ser a Terra redonda. Se o voto fosse hoje, Bolsonaro estaria fora do poder. Há generais, almirantes e brigadeiros da ativa descontentes com o atual estado de coisas. Eles são capazes de dialogar com qualquer futuro governo.

Há conversas entre políticos sobre um civil para a Pasta ainda que muitos acreditem ser cedo para tratar desse tema. Não querem criar resistências desnecessárias. Mas alertam que Bolsonaro desprestigiou reiteradamente a Marinha e a Força Aérea ao escolher três vezes generais do Exército para a Defesa. Depois, acreditam que generais da ativa ou recém passados à reserva nomeados pelo presidente contribuíram – ainda que involuntariamente – decisivamente para levar a política aos quartéis.

São esses os argumentos. No caso de Lula, nomear um civil para a Defesa seria a primeira medida na área. Mas as conversas vão além. Querem uma quarentena para todas as carreiras de Estado: militares, juízes e procuradores só poderiam exercer cargos políticos depois de quatro anos afastados das funções a fim de evitar a contaminação das instituições. Só assim – disse um tucano – o juiz que condenar um ex-presidente não será mais considerado parcial, nem a sentença anulada. Como também seria afastado o risco de um general querer se ocupar demais com as urnas eletrônicas.

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