As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Base naval na Argentina e porta-aviões no Brasil: as novas ações dos EUA contra a China na região


Enquanto a general Laura Richardson obtinha de Milei a promessa de uma base naval conjunta em Ushuaia; a 4ª Frota americana anunciava a vinda do porta-aviões George Washington à América do Sul

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Era sexta-feira, dia 5, quando o escritório da 4ª Frota dos Estados Unidos, em Jacksonville, na Flórida, anunciou que o porta-aviões USS George Washington será deslocado para o Atlântico Sul para participar de exercícios militares. Fazia dez anos que isso não acontecia. Horas antes, o presidente argentino Javier Milei havia voado 3 mil quilômetros para se encontrar com a general Laura Richardson, do Comando Sul dos EUA, para anunciar ao lado dela, em Ushuaia, no extremo sul do país, a construção de uma base naval conjunta com os americanos na região.

O encontro do presidente argentino Javier Milei com a general Laura Richardson, em Usguaia, na Terra do Fogo: promessa de base naval comum Foto: Reprodução / Twitter U.S. Southern Command

Como em um movimento em pinça, a semana exibiu a força que os EUA pretendem demonstrar na região. Até então o que se ouvia eram lamúrias pela presença chinesa na mesma Argentina e pelas parcerias estabelecidas pelo ditador venezuelano Nicolás Maduro com os regimes de Moscou e de Pequim, além de suas ameaças contra Guiana em razão do contencioso em torno de Essequibo.

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Por enquanto, o custo político para os EUA foi baixo: a general Richardson teve apenas de posar para uma foto recebendo das mãos da vice-presidente argentina, Victoria Villarruel, uma publicação com um mapa das Ilhas Malvinas na capa enlaçada por uma fita azul e branca. É que o governo Milei precisava dar uma resposta à oposição, que lembrou, durante a visita da general, o apoio americano aos britânicos durante o conflito das Malvinas, em 1982.

Entre 2012 e 2014, o governo argentino havia negociado – e permitido – aos chineses a instalação de uma base de observação espacial em Neuquén, na Patagônia. Esse foi o primeiro grande peão movido por Pequim na região. Nos anos subsequentes, a China alimentou o desejo de construir um porto e uma base em Ushuaia, no mesmo lugar que Milei anunciou agora a intenção de erguer um “grande centro logístico” mais próximo da Antártida, que, segundo o mandatário argentino, fará de seu país a “porta de entrada para continente branco”.

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Para os americanos, melhor é quase impossível. Richardson havia manifestado publicamente sua preocupação com a instalação de uma base chinesa em Ushuaia mais de uma vez. Há ainda questões econômicas importantes em jogo. Elas estavam presentes na fala do comandante da Marinha do Brasil, almirante Marcos Olsen, em 2023, na Câmara dos Deputados, quando alertou para a presença de embarcações estrangeiras explorando ilegalmente a pesca na região e realizando pesquisas nas águas territoriais brasileiras, um problema também lembrado por Milei diante da general.

O alvo do argentino era certo: os barcos pesqueiros chineses. Mas não só. Não bastará aos americanos fazer passar pelo Atlântico Sul o George Washington e o destróier USS Porter com seus mísseis. Em seu exercício – que contará com a participação de militares brasileiros – o porta-aviões deve parar em portos do Brasil, Chile e Peru. Além dele, será preciso que o dinheiro americano substitua o prometido investimento chinês em infraestrutura dos países da região.

O anúncio de Milei aconteceu um dia depois de Maduro sancionar a lei que cria o estado da Guiana Essequiba, dando poderes à Justiça do país de retaliar empresas que tenham negócios na região e proíbe a candidatura de políticos contrários aos sonhos expansionistas de Maduro. Os militares brasileiros acompanham os deslocamentos do pêndulo geopolítico da região com apreensão. Ao sul, pela disputa das rotas do Atlântico Sul entre as grandes potências e ao norte pela errática presidência de Maduro.

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Há de imediato desafios logísticos que as novas ameaças à soberania do Brasil apresentam. Se é possível transportar o sistema de foguetes Astros por meio do KC-390 até Roraima, o mesmo não acontece com os carros de combate de Leopard, que teriam, em função do peso, de ser movidos do Sul para o Norte por vias terrestres e fluviais para fazer frente a uma investida venezuelana. A questão é: quantos dias seriam necessários para que um esquadrão chegasse até lá? O Exército reforçou sua presença na região, mas ela seria suficiente para enfrentar um ditador em busca de sua reeleição? E os submarinos do Prosub estarão a postos a tempo e serão um instrumento de dissuasão suficiente para o País?

ASTROS e KC-390, expoentes da tecnologia nacional, alçam voo na Operação Zeus Foto: Divulgação - site Avibras

Ao mesmo tempo, a Base Industrial da Defesa sangra diante do imbróglio envolvendo sua principal indústria: a Avibras. Parlamentares petistas estiveram com o ministro da Defesa, José Múcio, para pressionar o governo a encampar a indústria de João Brasil Carvalho Leite. Em recuperação judicial – as dívidas chegam a R$ 640 milhões –, a empresa estaria, segundo os petistas, com salários atrasados e com dificuldade para cumprir os contratos.

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A resposta de Múcio foi de que não há dinheiro para cobrir o rombo quase bilionário da produtora do Astros. Na semana passada, a Avibras anunciou que estava em negociação avançada com a australiana DefendTex. “Na última hora, o proprietário da Avibrás teria subido sua pedida aos australianos, o que a teria reaberto a negociação”, contou o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).

Processo semelhante teria sido enfrentado pelos chineses da Norinco, que também demonstraram interesses na Avibrás, assim como a brasileira Mac Jee, que chegou a se reunir cinco vezes com a direção da Avibras para tentar chegar a um acordo. A entrada em campo da Mac Jee trazia a vantagem de o controle da Avibras continuar em mãos brasileiras – o negócio contaria ainda com o dinheiro de um sócio minoritário estrangeiro interessado na parceria com a Mac Jee, que produz o Armadillo, um sistema lançadores de foguetes da artilharia, complementar ao Astros, que atinge alvos em tiro indireto a até 10 km de distância.

O lançados de foguetes Armadillo, da Mac Jee Foto: Mac Jee
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Há dois grandes empecilhos para a venda do controle da Avibras para um acionista estrangeiro. O primeiro é a lei que trata das empresas estratégicas de defesa, que garantem vantagem fiscais consideráveis às empresas brasileiras do setor – isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), PIS e Cofins e a possibilidade de ganhar licitações mesmo com preços até 25% superiores ao dos concorrentes.

O segundo são os projetos saídos do Exército e da Força Aérea, que, em razão de contratos, a Avibras não pode dispor a seu bel prazer. Entre eles está a futura joia da coroa do setor, o Míssil Tático de Cruzeiro, com alcance de 300 quilômetros, fundamental para o Brasil negar o acesso a forças inimigas ao território do País. Trata-se de um produto pronto – faltam apenas as últimas três rodadas de lançamentos para a homologar o equipamento, que só outros 11 países têm capacidade de produzir.

No começo da semana, o general Marcelo Rocha Lima, do Escritório de Projetos do Exército (EPEX), lembrou durante entrevista para o canal de geopolítica e estratégica mantido pelo coronel Paulo Roberto da Silva Filho a existência dos contratos e de seus limites, afirmando que o Exército ainda vai se debruçar sobre os detalhes da negociação da Avibrás. Ou seja, dependendo do que o João Brasil fizer, a disputa pode ir parar na Justiça. E isso tudo em um momento geopolítico delicado na região.

Era sexta-feira, dia 5, quando o escritório da 4ª Frota dos Estados Unidos, em Jacksonville, na Flórida, anunciou que o porta-aviões USS George Washington será deslocado para o Atlântico Sul para participar de exercícios militares. Fazia dez anos que isso não acontecia. Horas antes, o presidente argentino Javier Milei havia voado 3 mil quilômetros para se encontrar com a general Laura Richardson, do Comando Sul dos EUA, para anunciar ao lado dela, em Ushuaia, no extremo sul do país, a construção de uma base naval conjunta com os americanos na região.

O encontro do presidente argentino Javier Milei com a general Laura Richardson, em Usguaia, na Terra do Fogo: promessa de base naval comum Foto: Reprodução / Twitter U.S. Southern Command

Como em um movimento em pinça, a semana exibiu a força que os EUA pretendem demonstrar na região. Até então o que se ouvia eram lamúrias pela presença chinesa na mesma Argentina e pelas parcerias estabelecidas pelo ditador venezuelano Nicolás Maduro com os regimes de Moscou e de Pequim, além de suas ameaças contra Guiana em razão do contencioso em torno de Essequibo.

Por enquanto, o custo político para os EUA foi baixo: a general Richardson teve apenas de posar para uma foto recebendo das mãos da vice-presidente argentina, Victoria Villarruel, uma publicação com um mapa das Ilhas Malvinas na capa enlaçada por uma fita azul e branca. É que o governo Milei precisava dar uma resposta à oposição, que lembrou, durante a visita da general, o apoio americano aos britânicos durante o conflito das Malvinas, em 1982.

Entre 2012 e 2014, o governo argentino havia negociado – e permitido – aos chineses a instalação de uma base de observação espacial em Neuquén, na Patagônia. Esse foi o primeiro grande peão movido por Pequim na região. Nos anos subsequentes, a China alimentou o desejo de construir um porto e uma base em Ushuaia, no mesmo lugar que Milei anunciou agora a intenção de erguer um “grande centro logístico” mais próximo da Antártida, que, segundo o mandatário argentino, fará de seu país a “porta de entrada para continente branco”.

Para os americanos, melhor é quase impossível. Richardson havia manifestado publicamente sua preocupação com a instalação de uma base chinesa em Ushuaia mais de uma vez. Há ainda questões econômicas importantes em jogo. Elas estavam presentes na fala do comandante da Marinha do Brasil, almirante Marcos Olsen, em 2023, na Câmara dos Deputados, quando alertou para a presença de embarcações estrangeiras explorando ilegalmente a pesca na região e realizando pesquisas nas águas territoriais brasileiras, um problema também lembrado por Milei diante da general.

O alvo do argentino era certo: os barcos pesqueiros chineses. Mas não só. Não bastará aos americanos fazer passar pelo Atlântico Sul o George Washington e o destróier USS Porter com seus mísseis. Em seu exercício – que contará com a participação de militares brasileiros – o porta-aviões deve parar em portos do Brasil, Chile e Peru. Além dele, será preciso que o dinheiro americano substitua o prometido investimento chinês em infraestrutura dos países da região.

O anúncio de Milei aconteceu um dia depois de Maduro sancionar a lei que cria o estado da Guiana Essequiba, dando poderes à Justiça do país de retaliar empresas que tenham negócios na região e proíbe a candidatura de políticos contrários aos sonhos expansionistas de Maduro. Os militares brasileiros acompanham os deslocamentos do pêndulo geopolítico da região com apreensão. Ao sul, pela disputa das rotas do Atlântico Sul entre as grandes potências e ao norte pela errática presidência de Maduro.

Há de imediato desafios logísticos que as novas ameaças à soberania do Brasil apresentam. Se é possível transportar o sistema de foguetes Astros por meio do KC-390 até Roraima, o mesmo não acontece com os carros de combate de Leopard, que teriam, em função do peso, de ser movidos do Sul para o Norte por vias terrestres e fluviais para fazer frente a uma investida venezuelana. A questão é: quantos dias seriam necessários para que um esquadrão chegasse até lá? O Exército reforçou sua presença na região, mas ela seria suficiente para enfrentar um ditador em busca de sua reeleição? E os submarinos do Prosub estarão a postos a tempo e serão um instrumento de dissuasão suficiente para o País?

ASTROS e KC-390, expoentes da tecnologia nacional, alçam voo na Operação Zeus Foto: Divulgação - site Avibras

Ao mesmo tempo, a Base Industrial da Defesa sangra diante do imbróglio envolvendo sua principal indústria: a Avibras. Parlamentares petistas estiveram com o ministro da Defesa, José Múcio, para pressionar o governo a encampar a indústria de João Brasil Carvalho Leite. Em recuperação judicial – as dívidas chegam a R$ 640 milhões –, a empresa estaria, segundo os petistas, com salários atrasados e com dificuldade para cumprir os contratos.

A resposta de Múcio foi de que não há dinheiro para cobrir o rombo quase bilionário da produtora do Astros. Na semana passada, a Avibras anunciou que estava em negociação avançada com a australiana DefendTex. “Na última hora, o proprietário da Avibrás teria subido sua pedida aos australianos, o que a teria reaberto a negociação”, contou o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).

Processo semelhante teria sido enfrentado pelos chineses da Norinco, que também demonstraram interesses na Avibrás, assim como a brasileira Mac Jee, que chegou a se reunir cinco vezes com a direção da Avibras para tentar chegar a um acordo. A entrada em campo da Mac Jee trazia a vantagem de o controle da Avibras continuar em mãos brasileiras – o negócio contaria ainda com o dinheiro de um sócio minoritário estrangeiro interessado na parceria com a Mac Jee, que produz o Armadillo, um sistema lançadores de foguetes da artilharia, complementar ao Astros, que atinge alvos em tiro indireto a até 10 km de distância.

O lançados de foguetes Armadillo, da Mac Jee Foto: Mac Jee

Há dois grandes empecilhos para a venda do controle da Avibras para um acionista estrangeiro. O primeiro é a lei que trata das empresas estratégicas de defesa, que garantem vantagem fiscais consideráveis às empresas brasileiras do setor – isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), PIS e Cofins e a possibilidade de ganhar licitações mesmo com preços até 25% superiores ao dos concorrentes.

O segundo são os projetos saídos do Exército e da Força Aérea, que, em razão de contratos, a Avibras não pode dispor a seu bel prazer. Entre eles está a futura joia da coroa do setor, o Míssil Tático de Cruzeiro, com alcance de 300 quilômetros, fundamental para o Brasil negar o acesso a forças inimigas ao território do País. Trata-se de um produto pronto – faltam apenas as últimas três rodadas de lançamentos para a homologar o equipamento, que só outros 11 países têm capacidade de produzir.

No começo da semana, o general Marcelo Rocha Lima, do Escritório de Projetos do Exército (EPEX), lembrou durante entrevista para o canal de geopolítica e estratégica mantido pelo coronel Paulo Roberto da Silva Filho a existência dos contratos e de seus limites, afirmando que o Exército ainda vai se debruçar sobre os detalhes da negociação da Avibrás. Ou seja, dependendo do que o João Brasil fizer, a disputa pode ir parar na Justiça. E isso tudo em um momento geopolítico delicado na região.

Era sexta-feira, dia 5, quando o escritório da 4ª Frota dos Estados Unidos, em Jacksonville, na Flórida, anunciou que o porta-aviões USS George Washington será deslocado para o Atlântico Sul para participar de exercícios militares. Fazia dez anos que isso não acontecia. Horas antes, o presidente argentino Javier Milei havia voado 3 mil quilômetros para se encontrar com a general Laura Richardson, do Comando Sul dos EUA, para anunciar ao lado dela, em Ushuaia, no extremo sul do país, a construção de uma base naval conjunta com os americanos na região.

O encontro do presidente argentino Javier Milei com a general Laura Richardson, em Usguaia, na Terra do Fogo: promessa de base naval comum Foto: Reprodução / Twitter U.S. Southern Command

Como em um movimento em pinça, a semana exibiu a força que os EUA pretendem demonstrar na região. Até então o que se ouvia eram lamúrias pela presença chinesa na mesma Argentina e pelas parcerias estabelecidas pelo ditador venezuelano Nicolás Maduro com os regimes de Moscou e de Pequim, além de suas ameaças contra Guiana em razão do contencioso em torno de Essequibo.

Por enquanto, o custo político para os EUA foi baixo: a general Richardson teve apenas de posar para uma foto recebendo das mãos da vice-presidente argentina, Victoria Villarruel, uma publicação com um mapa das Ilhas Malvinas na capa enlaçada por uma fita azul e branca. É que o governo Milei precisava dar uma resposta à oposição, que lembrou, durante a visita da general, o apoio americano aos britânicos durante o conflito das Malvinas, em 1982.

Entre 2012 e 2014, o governo argentino havia negociado – e permitido – aos chineses a instalação de uma base de observação espacial em Neuquén, na Patagônia. Esse foi o primeiro grande peão movido por Pequim na região. Nos anos subsequentes, a China alimentou o desejo de construir um porto e uma base em Ushuaia, no mesmo lugar que Milei anunciou agora a intenção de erguer um “grande centro logístico” mais próximo da Antártida, que, segundo o mandatário argentino, fará de seu país a “porta de entrada para continente branco”.

Para os americanos, melhor é quase impossível. Richardson havia manifestado publicamente sua preocupação com a instalação de uma base chinesa em Ushuaia mais de uma vez. Há ainda questões econômicas importantes em jogo. Elas estavam presentes na fala do comandante da Marinha do Brasil, almirante Marcos Olsen, em 2023, na Câmara dos Deputados, quando alertou para a presença de embarcações estrangeiras explorando ilegalmente a pesca na região e realizando pesquisas nas águas territoriais brasileiras, um problema também lembrado por Milei diante da general.

O alvo do argentino era certo: os barcos pesqueiros chineses. Mas não só. Não bastará aos americanos fazer passar pelo Atlântico Sul o George Washington e o destróier USS Porter com seus mísseis. Em seu exercício – que contará com a participação de militares brasileiros – o porta-aviões deve parar em portos do Brasil, Chile e Peru. Além dele, será preciso que o dinheiro americano substitua o prometido investimento chinês em infraestrutura dos países da região.

O anúncio de Milei aconteceu um dia depois de Maduro sancionar a lei que cria o estado da Guiana Essequiba, dando poderes à Justiça do país de retaliar empresas que tenham negócios na região e proíbe a candidatura de políticos contrários aos sonhos expansionistas de Maduro. Os militares brasileiros acompanham os deslocamentos do pêndulo geopolítico da região com apreensão. Ao sul, pela disputa das rotas do Atlântico Sul entre as grandes potências e ao norte pela errática presidência de Maduro.

Há de imediato desafios logísticos que as novas ameaças à soberania do Brasil apresentam. Se é possível transportar o sistema de foguetes Astros por meio do KC-390 até Roraima, o mesmo não acontece com os carros de combate de Leopard, que teriam, em função do peso, de ser movidos do Sul para o Norte por vias terrestres e fluviais para fazer frente a uma investida venezuelana. A questão é: quantos dias seriam necessários para que um esquadrão chegasse até lá? O Exército reforçou sua presença na região, mas ela seria suficiente para enfrentar um ditador em busca de sua reeleição? E os submarinos do Prosub estarão a postos a tempo e serão um instrumento de dissuasão suficiente para o País?

ASTROS e KC-390, expoentes da tecnologia nacional, alçam voo na Operação Zeus Foto: Divulgação - site Avibras

Ao mesmo tempo, a Base Industrial da Defesa sangra diante do imbróglio envolvendo sua principal indústria: a Avibras. Parlamentares petistas estiveram com o ministro da Defesa, José Múcio, para pressionar o governo a encampar a indústria de João Brasil Carvalho Leite. Em recuperação judicial – as dívidas chegam a R$ 640 milhões –, a empresa estaria, segundo os petistas, com salários atrasados e com dificuldade para cumprir os contratos.

A resposta de Múcio foi de que não há dinheiro para cobrir o rombo quase bilionário da produtora do Astros. Na semana passada, a Avibras anunciou que estava em negociação avançada com a australiana DefendTex. “Na última hora, o proprietário da Avibrás teria subido sua pedida aos australianos, o que a teria reaberto a negociação”, contou o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).

Processo semelhante teria sido enfrentado pelos chineses da Norinco, que também demonstraram interesses na Avibrás, assim como a brasileira Mac Jee, que chegou a se reunir cinco vezes com a direção da Avibras para tentar chegar a um acordo. A entrada em campo da Mac Jee trazia a vantagem de o controle da Avibras continuar em mãos brasileiras – o negócio contaria ainda com o dinheiro de um sócio minoritário estrangeiro interessado na parceria com a Mac Jee, que produz o Armadillo, um sistema lançadores de foguetes da artilharia, complementar ao Astros, que atinge alvos em tiro indireto a até 10 km de distância.

O lançados de foguetes Armadillo, da Mac Jee Foto: Mac Jee

Há dois grandes empecilhos para a venda do controle da Avibras para um acionista estrangeiro. O primeiro é a lei que trata das empresas estratégicas de defesa, que garantem vantagem fiscais consideráveis às empresas brasileiras do setor – isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), PIS e Cofins e a possibilidade de ganhar licitações mesmo com preços até 25% superiores ao dos concorrentes.

O segundo são os projetos saídos do Exército e da Força Aérea, que, em razão de contratos, a Avibras não pode dispor a seu bel prazer. Entre eles está a futura joia da coroa do setor, o Míssil Tático de Cruzeiro, com alcance de 300 quilômetros, fundamental para o Brasil negar o acesso a forças inimigas ao território do País. Trata-se de um produto pronto – faltam apenas as últimas três rodadas de lançamentos para a homologar o equipamento, que só outros 11 países têm capacidade de produzir.

No começo da semana, o general Marcelo Rocha Lima, do Escritório de Projetos do Exército (EPEX), lembrou durante entrevista para o canal de geopolítica e estratégica mantido pelo coronel Paulo Roberto da Silva Filho a existência dos contratos e de seus limites, afirmando que o Exército ainda vai se debruçar sobre os detalhes da negociação da Avibrás. Ou seja, dependendo do que o João Brasil fizer, a disputa pode ir parar na Justiça. E isso tudo em um momento geopolítico delicado na região.

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