As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Como um ‘Banco do Crime’ movimentou R$ 10 bi e escapou da polícia com tese usada na ‘rachadinha’


Morador de um barraco de favela era o dono do banco; esquema é suspeito de lavar dinheiro do PCC e do Sheik dos Bitcoins; grupo teve R$ 191 mi bloqueados só depois de o STF derrubar decisão do STJ

Por Marcelo Godoy

Lucas de Souza Teixeira mora em um barraco na Favela Heliópolis, uma das maiores de São Paulo, na zona sul da cidade. A polícia encontrou em seu nome uma empresa que movimentou R$ 10 bilhões em pouco mais de dois anos, a Cash Back Turismo e Serviços Empresariais.

Naquele que é apontado pelos investigadores como um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro do Estado, Teixeira seria dono de um banco, um “verdadeiro banco do crime”, que limpou capitais de organizações criminosas que atuavam na Junta Comercial de São Paulo, praticavam fraudes bilionárias em criptomoedas ou eram ligadas a bandidos do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Joias apreendidas pela PF em operação contra grupo acusado de usar criptomoedas para criar esquema de pirâmide financeira Foto: Divulgação / Polícia Federal
continua após a publicidade

Surgiram no meio da investigações nomes como o de Francisley Valdevino da Silva, o Sheik dos Bitcoins. Ele foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras e pela Polícia Federal (PF) sob a acusação de estar por trás fraudes de R$ 4 bilhões, que tiveram entre outras vítimas a modelo Sasha Meneghel, a filha da apresentadora Xuxa, e jogadores de futebol, como o meia Gustavo Scarpa, atualmente no Atlético Mineiro.

A história de como os nomes de Lucas e do Sheik dos Bitcoins foram parar no meio dessa confusão quase ficou esquecida, entre processados encerrados e inquéritos arquivados por causa do debate de uma tese jurídica nos tribunais superiores: seria ou não constitucional o compartilhamento dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de autorização judicial? As Cortes discutiram por cinco anos até o Supremo Tribunal Federal dizer que sim: o compartilhamento de dados é legal.

As controvérsias jurídicas, como todos sabem, têm repercussão na vida real. Na Justiça criminal, elas são determinantes para o desenrolar de inquéritos, de processos e de sentenças. Enquanto os togados verificavam em Brasília se a tese da ilegalidade do compartilhamento era correta, centenas de investigações ficaram paralisadas pelo Brasil afora.

continua após a publicidade
Em 2019, o STF derrubou a liminar que suspendia os processos judiciais em que houve compartilhamento de dados de órgãos de controle sem autorização judicial Foto: Gabriela Biló / Estadão

O argumento da inconstitucionalidade fora defendido em 2019 pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), no caso da rachadinha, e havia sido afastado pelo STF, em 2019. Mas acabaria retomado em 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar um recurso da defesa da Cervejaria Cerpa, em uma investigação no Pará. Todos alegavam inocência e serem alvo de investigações ilegais.

Em 2019, o Ministério Público Federal avaliara que a paralisação dos processos e investigações, determinada pelo ministro Dias Toffoli antes do julgamento do recurso do senador, atingiu 935 casos em andamento, incluindo da Operação Lava Jato. Agora, não se calcularam os efeitos da decisão do STJ, derrubada, finalmente, no dia 2 de abril pela 1.ª Turma do STF.

continua após a publicidade

Em São Paulo, o último efeito da decisão do STJ só foi revertido no dia 18 de abril. Foi quando a 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital decretou o bloqueio de R$ 191 milhões em bens de empresas e pessoas físicas que gravitaram em torno da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais. Trata-se, de acordo com as investigações do 30.º Distrito Policial (Tatuapé), de um poderoso esquema de lavagens e ocultação de bens que foi usado por diversos tipos de clientes.

A investigação que chegou à Cash Back foi aberta pelo 30º Distrito Policial Foto: Google Street View

A história envolvendo a Cash Back começou com uma investigação sobre um esquema de fraude e lavagem de dinheiro Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). Oito acusados foram denunciados porque montaram uma organização criminosa, por meio de alterações em contratos sociais de pessoas jurídicas nas quais incluíam nos quadros societários “laranjas”, modificavam o endereço das empresas, seu objeto social e majoravam seu capital social, tornaram-nas aptas a serem utilizadas na prática de estelionatos, dando-as aparência de empresas idôneas atuantes no mercado financeiro.

continua após a publicidade

As mudanças eram feitas na Jucesp. Foi assim que uma empresa de moda se tornou a Team Work Participações Ltda, que tinha o nome fantasia de 360 Bank. “A partir de então, a organização criminosa passou a utiliza o 360 BANK para atuar no mercado financeiro, captando clientes/vítimas que, na esperança de obterem retorno econômico em seus investimentos, transferiram suas economias para o grupo criminoso”, afirmava a denúncia do promotor Danilo Orlando Pugliesi, de janeiro de 2023.

Entre as dezenas de vítimas do grupo estava Maristela Rodrigues Bagnatori, que, segundo a acusação, foi convencida por um “representante do 360 Bank a fazer um investimento deR$ 265 mil com os acusados por meio de uma das empresa do grupo, a Plattion Assessoria e Consultoria”. O delegado Marcos Galli Casseb, do 30º DP, cruzou a informação dessa investigação com os de um RIF (Relatório de Inteligência Financeira) do COAF e verificou que o as empresas do grupo 360 Bank haviam usado a empresa Cash Back para comprar ativos com o dinheiro da fraude.

Após a decisão do STF, o juiz Leonardo Valente Barreiros determinou o bloqueio de R$ 191,7 milhões de bens ligados aos investigados no caso Cash Back Foto: Reprodução / Estadão
continua após a publicidade

Ou como foi descrito pelo policial, era um falso Banco usando outro Banco do Crime para lavar o dinheiro, integralizando “ativos ilícitos oriundos de diversas atividades criminosas e restituindo-os aos agentes investidores como ativos lícitos posto que assumem a posição de ‘clientes’”. No RIF 84.156, foi verificado que o volume total entre créditos e débitos movimentados em operações com a participação da Cash Back chegou a R$ 10 bilhões.

Com base nesses dados, o delegado requisitou o bloqueio de R$ 191 milhões da Cash Back, mas o juiz Leonardo Valente Barreiros, da 1ª Vara, decidiu negar o pedido com base na decisão do STJ, aquela feita para a cervejaria Cerpa, que questionava mais uma vez a legalidade do uso de informações do COAF pelas autoridades policiais e do Ministério Público sem autorização judicial.

Com base na decisão do STJ, o magistrado declarou a nulidade dos RIF´s solicitados pelo 30.º DP, “afirmando tratar-se de ato ilegal pois a solicitação feita ao COAF desprovia de autorização judicial e que todo ato decorrente nasceu eivado de nulidade absoluta, que não pode, portanto, ser convalidado”. O Ministério Público Estadual recorreu da decisão por meio de um mandado de segurança. A liminar foi concedida depois que o STF teve de decidir que sua decisão de 2019 estava valendo e devia ser obedecida pelos tribunais, enterrando, em definitivo o acórdão do STJ que paralisara a investigação do 30º DP.

continua após a publicidade
Trecho da decisão do magistrado que aponta a Cash Back como um 'verdadeiro banco do crime' Foto: Reprodução / Estadão

Em razão da liminar, o magistrado escreveu que pôde verificar nos autos que a Cash Back seria usada para a lavagem de valores, funcionando como um “verdadeiro banco do crime”. Seu dono formal era Lucas de Souza Teixeira, que mora em um barraco na Favela Heliópolis. Lucas não seria, porém, um mero “laranja inconsciente”, pois consultas feitas pela polícia mostraram que ele se identificava como proprietário da empresa, o que demonstraria seu conhecimento dos fatos.

O 30º DP verificou que a maioria das empresas que repassava valores à Cash Back não tinham funcionários e o tempo entre sua abertura e sua baixa nos bancos de dados oficiais era pequeno, de menos de dois anos. Eles negociavam com pessoas físicas e jurídicas que não atuavam em seus ramos de atuação, além de serem donas de contas bancárias transitórias, com volumes de crédito e débito semelhantes.

Esse seria o caso da empresa Intercore Intermediação de Negócios Ltda, que transferiu R$ 600 mil à Cash Back., A Intercore teria como controlador o Sheik dos Bitcoins, preso pela PF em 2022 e solto pelo STJ em 2023. Outra empresa identificada foi a Guara Tecnologia Internacional Ltda, registrada em nome de Paulo Ferreira Neves. Localizado pelos policiais do 30.º DP, Neves disse que estava desempregado e lutava com problemas de saúde.

Dinheiro enviado para paraíso fiscal

Durante a apuração, os policiais verificaram que o principal destinos dos recursos da Cash Back era a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, que recebera R$ 159,5 milhões por meio de 631 operações, o que representaria quase o total do capital integralizado pela Cash Back – R$ 190.910.516,48. Constituída em 2023, a Mozzatto ainda estaria em atividade e tem como sócios Thiago Favoretto Mozzatto e a empresa Flix Payments Ltda, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.

Trecho da decisão judicial sobre a Cash Back no qual o magistrado analisa a propriedade da empresa Foto: Reprodução / Estadão

Mozzatto é um operador conhecido de criptomoedas, com passagens por fintechs e outras empresas que atuam no setor. Foi seguindo suas movimentações que a Polícia Civil afirmou ter descoberto que ele era o verdadeiro dono da Cash Back, que teria transferidos os recursos movimentados para o paraíso fiscal do Caribe. Quando os investigadores do 30º DP foram executar as buscas do caso, não conseguiram encontrar Mozzatto. Foi só aí que souberam que o acusado havia sido alvo de uma outra operação da polícia, feita pela 1.ª Delegacia de Crimes Cibernéticos, do Departamento de Investigações Criminais (Deic).

No dia 17 de agosto de 2022, o empresário havia sido alvo da Operação Crypto Wash, quando foram apreendidos dois de seus telefones celulares e computadores, sob a suspeita de envolvimento dele com fraudes em criptoativos. Mozzatto foi ouvido pelo Deic na presença de Gulherme Bianconciotto do Nascimento, que se apresentou como seu defensor e para quem ficara demonstrada a legalidade das operações financeiras com as empresas que eram alvo da operação.

Seu então advogado – mais tarde ele passou a ser defendido por Guilherme Fernandes Lopes Pacheco –conseguiu, após o depoimento que o Deic, que os investigadores da 1ª Delegacia Crimes Cibernéticos assinassem relatórios sugerindo a devolução dos telefones celulares e dos computadores apreendidos após constatarem a inexistência de arquivos que citassem palavras-chave como “fraude”, “golpe”, “Paraná”, “Banco do Brasil”, usadas para fazer buscas simples nos dispositivos. E assim concluíram que não havia nos equipamentos “nada de interesse da investigação”.

Defesas não se manifestaram

Os homens do 30º DP não sabiam disso quando foram bater nos endereços que levavam mais uma vez a Mozzatto. As buscas haviam sido determinadas pelo magistrado em razão da existência de “indícios veementes de que os acusados teriam intentado ocultar e dissimular a origem ilícita dos valores ilicitamente angariados, convertendo-os em ativos lícitos, recebendo-os, movimentando-os e pretensamente reintegrando-os novamente como ativos lícitos”.

Apesar das dificuldades encontradas nas busca, os policiais do 30.º DP têm certeza de que os caminhos da lavagem de dinheiro entrelaçavam várias investigações e a respeito de diferentes tipos de delitos. A decisão de judicial de bloqueio de bens atingiu, além da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais Ltda, o suposto laranja Lucas De Souza Teixeira, a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, a empresa Flix Payments Ltda e Thiago Favoreto Mozzatto. A coluna procurou a defesa de Mozzatto, mas não obteve respostas. Também procurou a defesa do Sheik dos Bitcoins, mas não a localizou.

Vencido o obstáculo da paralisação do caso em razão das disputas nos tribunais superiores e da dificuldade de localizar novas provas depois da ação do Deic, a coluna apurou que os investigadores do 30.º DP esperam contar com o resultado de outras medidas cautelares para encontrar os recursos e devolver às vítimas o que foi desviado pelo Banco do Crime. Até lá, não será demais esperar que novos debates jurídicos não sirvam para garantir a impunidade de quem se apropriou das economias de suas vítimas.

Lucas de Souza Teixeira mora em um barraco na Favela Heliópolis, uma das maiores de São Paulo, na zona sul da cidade. A polícia encontrou em seu nome uma empresa que movimentou R$ 10 bilhões em pouco mais de dois anos, a Cash Back Turismo e Serviços Empresariais.

Naquele que é apontado pelos investigadores como um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro do Estado, Teixeira seria dono de um banco, um “verdadeiro banco do crime”, que limpou capitais de organizações criminosas que atuavam na Junta Comercial de São Paulo, praticavam fraudes bilionárias em criptomoedas ou eram ligadas a bandidos do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Joias apreendidas pela PF em operação contra grupo acusado de usar criptomoedas para criar esquema de pirâmide financeira Foto: Divulgação / Polícia Federal

Surgiram no meio da investigações nomes como o de Francisley Valdevino da Silva, o Sheik dos Bitcoins. Ele foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras e pela Polícia Federal (PF) sob a acusação de estar por trás fraudes de R$ 4 bilhões, que tiveram entre outras vítimas a modelo Sasha Meneghel, a filha da apresentadora Xuxa, e jogadores de futebol, como o meia Gustavo Scarpa, atualmente no Atlético Mineiro.

A história de como os nomes de Lucas e do Sheik dos Bitcoins foram parar no meio dessa confusão quase ficou esquecida, entre processados encerrados e inquéritos arquivados por causa do debate de uma tese jurídica nos tribunais superiores: seria ou não constitucional o compartilhamento dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de autorização judicial? As Cortes discutiram por cinco anos até o Supremo Tribunal Federal dizer que sim: o compartilhamento de dados é legal.

As controvérsias jurídicas, como todos sabem, têm repercussão na vida real. Na Justiça criminal, elas são determinantes para o desenrolar de inquéritos, de processos e de sentenças. Enquanto os togados verificavam em Brasília se a tese da ilegalidade do compartilhamento era correta, centenas de investigações ficaram paralisadas pelo Brasil afora.

Em 2019, o STF derrubou a liminar que suspendia os processos judiciais em que houve compartilhamento de dados de órgãos de controle sem autorização judicial Foto: Gabriela Biló / Estadão

O argumento da inconstitucionalidade fora defendido em 2019 pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), no caso da rachadinha, e havia sido afastado pelo STF, em 2019. Mas acabaria retomado em 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar um recurso da defesa da Cervejaria Cerpa, em uma investigação no Pará. Todos alegavam inocência e serem alvo de investigações ilegais.

Em 2019, o Ministério Público Federal avaliara que a paralisação dos processos e investigações, determinada pelo ministro Dias Toffoli antes do julgamento do recurso do senador, atingiu 935 casos em andamento, incluindo da Operação Lava Jato. Agora, não se calcularam os efeitos da decisão do STJ, derrubada, finalmente, no dia 2 de abril pela 1.ª Turma do STF.

Em São Paulo, o último efeito da decisão do STJ só foi revertido no dia 18 de abril. Foi quando a 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital decretou o bloqueio de R$ 191 milhões em bens de empresas e pessoas físicas que gravitaram em torno da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais. Trata-se, de acordo com as investigações do 30.º Distrito Policial (Tatuapé), de um poderoso esquema de lavagens e ocultação de bens que foi usado por diversos tipos de clientes.

A investigação que chegou à Cash Back foi aberta pelo 30º Distrito Policial Foto: Google Street View

A história envolvendo a Cash Back começou com uma investigação sobre um esquema de fraude e lavagem de dinheiro Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). Oito acusados foram denunciados porque montaram uma organização criminosa, por meio de alterações em contratos sociais de pessoas jurídicas nas quais incluíam nos quadros societários “laranjas”, modificavam o endereço das empresas, seu objeto social e majoravam seu capital social, tornaram-nas aptas a serem utilizadas na prática de estelionatos, dando-as aparência de empresas idôneas atuantes no mercado financeiro.

As mudanças eram feitas na Jucesp. Foi assim que uma empresa de moda se tornou a Team Work Participações Ltda, que tinha o nome fantasia de 360 Bank. “A partir de então, a organização criminosa passou a utiliza o 360 BANK para atuar no mercado financeiro, captando clientes/vítimas que, na esperança de obterem retorno econômico em seus investimentos, transferiram suas economias para o grupo criminoso”, afirmava a denúncia do promotor Danilo Orlando Pugliesi, de janeiro de 2023.

Entre as dezenas de vítimas do grupo estava Maristela Rodrigues Bagnatori, que, segundo a acusação, foi convencida por um “representante do 360 Bank a fazer um investimento deR$ 265 mil com os acusados por meio de uma das empresa do grupo, a Plattion Assessoria e Consultoria”. O delegado Marcos Galli Casseb, do 30º DP, cruzou a informação dessa investigação com os de um RIF (Relatório de Inteligência Financeira) do COAF e verificou que o as empresas do grupo 360 Bank haviam usado a empresa Cash Back para comprar ativos com o dinheiro da fraude.

Após a decisão do STF, o juiz Leonardo Valente Barreiros determinou o bloqueio de R$ 191,7 milhões de bens ligados aos investigados no caso Cash Back Foto: Reprodução / Estadão

Ou como foi descrito pelo policial, era um falso Banco usando outro Banco do Crime para lavar o dinheiro, integralizando “ativos ilícitos oriundos de diversas atividades criminosas e restituindo-os aos agentes investidores como ativos lícitos posto que assumem a posição de ‘clientes’”. No RIF 84.156, foi verificado que o volume total entre créditos e débitos movimentados em operações com a participação da Cash Back chegou a R$ 10 bilhões.

Com base nesses dados, o delegado requisitou o bloqueio de R$ 191 milhões da Cash Back, mas o juiz Leonardo Valente Barreiros, da 1ª Vara, decidiu negar o pedido com base na decisão do STJ, aquela feita para a cervejaria Cerpa, que questionava mais uma vez a legalidade do uso de informações do COAF pelas autoridades policiais e do Ministério Público sem autorização judicial.

Com base na decisão do STJ, o magistrado declarou a nulidade dos RIF´s solicitados pelo 30.º DP, “afirmando tratar-se de ato ilegal pois a solicitação feita ao COAF desprovia de autorização judicial e que todo ato decorrente nasceu eivado de nulidade absoluta, que não pode, portanto, ser convalidado”. O Ministério Público Estadual recorreu da decisão por meio de um mandado de segurança. A liminar foi concedida depois que o STF teve de decidir que sua decisão de 2019 estava valendo e devia ser obedecida pelos tribunais, enterrando, em definitivo o acórdão do STJ que paralisara a investigação do 30º DP.

Trecho da decisão do magistrado que aponta a Cash Back como um 'verdadeiro banco do crime' Foto: Reprodução / Estadão

Em razão da liminar, o magistrado escreveu que pôde verificar nos autos que a Cash Back seria usada para a lavagem de valores, funcionando como um “verdadeiro banco do crime”. Seu dono formal era Lucas de Souza Teixeira, que mora em um barraco na Favela Heliópolis. Lucas não seria, porém, um mero “laranja inconsciente”, pois consultas feitas pela polícia mostraram que ele se identificava como proprietário da empresa, o que demonstraria seu conhecimento dos fatos.

O 30º DP verificou que a maioria das empresas que repassava valores à Cash Back não tinham funcionários e o tempo entre sua abertura e sua baixa nos bancos de dados oficiais era pequeno, de menos de dois anos. Eles negociavam com pessoas físicas e jurídicas que não atuavam em seus ramos de atuação, além de serem donas de contas bancárias transitórias, com volumes de crédito e débito semelhantes.

Esse seria o caso da empresa Intercore Intermediação de Negócios Ltda, que transferiu R$ 600 mil à Cash Back., A Intercore teria como controlador o Sheik dos Bitcoins, preso pela PF em 2022 e solto pelo STJ em 2023. Outra empresa identificada foi a Guara Tecnologia Internacional Ltda, registrada em nome de Paulo Ferreira Neves. Localizado pelos policiais do 30.º DP, Neves disse que estava desempregado e lutava com problemas de saúde.

Dinheiro enviado para paraíso fiscal

Durante a apuração, os policiais verificaram que o principal destinos dos recursos da Cash Back era a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, que recebera R$ 159,5 milhões por meio de 631 operações, o que representaria quase o total do capital integralizado pela Cash Back – R$ 190.910.516,48. Constituída em 2023, a Mozzatto ainda estaria em atividade e tem como sócios Thiago Favoretto Mozzatto e a empresa Flix Payments Ltda, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.

Trecho da decisão judicial sobre a Cash Back no qual o magistrado analisa a propriedade da empresa Foto: Reprodução / Estadão

Mozzatto é um operador conhecido de criptomoedas, com passagens por fintechs e outras empresas que atuam no setor. Foi seguindo suas movimentações que a Polícia Civil afirmou ter descoberto que ele era o verdadeiro dono da Cash Back, que teria transferidos os recursos movimentados para o paraíso fiscal do Caribe. Quando os investigadores do 30º DP foram executar as buscas do caso, não conseguiram encontrar Mozzatto. Foi só aí que souberam que o acusado havia sido alvo de uma outra operação da polícia, feita pela 1.ª Delegacia de Crimes Cibernéticos, do Departamento de Investigações Criminais (Deic).

No dia 17 de agosto de 2022, o empresário havia sido alvo da Operação Crypto Wash, quando foram apreendidos dois de seus telefones celulares e computadores, sob a suspeita de envolvimento dele com fraudes em criptoativos. Mozzatto foi ouvido pelo Deic na presença de Gulherme Bianconciotto do Nascimento, que se apresentou como seu defensor e para quem ficara demonstrada a legalidade das operações financeiras com as empresas que eram alvo da operação.

Seu então advogado – mais tarde ele passou a ser defendido por Guilherme Fernandes Lopes Pacheco –conseguiu, após o depoimento que o Deic, que os investigadores da 1ª Delegacia Crimes Cibernéticos assinassem relatórios sugerindo a devolução dos telefones celulares e dos computadores apreendidos após constatarem a inexistência de arquivos que citassem palavras-chave como “fraude”, “golpe”, “Paraná”, “Banco do Brasil”, usadas para fazer buscas simples nos dispositivos. E assim concluíram que não havia nos equipamentos “nada de interesse da investigação”.

Defesas não se manifestaram

Os homens do 30º DP não sabiam disso quando foram bater nos endereços que levavam mais uma vez a Mozzatto. As buscas haviam sido determinadas pelo magistrado em razão da existência de “indícios veementes de que os acusados teriam intentado ocultar e dissimular a origem ilícita dos valores ilicitamente angariados, convertendo-os em ativos lícitos, recebendo-os, movimentando-os e pretensamente reintegrando-os novamente como ativos lícitos”.

Apesar das dificuldades encontradas nas busca, os policiais do 30.º DP têm certeza de que os caminhos da lavagem de dinheiro entrelaçavam várias investigações e a respeito de diferentes tipos de delitos. A decisão de judicial de bloqueio de bens atingiu, além da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais Ltda, o suposto laranja Lucas De Souza Teixeira, a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, a empresa Flix Payments Ltda e Thiago Favoreto Mozzatto. A coluna procurou a defesa de Mozzatto, mas não obteve respostas. Também procurou a defesa do Sheik dos Bitcoins, mas não a localizou.

Vencido o obstáculo da paralisação do caso em razão das disputas nos tribunais superiores e da dificuldade de localizar novas provas depois da ação do Deic, a coluna apurou que os investigadores do 30.º DP esperam contar com o resultado de outras medidas cautelares para encontrar os recursos e devolver às vítimas o que foi desviado pelo Banco do Crime. Até lá, não será demais esperar que novos debates jurídicos não sirvam para garantir a impunidade de quem se apropriou das economias de suas vítimas.

Lucas de Souza Teixeira mora em um barraco na Favela Heliópolis, uma das maiores de São Paulo, na zona sul da cidade. A polícia encontrou em seu nome uma empresa que movimentou R$ 10 bilhões em pouco mais de dois anos, a Cash Back Turismo e Serviços Empresariais.

Naquele que é apontado pelos investigadores como um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro do Estado, Teixeira seria dono de um banco, um “verdadeiro banco do crime”, que limpou capitais de organizações criminosas que atuavam na Junta Comercial de São Paulo, praticavam fraudes bilionárias em criptomoedas ou eram ligadas a bandidos do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Joias apreendidas pela PF em operação contra grupo acusado de usar criptomoedas para criar esquema de pirâmide financeira Foto: Divulgação / Polícia Federal

Surgiram no meio da investigações nomes como o de Francisley Valdevino da Silva, o Sheik dos Bitcoins. Ele foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras e pela Polícia Federal (PF) sob a acusação de estar por trás fraudes de R$ 4 bilhões, que tiveram entre outras vítimas a modelo Sasha Meneghel, a filha da apresentadora Xuxa, e jogadores de futebol, como o meia Gustavo Scarpa, atualmente no Atlético Mineiro.

A história de como os nomes de Lucas e do Sheik dos Bitcoins foram parar no meio dessa confusão quase ficou esquecida, entre processados encerrados e inquéritos arquivados por causa do debate de uma tese jurídica nos tribunais superiores: seria ou não constitucional o compartilhamento dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de autorização judicial? As Cortes discutiram por cinco anos até o Supremo Tribunal Federal dizer que sim: o compartilhamento de dados é legal.

As controvérsias jurídicas, como todos sabem, têm repercussão na vida real. Na Justiça criminal, elas são determinantes para o desenrolar de inquéritos, de processos e de sentenças. Enquanto os togados verificavam em Brasília se a tese da ilegalidade do compartilhamento era correta, centenas de investigações ficaram paralisadas pelo Brasil afora.

Em 2019, o STF derrubou a liminar que suspendia os processos judiciais em que houve compartilhamento de dados de órgãos de controle sem autorização judicial Foto: Gabriela Biló / Estadão

O argumento da inconstitucionalidade fora defendido em 2019 pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), no caso da rachadinha, e havia sido afastado pelo STF, em 2019. Mas acabaria retomado em 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar um recurso da defesa da Cervejaria Cerpa, em uma investigação no Pará. Todos alegavam inocência e serem alvo de investigações ilegais.

Em 2019, o Ministério Público Federal avaliara que a paralisação dos processos e investigações, determinada pelo ministro Dias Toffoli antes do julgamento do recurso do senador, atingiu 935 casos em andamento, incluindo da Operação Lava Jato. Agora, não se calcularam os efeitos da decisão do STJ, derrubada, finalmente, no dia 2 de abril pela 1.ª Turma do STF.

Em São Paulo, o último efeito da decisão do STJ só foi revertido no dia 18 de abril. Foi quando a 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital decretou o bloqueio de R$ 191 milhões em bens de empresas e pessoas físicas que gravitaram em torno da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais. Trata-se, de acordo com as investigações do 30.º Distrito Policial (Tatuapé), de um poderoso esquema de lavagens e ocultação de bens que foi usado por diversos tipos de clientes.

A investigação que chegou à Cash Back foi aberta pelo 30º Distrito Policial Foto: Google Street View

A história envolvendo a Cash Back começou com uma investigação sobre um esquema de fraude e lavagem de dinheiro Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). Oito acusados foram denunciados porque montaram uma organização criminosa, por meio de alterações em contratos sociais de pessoas jurídicas nas quais incluíam nos quadros societários “laranjas”, modificavam o endereço das empresas, seu objeto social e majoravam seu capital social, tornaram-nas aptas a serem utilizadas na prática de estelionatos, dando-as aparência de empresas idôneas atuantes no mercado financeiro.

As mudanças eram feitas na Jucesp. Foi assim que uma empresa de moda se tornou a Team Work Participações Ltda, que tinha o nome fantasia de 360 Bank. “A partir de então, a organização criminosa passou a utiliza o 360 BANK para atuar no mercado financeiro, captando clientes/vítimas que, na esperança de obterem retorno econômico em seus investimentos, transferiram suas economias para o grupo criminoso”, afirmava a denúncia do promotor Danilo Orlando Pugliesi, de janeiro de 2023.

Entre as dezenas de vítimas do grupo estava Maristela Rodrigues Bagnatori, que, segundo a acusação, foi convencida por um “representante do 360 Bank a fazer um investimento deR$ 265 mil com os acusados por meio de uma das empresa do grupo, a Plattion Assessoria e Consultoria”. O delegado Marcos Galli Casseb, do 30º DP, cruzou a informação dessa investigação com os de um RIF (Relatório de Inteligência Financeira) do COAF e verificou que o as empresas do grupo 360 Bank haviam usado a empresa Cash Back para comprar ativos com o dinheiro da fraude.

Após a decisão do STF, o juiz Leonardo Valente Barreiros determinou o bloqueio de R$ 191,7 milhões de bens ligados aos investigados no caso Cash Back Foto: Reprodução / Estadão

Ou como foi descrito pelo policial, era um falso Banco usando outro Banco do Crime para lavar o dinheiro, integralizando “ativos ilícitos oriundos de diversas atividades criminosas e restituindo-os aos agentes investidores como ativos lícitos posto que assumem a posição de ‘clientes’”. No RIF 84.156, foi verificado que o volume total entre créditos e débitos movimentados em operações com a participação da Cash Back chegou a R$ 10 bilhões.

Com base nesses dados, o delegado requisitou o bloqueio de R$ 191 milhões da Cash Back, mas o juiz Leonardo Valente Barreiros, da 1ª Vara, decidiu negar o pedido com base na decisão do STJ, aquela feita para a cervejaria Cerpa, que questionava mais uma vez a legalidade do uso de informações do COAF pelas autoridades policiais e do Ministério Público sem autorização judicial.

Com base na decisão do STJ, o magistrado declarou a nulidade dos RIF´s solicitados pelo 30.º DP, “afirmando tratar-se de ato ilegal pois a solicitação feita ao COAF desprovia de autorização judicial e que todo ato decorrente nasceu eivado de nulidade absoluta, que não pode, portanto, ser convalidado”. O Ministério Público Estadual recorreu da decisão por meio de um mandado de segurança. A liminar foi concedida depois que o STF teve de decidir que sua decisão de 2019 estava valendo e devia ser obedecida pelos tribunais, enterrando, em definitivo o acórdão do STJ que paralisara a investigação do 30º DP.

Trecho da decisão do magistrado que aponta a Cash Back como um 'verdadeiro banco do crime' Foto: Reprodução / Estadão

Em razão da liminar, o magistrado escreveu que pôde verificar nos autos que a Cash Back seria usada para a lavagem de valores, funcionando como um “verdadeiro banco do crime”. Seu dono formal era Lucas de Souza Teixeira, que mora em um barraco na Favela Heliópolis. Lucas não seria, porém, um mero “laranja inconsciente”, pois consultas feitas pela polícia mostraram que ele se identificava como proprietário da empresa, o que demonstraria seu conhecimento dos fatos.

O 30º DP verificou que a maioria das empresas que repassava valores à Cash Back não tinham funcionários e o tempo entre sua abertura e sua baixa nos bancos de dados oficiais era pequeno, de menos de dois anos. Eles negociavam com pessoas físicas e jurídicas que não atuavam em seus ramos de atuação, além de serem donas de contas bancárias transitórias, com volumes de crédito e débito semelhantes.

Esse seria o caso da empresa Intercore Intermediação de Negócios Ltda, que transferiu R$ 600 mil à Cash Back., A Intercore teria como controlador o Sheik dos Bitcoins, preso pela PF em 2022 e solto pelo STJ em 2023. Outra empresa identificada foi a Guara Tecnologia Internacional Ltda, registrada em nome de Paulo Ferreira Neves. Localizado pelos policiais do 30.º DP, Neves disse que estava desempregado e lutava com problemas de saúde.

Dinheiro enviado para paraíso fiscal

Durante a apuração, os policiais verificaram que o principal destinos dos recursos da Cash Back era a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, que recebera R$ 159,5 milhões por meio de 631 operações, o que representaria quase o total do capital integralizado pela Cash Back – R$ 190.910.516,48. Constituída em 2023, a Mozzatto ainda estaria em atividade e tem como sócios Thiago Favoretto Mozzatto e a empresa Flix Payments Ltda, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.

Trecho da decisão judicial sobre a Cash Back no qual o magistrado analisa a propriedade da empresa Foto: Reprodução / Estadão

Mozzatto é um operador conhecido de criptomoedas, com passagens por fintechs e outras empresas que atuam no setor. Foi seguindo suas movimentações que a Polícia Civil afirmou ter descoberto que ele era o verdadeiro dono da Cash Back, que teria transferidos os recursos movimentados para o paraíso fiscal do Caribe. Quando os investigadores do 30º DP foram executar as buscas do caso, não conseguiram encontrar Mozzatto. Foi só aí que souberam que o acusado havia sido alvo de uma outra operação da polícia, feita pela 1.ª Delegacia de Crimes Cibernéticos, do Departamento de Investigações Criminais (Deic).

No dia 17 de agosto de 2022, o empresário havia sido alvo da Operação Crypto Wash, quando foram apreendidos dois de seus telefones celulares e computadores, sob a suspeita de envolvimento dele com fraudes em criptoativos. Mozzatto foi ouvido pelo Deic na presença de Gulherme Bianconciotto do Nascimento, que se apresentou como seu defensor e para quem ficara demonstrada a legalidade das operações financeiras com as empresas que eram alvo da operação.

Seu então advogado – mais tarde ele passou a ser defendido por Guilherme Fernandes Lopes Pacheco –conseguiu, após o depoimento que o Deic, que os investigadores da 1ª Delegacia Crimes Cibernéticos assinassem relatórios sugerindo a devolução dos telefones celulares e dos computadores apreendidos após constatarem a inexistência de arquivos que citassem palavras-chave como “fraude”, “golpe”, “Paraná”, “Banco do Brasil”, usadas para fazer buscas simples nos dispositivos. E assim concluíram que não havia nos equipamentos “nada de interesse da investigação”.

Defesas não se manifestaram

Os homens do 30º DP não sabiam disso quando foram bater nos endereços que levavam mais uma vez a Mozzatto. As buscas haviam sido determinadas pelo magistrado em razão da existência de “indícios veementes de que os acusados teriam intentado ocultar e dissimular a origem ilícita dos valores ilicitamente angariados, convertendo-os em ativos lícitos, recebendo-os, movimentando-os e pretensamente reintegrando-os novamente como ativos lícitos”.

Apesar das dificuldades encontradas nas busca, os policiais do 30.º DP têm certeza de que os caminhos da lavagem de dinheiro entrelaçavam várias investigações e a respeito de diferentes tipos de delitos. A decisão de judicial de bloqueio de bens atingiu, além da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais Ltda, o suposto laranja Lucas De Souza Teixeira, a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, a empresa Flix Payments Ltda e Thiago Favoreto Mozzatto. A coluna procurou a defesa de Mozzatto, mas não obteve respostas. Também procurou a defesa do Sheik dos Bitcoins, mas não a localizou.

Vencido o obstáculo da paralisação do caso em razão das disputas nos tribunais superiores e da dificuldade de localizar novas provas depois da ação do Deic, a coluna apurou que os investigadores do 30.º DP esperam contar com o resultado de outras medidas cautelares para encontrar os recursos e devolver às vítimas o que foi desviado pelo Banco do Crime. Até lá, não será demais esperar que novos debates jurídicos não sirvam para garantir a impunidade de quem se apropriou das economias de suas vítimas.

Lucas de Souza Teixeira mora em um barraco na Favela Heliópolis, uma das maiores de São Paulo, na zona sul da cidade. A polícia encontrou em seu nome uma empresa que movimentou R$ 10 bilhões em pouco mais de dois anos, a Cash Back Turismo e Serviços Empresariais.

Naquele que é apontado pelos investigadores como um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro do Estado, Teixeira seria dono de um banco, um “verdadeiro banco do crime”, que limpou capitais de organizações criminosas que atuavam na Junta Comercial de São Paulo, praticavam fraudes bilionárias em criptomoedas ou eram ligadas a bandidos do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Joias apreendidas pela PF em operação contra grupo acusado de usar criptomoedas para criar esquema de pirâmide financeira Foto: Divulgação / Polícia Federal

Surgiram no meio da investigações nomes como o de Francisley Valdevino da Silva, o Sheik dos Bitcoins. Ele foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras e pela Polícia Federal (PF) sob a acusação de estar por trás fraudes de R$ 4 bilhões, que tiveram entre outras vítimas a modelo Sasha Meneghel, a filha da apresentadora Xuxa, e jogadores de futebol, como o meia Gustavo Scarpa, atualmente no Atlético Mineiro.

A história de como os nomes de Lucas e do Sheik dos Bitcoins foram parar no meio dessa confusão quase ficou esquecida, entre processados encerrados e inquéritos arquivados por causa do debate de uma tese jurídica nos tribunais superiores: seria ou não constitucional o compartilhamento dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de autorização judicial? As Cortes discutiram por cinco anos até o Supremo Tribunal Federal dizer que sim: o compartilhamento de dados é legal.

As controvérsias jurídicas, como todos sabem, têm repercussão na vida real. Na Justiça criminal, elas são determinantes para o desenrolar de inquéritos, de processos e de sentenças. Enquanto os togados verificavam em Brasília se a tese da ilegalidade do compartilhamento era correta, centenas de investigações ficaram paralisadas pelo Brasil afora.

Em 2019, o STF derrubou a liminar que suspendia os processos judiciais em que houve compartilhamento de dados de órgãos de controle sem autorização judicial Foto: Gabriela Biló / Estadão

O argumento da inconstitucionalidade fora defendido em 2019 pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), no caso da rachadinha, e havia sido afastado pelo STF, em 2019. Mas acabaria retomado em 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar um recurso da defesa da Cervejaria Cerpa, em uma investigação no Pará. Todos alegavam inocência e serem alvo de investigações ilegais.

Em 2019, o Ministério Público Federal avaliara que a paralisação dos processos e investigações, determinada pelo ministro Dias Toffoli antes do julgamento do recurso do senador, atingiu 935 casos em andamento, incluindo da Operação Lava Jato. Agora, não se calcularam os efeitos da decisão do STJ, derrubada, finalmente, no dia 2 de abril pela 1.ª Turma do STF.

Em São Paulo, o último efeito da decisão do STJ só foi revertido no dia 18 de abril. Foi quando a 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital decretou o bloqueio de R$ 191 milhões em bens de empresas e pessoas físicas que gravitaram em torno da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais. Trata-se, de acordo com as investigações do 30.º Distrito Policial (Tatuapé), de um poderoso esquema de lavagens e ocultação de bens que foi usado por diversos tipos de clientes.

A investigação que chegou à Cash Back foi aberta pelo 30º Distrito Policial Foto: Google Street View

A história envolvendo a Cash Back começou com uma investigação sobre um esquema de fraude e lavagem de dinheiro Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). Oito acusados foram denunciados porque montaram uma organização criminosa, por meio de alterações em contratos sociais de pessoas jurídicas nas quais incluíam nos quadros societários “laranjas”, modificavam o endereço das empresas, seu objeto social e majoravam seu capital social, tornaram-nas aptas a serem utilizadas na prática de estelionatos, dando-as aparência de empresas idôneas atuantes no mercado financeiro.

As mudanças eram feitas na Jucesp. Foi assim que uma empresa de moda se tornou a Team Work Participações Ltda, que tinha o nome fantasia de 360 Bank. “A partir de então, a organização criminosa passou a utiliza o 360 BANK para atuar no mercado financeiro, captando clientes/vítimas que, na esperança de obterem retorno econômico em seus investimentos, transferiram suas economias para o grupo criminoso”, afirmava a denúncia do promotor Danilo Orlando Pugliesi, de janeiro de 2023.

Entre as dezenas de vítimas do grupo estava Maristela Rodrigues Bagnatori, que, segundo a acusação, foi convencida por um “representante do 360 Bank a fazer um investimento deR$ 265 mil com os acusados por meio de uma das empresa do grupo, a Plattion Assessoria e Consultoria”. O delegado Marcos Galli Casseb, do 30º DP, cruzou a informação dessa investigação com os de um RIF (Relatório de Inteligência Financeira) do COAF e verificou que o as empresas do grupo 360 Bank haviam usado a empresa Cash Back para comprar ativos com o dinheiro da fraude.

Após a decisão do STF, o juiz Leonardo Valente Barreiros determinou o bloqueio de R$ 191,7 milhões de bens ligados aos investigados no caso Cash Back Foto: Reprodução / Estadão

Ou como foi descrito pelo policial, era um falso Banco usando outro Banco do Crime para lavar o dinheiro, integralizando “ativos ilícitos oriundos de diversas atividades criminosas e restituindo-os aos agentes investidores como ativos lícitos posto que assumem a posição de ‘clientes’”. No RIF 84.156, foi verificado que o volume total entre créditos e débitos movimentados em operações com a participação da Cash Back chegou a R$ 10 bilhões.

Com base nesses dados, o delegado requisitou o bloqueio de R$ 191 milhões da Cash Back, mas o juiz Leonardo Valente Barreiros, da 1ª Vara, decidiu negar o pedido com base na decisão do STJ, aquela feita para a cervejaria Cerpa, que questionava mais uma vez a legalidade do uso de informações do COAF pelas autoridades policiais e do Ministério Público sem autorização judicial.

Com base na decisão do STJ, o magistrado declarou a nulidade dos RIF´s solicitados pelo 30.º DP, “afirmando tratar-se de ato ilegal pois a solicitação feita ao COAF desprovia de autorização judicial e que todo ato decorrente nasceu eivado de nulidade absoluta, que não pode, portanto, ser convalidado”. O Ministério Público Estadual recorreu da decisão por meio de um mandado de segurança. A liminar foi concedida depois que o STF teve de decidir que sua decisão de 2019 estava valendo e devia ser obedecida pelos tribunais, enterrando, em definitivo o acórdão do STJ que paralisara a investigação do 30º DP.

Trecho da decisão do magistrado que aponta a Cash Back como um 'verdadeiro banco do crime' Foto: Reprodução / Estadão

Em razão da liminar, o magistrado escreveu que pôde verificar nos autos que a Cash Back seria usada para a lavagem de valores, funcionando como um “verdadeiro banco do crime”. Seu dono formal era Lucas de Souza Teixeira, que mora em um barraco na Favela Heliópolis. Lucas não seria, porém, um mero “laranja inconsciente”, pois consultas feitas pela polícia mostraram que ele se identificava como proprietário da empresa, o que demonstraria seu conhecimento dos fatos.

O 30º DP verificou que a maioria das empresas que repassava valores à Cash Back não tinham funcionários e o tempo entre sua abertura e sua baixa nos bancos de dados oficiais era pequeno, de menos de dois anos. Eles negociavam com pessoas físicas e jurídicas que não atuavam em seus ramos de atuação, além de serem donas de contas bancárias transitórias, com volumes de crédito e débito semelhantes.

Esse seria o caso da empresa Intercore Intermediação de Negócios Ltda, que transferiu R$ 600 mil à Cash Back., A Intercore teria como controlador o Sheik dos Bitcoins, preso pela PF em 2022 e solto pelo STJ em 2023. Outra empresa identificada foi a Guara Tecnologia Internacional Ltda, registrada em nome de Paulo Ferreira Neves. Localizado pelos policiais do 30.º DP, Neves disse que estava desempregado e lutava com problemas de saúde.

Dinheiro enviado para paraíso fiscal

Durante a apuração, os policiais verificaram que o principal destinos dos recursos da Cash Back era a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, que recebera R$ 159,5 milhões por meio de 631 operações, o que representaria quase o total do capital integralizado pela Cash Back – R$ 190.910.516,48. Constituída em 2023, a Mozzatto ainda estaria em atividade e tem como sócios Thiago Favoretto Mozzatto e a empresa Flix Payments Ltda, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.

Trecho da decisão judicial sobre a Cash Back no qual o magistrado analisa a propriedade da empresa Foto: Reprodução / Estadão

Mozzatto é um operador conhecido de criptomoedas, com passagens por fintechs e outras empresas que atuam no setor. Foi seguindo suas movimentações que a Polícia Civil afirmou ter descoberto que ele era o verdadeiro dono da Cash Back, que teria transferidos os recursos movimentados para o paraíso fiscal do Caribe. Quando os investigadores do 30º DP foram executar as buscas do caso, não conseguiram encontrar Mozzatto. Foi só aí que souberam que o acusado havia sido alvo de uma outra operação da polícia, feita pela 1.ª Delegacia de Crimes Cibernéticos, do Departamento de Investigações Criminais (Deic).

No dia 17 de agosto de 2022, o empresário havia sido alvo da Operação Crypto Wash, quando foram apreendidos dois de seus telefones celulares e computadores, sob a suspeita de envolvimento dele com fraudes em criptoativos. Mozzatto foi ouvido pelo Deic na presença de Gulherme Bianconciotto do Nascimento, que se apresentou como seu defensor e para quem ficara demonstrada a legalidade das operações financeiras com as empresas que eram alvo da operação.

Seu então advogado – mais tarde ele passou a ser defendido por Guilherme Fernandes Lopes Pacheco –conseguiu, após o depoimento que o Deic, que os investigadores da 1ª Delegacia Crimes Cibernéticos assinassem relatórios sugerindo a devolução dos telefones celulares e dos computadores apreendidos após constatarem a inexistência de arquivos que citassem palavras-chave como “fraude”, “golpe”, “Paraná”, “Banco do Brasil”, usadas para fazer buscas simples nos dispositivos. E assim concluíram que não havia nos equipamentos “nada de interesse da investigação”.

Defesas não se manifestaram

Os homens do 30º DP não sabiam disso quando foram bater nos endereços que levavam mais uma vez a Mozzatto. As buscas haviam sido determinadas pelo magistrado em razão da existência de “indícios veementes de que os acusados teriam intentado ocultar e dissimular a origem ilícita dos valores ilicitamente angariados, convertendo-os em ativos lícitos, recebendo-os, movimentando-os e pretensamente reintegrando-os novamente como ativos lícitos”.

Apesar das dificuldades encontradas nas busca, os policiais do 30.º DP têm certeza de que os caminhos da lavagem de dinheiro entrelaçavam várias investigações e a respeito de diferentes tipos de delitos. A decisão de judicial de bloqueio de bens atingiu, além da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais Ltda, o suposto laranja Lucas De Souza Teixeira, a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, a empresa Flix Payments Ltda e Thiago Favoreto Mozzatto. A coluna procurou a defesa de Mozzatto, mas não obteve respostas. Também procurou a defesa do Sheik dos Bitcoins, mas não a localizou.

Vencido o obstáculo da paralisação do caso em razão das disputas nos tribunais superiores e da dificuldade de localizar novas provas depois da ação do Deic, a coluna apurou que os investigadores do 30.º DP esperam contar com o resultado de outras medidas cautelares para encontrar os recursos e devolver às vítimas o que foi desviado pelo Banco do Crime. Até lá, não será demais esperar que novos debates jurídicos não sirvam para garantir a impunidade de quem se apropriou das economias de suas vítimas.

Lucas de Souza Teixeira mora em um barraco na Favela Heliópolis, uma das maiores de São Paulo, na zona sul da cidade. A polícia encontrou em seu nome uma empresa que movimentou R$ 10 bilhões em pouco mais de dois anos, a Cash Back Turismo e Serviços Empresariais.

Naquele que é apontado pelos investigadores como um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro do Estado, Teixeira seria dono de um banco, um “verdadeiro banco do crime”, que limpou capitais de organizações criminosas que atuavam na Junta Comercial de São Paulo, praticavam fraudes bilionárias em criptomoedas ou eram ligadas a bandidos do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Joias apreendidas pela PF em operação contra grupo acusado de usar criptomoedas para criar esquema de pirâmide financeira Foto: Divulgação / Polícia Federal

Surgiram no meio da investigações nomes como o de Francisley Valdevino da Silva, o Sheik dos Bitcoins. Ele foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras e pela Polícia Federal (PF) sob a acusação de estar por trás fraudes de R$ 4 bilhões, que tiveram entre outras vítimas a modelo Sasha Meneghel, a filha da apresentadora Xuxa, e jogadores de futebol, como o meia Gustavo Scarpa, atualmente no Atlético Mineiro.

A história de como os nomes de Lucas e do Sheik dos Bitcoins foram parar no meio dessa confusão quase ficou esquecida, entre processados encerrados e inquéritos arquivados por causa do debate de uma tese jurídica nos tribunais superiores: seria ou não constitucional o compartilhamento dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de autorização judicial? As Cortes discutiram por cinco anos até o Supremo Tribunal Federal dizer que sim: o compartilhamento de dados é legal.

As controvérsias jurídicas, como todos sabem, têm repercussão na vida real. Na Justiça criminal, elas são determinantes para o desenrolar de inquéritos, de processos e de sentenças. Enquanto os togados verificavam em Brasília se a tese da ilegalidade do compartilhamento era correta, centenas de investigações ficaram paralisadas pelo Brasil afora.

Em 2019, o STF derrubou a liminar que suspendia os processos judiciais em que houve compartilhamento de dados de órgãos de controle sem autorização judicial Foto: Gabriela Biló / Estadão

O argumento da inconstitucionalidade fora defendido em 2019 pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), no caso da rachadinha, e havia sido afastado pelo STF, em 2019. Mas acabaria retomado em 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar um recurso da defesa da Cervejaria Cerpa, em uma investigação no Pará. Todos alegavam inocência e serem alvo de investigações ilegais.

Em 2019, o Ministério Público Federal avaliara que a paralisação dos processos e investigações, determinada pelo ministro Dias Toffoli antes do julgamento do recurso do senador, atingiu 935 casos em andamento, incluindo da Operação Lava Jato. Agora, não se calcularam os efeitos da decisão do STJ, derrubada, finalmente, no dia 2 de abril pela 1.ª Turma do STF.

Em São Paulo, o último efeito da decisão do STJ só foi revertido no dia 18 de abril. Foi quando a 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital decretou o bloqueio de R$ 191 milhões em bens de empresas e pessoas físicas que gravitaram em torno da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais. Trata-se, de acordo com as investigações do 30.º Distrito Policial (Tatuapé), de um poderoso esquema de lavagens e ocultação de bens que foi usado por diversos tipos de clientes.

A investigação que chegou à Cash Back foi aberta pelo 30º Distrito Policial Foto: Google Street View

A história envolvendo a Cash Back começou com uma investigação sobre um esquema de fraude e lavagem de dinheiro Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). Oito acusados foram denunciados porque montaram uma organização criminosa, por meio de alterações em contratos sociais de pessoas jurídicas nas quais incluíam nos quadros societários “laranjas”, modificavam o endereço das empresas, seu objeto social e majoravam seu capital social, tornaram-nas aptas a serem utilizadas na prática de estelionatos, dando-as aparência de empresas idôneas atuantes no mercado financeiro.

As mudanças eram feitas na Jucesp. Foi assim que uma empresa de moda se tornou a Team Work Participações Ltda, que tinha o nome fantasia de 360 Bank. “A partir de então, a organização criminosa passou a utiliza o 360 BANK para atuar no mercado financeiro, captando clientes/vítimas que, na esperança de obterem retorno econômico em seus investimentos, transferiram suas economias para o grupo criminoso”, afirmava a denúncia do promotor Danilo Orlando Pugliesi, de janeiro de 2023.

Entre as dezenas de vítimas do grupo estava Maristela Rodrigues Bagnatori, que, segundo a acusação, foi convencida por um “representante do 360 Bank a fazer um investimento deR$ 265 mil com os acusados por meio de uma das empresa do grupo, a Plattion Assessoria e Consultoria”. O delegado Marcos Galli Casseb, do 30º DP, cruzou a informação dessa investigação com os de um RIF (Relatório de Inteligência Financeira) do COAF e verificou que o as empresas do grupo 360 Bank haviam usado a empresa Cash Back para comprar ativos com o dinheiro da fraude.

Após a decisão do STF, o juiz Leonardo Valente Barreiros determinou o bloqueio de R$ 191,7 milhões de bens ligados aos investigados no caso Cash Back Foto: Reprodução / Estadão

Ou como foi descrito pelo policial, era um falso Banco usando outro Banco do Crime para lavar o dinheiro, integralizando “ativos ilícitos oriundos de diversas atividades criminosas e restituindo-os aos agentes investidores como ativos lícitos posto que assumem a posição de ‘clientes’”. No RIF 84.156, foi verificado que o volume total entre créditos e débitos movimentados em operações com a participação da Cash Back chegou a R$ 10 bilhões.

Com base nesses dados, o delegado requisitou o bloqueio de R$ 191 milhões da Cash Back, mas o juiz Leonardo Valente Barreiros, da 1ª Vara, decidiu negar o pedido com base na decisão do STJ, aquela feita para a cervejaria Cerpa, que questionava mais uma vez a legalidade do uso de informações do COAF pelas autoridades policiais e do Ministério Público sem autorização judicial.

Com base na decisão do STJ, o magistrado declarou a nulidade dos RIF´s solicitados pelo 30.º DP, “afirmando tratar-se de ato ilegal pois a solicitação feita ao COAF desprovia de autorização judicial e que todo ato decorrente nasceu eivado de nulidade absoluta, que não pode, portanto, ser convalidado”. O Ministério Público Estadual recorreu da decisão por meio de um mandado de segurança. A liminar foi concedida depois que o STF teve de decidir que sua decisão de 2019 estava valendo e devia ser obedecida pelos tribunais, enterrando, em definitivo o acórdão do STJ que paralisara a investigação do 30º DP.

Trecho da decisão do magistrado que aponta a Cash Back como um 'verdadeiro banco do crime' Foto: Reprodução / Estadão

Em razão da liminar, o magistrado escreveu que pôde verificar nos autos que a Cash Back seria usada para a lavagem de valores, funcionando como um “verdadeiro banco do crime”. Seu dono formal era Lucas de Souza Teixeira, que mora em um barraco na Favela Heliópolis. Lucas não seria, porém, um mero “laranja inconsciente”, pois consultas feitas pela polícia mostraram que ele se identificava como proprietário da empresa, o que demonstraria seu conhecimento dos fatos.

O 30º DP verificou que a maioria das empresas que repassava valores à Cash Back não tinham funcionários e o tempo entre sua abertura e sua baixa nos bancos de dados oficiais era pequeno, de menos de dois anos. Eles negociavam com pessoas físicas e jurídicas que não atuavam em seus ramos de atuação, além de serem donas de contas bancárias transitórias, com volumes de crédito e débito semelhantes.

Esse seria o caso da empresa Intercore Intermediação de Negócios Ltda, que transferiu R$ 600 mil à Cash Back., A Intercore teria como controlador o Sheik dos Bitcoins, preso pela PF em 2022 e solto pelo STJ em 2023. Outra empresa identificada foi a Guara Tecnologia Internacional Ltda, registrada em nome de Paulo Ferreira Neves. Localizado pelos policiais do 30.º DP, Neves disse que estava desempregado e lutava com problemas de saúde.

Dinheiro enviado para paraíso fiscal

Durante a apuração, os policiais verificaram que o principal destinos dos recursos da Cash Back era a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, que recebera R$ 159,5 milhões por meio de 631 operações, o que representaria quase o total do capital integralizado pela Cash Back – R$ 190.910.516,48. Constituída em 2023, a Mozzatto ainda estaria em atividade e tem como sócios Thiago Favoretto Mozzatto e a empresa Flix Payments Ltda, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.

Trecho da decisão judicial sobre a Cash Back no qual o magistrado analisa a propriedade da empresa Foto: Reprodução / Estadão

Mozzatto é um operador conhecido de criptomoedas, com passagens por fintechs e outras empresas que atuam no setor. Foi seguindo suas movimentações que a Polícia Civil afirmou ter descoberto que ele era o verdadeiro dono da Cash Back, que teria transferidos os recursos movimentados para o paraíso fiscal do Caribe. Quando os investigadores do 30º DP foram executar as buscas do caso, não conseguiram encontrar Mozzatto. Foi só aí que souberam que o acusado havia sido alvo de uma outra operação da polícia, feita pela 1.ª Delegacia de Crimes Cibernéticos, do Departamento de Investigações Criminais (Deic).

No dia 17 de agosto de 2022, o empresário havia sido alvo da Operação Crypto Wash, quando foram apreendidos dois de seus telefones celulares e computadores, sob a suspeita de envolvimento dele com fraudes em criptoativos. Mozzatto foi ouvido pelo Deic na presença de Gulherme Bianconciotto do Nascimento, que se apresentou como seu defensor e para quem ficara demonstrada a legalidade das operações financeiras com as empresas que eram alvo da operação.

Seu então advogado – mais tarde ele passou a ser defendido por Guilherme Fernandes Lopes Pacheco –conseguiu, após o depoimento que o Deic, que os investigadores da 1ª Delegacia Crimes Cibernéticos assinassem relatórios sugerindo a devolução dos telefones celulares e dos computadores apreendidos após constatarem a inexistência de arquivos que citassem palavras-chave como “fraude”, “golpe”, “Paraná”, “Banco do Brasil”, usadas para fazer buscas simples nos dispositivos. E assim concluíram que não havia nos equipamentos “nada de interesse da investigação”.

Defesas não se manifestaram

Os homens do 30º DP não sabiam disso quando foram bater nos endereços que levavam mais uma vez a Mozzatto. As buscas haviam sido determinadas pelo magistrado em razão da existência de “indícios veementes de que os acusados teriam intentado ocultar e dissimular a origem ilícita dos valores ilicitamente angariados, convertendo-os em ativos lícitos, recebendo-os, movimentando-os e pretensamente reintegrando-os novamente como ativos lícitos”.

Apesar das dificuldades encontradas nas busca, os policiais do 30.º DP têm certeza de que os caminhos da lavagem de dinheiro entrelaçavam várias investigações e a respeito de diferentes tipos de delitos. A decisão de judicial de bloqueio de bens atingiu, além da Cash Back Turismo e Serviços Empresariais Ltda, o suposto laranja Lucas De Souza Teixeira, a empresa Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, a empresa Flix Payments Ltda e Thiago Favoreto Mozzatto. A coluna procurou a defesa de Mozzatto, mas não obteve respostas. Também procurou a defesa do Sheik dos Bitcoins, mas não a localizou.

Vencido o obstáculo da paralisação do caso em razão das disputas nos tribunais superiores e da dificuldade de localizar novas provas depois da ação do Deic, a coluna apurou que os investigadores do 30.º DP esperam contar com o resultado de outras medidas cautelares para encontrar os recursos e devolver às vítimas o que foi desviado pelo Banco do Crime. Até lá, não será demais esperar que novos debates jurídicos não sirvam para garantir a impunidade de quem se apropriou das economias de suas vítimas.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.