Um documento sobretudo político. Assim, o relatório de 1.333 páginas da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) foi classificado por integrantes da ativa do Exército e da Marinha. A decisão de propor o indiciamento de oito generais e um almirante – todos integrantes do ministério de Jair Bolsonaro ou nomeados por seu governo para exercer cargos no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) ou no comando das Forças – sem, contudo, incluir um único integrante do atual governo só reforçaria esse caráter do documento.
Na análise de militares consultados pela coluna, a exclusão dos generais Marco Edson Gonçalves Dias, ministro-chefe do GSI e do general Júlio César Arruda, então comandante do Exército no momento em que ocorreu a intentona do dia 8 de janeiro enfraqueceria a acusação contra os generais Marco Antonio Freire Gomes, que comandara a Força até o dia 30 de dezembro de 2022, e os generais Carlos José Russo Assumpção Penteado e Carlos Feitosa, que ocupavam cargos importantes no GSI no mesmo dia 8.
Ex-secretário-executivo, Penteado, aliás, ao depor à CPI do Distrito Federal sobre os atos do dia 8, acusou o general G. Dias pela desarticulação que levou à invasão do prédio do Palácio do Planalto. Ele afirmou então: “Todas as ações conduzidas pelo GSI no dia 8 de janeiro de 2023 estão diretamente relacionadas à retenção pelo ministro Gonçalves Dias dos alertas produzidos pela Abin, que não foram disponibilizados oportunamente para que fossem acionados todos os meios do ‘plano escudo’.”
Penteado havia sido nomeado para o cargo por Augusto Heleno, outro general indiciado no relatório da senadora. Dentro da Força Terrestre, não causou surpresa que os generais do Palácio do Planalto – caso dos ex-ministros Heleno, Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos – fossem citados no relatório, bem como o do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. O mesmo não vale para a proposta de indiciamento de oficiais da ativa, como o do ex-comandante Freire Gomes.
Primeiro porque a figura do comandante da Força e, consequentemente, sua autoridade ficam abaladas pela proposta. Depois, porque ele nem sequer foi ouvido pela CPI. Por fim, em razão de que sua capacidade de ação era limitada pelo campo político e judiciário. Vale dizer: ele não teria recebido em nenhum momento ordem para desmontar os acampamentos na frente dos quartéis. Nem do presidente Jair Bolsonaro bem como do Poder Judiciário.
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A única surpresa vista com bons olhos pelos generais foi a exclusão do relatório da senadora do nome do general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, comandante militar do Planalto durante o período investigado. Dutra prestou três longos depoimentos durante as investigações. Foi fustigado por aliados do governo e por bolsonaristas, mas acabou ficando de fora da lista de oficiais cujo indiciamento foi sugerido no documento. Ele chegou a ser chamado de “maluco” por Freire Gomes quando tentou desmontar o acampamento em frente ao QG em Brasília, no dia 29 de dezembro.
A coluna procurou nesta manhã Freire Gomes, mas não obteve resposta. Por fim, no Forte Apache lembram que o documento da senadora deve ainda passar pelo escrutínio da Procuradoria Geral da República, que pode ou não acolher suas sugestões, a exemplo do que aconteceu com a CPI da Covid. Já na Martinha, a ausência de fatos novos – o suposto papel do ex-comandante Almir Garnier nas discussões sobre a minuta do golpe já eram de conhecimento público – não houve surpresa. Lá como no Exército, a ordem é virar a página e deixar que a Justiça dê a palavra final sobre as condutas de cada acusado.