As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Análise|Depois da festa do submarino de Janja, Macron e Lula, Marinha perde verba e 200 são demitidos


Após os comes e bebes no batismo da embarcação, veio a restrição no orçamento do Prosub, e as demissões no estaleiro podem chegar a 600; prejuízo anual com atraso chega a R$ 150 mi

Por Marcelo Godoy
Atualização: Correção:

Fazer festa todo mundo gosta. Lula, Janja e Macron participaram de uma dessas no dia 27 de março, quando a primeira-dama, acompanhada pelo comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, subiu uma escadaria com um espumante na mão e quebrou a garrafa no casco do S-42, o submarino Tonelero, em Itaguaí, no Rio. A cerimônia foi bonita. Teve discurso de Lula: “Nesse estaleiro de Itaguaí vislumbramos a imensidão do espaço marítimo brasileiro”. Tudo ia bem. Até a hora de pagar a conta.

A festa no lançamento do submarino Tonelero com Janja, Lula e Macron no complexo naval de Itaguaí, no Rio. À direita, o almirante Olsen. Foto: Marinha do Brasil

Um dia depois do encontro entre os presidentes da França, Emmanuel Macron, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no lançamento do Tonelero, a Força Naval teve bloqueados novos recursos do orçamento, atingindo o total de R$ 240 milhões no ano, dos quais 83% eram destinados justamente ao Prosub, o programa estratégico de desenvolvimento de submarinos da Marinha. Ele prevê a construção de quatro embarcações convencionais da classe Scorpène, produzidos em parceria com a França, em Itaguaí. E também a edificação ali da base naval que abrigará o grupo, inclusive uma quinta embarcação, a futura joia da coroa, o Álvaro Alberto, primeiro submarino a propulsão nuclear do País.

continua após a publicidade

Como resultado dos atrasos e cortes e bloqueios de verba do programa, a Itaguaí Construções Navais (ICN) se adaptou à realidade orçamentária e anunciou, rapidamente, em abril, a demissão de 200 trabalhadores engajados na construção dos submarinos. Parte desses homens e mulheres assistiu à festança de Lula, Janja e Macron. “Eu te batizo, submarino Tonelero. Que Deus abençoe esse submarino e todos os marinheiros que aqui navegarem”, disse a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao quebrar a garrafa no casco, na cerimônia do dia 27.

Procurada pela coluna, a Marinha lamentou as demissões na ICN. “Especialmente considerando tratar-se de trabalhadores qualificados no âmbito do Prosub. A redução da mão de obra qualificada do estaleiro construtor traz impacto nos prazos e custos dos submarinos convencionais em construção, bem como na construção do primeiro submarino nuclear convencionalmente armado do Brasil.” A coluna apurou que outros 400 funcionários podem perder o emprego em Itaguaí no segundo semestre se a conta do Prosub não for paga pelo governo. E que conta é essa?

A conta do Prosub e os cálculos da Defesa e do governo

continua após a publicidade

Para entendê-la não bastam os dados só do Prosub, mas de toda a Pasta da Defesa diante da necessidade de o governo fazer os ajustes determinados pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda. A dotação orçamentária da Marinha para 2024, considerando-se o programado apenas para o custeio e para os investimentos – não entram nessa conta o dinheiro das emendas parlamentares que a Força poderá receber, cerca de R$ 190 milhões – é de R$ 3,1 bilhões ou 27% do destinado ao Ministério da Defesa (MD).

No lançamento do Tonelero, Janja foi a madrinha do submarino, durante o evento no complexo Naval de Itaguai, no Rio Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Desse total, R$ 1,01 bilhão estava reservado para o custeio e R$ 2,08 bilhões para investimentos da Força Naval, cujo orçamento total atualizado, segundo o Portal da Transparência, é de R$ 32 bilhões, dos quais R$ 7,77 bilhões comprometidos com aposentadorias e pensões. Os dados mostram que dos R$ 3,1 bilhões programados para custeio e investimentos, a Força teve uma redução de R$ 466,8 milhões (13,1%). Foram R$ 168,9 milhões de recursos de custeio (14,2%), aquele que paga, por exemplo, as contas de água e de luz, e R$ 297,9 milhões reservados para investimento (12,5%).

continua após a publicidade

Parte dessa perda aconteceu em dois cortes. O primeiro ocorreu em março. Ele foi de R$ 168 milhões e atingiu todos os setores da Marinha. O almirantado chegou ao ponto de trabalhar com um cenário de paralisação das atividades da Força em setembro. Logo depois, veio a decisão da Junta de Execução Orçamentária (JEO) do governo de bloquear R$ 446 milhões das despesas discricionárias do Ministério da Defesa. Este, por sua vez, definiu que quase metade desse valor seria absorvido pela Marinha, que entrou com R$ 199,9 milhões para “pagar a conta”, cujo impacto será totalmente absorvido pelo Prosub.

A JEO é um colegiado que reúne quatro ministérios – Fazenda, Planejamento, Gestão e Inovação e Casa Civil. Ele toma suas decisões a partir de informações recebidas dos ministérios em razão das projeções feitas pela Secretaria de Política Econômica, da Fazenda. Um detalhe: o decreto com o bloqueio dos recursos, assinado por Lula e pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), foi publicado no dia 28 de março. Ou seja, enquanto Janja banhava o Tonelero com espumante no dia 27, a JEO tirava a escada debaixo dos pés do governo para futuras festanças em Itaguaí.

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente francês, Emmanuel Macron, no dia 27 de março, rodeados de trabalhadores durante a cerimônia de batismo do submarino Tonelero, no complexo naval de Itaguaí Foto: Marinha do Brasil
continua após a publicidade

Em 10 de abril, a Marinha fez uma reunião extraordinária de seu Conselho Financeiro e Administrativo, que inclui os membros do almirantado, para discutir as consequências do bloqueio de recursos. Antes mesmo de ele ocorrer, a Força já defendia a necessidade de verbas suplementares de R$ 780 milhões para o Prosub. Além da Marinha, o Naval Group, um dos sócios da ICN, temia desde 2023 novos cortes e atrasos.

O governo francês enviou em setembro passado a Brasília o chefe do Estado-Maior de suas Forças Armadas, o brigadeiro Fabien Mandon, para se reunir com o almirante Petrônio Augusto Siqueira de Aguiar, então responsável pela Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM), que cuida do submarino nuclear, a terceira fase do Prosub, cujo contrato pode chegar a R$ 25 bilhões. O atraso desse projeto é apenas uma parte dos prejuízos vislumbrados pelo almirantado e por seus parceiros.

Caso permaneça o cenário atual, o almirantado teme que o Naval Group interrompa o fornecimento de material para a construção do último submarino convencional previsto pelo programa (Angostura). Além disso, arrisca-se o atraso na construção da infraestrutura de apoio ao submarino nuclear, o Complexo de Manutenção Especializada. Pelos cálculos aos quais a coluna teve acesso, cada ano de atraso na edificação do complexo naval de Itaguaí representaria um gasto extra de R$ 150 milhões com manutenção das instalações, apoio operacional e plano básico ambiental.

continua após a publicidade
O submarino Tonelero durante a cerimônia de lançamento da embarcação em Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Na semana passada, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, esteve na base de Aramar, no interior paulista, visitando as instalações onde está sendo contruído o reator do futuro submarino nuclear. Ele tem esperança de que na próxima reunião da JEO, em maio, os bloqueios sejam revistos. Por enquanto, o Prosub já consumiu R$ 50 bilhões em 15 anos – quase uma Itaipu. Para o almirantado, sua inviabilização resultaria em perda não só de recursos, mas em um desastre para o desenvolvimento tecnológico do País.

A palavra do comandante da Marinha e a do Planejamento

continua após a publicidade

Procurado pelo coluna, o almirante Olsen afirmou na sexta-feira: “A imprevisibilidade orçamentária impacta na capacidade de resposta que a Base Industrial de Defesa (BID) precisa ter frente aos desafios de programas estratégicos como o Prosub, que são implementados a longo prazo e envolvem tecnologias na fronteira do conhecimento. Essa imprevisibilidade gera prejuízos de ordem econômica e para o planejamento da Força Naval”. Olsen destacou que o atraso significativo nas entregas dos programas estratégicos pode fazer com que os meios, planejados com itens no estado da arte, sejam entregues com certo grau de obsolescência.

As outras consequências para o programa, de acordo com o almirante, são: “a evasão da mão de obra qualificada, o que afeta diretamente a execução dos programas estratégicos, por se tratar de pessoal especializado pouco disponível no mercado, e a necessidade de renegociação dos compromissos assumidos, o que onera os custos finais dos contratos”. Olsen lembrou que, apenas no Prosub, “são gerados 63 mil empregos – o programa conta ainda com a participação de 700 empresas nacionais e de 23 universidades”.

O submarino Tonelero no dia de seu lançamento no complexo naval de Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Enquanto a Marinha lamentava as demissões, o Ministério do Planejamento informava que o bloqueio de R$ 2,9 bilhões de despesas discricionárias feito pela JEO ocorreu porque a previsão, em março, para as despesas obrigatórias do governo ultrapassara o seu limite anual. “Não foi anunciado contingenciamento, pois a meta de resultado primário para o ano não estava em risco.” A Pasta informou ainda que “bloqueios sempre podem ser revistos, a depender da evolução das projeções para a despesa no próximo relatório”.

Mas não existe, por enquanto, nenhuma previsão de revisão dos bloqueios. O Planejamento informou também que as decisões de bloqueio são sempre tomadas em nível global, por ministério. “Determinado o valor geral a ser bloqueado por ministério, cabe a cada um deles decidir onde exatamente dentro deles serão efetuados esses bloqueios. A JEO não tem interferência nessa decisão. E, inclusive, os ministérios depois podem trocar esses ‘lugares’ específicos dentro deles onde serão feitos os bloqueios.”

Ou seja, a briga em torno do Prosub pode se transferir de lugar na Esplanada, deixando a JEO para entrar nos escaninhos da Defesa. Enquanto isso, no quartel-general do Exército, o Estado-Maior da Força procurava se virar com a nova realidade, vista pelos generais como a do “pior orçamento da década”. Os bloqueios na Força Terrestre não devem, no entanto, interromper nenhum de seus projetos estratégicos, nem mesmo o fornecimento de comida aos recrutas nos quartéis, pois ele agora é um gasto obrigatório.

Os generais tiveram R$ 180 milhões bloqueados, o que resultou em um corte linear de 20% de todos os projetos que não estão incluídos no novo PAC. O cobertor é curto no governo. Mesmo assim, a Força Terrestre espera que o MD tenha sucesso em obter a maior parte dos R$ 2,8 bilhões extras que o ministério pleiteia, R$ 880 milhões dos quais para o Exército. E, assim, a disputa pelo dinheiro ameaça apressar as discussões sobre a reorganização e as prioridades de investimento das Forças.

Blindados EE-9 Cascavel em Roraima durante exercício da 1ª Brigada de Infantaria de Selva; esquadrão foi transformado em regimento; Exército teve de cortar 20% dos gastos de seus programas Foto: Exército Brasileiro

Há uma luta interna na Defesa. Força Aérea e Marinha se ressentem dos efeitos do governo Bolsonaro, que aumentou a parcela de investimentos destinados ao Exército. Eis outra razão para todos pressionarem o Congresso pela aprovação da PEC, que garante às Forças uma parcela do orçamento equivalente a 2% do PIB. Em jogo, não estão só as concepções de defesa, mas também o prestígio das instituições, o desenvolvimento de tecnologias sensíveis para o País e o discurso – e a discricionaridade – do governo.

China, Estados Unidos e outras potências extrarregionais intensificaram sua presença no Atlântico Sul, o que aumenta a necessidade do Brasil de dissuasão. Ao norte, a ameaça vem da Venezuela, que ensaia tomar Essequibo da Guiana. Há muito o mundo militar se ressente da falta de interesse do País nos temas da Defesa, como se a caserna fosse capaz de despertar a atenção apenas das vivandeiras e pelos maus motivos.

No dia da festança em Itaguaí, Lula disse em seu discurso: “Noventa e cinco por cento do comércio exterior brasileiro transita pelo Atlântico Sul. Da Amazônia azul retiramos 85% do petróleo e 45% do pescado produzido no País. Nós temos de nos preocupar com a nossa defesa, não porque nós queremos guerra. A defesa é para quem quer paz, porque um país do tamanho do Brasil precisa ter Forças Armadas altamente qualificadas e altamente preparadas a ponto de dar reposta, de garantir a paz”.

Fazer festa todo mundo gosta. Lula, Janja e Macron participaram de uma dessas no dia 27 de março, quando a primeira-dama, acompanhada pelo comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, subiu uma escadaria com um espumante na mão e quebrou a garrafa no casco do S-42, o submarino Tonelero, em Itaguaí, no Rio. A cerimônia foi bonita. Teve discurso de Lula: “Nesse estaleiro de Itaguaí vislumbramos a imensidão do espaço marítimo brasileiro”. Tudo ia bem. Até a hora de pagar a conta.

A festa no lançamento do submarino Tonelero com Janja, Lula e Macron no complexo naval de Itaguaí, no Rio. À direita, o almirante Olsen. Foto: Marinha do Brasil

Um dia depois do encontro entre os presidentes da França, Emmanuel Macron, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no lançamento do Tonelero, a Força Naval teve bloqueados novos recursos do orçamento, atingindo o total de R$ 240 milhões no ano, dos quais 83% eram destinados justamente ao Prosub, o programa estratégico de desenvolvimento de submarinos da Marinha. Ele prevê a construção de quatro embarcações convencionais da classe Scorpène, produzidos em parceria com a França, em Itaguaí. E também a edificação ali da base naval que abrigará o grupo, inclusive uma quinta embarcação, a futura joia da coroa, o Álvaro Alberto, primeiro submarino a propulsão nuclear do País.

Como resultado dos atrasos e cortes e bloqueios de verba do programa, a Itaguaí Construções Navais (ICN) se adaptou à realidade orçamentária e anunciou, rapidamente, em abril, a demissão de 200 trabalhadores engajados na construção dos submarinos. Parte desses homens e mulheres assistiu à festança de Lula, Janja e Macron. “Eu te batizo, submarino Tonelero. Que Deus abençoe esse submarino e todos os marinheiros que aqui navegarem”, disse a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao quebrar a garrafa no casco, na cerimônia do dia 27.

Procurada pela coluna, a Marinha lamentou as demissões na ICN. “Especialmente considerando tratar-se de trabalhadores qualificados no âmbito do Prosub. A redução da mão de obra qualificada do estaleiro construtor traz impacto nos prazos e custos dos submarinos convencionais em construção, bem como na construção do primeiro submarino nuclear convencionalmente armado do Brasil.” A coluna apurou que outros 400 funcionários podem perder o emprego em Itaguaí no segundo semestre se a conta do Prosub não for paga pelo governo. E que conta é essa?

A conta do Prosub e os cálculos da Defesa e do governo

Para entendê-la não bastam os dados só do Prosub, mas de toda a Pasta da Defesa diante da necessidade de o governo fazer os ajustes determinados pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda. A dotação orçamentária da Marinha para 2024, considerando-se o programado apenas para o custeio e para os investimentos – não entram nessa conta o dinheiro das emendas parlamentares que a Força poderá receber, cerca de R$ 190 milhões – é de R$ 3,1 bilhões ou 27% do destinado ao Ministério da Defesa (MD).

No lançamento do Tonelero, Janja foi a madrinha do submarino, durante o evento no complexo Naval de Itaguai, no Rio Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Desse total, R$ 1,01 bilhão estava reservado para o custeio e R$ 2,08 bilhões para investimentos da Força Naval, cujo orçamento total atualizado, segundo o Portal da Transparência, é de R$ 32 bilhões, dos quais R$ 7,77 bilhões comprometidos com aposentadorias e pensões. Os dados mostram que dos R$ 3,1 bilhões programados para custeio e investimentos, a Força teve uma redução de R$ 466,8 milhões (13,1%). Foram R$ 168,9 milhões de recursos de custeio (14,2%), aquele que paga, por exemplo, as contas de água e de luz, e R$ 297,9 milhões reservados para investimento (12,5%).

Parte dessa perda aconteceu em dois cortes. O primeiro ocorreu em março. Ele foi de R$ 168 milhões e atingiu todos os setores da Marinha. O almirantado chegou ao ponto de trabalhar com um cenário de paralisação das atividades da Força em setembro. Logo depois, veio a decisão da Junta de Execução Orçamentária (JEO) do governo de bloquear R$ 446 milhões das despesas discricionárias do Ministério da Defesa. Este, por sua vez, definiu que quase metade desse valor seria absorvido pela Marinha, que entrou com R$ 199,9 milhões para “pagar a conta”, cujo impacto será totalmente absorvido pelo Prosub.

A JEO é um colegiado que reúne quatro ministérios – Fazenda, Planejamento, Gestão e Inovação e Casa Civil. Ele toma suas decisões a partir de informações recebidas dos ministérios em razão das projeções feitas pela Secretaria de Política Econômica, da Fazenda. Um detalhe: o decreto com o bloqueio dos recursos, assinado por Lula e pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), foi publicado no dia 28 de março. Ou seja, enquanto Janja banhava o Tonelero com espumante no dia 27, a JEO tirava a escada debaixo dos pés do governo para futuras festanças em Itaguaí.

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente francês, Emmanuel Macron, no dia 27 de março, rodeados de trabalhadores durante a cerimônia de batismo do submarino Tonelero, no complexo naval de Itaguaí Foto: Marinha do Brasil

Em 10 de abril, a Marinha fez uma reunião extraordinária de seu Conselho Financeiro e Administrativo, que inclui os membros do almirantado, para discutir as consequências do bloqueio de recursos. Antes mesmo de ele ocorrer, a Força já defendia a necessidade de verbas suplementares de R$ 780 milhões para o Prosub. Além da Marinha, o Naval Group, um dos sócios da ICN, temia desde 2023 novos cortes e atrasos.

O governo francês enviou em setembro passado a Brasília o chefe do Estado-Maior de suas Forças Armadas, o brigadeiro Fabien Mandon, para se reunir com o almirante Petrônio Augusto Siqueira de Aguiar, então responsável pela Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM), que cuida do submarino nuclear, a terceira fase do Prosub, cujo contrato pode chegar a R$ 25 bilhões. O atraso desse projeto é apenas uma parte dos prejuízos vislumbrados pelo almirantado e por seus parceiros.

Caso permaneça o cenário atual, o almirantado teme que o Naval Group interrompa o fornecimento de material para a construção do último submarino convencional previsto pelo programa (Angostura). Além disso, arrisca-se o atraso na construção da infraestrutura de apoio ao submarino nuclear, o Complexo de Manutenção Especializada. Pelos cálculos aos quais a coluna teve acesso, cada ano de atraso na edificação do complexo naval de Itaguaí representaria um gasto extra de R$ 150 milhões com manutenção das instalações, apoio operacional e plano básico ambiental.

O submarino Tonelero durante a cerimônia de lançamento da embarcação em Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Na semana passada, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, esteve na base de Aramar, no interior paulista, visitando as instalações onde está sendo contruído o reator do futuro submarino nuclear. Ele tem esperança de que na próxima reunião da JEO, em maio, os bloqueios sejam revistos. Por enquanto, o Prosub já consumiu R$ 50 bilhões em 15 anos – quase uma Itaipu. Para o almirantado, sua inviabilização resultaria em perda não só de recursos, mas em um desastre para o desenvolvimento tecnológico do País.

A palavra do comandante da Marinha e a do Planejamento

Procurado pelo coluna, o almirante Olsen afirmou na sexta-feira: “A imprevisibilidade orçamentária impacta na capacidade de resposta que a Base Industrial de Defesa (BID) precisa ter frente aos desafios de programas estratégicos como o Prosub, que são implementados a longo prazo e envolvem tecnologias na fronteira do conhecimento. Essa imprevisibilidade gera prejuízos de ordem econômica e para o planejamento da Força Naval”. Olsen destacou que o atraso significativo nas entregas dos programas estratégicos pode fazer com que os meios, planejados com itens no estado da arte, sejam entregues com certo grau de obsolescência.

As outras consequências para o programa, de acordo com o almirante, são: “a evasão da mão de obra qualificada, o que afeta diretamente a execução dos programas estratégicos, por se tratar de pessoal especializado pouco disponível no mercado, e a necessidade de renegociação dos compromissos assumidos, o que onera os custos finais dos contratos”. Olsen lembrou que, apenas no Prosub, “são gerados 63 mil empregos – o programa conta ainda com a participação de 700 empresas nacionais e de 23 universidades”.

O submarino Tonelero no dia de seu lançamento no complexo naval de Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Enquanto a Marinha lamentava as demissões, o Ministério do Planejamento informava que o bloqueio de R$ 2,9 bilhões de despesas discricionárias feito pela JEO ocorreu porque a previsão, em março, para as despesas obrigatórias do governo ultrapassara o seu limite anual. “Não foi anunciado contingenciamento, pois a meta de resultado primário para o ano não estava em risco.” A Pasta informou ainda que “bloqueios sempre podem ser revistos, a depender da evolução das projeções para a despesa no próximo relatório”.

Mas não existe, por enquanto, nenhuma previsão de revisão dos bloqueios. O Planejamento informou também que as decisões de bloqueio são sempre tomadas em nível global, por ministério. “Determinado o valor geral a ser bloqueado por ministério, cabe a cada um deles decidir onde exatamente dentro deles serão efetuados esses bloqueios. A JEO não tem interferência nessa decisão. E, inclusive, os ministérios depois podem trocar esses ‘lugares’ específicos dentro deles onde serão feitos os bloqueios.”

Ou seja, a briga em torno do Prosub pode se transferir de lugar na Esplanada, deixando a JEO para entrar nos escaninhos da Defesa. Enquanto isso, no quartel-general do Exército, o Estado-Maior da Força procurava se virar com a nova realidade, vista pelos generais como a do “pior orçamento da década”. Os bloqueios na Força Terrestre não devem, no entanto, interromper nenhum de seus projetos estratégicos, nem mesmo o fornecimento de comida aos recrutas nos quartéis, pois ele agora é um gasto obrigatório.

Os generais tiveram R$ 180 milhões bloqueados, o que resultou em um corte linear de 20% de todos os projetos que não estão incluídos no novo PAC. O cobertor é curto no governo. Mesmo assim, a Força Terrestre espera que o MD tenha sucesso em obter a maior parte dos R$ 2,8 bilhões extras que o ministério pleiteia, R$ 880 milhões dos quais para o Exército. E, assim, a disputa pelo dinheiro ameaça apressar as discussões sobre a reorganização e as prioridades de investimento das Forças.

Blindados EE-9 Cascavel em Roraima durante exercício da 1ª Brigada de Infantaria de Selva; esquadrão foi transformado em regimento; Exército teve de cortar 20% dos gastos de seus programas Foto: Exército Brasileiro

Há uma luta interna na Defesa. Força Aérea e Marinha se ressentem dos efeitos do governo Bolsonaro, que aumentou a parcela de investimentos destinados ao Exército. Eis outra razão para todos pressionarem o Congresso pela aprovação da PEC, que garante às Forças uma parcela do orçamento equivalente a 2% do PIB. Em jogo, não estão só as concepções de defesa, mas também o prestígio das instituições, o desenvolvimento de tecnologias sensíveis para o País e o discurso – e a discricionaridade – do governo.

China, Estados Unidos e outras potências extrarregionais intensificaram sua presença no Atlântico Sul, o que aumenta a necessidade do Brasil de dissuasão. Ao norte, a ameaça vem da Venezuela, que ensaia tomar Essequibo da Guiana. Há muito o mundo militar se ressente da falta de interesse do País nos temas da Defesa, como se a caserna fosse capaz de despertar a atenção apenas das vivandeiras e pelos maus motivos.

No dia da festança em Itaguaí, Lula disse em seu discurso: “Noventa e cinco por cento do comércio exterior brasileiro transita pelo Atlântico Sul. Da Amazônia azul retiramos 85% do petróleo e 45% do pescado produzido no País. Nós temos de nos preocupar com a nossa defesa, não porque nós queremos guerra. A defesa é para quem quer paz, porque um país do tamanho do Brasil precisa ter Forças Armadas altamente qualificadas e altamente preparadas a ponto de dar reposta, de garantir a paz”.

Fazer festa todo mundo gosta. Lula, Janja e Macron participaram de uma dessas no dia 27 de março, quando a primeira-dama, acompanhada pelo comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, subiu uma escadaria com um espumante na mão e quebrou a garrafa no casco do S-42, o submarino Tonelero, em Itaguaí, no Rio. A cerimônia foi bonita. Teve discurso de Lula: “Nesse estaleiro de Itaguaí vislumbramos a imensidão do espaço marítimo brasileiro”. Tudo ia bem. Até a hora de pagar a conta.

A festa no lançamento do submarino Tonelero com Janja, Lula e Macron no complexo naval de Itaguaí, no Rio. À direita, o almirante Olsen. Foto: Marinha do Brasil

Um dia depois do encontro entre os presidentes da França, Emmanuel Macron, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no lançamento do Tonelero, a Força Naval teve bloqueados novos recursos do orçamento, atingindo o total de R$ 240 milhões no ano, dos quais 83% eram destinados justamente ao Prosub, o programa estratégico de desenvolvimento de submarinos da Marinha. Ele prevê a construção de quatro embarcações convencionais da classe Scorpène, produzidos em parceria com a França, em Itaguaí. E também a edificação ali da base naval que abrigará o grupo, inclusive uma quinta embarcação, a futura joia da coroa, o Álvaro Alberto, primeiro submarino a propulsão nuclear do País.

Como resultado dos atrasos e cortes e bloqueios de verba do programa, a Itaguaí Construções Navais (ICN) se adaptou à realidade orçamentária e anunciou, rapidamente, em abril, a demissão de 200 trabalhadores engajados na construção dos submarinos. Parte desses homens e mulheres assistiu à festança de Lula, Janja e Macron. “Eu te batizo, submarino Tonelero. Que Deus abençoe esse submarino e todos os marinheiros que aqui navegarem”, disse a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao quebrar a garrafa no casco, na cerimônia do dia 27.

Procurada pela coluna, a Marinha lamentou as demissões na ICN. “Especialmente considerando tratar-se de trabalhadores qualificados no âmbito do Prosub. A redução da mão de obra qualificada do estaleiro construtor traz impacto nos prazos e custos dos submarinos convencionais em construção, bem como na construção do primeiro submarino nuclear convencionalmente armado do Brasil.” A coluna apurou que outros 400 funcionários podem perder o emprego em Itaguaí no segundo semestre se a conta do Prosub não for paga pelo governo. E que conta é essa?

A conta do Prosub e os cálculos da Defesa e do governo

Para entendê-la não bastam os dados só do Prosub, mas de toda a Pasta da Defesa diante da necessidade de o governo fazer os ajustes determinados pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda. A dotação orçamentária da Marinha para 2024, considerando-se o programado apenas para o custeio e para os investimentos – não entram nessa conta o dinheiro das emendas parlamentares que a Força poderá receber, cerca de R$ 190 milhões – é de R$ 3,1 bilhões ou 27% do destinado ao Ministério da Defesa (MD).

No lançamento do Tonelero, Janja foi a madrinha do submarino, durante o evento no complexo Naval de Itaguai, no Rio Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Desse total, R$ 1,01 bilhão estava reservado para o custeio e R$ 2,08 bilhões para investimentos da Força Naval, cujo orçamento total atualizado, segundo o Portal da Transparência, é de R$ 32 bilhões, dos quais R$ 7,77 bilhões comprometidos com aposentadorias e pensões. Os dados mostram que dos R$ 3,1 bilhões programados para custeio e investimentos, a Força teve uma redução de R$ 466,8 milhões (13,1%). Foram R$ 168,9 milhões de recursos de custeio (14,2%), aquele que paga, por exemplo, as contas de água e de luz, e R$ 297,9 milhões reservados para investimento (12,5%).

Parte dessa perda aconteceu em dois cortes. O primeiro ocorreu em março. Ele foi de R$ 168 milhões e atingiu todos os setores da Marinha. O almirantado chegou ao ponto de trabalhar com um cenário de paralisação das atividades da Força em setembro. Logo depois, veio a decisão da Junta de Execução Orçamentária (JEO) do governo de bloquear R$ 446 milhões das despesas discricionárias do Ministério da Defesa. Este, por sua vez, definiu que quase metade desse valor seria absorvido pela Marinha, que entrou com R$ 199,9 milhões para “pagar a conta”, cujo impacto será totalmente absorvido pelo Prosub.

A JEO é um colegiado que reúne quatro ministérios – Fazenda, Planejamento, Gestão e Inovação e Casa Civil. Ele toma suas decisões a partir de informações recebidas dos ministérios em razão das projeções feitas pela Secretaria de Política Econômica, da Fazenda. Um detalhe: o decreto com o bloqueio dos recursos, assinado por Lula e pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), foi publicado no dia 28 de março. Ou seja, enquanto Janja banhava o Tonelero com espumante no dia 27, a JEO tirava a escada debaixo dos pés do governo para futuras festanças em Itaguaí.

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente francês, Emmanuel Macron, no dia 27 de março, rodeados de trabalhadores durante a cerimônia de batismo do submarino Tonelero, no complexo naval de Itaguaí Foto: Marinha do Brasil

Em 10 de abril, a Marinha fez uma reunião extraordinária de seu Conselho Financeiro e Administrativo, que inclui os membros do almirantado, para discutir as consequências do bloqueio de recursos. Antes mesmo de ele ocorrer, a Força já defendia a necessidade de verbas suplementares de R$ 780 milhões para o Prosub. Além da Marinha, o Naval Group, um dos sócios da ICN, temia desde 2023 novos cortes e atrasos.

O governo francês enviou em setembro passado a Brasília o chefe do Estado-Maior de suas Forças Armadas, o brigadeiro Fabien Mandon, para se reunir com o almirante Petrônio Augusto Siqueira de Aguiar, então responsável pela Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM), que cuida do submarino nuclear, a terceira fase do Prosub, cujo contrato pode chegar a R$ 25 bilhões. O atraso desse projeto é apenas uma parte dos prejuízos vislumbrados pelo almirantado e por seus parceiros.

Caso permaneça o cenário atual, o almirantado teme que o Naval Group interrompa o fornecimento de material para a construção do último submarino convencional previsto pelo programa (Angostura). Além disso, arrisca-se o atraso na construção da infraestrutura de apoio ao submarino nuclear, o Complexo de Manutenção Especializada. Pelos cálculos aos quais a coluna teve acesso, cada ano de atraso na edificação do complexo naval de Itaguaí representaria um gasto extra de R$ 150 milhões com manutenção das instalações, apoio operacional e plano básico ambiental.

O submarino Tonelero durante a cerimônia de lançamento da embarcação em Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Na semana passada, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, esteve na base de Aramar, no interior paulista, visitando as instalações onde está sendo contruído o reator do futuro submarino nuclear. Ele tem esperança de que na próxima reunião da JEO, em maio, os bloqueios sejam revistos. Por enquanto, o Prosub já consumiu R$ 50 bilhões em 15 anos – quase uma Itaipu. Para o almirantado, sua inviabilização resultaria em perda não só de recursos, mas em um desastre para o desenvolvimento tecnológico do País.

A palavra do comandante da Marinha e a do Planejamento

Procurado pelo coluna, o almirante Olsen afirmou na sexta-feira: “A imprevisibilidade orçamentária impacta na capacidade de resposta que a Base Industrial de Defesa (BID) precisa ter frente aos desafios de programas estratégicos como o Prosub, que são implementados a longo prazo e envolvem tecnologias na fronteira do conhecimento. Essa imprevisibilidade gera prejuízos de ordem econômica e para o planejamento da Força Naval”. Olsen destacou que o atraso significativo nas entregas dos programas estratégicos pode fazer com que os meios, planejados com itens no estado da arte, sejam entregues com certo grau de obsolescência.

As outras consequências para o programa, de acordo com o almirante, são: “a evasão da mão de obra qualificada, o que afeta diretamente a execução dos programas estratégicos, por se tratar de pessoal especializado pouco disponível no mercado, e a necessidade de renegociação dos compromissos assumidos, o que onera os custos finais dos contratos”. Olsen lembrou que, apenas no Prosub, “são gerados 63 mil empregos – o programa conta ainda com a participação de 700 empresas nacionais e de 23 universidades”.

O submarino Tonelero no dia de seu lançamento no complexo naval de Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Enquanto a Marinha lamentava as demissões, o Ministério do Planejamento informava que o bloqueio de R$ 2,9 bilhões de despesas discricionárias feito pela JEO ocorreu porque a previsão, em março, para as despesas obrigatórias do governo ultrapassara o seu limite anual. “Não foi anunciado contingenciamento, pois a meta de resultado primário para o ano não estava em risco.” A Pasta informou ainda que “bloqueios sempre podem ser revistos, a depender da evolução das projeções para a despesa no próximo relatório”.

Mas não existe, por enquanto, nenhuma previsão de revisão dos bloqueios. O Planejamento informou também que as decisões de bloqueio são sempre tomadas em nível global, por ministério. “Determinado o valor geral a ser bloqueado por ministério, cabe a cada um deles decidir onde exatamente dentro deles serão efetuados esses bloqueios. A JEO não tem interferência nessa decisão. E, inclusive, os ministérios depois podem trocar esses ‘lugares’ específicos dentro deles onde serão feitos os bloqueios.”

Ou seja, a briga em torno do Prosub pode se transferir de lugar na Esplanada, deixando a JEO para entrar nos escaninhos da Defesa. Enquanto isso, no quartel-general do Exército, o Estado-Maior da Força procurava se virar com a nova realidade, vista pelos generais como a do “pior orçamento da década”. Os bloqueios na Força Terrestre não devem, no entanto, interromper nenhum de seus projetos estratégicos, nem mesmo o fornecimento de comida aos recrutas nos quartéis, pois ele agora é um gasto obrigatório.

Os generais tiveram R$ 180 milhões bloqueados, o que resultou em um corte linear de 20% de todos os projetos que não estão incluídos no novo PAC. O cobertor é curto no governo. Mesmo assim, a Força Terrestre espera que o MD tenha sucesso em obter a maior parte dos R$ 2,8 bilhões extras que o ministério pleiteia, R$ 880 milhões dos quais para o Exército. E, assim, a disputa pelo dinheiro ameaça apressar as discussões sobre a reorganização e as prioridades de investimento das Forças.

Blindados EE-9 Cascavel em Roraima durante exercício da 1ª Brigada de Infantaria de Selva; esquadrão foi transformado em regimento; Exército teve de cortar 20% dos gastos de seus programas Foto: Exército Brasileiro

Há uma luta interna na Defesa. Força Aérea e Marinha se ressentem dos efeitos do governo Bolsonaro, que aumentou a parcela de investimentos destinados ao Exército. Eis outra razão para todos pressionarem o Congresso pela aprovação da PEC, que garante às Forças uma parcela do orçamento equivalente a 2% do PIB. Em jogo, não estão só as concepções de defesa, mas também o prestígio das instituições, o desenvolvimento de tecnologias sensíveis para o País e o discurso – e a discricionaridade – do governo.

China, Estados Unidos e outras potências extrarregionais intensificaram sua presença no Atlântico Sul, o que aumenta a necessidade do Brasil de dissuasão. Ao norte, a ameaça vem da Venezuela, que ensaia tomar Essequibo da Guiana. Há muito o mundo militar se ressente da falta de interesse do País nos temas da Defesa, como se a caserna fosse capaz de despertar a atenção apenas das vivandeiras e pelos maus motivos.

No dia da festança em Itaguaí, Lula disse em seu discurso: “Noventa e cinco por cento do comércio exterior brasileiro transita pelo Atlântico Sul. Da Amazônia azul retiramos 85% do petróleo e 45% do pescado produzido no País. Nós temos de nos preocupar com a nossa defesa, não porque nós queremos guerra. A defesa é para quem quer paz, porque um país do tamanho do Brasil precisa ter Forças Armadas altamente qualificadas e altamente preparadas a ponto de dar reposta, de garantir a paz”.

Fazer festa todo mundo gosta. Lula, Janja e Macron participaram de uma dessas no dia 27 de março, quando a primeira-dama, acompanhada pelo comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, subiu uma escadaria com um espumante na mão e quebrou a garrafa no casco do S-42, o submarino Tonelero, em Itaguaí, no Rio. A cerimônia foi bonita. Teve discurso de Lula: “Nesse estaleiro de Itaguaí vislumbramos a imensidão do espaço marítimo brasileiro”. Tudo ia bem. Até a hora de pagar a conta.

A festa no lançamento do submarino Tonelero com Janja, Lula e Macron no complexo naval de Itaguaí, no Rio. À direita, o almirante Olsen. Foto: Marinha do Brasil

Um dia depois do encontro entre os presidentes da França, Emmanuel Macron, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no lançamento do Tonelero, a Força Naval teve bloqueados novos recursos do orçamento, atingindo o total de R$ 240 milhões no ano, dos quais 83% eram destinados justamente ao Prosub, o programa estratégico de desenvolvimento de submarinos da Marinha. Ele prevê a construção de quatro embarcações convencionais da classe Scorpène, produzidos em parceria com a França, em Itaguaí. E também a edificação ali da base naval que abrigará o grupo, inclusive uma quinta embarcação, a futura joia da coroa, o Álvaro Alberto, primeiro submarino a propulsão nuclear do País.

Como resultado dos atrasos e cortes e bloqueios de verba do programa, a Itaguaí Construções Navais (ICN) se adaptou à realidade orçamentária e anunciou, rapidamente, em abril, a demissão de 200 trabalhadores engajados na construção dos submarinos. Parte desses homens e mulheres assistiu à festança de Lula, Janja e Macron. “Eu te batizo, submarino Tonelero. Que Deus abençoe esse submarino e todos os marinheiros que aqui navegarem”, disse a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao quebrar a garrafa no casco, na cerimônia do dia 27.

Procurada pela coluna, a Marinha lamentou as demissões na ICN. “Especialmente considerando tratar-se de trabalhadores qualificados no âmbito do Prosub. A redução da mão de obra qualificada do estaleiro construtor traz impacto nos prazos e custos dos submarinos convencionais em construção, bem como na construção do primeiro submarino nuclear convencionalmente armado do Brasil.” A coluna apurou que outros 400 funcionários podem perder o emprego em Itaguaí no segundo semestre se a conta do Prosub não for paga pelo governo. E que conta é essa?

A conta do Prosub e os cálculos da Defesa e do governo

Para entendê-la não bastam os dados só do Prosub, mas de toda a Pasta da Defesa diante da necessidade de o governo fazer os ajustes determinados pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda. A dotação orçamentária da Marinha para 2024, considerando-se o programado apenas para o custeio e para os investimentos – não entram nessa conta o dinheiro das emendas parlamentares que a Força poderá receber, cerca de R$ 190 milhões – é de R$ 3,1 bilhões ou 27% do destinado ao Ministério da Defesa (MD).

No lançamento do Tonelero, Janja foi a madrinha do submarino, durante o evento no complexo Naval de Itaguai, no Rio Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Desse total, R$ 1,01 bilhão estava reservado para o custeio e R$ 2,08 bilhões para investimentos da Força Naval, cujo orçamento total atualizado, segundo o Portal da Transparência, é de R$ 32 bilhões, dos quais R$ 7,77 bilhões comprometidos com aposentadorias e pensões. Os dados mostram que dos R$ 3,1 bilhões programados para custeio e investimentos, a Força teve uma redução de R$ 466,8 milhões (13,1%). Foram R$ 168,9 milhões de recursos de custeio (14,2%), aquele que paga, por exemplo, as contas de água e de luz, e R$ 297,9 milhões reservados para investimento (12,5%).

Parte dessa perda aconteceu em dois cortes. O primeiro ocorreu em março. Ele foi de R$ 168 milhões e atingiu todos os setores da Marinha. O almirantado chegou ao ponto de trabalhar com um cenário de paralisação das atividades da Força em setembro. Logo depois, veio a decisão da Junta de Execução Orçamentária (JEO) do governo de bloquear R$ 446 milhões das despesas discricionárias do Ministério da Defesa. Este, por sua vez, definiu que quase metade desse valor seria absorvido pela Marinha, que entrou com R$ 199,9 milhões para “pagar a conta”, cujo impacto será totalmente absorvido pelo Prosub.

A JEO é um colegiado que reúne quatro ministérios – Fazenda, Planejamento, Gestão e Inovação e Casa Civil. Ele toma suas decisões a partir de informações recebidas dos ministérios em razão das projeções feitas pela Secretaria de Política Econômica, da Fazenda. Um detalhe: o decreto com o bloqueio dos recursos, assinado por Lula e pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), foi publicado no dia 28 de março. Ou seja, enquanto Janja banhava o Tonelero com espumante no dia 27, a JEO tirava a escada debaixo dos pés do governo para futuras festanças em Itaguaí.

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente francês, Emmanuel Macron, no dia 27 de março, rodeados de trabalhadores durante a cerimônia de batismo do submarino Tonelero, no complexo naval de Itaguaí Foto: Marinha do Brasil

Em 10 de abril, a Marinha fez uma reunião extraordinária de seu Conselho Financeiro e Administrativo, que inclui os membros do almirantado, para discutir as consequências do bloqueio de recursos. Antes mesmo de ele ocorrer, a Força já defendia a necessidade de verbas suplementares de R$ 780 milhões para o Prosub. Além da Marinha, o Naval Group, um dos sócios da ICN, temia desde 2023 novos cortes e atrasos.

O governo francês enviou em setembro passado a Brasília o chefe do Estado-Maior de suas Forças Armadas, o brigadeiro Fabien Mandon, para se reunir com o almirante Petrônio Augusto Siqueira de Aguiar, então responsável pela Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM), que cuida do submarino nuclear, a terceira fase do Prosub, cujo contrato pode chegar a R$ 25 bilhões. O atraso desse projeto é apenas uma parte dos prejuízos vislumbrados pelo almirantado e por seus parceiros.

Caso permaneça o cenário atual, o almirantado teme que o Naval Group interrompa o fornecimento de material para a construção do último submarino convencional previsto pelo programa (Angostura). Além disso, arrisca-se o atraso na construção da infraestrutura de apoio ao submarino nuclear, o Complexo de Manutenção Especializada. Pelos cálculos aos quais a coluna teve acesso, cada ano de atraso na edificação do complexo naval de Itaguaí representaria um gasto extra de R$ 150 milhões com manutenção das instalações, apoio operacional e plano básico ambiental.

O submarino Tonelero durante a cerimônia de lançamento da embarcação em Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Na semana passada, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, esteve na base de Aramar, no interior paulista, visitando as instalações onde está sendo contruído o reator do futuro submarino nuclear. Ele tem esperança de que na próxima reunião da JEO, em maio, os bloqueios sejam revistos. Por enquanto, o Prosub já consumiu R$ 50 bilhões em 15 anos – quase uma Itaipu. Para o almirantado, sua inviabilização resultaria em perda não só de recursos, mas em um desastre para o desenvolvimento tecnológico do País.

A palavra do comandante da Marinha e a do Planejamento

Procurado pelo coluna, o almirante Olsen afirmou na sexta-feira: “A imprevisibilidade orçamentária impacta na capacidade de resposta que a Base Industrial de Defesa (BID) precisa ter frente aos desafios de programas estratégicos como o Prosub, que são implementados a longo prazo e envolvem tecnologias na fronteira do conhecimento. Essa imprevisibilidade gera prejuízos de ordem econômica e para o planejamento da Força Naval”. Olsen destacou que o atraso significativo nas entregas dos programas estratégicos pode fazer com que os meios, planejados com itens no estado da arte, sejam entregues com certo grau de obsolescência.

As outras consequências para o programa, de acordo com o almirante, são: “a evasão da mão de obra qualificada, o que afeta diretamente a execução dos programas estratégicos, por se tratar de pessoal especializado pouco disponível no mercado, e a necessidade de renegociação dos compromissos assumidos, o que onera os custos finais dos contratos”. Olsen lembrou que, apenas no Prosub, “são gerados 63 mil empregos – o programa conta ainda com a participação de 700 empresas nacionais e de 23 universidades”.

O submarino Tonelero no dia de seu lançamento no complexo naval de Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Enquanto a Marinha lamentava as demissões, o Ministério do Planejamento informava que o bloqueio de R$ 2,9 bilhões de despesas discricionárias feito pela JEO ocorreu porque a previsão, em março, para as despesas obrigatórias do governo ultrapassara o seu limite anual. “Não foi anunciado contingenciamento, pois a meta de resultado primário para o ano não estava em risco.” A Pasta informou ainda que “bloqueios sempre podem ser revistos, a depender da evolução das projeções para a despesa no próximo relatório”.

Mas não existe, por enquanto, nenhuma previsão de revisão dos bloqueios. O Planejamento informou também que as decisões de bloqueio são sempre tomadas em nível global, por ministério. “Determinado o valor geral a ser bloqueado por ministério, cabe a cada um deles decidir onde exatamente dentro deles serão efetuados esses bloqueios. A JEO não tem interferência nessa decisão. E, inclusive, os ministérios depois podem trocar esses ‘lugares’ específicos dentro deles onde serão feitos os bloqueios.”

Ou seja, a briga em torno do Prosub pode se transferir de lugar na Esplanada, deixando a JEO para entrar nos escaninhos da Defesa. Enquanto isso, no quartel-general do Exército, o Estado-Maior da Força procurava se virar com a nova realidade, vista pelos generais como a do “pior orçamento da década”. Os bloqueios na Força Terrestre não devem, no entanto, interromper nenhum de seus projetos estratégicos, nem mesmo o fornecimento de comida aos recrutas nos quartéis, pois ele agora é um gasto obrigatório.

Os generais tiveram R$ 180 milhões bloqueados, o que resultou em um corte linear de 20% de todos os projetos que não estão incluídos no novo PAC. O cobertor é curto no governo. Mesmo assim, a Força Terrestre espera que o MD tenha sucesso em obter a maior parte dos R$ 2,8 bilhões extras que o ministério pleiteia, R$ 880 milhões dos quais para o Exército. E, assim, a disputa pelo dinheiro ameaça apressar as discussões sobre a reorganização e as prioridades de investimento das Forças.

Blindados EE-9 Cascavel em Roraima durante exercício da 1ª Brigada de Infantaria de Selva; esquadrão foi transformado em regimento; Exército teve de cortar 20% dos gastos de seus programas Foto: Exército Brasileiro

Há uma luta interna na Defesa. Força Aérea e Marinha se ressentem dos efeitos do governo Bolsonaro, que aumentou a parcela de investimentos destinados ao Exército. Eis outra razão para todos pressionarem o Congresso pela aprovação da PEC, que garante às Forças uma parcela do orçamento equivalente a 2% do PIB. Em jogo, não estão só as concepções de defesa, mas também o prestígio das instituições, o desenvolvimento de tecnologias sensíveis para o País e o discurso – e a discricionaridade – do governo.

China, Estados Unidos e outras potências extrarregionais intensificaram sua presença no Atlântico Sul, o que aumenta a necessidade do Brasil de dissuasão. Ao norte, a ameaça vem da Venezuela, que ensaia tomar Essequibo da Guiana. Há muito o mundo militar se ressente da falta de interesse do País nos temas da Defesa, como se a caserna fosse capaz de despertar a atenção apenas das vivandeiras e pelos maus motivos.

No dia da festança em Itaguaí, Lula disse em seu discurso: “Noventa e cinco por cento do comércio exterior brasileiro transita pelo Atlântico Sul. Da Amazônia azul retiramos 85% do petróleo e 45% do pescado produzido no País. Nós temos de nos preocupar com a nossa defesa, não porque nós queremos guerra. A defesa é para quem quer paz, porque um país do tamanho do Brasil precisa ter Forças Armadas altamente qualificadas e altamente preparadas a ponto de dar reposta, de garantir a paz”.

Fazer festa todo mundo gosta. Lula, Janja e Macron participaram de uma dessas no dia 27 de março, quando a primeira-dama, acompanhada pelo comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, subiu uma escadaria com um espumante na mão e quebrou a garrafa no casco do S-42, o submarino Tonelero, em Itaguaí, no Rio. A cerimônia foi bonita. Teve discurso de Lula: “Nesse estaleiro de Itaguaí vislumbramos a imensidão do espaço marítimo brasileiro”. Tudo ia bem. Até a hora de pagar a conta.

A festa no lançamento do submarino Tonelero com Janja, Lula e Macron no complexo naval de Itaguaí, no Rio. À direita, o almirante Olsen. Foto: Marinha do Brasil

Um dia depois do encontro entre os presidentes da França, Emmanuel Macron, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no lançamento do Tonelero, a Força Naval teve bloqueados novos recursos do orçamento, atingindo o total de R$ 240 milhões no ano, dos quais 83% eram destinados justamente ao Prosub, o programa estratégico de desenvolvimento de submarinos da Marinha. Ele prevê a construção de quatro embarcações convencionais da classe Scorpène, produzidos em parceria com a França, em Itaguaí. E também a edificação ali da base naval que abrigará o grupo, inclusive uma quinta embarcação, a futura joia da coroa, o Álvaro Alberto, primeiro submarino a propulsão nuclear do País.

Como resultado dos atrasos e cortes e bloqueios de verba do programa, a Itaguaí Construções Navais (ICN) se adaptou à realidade orçamentária e anunciou, rapidamente, em abril, a demissão de 200 trabalhadores engajados na construção dos submarinos. Parte desses homens e mulheres assistiu à festança de Lula, Janja e Macron. “Eu te batizo, submarino Tonelero. Que Deus abençoe esse submarino e todos os marinheiros que aqui navegarem”, disse a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao quebrar a garrafa no casco, na cerimônia do dia 27.

Procurada pela coluna, a Marinha lamentou as demissões na ICN. “Especialmente considerando tratar-se de trabalhadores qualificados no âmbito do Prosub. A redução da mão de obra qualificada do estaleiro construtor traz impacto nos prazos e custos dos submarinos convencionais em construção, bem como na construção do primeiro submarino nuclear convencionalmente armado do Brasil.” A coluna apurou que outros 400 funcionários podem perder o emprego em Itaguaí no segundo semestre se a conta do Prosub não for paga pelo governo. E que conta é essa?

A conta do Prosub e os cálculos da Defesa e do governo

Para entendê-la não bastam os dados só do Prosub, mas de toda a Pasta da Defesa diante da necessidade de o governo fazer os ajustes determinados pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda. A dotação orçamentária da Marinha para 2024, considerando-se o programado apenas para o custeio e para os investimentos – não entram nessa conta o dinheiro das emendas parlamentares que a Força poderá receber, cerca de R$ 190 milhões – é de R$ 3,1 bilhões ou 27% do destinado ao Ministério da Defesa (MD).

No lançamento do Tonelero, Janja foi a madrinha do submarino, durante o evento no complexo Naval de Itaguai, no Rio Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Desse total, R$ 1,01 bilhão estava reservado para o custeio e R$ 2,08 bilhões para investimentos da Força Naval, cujo orçamento total atualizado, segundo o Portal da Transparência, é de R$ 32 bilhões, dos quais R$ 7,77 bilhões comprometidos com aposentadorias e pensões. Os dados mostram que dos R$ 3,1 bilhões programados para custeio e investimentos, a Força teve uma redução de R$ 466,8 milhões (13,1%). Foram R$ 168,9 milhões de recursos de custeio (14,2%), aquele que paga, por exemplo, as contas de água e de luz, e R$ 297,9 milhões reservados para investimento (12,5%).

Parte dessa perda aconteceu em dois cortes. O primeiro ocorreu em março. Ele foi de R$ 168 milhões e atingiu todos os setores da Marinha. O almirantado chegou ao ponto de trabalhar com um cenário de paralisação das atividades da Força em setembro. Logo depois, veio a decisão da Junta de Execução Orçamentária (JEO) do governo de bloquear R$ 446 milhões das despesas discricionárias do Ministério da Defesa. Este, por sua vez, definiu que quase metade desse valor seria absorvido pela Marinha, que entrou com R$ 199,9 milhões para “pagar a conta”, cujo impacto será totalmente absorvido pelo Prosub.

A JEO é um colegiado que reúne quatro ministérios – Fazenda, Planejamento, Gestão e Inovação e Casa Civil. Ele toma suas decisões a partir de informações recebidas dos ministérios em razão das projeções feitas pela Secretaria de Política Econômica, da Fazenda. Um detalhe: o decreto com o bloqueio dos recursos, assinado por Lula e pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), foi publicado no dia 28 de março. Ou seja, enquanto Janja banhava o Tonelero com espumante no dia 27, a JEO tirava a escada debaixo dos pés do governo para futuras festanças em Itaguaí.

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente francês, Emmanuel Macron, no dia 27 de março, rodeados de trabalhadores durante a cerimônia de batismo do submarino Tonelero, no complexo naval de Itaguaí Foto: Marinha do Brasil

Em 10 de abril, a Marinha fez uma reunião extraordinária de seu Conselho Financeiro e Administrativo, que inclui os membros do almirantado, para discutir as consequências do bloqueio de recursos. Antes mesmo de ele ocorrer, a Força já defendia a necessidade de verbas suplementares de R$ 780 milhões para o Prosub. Além da Marinha, o Naval Group, um dos sócios da ICN, temia desde 2023 novos cortes e atrasos.

O governo francês enviou em setembro passado a Brasília o chefe do Estado-Maior de suas Forças Armadas, o brigadeiro Fabien Mandon, para se reunir com o almirante Petrônio Augusto Siqueira de Aguiar, então responsável pela Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM), que cuida do submarino nuclear, a terceira fase do Prosub, cujo contrato pode chegar a R$ 25 bilhões. O atraso desse projeto é apenas uma parte dos prejuízos vislumbrados pelo almirantado e por seus parceiros.

Caso permaneça o cenário atual, o almirantado teme que o Naval Group interrompa o fornecimento de material para a construção do último submarino convencional previsto pelo programa (Angostura). Além disso, arrisca-se o atraso na construção da infraestrutura de apoio ao submarino nuclear, o Complexo de Manutenção Especializada. Pelos cálculos aos quais a coluna teve acesso, cada ano de atraso na edificação do complexo naval de Itaguaí representaria um gasto extra de R$ 150 milhões com manutenção das instalações, apoio operacional e plano básico ambiental.

O submarino Tonelero durante a cerimônia de lançamento da embarcação em Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Na semana passada, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, esteve na base de Aramar, no interior paulista, visitando as instalações onde está sendo contruído o reator do futuro submarino nuclear. Ele tem esperança de que na próxima reunião da JEO, em maio, os bloqueios sejam revistos. Por enquanto, o Prosub já consumiu R$ 50 bilhões em 15 anos – quase uma Itaipu. Para o almirantado, sua inviabilização resultaria em perda não só de recursos, mas em um desastre para o desenvolvimento tecnológico do País.

A palavra do comandante da Marinha e a do Planejamento

Procurado pelo coluna, o almirante Olsen afirmou na sexta-feira: “A imprevisibilidade orçamentária impacta na capacidade de resposta que a Base Industrial de Defesa (BID) precisa ter frente aos desafios de programas estratégicos como o Prosub, que são implementados a longo prazo e envolvem tecnologias na fronteira do conhecimento. Essa imprevisibilidade gera prejuízos de ordem econômica e para o planejamento da Força Naval”. Olsen destacou que o atraso significativo nas entregas dos programas estratégicos pode fazer com que os meios, planejados com itens no estado da arte, sejam entregues com certo grau de obsolescência.

As outras consequências para o programa, de acordo com o almirante, são: “a evasão da mão de obra qualificada, o que afeta diretamente a execução dos programas estratégicos, por se tratar de pessoal especializado pouco disponível no mercado, e a necessidade de renegociação dos compromissos assumidos, o que onera os custos finais dos contratos”. Olsen lembrou que, apenas no Prosub, “são gerados 63 mil empregos – o programa conta ainda com a participação de 700 empresas nacionais e de 23 universidades”.

O submarino Tonelero no dia de seu lançamento no complexo naval de Itaguaí, no Rio Foto: Marinha do Brasil

Enquanto a Marinha lamentava as demissões, o Ministério do Planejamento informava que o bloqueio de R$ 2,9 bilhões de despesas discricionárias feito pela JEO ocorreu porque a previsão, em março, para as despesas obrigatórias do governo ultrapassara o seu limite anual. “Não foi anunciado contingenciamento, pois a meta de resultado primário para o ano não estava em risco.” A Pasta informou ainda que “bloqueios sempre podem ser revistos, a depender da evolução das projeções para a despesa no próximo relatório”.

Mas não existe, por enquanto, nenhuma previsão de revisão dos bloqueios. O Planejamento informou também que as decisões de bloqueio são sempre tomadas em nível global, por ministério. “Determinado o valor geral a ser bloqueado por ministério, cabe a cada um deles decidir onde exatamente dentro deles serão efetuados esses bloqueios. A JEO não tem interferência nessa decisão. E, inclusive, os ministérios depois podem trocar esses ‘lugares’ específicos dentro deles onde serão feitos os bloqueios.”

Ou seja, a briga em torno do Prosub pode se transferir de lugar na Esplanada, deixando a JEO para entrar nos escaninhos da Defesa. Enquanto isso, no quartel-general do Exército, o Estado-Maior da Força procurava se virar com a nova realidade, vista pelos generais como a do “pior orçamento da década”. Os bloqueios na Força Terrestre não devem, no entanto, interromper nenhum de seus projetos estratégicos, nem mesmo o fornecimento de comida aos recrutas nos quartéis, pois ele agora é um gasto obrigatório.

Os generais tiveram R$ 180 milhões bloqueados, o que resultou em um corte linear de 20% de todos os projetos que não estão incluídos no novo PAC. O cobertor é curto no governo. Mesmo assim, a Força Terrestre espera que o MD tenha sucesso em obter a maior parte dos R$ 2,8 bilhões extras que o ministério pleiteia, R$ 880 milhões dos quais para o Exército. E, assim, a disputa pelo dinheiro ameaça apressar as discussões sobre a reorganização e as prioridades de investimento das Forças.

Blindados EE-9 Cascavel em Roraima durante exercício da 1ª Brigada de Infantaria de Selva; esquadrão foi transformado em regimento; Exército teve de cortar 20% dos gastos de seus programas Foto: Exército Brasileiro

Há uma luta interna na Defesa. Força Aérea e Marinha se ressentem dos efeitos do governo Bolsonaro, que aumentou a parcela de investimentos destinados ao Exército. Eis outra razão para todos pressionarem o Congresso pela aprovação da PEC, que garante às Forças uma parcela do orçamento equivalente a 2% do PIB. Em jogo, não estão só as concepções de defesa, mas também o prestígio das instituições, o desenvolvimento de tecnologias sensíveis para o País e o discurso – e a discricionaridade – do governo.

China, Estados Unidos e outras potências extrarregionais intensificaram sua presença no Atlântico Sul, o que aumenta a necessidade do Brasil de dissuasão. Ao norte, a ameaça vem da Venezuela, que ensaia tomar Essequibo da Guiana. Há muito o mundo militar se ressente da falta de interesse do País nos temas da Defesa, como se a caserna fosse capaz de despertar a atenção apenas das vivandeiras e pelos maus motivos.

No dia da festança em Itaguaí, Lula disse em seu discurso: “Noventa e cinco por cento do comércio exterior brasileiro transita pelo Atlântico Sul. Da Amazônia azul retiramos 85% do petróleo e 45% do pescado produzido no País. Nós temos de nos preocupar com a nossa defesa, não porque nós queremos guerra. A defesa é para quem quer paz, porque um país do tamanho do Brasil precisa ter Forças Armadas altamente qualificadas e altamente preparadas a ponto de dar reposta, de garantir a paz”.

Análise por Marcelo Godoy

Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.