As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Opinião|Depois do ‘tiro de misericórdia’ de general, Bolsonaro recebe a ‘pá de cal’ de brigadeiro


Depoimentos à PF mostram indícios de que operação psicológica de militares era parte do golpe; 8 de janeiro foi o ‘plano B’ para driblar oposição dos chefes do Exército e da FAB e trazer ex-presidente de volta nos braços do povo

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Se o depoimento do general Freire Gomes era visto como o tiro de misericórdia em Jair Bolsonaro, o do ex-comandante da FAB, o brigadeiro Baptista Junior, é a pá de cal. A análise dos dois exibe o cenário, o caminho das investigações da Polícia Federal sobre o golpe. Elas mostram cada vez mais que as publicações nas redes sociais e as ações de militares das Forças Especiais estavam umbilicalmente ligadas. E tinham o aspecto de uma operação psicológica (Op Psico), com o objetivo preparar o terreno para a aceitação do golpe, o cancelamento das eleições e a adesão da maior parte das Forças Armadas ao projeto de manter Jair Bolsonaro no poder após o dia 1.º de janeiro.

Policiais Federais deixam o edifício do Brasil-21 em Brasília DF , local que fica a sede do partido do PL durante a Operação Tempus Veritatis.  Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A 3.ª edição do Manual de Campanha de Operações Psicológicas, publicado em 1999 pelo Exército, diz: “As Op Psico constituem uma parte essencial do poder. Os chefes militares e políticos das nações têm utilizado, quer na paz, quer na guerra, as Op Psico como forma de persuasão ao longo da história.” Ele prossegue e define as tais operações. “É o conjunto de ações de qualquer natureza, destinadas a influir nas emoções, nas atitudes e nas opiniões de um grupo social, com a finalidade de obter comportamentos pré-determinados’'. “Tais ações variam desde as mais simples e aparentemente banais até as mais complexas, como as realizadas em apoio às operações militares, envolvendo um volume considerável de recursos humanos e materiais.”

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Campanhas psicológicas permanentes patrocinadas pelos mais variados interesses têm sido a marca do nosso tempo. O documento afirma que a “facilidade de acesso aos meios de comunicação de massa, globalizados e de alta tecnologia, possibilitou a grupos de pessoas, empresas e até mesmo indivíduos isolados patrocinar campanhas psicológicas de motivações as mais variadas”. E conclui: “Nesse contexto, a opinião pública assume papel relevante na tomada de decisão nos níveis político, governamental ou militar.”

O Comando de Operações Especiais de Goiânia, cuja tropa seria usada para prender o ministro Alexandre de Moraes, é justamente quem controla o 1.º Batalhão de Operações Psicológicas (1º Btl Op Psic). Seu comandante, o tenente-coronel Guilherme Marques Almeida foi um dos oficiais que receberam em casa a visita da Polícia Federal, durante a Operação Tempus Veritatis. Afastado do comando, Almeida e a maioria dos demais oficiais investigados são homens com curso de Forças Especiais.

O presidente da República, Jair Bolsonaro participa das comemorações do Dia do Soldado, no Quartel-General do Exército, em Brasília, ao lado dos comandantes das Forças (da esq. para dir.), general Freire Gomes, almiurante Almir Garnier e brigadeiro Carlos Baptista Júnior Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
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As revelações da Polícia Federal e as perguntas feitas pelos investigadores aos comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior, mostram a clara ligação entre o Palácio do Planalto e as ações nas redes sociais contra os generais. Os ataques aos oficiais generais que se opunham ao golpe eram feitos pelo blogueiro Paulo Figueiredo, personagem próximo então do tenente-coronel Mauro Cid e de figuras como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Tão próximo que teria participado até mesmo da operação para tentar recuperar as joias da presidência vendidas pelo ex-presidente nos EUA, onde Figueiredo mora.

As perguntas feitas aos comandantes mostram ainda que a cada reação dos comandantes se intensificava a campanha de difamação com o claro objetivo de dividir as Forças Armadas, desacreditar os comandantes diante da tropa e, assim, insuflar a quebra da hierarquia, com a adesão de coronéis ao golpe, passando por cima dos generais. Repetia-se aqui a manobra da Linha Dura, cujos coronéis insatisfeitos com a eleição de Negrão de Lima para o governo da Guanabara, tentaram prendê-lo em 1965 e forçaram a edição do AI-2.

O que a PF apura é que a tentativa de golpe não se esgotou com a posse de Lula. O mesmo centro coordenador atuou com o plano B. Com a recusa dos comandantes se mantendo até o fim, os bolsonaristas criaram a Festa da Selma, o plano B do golpe. Queriam ocupar os palácios para que Bolsonaro voltasse dos EUA “nos braços do povo”. Desta vez, o modelo era Sri Lanka, Em 13 de maio de 2022, o presidente, Gotabaya Rajapaksa, fugiu do país após manifestantes terem invadido sua residência oficial e incendiado a casa do primeiro-ministro Ranil Wickremasinghe.

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O General Gustavo Dutra de Menezes durante o seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos em andamento na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) Foto: WILTON JUNIOR

A coluna consultou generais. A ideia da existência de uma operação psicológica, interligando os fatos e os personagens deixou de ser uma “teoria da conspiração”, uma mera ilação para adquirir a forma de uma suspeita baseada em indícios. Os generais citam fatos que indicariam a permanência da operação mesmo depois do fracasso da intentona de 8 de janeiro de 2023.

Um dos eventos foi a campanha nas redes sociais desfechada contra o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, atual subchefe do Estado-Maior do Exército e ex-comandante militar do Planalto, após seu depoimento à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Distrital. Um dias após o general depor foi desfechada uma ação de linchamento moral contra o oficial. Ou seja, a mesma estrutura usada para criar circunstâncias que justificassem o golpe passou a ser utilizada pelos que buscavam tumultuar a apuração dos fatos e garantir a impunidade dos implicados na trama golpista.

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Os generais aguardam com curiosidade o que mais foi descoberto nas apreensões feitas pela PF com os alvos militares da Operação Tempus Veritatis. Têm especial atenção aos dados das reuniões clandestinas de coronéis em Brasília. Não só pelo fato constituir em si crime militar segundo o código penal castrense, mas também para saber a extensão da ousadia de camaradas que faltaram com o dever de lealdade com seus comandantes, colocando seus interesses pessoais e ideológicos acima da instituição.

Mas, além dos depoimetos e provas, é a doutrina das Operações Psicológicas que liga pontos distintos como o documento produzido pelo Instituto Voto-Legal (IVL) à ação do influenciador bolsonarista argentino Fernando Cerimedo, que denunciava fraudes nas urnas eletrônicas após a vitória de Lula. Ou à ação do coronel Marcelo Câmara tentando influenciar o coronel da FAB Wagner Oliveira da Silva, da Comissão de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação.

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que segundo o então comandante da Força Aérea, Baptista Junior, foi lhe pedir apoio para o golpe Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO
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Cada ação era sempre acompanhada de ataques aos generais nas redes sociais, diante de suas casas ou de protestos em frente aos quartéis alimentados pela cúpula bolsonarista. Tudo para fazer crer à Nação que o povo não aceitava o resultado do voto e queria a intervenção militar. Essa operação era complementada pelo comportamento de expoentes do bolsonarismo, como o general Braga Netto.

Ou ainda, segundo a PF, pela ação dos deputados federais Eduardo Pazuello (PL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP). Esta última abordou o brigadeiro Baptista Junior em São José dos Campos para tentar convencê-lo a participar do golpe. “Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade”. No relato de Baptista Junior, o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, ameaçou Bolsonaro com a prisão ao ouvir a proposta da golpe.

Toda a sequência de fatos e da dinâmica golpista foi narrada por Baptista Junior, o chefe de Força singular que por muito tempo foi tratado como o mais bolsonarista dos oficiais generais. Ele era o homem que no começo do governo despertava entusiasmo nos assessores do gabinete do presidente. Votara em 2018 em Bolsonaro e para deputado distrital ajudou a eleger Bia Kicis (PL-DF). E usava as redes sociais para elogiar o governo e o presidente e criticar a oposição.

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É no depoimento dele que desfila o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Oliveira exibindo aos chefes militares a minuta do golpe, para a indignação do brigadeiro. Ali está a conversa com o general Augusto Heleno, quando o brigadeiro diz categoricamente, para o espanto do ministro-chefe do GSI, que a FAB era contra o golpe, bem como as armações do IVL e as tramas de Bolsonaro para melar o resultado das urnas. O que fez Baptista Junior se comportar desta forma na hora adversa da República?

Ao ser questionado sobre as vésperas do golpe de 1964, o general Amaury Kruel, cujas tropas do 2º Exército foram decisivas para enterrar de vez o governo de João Goulart, diferenciou o que chamava de “conversas” e de “conspiração”. Até um mês antes da derrubada de Goulart, havia, segundo ele, apenas conversas. Depois da rebelião dos marujos, no Rio, conspirou-se. Um militar sabe muito bem a diferença entre uma coisa e outra. Ela é a diferença que existe entre o mero pensamento e a prática de um crime.

Se o depoimento do general Freire Gomes era visto como o tiro de misericórdia em Jair Bolsonaro, o do ex-comandante da FAB, o brigadeiro Baptista Junior, é a pá de cal. A análise dos dois exibe o cenário, o caminho das investigações da Polícia Federal sobre o golpe. Elas mostram cada vez mais que as publicações nas redes sociais e as ações de militares das Forças Especiais estavam umbilicalmente ligadas. E tinham o aspecto de uma operação psicológica (Op Psico), com o objetivo preparar o terreno para a aceitação do golpe, o cancelamento das eleições e a adesão da maior parte das Forças Armadas ao projeto de manter Jair Bolsonaro no poder após o dia 1.º de janeiro.

Policiais Federais deixam o edifício do Brasil-21 em Brasília DF , local que fica a sede do partido do PL durante a Operação Tempus Veritatis.  Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A 3.ª edição do Manual de Campanha de Operações Psicológicas, publicado em 1999 pelo Exército, diz: “As Op Psico constituem uma parte essencial do poder. Os chefes militares e políticos das nações têm utilizado, quer na paz, quer na guerra, as Op Psico como forma de persuasão ao longo da história.” Ele prossegue e define as tais operações. “É o conjunto de ações de qualquer natureza, destinadas a influir nas emoções, nas atitudes e nas opiniões de um grupo social, com a finalidade de obter comportamentos pré-determinados’'. “Tais ações variam desde as mais simples e aparentemente banais até as mais complexas, como as realizadas em apoio às operações militares, envolvendo um volume considerável de recursos humanos e materiais.”

Campanhas psicológicas permanentes patrocinadas pelos mais variados interesses têm sido a marca do nosso tempo. O documento afirma que a “facilidade de acesso aos meios de comunicação de massa, globalizados e de alta tecnologia, possibilitou a grupos de pessoas, empresas e até mesmo indivíduos isolados patrocinar campanhas psicológicas de motivações as mais variadas”. E conclui: “Nesse contexto, a opinião pública assume papel relevante na tomada de decisão nos níveis político, governamental ou militar.”

O Comando de Operações Especiais de Goiânia, cuja tropa seria usada para prender o ministro Alexandre de Moraes, é justamente quem controla o 1.º Batalhão de Operações Psicológicas (1º Btl Op Psic). Seu comandante, o tenente-coronel Guilherme Marques Almeida foi um dos oficiais que receberam em casa a visita da Polícia Federal, durante a Operação Tempus Veritatis. Afastado do comando, Almeida e a maioria dos demais oficiais investigados são homens com curso de Forças Especiais.

O presidente da República, Jair Bolsonaro participa das comemorações do Dia do Soldado, no Quartel-General do Exército, em Brasília, ao lado dos comandantes das Forças (da esq. para dir.), general Freire Gomes, almiurante Almir Garnier e brigadeiro Carlos Baptista Júnior Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

As revelações da Polícia Federal e as perguntas feitas pelos investigadores aos comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior, mostram a clara ligação entre o Palácio do Planalto e as ações nas redes sociais contra os generais. Os ataques aos oficiais generais que se opunham ao golpe eram feitos pelo blogueiro Paulo Figueiredo, personagem próximo então do tenente-coronel Mauro Cid e de figuras como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Tão próximo que teria participado até mesmo da operação para tentar recuperar as joias da presidência vendidas pelo ex-presidente nos EUA, onde Figueiredo mora.

As perguntas feitas aos comandantes mostram ainda que a cada reação dos comandantes se intensificava a campanha de difamação com o claro objetivo de dividir as Forças Armadas, desacreditar os comandantes diante da tropa e, assim, insuflar a quebra da hierarquia, com a adesão de coronéis ao golpe, passando por cima dos generais. Repetia-se aqui a manobra da Linha Dura, cujos coronéis insatisfeitos com a eleição de Negrão de Lima para o governo da Guanabara, tentaram prendê-lo em 1965 e forçaram a edição do AI-2.

O que a PF apura é que a tentativa de golpe não se esgotou com a posse de Lula. O mesmo centro coordenador atuou com o plano B. Com a recusa dos comandantes se mantendo até o fim, os bolsonaristas criaram a Festa da Selma, o plano B do golpe. Queriam ocupar os palácios para que Bolsonaro voltasse dos EUA “nos braços do povo”. Desta vez, o modelo era Sri Lanka, Em 13 de maio de 2022, o presidente, Gotabaya Rajapaksa, fugiu do país após manifestantes terem invadido sua residência oficial e incendiado a casa do primeiro-ministro Ranil Wickremasinghe.

O General Gustavo Dutra de Menezes durante o seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos em andamento na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) Foto: WILTON JUNIOR

A coluna consultou generais. A ideia da existência de uma operação psicológica, interligando os fatos e os personagens deixou de ser uma “teoria da conspiração”, uma mera ilação para adquirir a forma de uma suspeita baseada em indícios. Os generais citam fatos que indicariam a permanência da operação mesmo depois do fracasso da intentona de 8 de janeiro de 2023.

Um dos eventos foi a campanha nas redes sociais desfechada contra o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, atual subchefe do Estado-Maior do Exército e ex-comandante militar do Planalto, após seu depoimento à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Distrital. Um dias após o general depor foi desfechada uma ação de linchamento moral contra o oficial. Ou seja, a mesma estrutura usada para criar circunstâncias que justificassem o golpe passou a ser utilizada pelos que buscavam tumultuar a apuração dos fatos e garantir a impunidade dos implicados na trama golpista.

Os generais aguardam com curiosidade o que mais foi descoberto nas apreensões feitas pela PF com os alvos militares da Operação Tempus Veritatis. Têm especial atenção aos dados das reuniões clandestinas de coronéis em Brasília. Não só pelo fato constituir em si crime militar segundo o código penal castrense, mas também para saber a extensão da ousadia de camaradas que faltaram com o dever de lealdade com seus comandantes, colocando seus interesses pessoais e ideológicos acima da instituição.

Mas, além dos depoimetos e provas, é a doutrina das Operações Psicológicas que liga pontos distintos como o documento produzido pelo Instituto Voto-Legal (IVL) à ação do influenciador bolsonarista argentino Fernando Cerimedo, que denunciava fraudes nas urnas eletrônicas após a vitória de Lula. Ou à ação do coronel Marcelo Câmara tentando influenciar o coronel da FAB Wagner Oliveira da Silva, da Comissão de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação.

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que segundo o então comandante da Força Aérea, Baptista Junior, foi lhe pedir apoio para o golpe Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Cada ação era sempre acompanhada de ataques aos generais nas redes sociais, diante de suas casas ou de protestos em frente aos quartéis alimentados pela cúpula bolsonarista. Tudo para fazer crer à Nação que o povo não aceitava o resultado do voto e queria a intervenção militar. Essa operação era complementada pelo comportamento de expoentes do bolsonarismo, como o general Braga Netto.

Ou ainda, segundo a PF, pela ação dos deputados federais Eduardo Pazuello (PL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP). Esta última abordou o brigadeiro Baptista Junior em São José dos Campos para tentar convencê-lo a participar do golpe. “Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade”. No relato de Baptista Junior, o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, ameaçou Bolsonaro com a prisão ao ouvir a proposta da golpe.

Toda a sequência de fatos e da dinâmica golpista foi narrada por Baptista Junior, o chefe de Força singular que por muito tempo foi tratado como o mais bolsonarista dos oficiais generais. Ele era o homem que no começo do governo despertava entusiasmo nos assessores do gabinete do presidente. Votara em 2018 em Bolsonaro e para deputado distrital ajudou a eleger Bia Kicis (PL-DF). E usava as redes sociais para elogiar o governo e o presidente e criticar a oposição.

É no depoimento dele que desfila o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Oliveira exibindo aos chefes militares a minuta do golpe, para a indignação do brigadeiro. Ali está a conversa com o general Augusto Heleno, quando o brigadeiro diz categoricamente, para o espanto do ministro-chefe do GSI, que a FAB era contra o golpe, bem como as armações do IVL e as tramas de Bolsonaro para melar o resultado das urnas. O que fez Baptista Junior se comportar desta forma na hora adversa da República?

Ao ser questionado sobre as vésperas do golpe de 1964, o general Amaury Kruel, cujas tropas do 2º Exército foram decisivas para enterrar de vez o governo de João Goulart, diferenciou o que chamava de “conversas” e de “conspiração”. Até um mês antes da derrubada de Goulart, havia, segundo ele, apenas conversas. Depois da rebelião dos marujos, no Rio, conspirou-se. Um militar sabe muito bem a diferença entre uma coisa e outra. Ela é a diferença que existe entre o mero pensamento e a prática de um crime.

Se o depoimento do general Freire Gomes era visto como o tiro de misericórdia em Jair Bolsonaro, o do ex-comandante da FAB, o brigadeiro Baptista Junior, é a pá de cal. A análise dos dois exibe o cenário, o caminho das investigações da Polícia Federal sobre o golpe. Elas mostram cada vez mais que as publicações nas redes sociais e as ações de militares das Forças Especiais estavam umbilicalmente ligadas. E tinham o aspecto de uma operação psicológica (Op Psico), com o objetivo preparar o terreno para a aceitação do golpe, o cancelamento das eleições e a adesão da maior parte das Forças Armadas ao projeto de manter Jair Bolsonaro no poder após o dia 1.º de janeiro.

Policiais Federais deixam o edifício do Brasil-21 em Brasília DF , local que fica a sede do partido do PL durante a Operação Tempus Veritatis.  Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A 3.ª edição do Manual de Campanha de Operações Psicológicas, publicado em 1999 pelo Exército, diz: “As Op Psico constituem uma parte essencial do poder. Os chefes militares e políticos das nações têm utilizado, quer na paz, quer na guerra, as Op Psico como forma de persuasão ao longo da história.” Ele prossegue e define as tais operações. “É o conjunto de ações de qualquer natureza, destinadas a influir nas emoções, nas atitudes e nas opiniões de um grupo social, com a finalidade de obter comportamentos pré-determinados’'. “Tais ações variam desde as mais simples e aparentemente banais até as mais complexas, como as realizadas em apoio às operações militares, envolvendo um volume considerável de recursos humanos e materiais.”

Campanhas psicológicas permanentes patrocinadas pelos mais variados interesses têm sido a marca do nosso tempo. O documento afirma que a “facilidade de acesso aos meios de comunicação de massa, globalizados e de alta tecnologia, possibilitou a grupos de pessoas, empresas e até mesmo indivíduos isolados patrocinar campanhas psicológicas de motivações as mais variadas”. E conclui: “Nesse contexto, a opinião pública assume papel relevante na tomada de decisão nos níveis político, governamental ou militar.”

O Comando de Operações Especiais de Goiânia, cuja tropa seria usada para prender o ministro Alexandre de Moraes, é justamente quem controla o 1.º Batalhão de Operações Psicológicas (1º Btl Op Psic). Seu comandante, o tenente-coronel Guilherme Marques Almeida foi um dos oficiais que receberam em casa a visita da Polícia Federal, durante a Operação Tempus Veritatis. Afastado do comando, Almeida e a maioria dos demais oficiais investigados são homens com curso de Forças Especiais.

O presidente da República, Jair Bolsonaro participa das comemorações do Dia do Soldado, no Quartel-General do Exército, em Brasília, ao lado dos comandantes das Forças (da esq. para dir.), general Freire Gomes, almiurante Almir Garnier e brigadeiro Carlos Baptista Júnior Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

As revelações da Polícia Federal e as perguntas feitas pelos investigadores aos comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior, mostram a clara ligação entre o Palácio do Planalto e as ações nas redes sociais contra os generais. Os ataques aos oficiais generais que se opunham ao golpe eram feitos pelo blogueiro Paulo Figueiredo, personagem próximo então do tenente-coronel Mauro Cid e de figuras como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Tão próximo que teria participado até mesmo da operação para tentar recuperar as joias da presidência vendidas pelo ex-presidente nos EUA, onde Figueiredo mora.

As perguntas feitas aos comandantes mostram ainda que a cada reação dos comandantes se intensificava a campanha de difamação com o claro objetivo de dividir as Forças Armadas, desacreditar os comandantes diante da tropa e, assim, insuflar a quebra da hierarquia, com a adesão de coronéis ao golpe, passando por cima dos generais. Repetia-se aqui a manobra da Linha Dura, cujos coronéis insatisfeitos com a eleição de Negrão de Lima para o governo da Guanabara, tentaram prendê-lo em 1965 e forçaram a edição do AI-2.

O que a PF apura é que a tentativa de golpe não se esgotou com a posse de Lula. O mesmo centro coordenador atuou com o plano B. Com a recusa dos comandantes se mantendo até o fim, os bolsonaristas criaram a Festa da Selma, o plano B do golpe. Queriam ocupar os palácios para que Bolsonaro voltasse dos EUA “nos braços do povo”. Desta vez, o modelo era Sri Lanka, Em 13 de maio de 2022, o presidente, Gotabaya Rajapaksa, fugiu do país após manifestantes terem invadido sua residência oficial e incendiado a casa do primeiro-ministro Ranil Wickremasinghe.

O General Gustavo Dutra de Menezes durante o seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos em andamento na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) Foto: WILTON JUNIOR

A coluna consultou generais. A ideia da existência de uma operação psicológica, interligando os fatos e os personagens deixou de ser uma “teoria da conspiração”, uma mera ilação para adquirir a forma de uma suspeita baseada em indícios. Os generais citam fatos que indicariam a permanência da operação mesmo depois do fracasso da intentona de 8 de janeiro de 2023.

Um dos eventos foi a campanha nas redes sociais desfechada contra o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, atual subchefe do Estado-Maior do Exército e ex-comandante militar do Planalto, após seu depoimento à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Distrital. Um dias após o general depor foi desfechada uma ação de linchamento moral contra o oficial. Ou seja, a mesma estrutura usada para criar circunstâncias que justificassem o golpe passou a ser utilizada pelos que buscavam tumultuar a apuração dos fatos e garantir a impunidade dos implicados na trama golpista.

Os generais aguardam com curiosidade o que mais foi descoberto nas apreensões feitas pela PF com os alvos militares da Operação Tempus Veritatis. Têm especial atenção aos dados das reuniões clandestinas de coronéis em Brasília. Não só pelo fato constituir em si crime militar segundo o código penal castrense, mas também para saber a extensão da ousadia de camaradas que faltaram com o dever de lealdade com seus comandantes, colocando seus interesses pessoais e ideológicos acima da instituição.

Mas, além dos depoimetos e provas, é a doutrina das Operações Psicológicas que liga pontos distintos como o documento produzido pelo Instituto Voto-Legal (IVL) à ação do influenciador bolsonarista argentino Fernando Cerimedo, que denunciava fraudes nas urnas eletrônicas após a vitória de Lula. Ou à ação do coronel Marcelo Câmara tentando influenciar o coronel da FAB Wagner Oliveira da Silva, da Comissão de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação.

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que segundo o então comandante da Força Aérea, Baptista Junior, foi lhe pedir apoio para o golpe Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Cada ação era sempre acompanhada de ataques aos generais nas redes sociais, diante de suas casas ou de protestos em frente aos quartéis alimentados pela cúpula bolsonarista. Tudo para fazer crer à Nação que o povo não aceitava o resultado do voto e queria a intervenção militar. Essa operação era complementada pelo comportamento de expoentes do bolsonarismo, como o general Braga Netto.

Ou ainda, segundo a PF, pela ação dos deputados federais Eduardo Pazuello (PL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP). Esta última abordou o brigadeiro Baptista Junior em São José dos Campos para tentar convencê-lo a participar do golpe. “Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade”. No relato de Baptista Junior, o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, ameaçou Bolsonaro com a prisão ao ouvir a proposta da golpe.

Toda a sequência de fatos e da dinâmica golpista foi narrada por Baptista Junior, o chefe de Força singular que por muito tempo foi tratado como o mais bolsonarista dos oficiais generais. Ele era o homem que no começo do governo despertava entusiasmo nos assessores do gabinete do presidente. Votara em 2018 em Bolsonaro e para deputado distrital ajudou a eleger Bia Kicis (PL-DF). E usava as redes sociais para elogiar o governo e o presidente e criticar a oposição.

É no depoimento dele que desfila o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Oliveira exibindo aos chefes militares a minuta do golpe, para a indignação do brigadeiro. Ali está a conversa com o general Augusto Heleno, quando o brigadeiro diz categoricamente, para o espanto do ministro-chefe do GSI, que a FAB era contra o golpe, bem como as armações do IVL e as tramas de Bolsonaro para melar o resultado das urnas. O que fez Baptista Junior se comportar desta forma na hora adversa da República?

Ao ser questionado sobre as vésperas do golpe de 1964, o general Amaury Kruel, cujas tropas do 2º Exército foram decisivas para enterrar de vez o governo de João Goulart, diferenciou o que chamava de “conversas” e de “conspiração”. Até um mês antes da derrubada de Goulart, havia, segundo ele, apenas conversas. Depois da rebelião dos marujos, no Rio, conspirou-se. Um militar sabe muito bem a diferença entre uma coisa e outra. Ela é a diferença que existe entre o mero pensamento e a prática de um crime.

Opinião por Marcelo Godoy

Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.

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