As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Desejo do centrão de pôr as mãos no bilionário projeto do submarino nuclear assusta almirantes


Militares aguardam definição de Lula sobre destino da Nuclep e da Avibrás, responsável pelo projeto do míssil antinavio da Marinha e do tático de cruzeiro do Exército; e temem promessas do PT aos praças

Atualização:

Após mudar o comando do Exército e enfrentar os ataques às sedes dos três Poderes em Brasília, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vê surgir novos desafios em sua relação com os militares. O primeiro deles é o preenchimento de cargos de estatais ligadas a projetos estratégicos da Defesa. Em seguida, está o destino da empresa Avibrás, responsável pelos projetos de mísseis das Forças Armadas. E, por fim, estão as promessas do governo sobre a previdência militar às entidades de praças sem que oficiais generais fossem consultados.

O presidente Lula passa em revista à tropa durante a sua chegada ao Comando da Marinha, na Esplanada do Ministérios em Brasília, ao lado do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, do comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen. Foto: Wilton Junior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

A Marinha do Brasil é de longe a Força mais preocupada com as movimentações do Centrão. Elas passam pela nomeação das diretorias da Nuclep, das Indústrias Nucleares do Brasil e da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar). Petistas querem substituir o contra-almirante Carlos Henrique Seixas, visto como homem ligado ao ex-ministro das Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque, que trouxe escondidas na bagagem de sua comitiva joias milionárias para Jair Bolsonaro.

continua após a publicidade

Seixas, no entanto, conta com o apoio do deputado federal Aureo Ribeiro (SD-RJ), que pressiona o governo pela manutenção do almirante ou, caso não seja possível, pelo direito de indicar o novo presidente da estatal. Não se trata de uma empresa qualquer. Com sede em Itaguaí, no Rio, a Nuclep é uma das empresas envolvidas no Prosub, o programa de submarinos da Marinha. Ela está trabalhando no chamado Bloco 40, seção onde ficará o reator do protótipo, em terra e escala real, do primeiro Submarino de Propulsão Nuclear do Brasil (SN-BR) – só ele deve consumir mais R$ 17,5 bilhões antes de ser lançado ao mar

O Programa de Desenvolvimento de Submarinos da Marinha conta ainda com a Itaguaí Construções Navais. O reator do submarino está sendo primeiro feito em terra. Sua montagem está no Centro Experimental Aramar, da Marinha, em Iperó (SP), no chamado Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene). Posteriormente, todo o sistema será replicado no submarino. Após ele, os turbogeradores, o motor elétrico e outros sistemas similares aos do submarino nuclear serão testados pelo Labgene.

Os equipamentos devem ser validados de forma segura antes de instalados a bordo. A previsão da Marinha é que o submarino seja colocado no mar em 2034. O projeto já custou R$ 35 bilhões. Atualmente, apenas cinco países do mundo têm submarinos nucleares. Antes de assumir o comando da Força Naval, o almirante Marcos Sampaio Olsen foi diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM).

continua após a publicidade

Olsen esteve com Lula em Itaguaí, na quarta-feira, dia 22, com quem almoçou e teve uma conversa a sós. O receio da Marinha é que as verbas do Prosub sejam capturadas por aliados do Centrão. Em 2017, no governo de Michel Temer, três deputados federais do Rio fizeram uma ofensiva para capturar a empresa. Não conseguiram. A solução após a exoneração de Jaime Wallwitz Cardoso – que dirigiu da Nuclep de 2003 a 2017 – foi nomear o contra-almirante Seixas.

Além do submarino nuclear, a Nuclep é a única empresa do Brasil a ter a certificação ASME-3, da Sociedade Americana de Engenharia Mecânica para a fabricação de componentes nucleares. Trata-se de um selo que precisa ser renovado. Almirantes temem consequências da nomeação de alguém descompromissado com a empresa, como a perda do selo ASME-3. Um deles afirmou à coluna: a Nuclep não é uma simples caldeiraria. Ela trabalha com ações de longo prazo, que precisam de continuidade.

O Mansup é carregado na corveta Barroso. Foto: Marinha do Brasil Foto: Marinha do Brasil
continua após a publicidade

A Nuclep está ainda envolvida na construção de plataformas de petróleo e de equipamentos da usina nuclear Angra 3 - ela fabricou os condensadores e os acumuladores da usina – e foi responsável pela troca dos geradores de vapor de Angra 1. A Eletronuclear, que cuida das usinas nucleares do País, é dependente da Nuclep, cujo plano de privatização foi suspenso por Lula. Almirantes mantiveram reuniões no Arsenal de Marinha na semana passada.

Enquanto Lula não bate o martelo sobre a direção das empresas envolvidas nos projetos da Marinha e no programa nuclear brasileiro, o destino de outra empresa preocupa os militares brasileiros. Trata-se da Avibrás, responsável pelo projeto do míssil tático de cruzeiro brasileiro: o AV-TM300, sem o qual não há como o país exercer uma defesa segundo o princípio antiacesso/negação de área. Ela é ainda parte do projeto do Mansup, o míssil antinavio de superfície, o primeiro desse tipo de armamento desenvolvido e produzido no Brasil, sem depender de equipamentos estrangeiros.

Atualmente, o Mansup está na fase de transformação de protótipo em produto capaz de ser produzido industrialmente, a chamada “produtação”. Já foram feitos vários disparos – é o tipo de arma crucial para a Defesa do País. Ele pode ter clientes mundo afora, assim como o AV-TM-300, que deve ser operado pelo Exército em lançadores Astros, fabricados pela mesma empresa. O Exército já investiu mais de R$ 100 milhões no desenvolvimento do míssil, cuja importância foi demonstrada na guerra da Ucrânia.

continua após a publicidade

É nesses projetos que o Edge Group, empresa dos Emirados Árabes, quer pôr as mãos, comprando a Avibrás. Seus representantes são próximos do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que esteve em maio de 2022 reunido com os representantes da empresa ao lado do secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, e o secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, Marcos Degaut Pontes, conforme a próprio Edge publicou. O destino da Avibrás preocupa os generais, mas até agora o governo Lula não disse palavra sobre a empresa, que está em recuperação judicial.

Reunião de Eduardo Bolsonaro e do almirante Rocha e de Degaut Pontes com representantes do Edge Group. Foto: Edge Group/Divulgação. Foto: Edge Group/Divulgação

Por fim, o “vírus oportunista” da política se manifestou dentro dos quartéis e do Planalto. Não só pela continuidade dos guerreiros ideológicos das redes sociais, que atuam até por meio de contas públicas no Twitter, bem como pelo movimento do governo Lula, que resolveu receber sargentos para discutir a previdência dos militares sem consultar os oficiais generais. Foi ideia do genial ministro das Comunicações, Paulo Pimenta, a ideia de levar os praças ao Palácio do Planalto para um encontro com Lula.

continua após a publicidade

Bolsonaro recebia e discutia com os praças no cercadinho do Planalto. Chegou uma vez a dizer que podia incluí-los no regime geral da Previdência – parecia ameaçar os praças com a possibilidade de condená-los a ganhar como todos brasileiro de segunda categoria, o cidadão comum, aquele que não tem uma carteira de juiz, de promotor, de fiscal, de militar ou de deputado. No dia 2 de março, Lula e Pimenta receberam no Planalto entre outros o presidente da Associação dos Militares das Forças Armadas do Estado de São Paulo (AMFAESP), Vanderley Carlos Gonçalves. Parece que ninguém aprendeu nada com o cabo Anselmo.

O governo se vê às voltas com o assédio feito pelo Centrão e sem apoio suficiente no Congresso, parece ceder mais do que o necessário para o presidencialismo de coalizão. A ameaça aos projetos estratégicos das três Forças é real. Ela não diz respeito apenas aos oficiais generais, mas à própria sobrevivência do País em um mundo cada vez mais conflagrado. Também não pode assistir impassível a mais um negócio das arábias envolvendo amigos da família Bolsonaro. Mas, sobretudo, devia zelar pela disciplina. Sem ela, não há hierarquia. E, sem hierarquia, a própria figura do comandante-em-chefe se torna uma ficção.

Após mudar o comando do Exército e enfrentar os ataques às sedes dos três Poderes em Brasília, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vê surgir novos desafios em sua relação com os militares. O primeiro deles é o preenchimento de cargos de estatais ligadas a projetos estratégicos da Defesa. Em seguida, está o destino da empresa Avibrás, responsável pelos projetos de mísseis das Forças Armadas. E, por fim, estão as promessas do governo sobre a previdência militar às entidades de praças sem que oficiais generais fossem consultados.

O presidente Lula passa em revista à tropa durante a sua chegada ao Comando da Marinha, na Esplanada do Ministérios em Brasília, ao lado do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, do comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen. Foto: Wilton Junior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

A Marinha do Brasil é de longe a Força mais preocupada com as movimentações do Centrão. Elas passam pela nomeação das diretorias da Nuclep, das Indústrias Nucleares do Brasil e da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar). Petistas querem substituir o contra-almirante Carlos Henrique Seixas, visto como homem ligado ao ex-ministro das Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque, que trouxe escondidas na bagagem de sua comitiva joias milionárias para Jair Bolsonaro.

Seixas, no entanto, conta com o apoio do deputado federal Aureo Ribeiro (SD-RJ), que pressiona o governo pela manutenção do almirante ou, caso não seja possível, pelo direito de indicar o novo presidente da estatal. Não se trata de uma empresa qualquer. Com sede em Itaguaí, no Rio, a Nuclep é uma das empresas envolvidas no Prosub, o programa de submarinos da Marinha. Ela está trabalhando no chamado Bloco 40, seção onde ficará o reator do protótipo, em terra e escala real, do primeiro Submarino de Propulsão Nuclear do Brasil (SN-BR) – só ele deve consumir mais R$ 17,5 bilhões antes de ser lançado ao mar

O Programa de Desenvolvimento de Submarinos da Marinha conta ainda com a Itaguaí Construções Navais. O reator do submarino está sendo primeiro feito em terra. Sua montagem está no Centro Experimental Aramar, da Marinha, em Iperó (SP), no chamado Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene). Posteriormente, todo o sistema será replicado no submarino. Após ele, os turbogeradores, o motor elétrico e outros sistemas similares aos do submarino nuclear serão testados pelo Labgene.

Os equipamentos devem ser validados de forma segura antes de instalados a bordo. A previsão da Marinha é que o submarino seja colocado no mar em 2034. O projeto já custou R$ 35 bilhões. Atualmente, apenas cinco países do mundo têm submarinos nucleares. Antes de assumir o comando da Força Naval, o almirante Marcos Sampaio Olsen foi diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM).

Olsen esteve com Lula em Itaguaí, na quarta-feira, dia 22, com quem almoçou e teve uma conversa a sós. O receio da Marinha é que as verbas do Prosub sejam capturadas por aliados do Centrão. Em 2017, no governo de Michel Temer, três deputados federais do Rio fizeram uma ofensiva para capturar a empresa. Não conseguiram. A solução após a exoneração de Jaime Wallwitz Cardoso – que dirigiu da Nuclep de 2003 a 2017 – foi nomear o contra-almirante Seixas.

Além do submarino nuclear, a Nuclep é a única empresa do Brasil a ter a certificação ASME-3, da Sociedade Americana de Engenharia Mecânica para a fabricação de componentes nucleares. Trata-se de um selo que precisa ser renovado. Almirantes temem consequências da nomeação de alguém descompromissado com a empresa, como a perda do selo ASME-3. Um deles afirmou à coluna: a Nuclep não é uma simples caldeiraria. Ela trabalha com ações de longo prazo, que precisam de continuidade.

O Mansup é carregado na corveta Barroso. Foto: Marinha do Brasil Foto: Marinha do Brasil

A Nuclep está ainda envolvida na construção de plataformas de petróleo e de equipamentos da usina nuclear Angra 3 - ela fabricou os condensadores e os acumuladores da usina – e foi responsável pela troca dos geradores de vapor de Angra 1. A Eletronuclear, que cuida das usinas nucleares do País, é dependente da Nuclep, cujo plano de privatização foi suspenso por Lula. Almirantes mantiveram reuniões no Arsenal de Marinha na semana passada.

Enquanto Lula não bate o martelo sobre a direção das empresas envolvidas nos projetos da Marinha e no programa nuclear brasileiro, o destino de outra empresa preocupa os militares brasileiros. Trata-se da Avibrás, responsável pelo projeto do míssil tático de cruzeiro brasileiro: o AV-TM300, sem o qual não há como o país exercer uma defesa segundo o princípio antiacesso/negação de área. Ela é ainda parte do projeto do Mansup, o míssil antinavio de superfície, o primeiro desse tipo de armamento desenvolvido e produzido no Brasil, sem depender de equipamentos estrangeiros.

Atualmente, o Mansup está na fase de transformação de protótipo em produto capaz de ser produzido industrialmente, a chamada “produtação”. Já foram feitos vários disparos – é o tipo de arma crucial para a Defesa do País. Ele pode ter clientes mundo afora, assim como o AV-TM-300, que deve ser operado pelo Exército em lançadores Astros, fabricados pela mesma empresa. O Exército já investiu mais de R$ 100 milhões no desenvolvimento do míssil, cuja importância foi demonstrada na guerra da Ucrânia.

É nesses projetos que o Edge Group, empresa dos Emirados Árabes, quer pôr as mãos, comprando a Avibrás. Seus representantes são próximos do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que esteve em maio de 2022 reunido com os representantes da empresa ao lado do secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, e o secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, Marcos Degaut Pontes, conforme a próprio Edge publicou. O destino da Avibrás preocupa os generais, mas até agora o governo Lula não disse palavra sobre a empresa, que está em recuperação judicial.

Reunião de Eduardo Bolsonaro e do almirante Rocha e de Degaut Pontes com representantes do Edge Group. Foto: Edge Group/Divulgação. Foto: Edge Group/Divulgação

Por fim, o “vírus oportunista” da política se manifestou dentro dos quartéis e do Planalto. Não só pela continuidade dos guerreiros ideológicos das redes sociais, que atuam até por meio de contas públicas no Twitter, bem como pelo movimento do governo Lula, que resolveu receber sargentos para discutir a previdência dos militares sem consultar os oficiais generais. Foi ideia do genial ministro das Comunicações, Paulo Pimenta, a ideia de levar os praças ao Palácio do Planalto para um encontro com Lula.

Bolsonaro recebia e discutia com os praças no cercadinho do Planalto. Chegou uma vez a dizer que podia incluí-los no regime geral da Previdência – parecia ameaçar os praças com a possibilidade de condená-los a ganhar como todos brasileiro de segunda categoria, o cidadão comum, aquele que não tem uma carteira de juiz, de promotor, de fiscal, de militar ou de deputado. No dia 2 de março, Lula e Pimenta receberam no Planalto entre outros o presidente da Associação dos Militares das Forças Armadas do Estado de São Paulo (AMFAESP), Vanderley Carlos Gonçalves. Parece que ninguém aprendeu nada com o cabo Anselmo.

O governo se vê às voltas com o assédio feito pelo Centrão e sem apoio suficiente no Congresso, parece ceder mais do que o necessário para o presidencialismo de coalizão. A ameaça aos projetos estratégicos das três Forças é real. Ela não diz respeito apenas aos oficiais generais, mas à própria sobrevivência do País em um mundo cada vez mais conflagrado. Também não pode assistir impassível a mais um negócio das arábias envolvendo amigos da família Bolsonaro. Mas, sobretudo, devia zelar pela disciplina. Sem ela, não há hierarquia. E, sem hierarquia, a própria figura do comandante-em-chefe se torna uma ficção.

Após mudar o comando do Exército e enfrentar os ataques às sedes dos três Poderes em Brasília, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vê surgir novos desafios em sua relação com os militares. O primeiro deles é o preenchimento de cargos de estatais ligadas a projetos estratégicos da Defesa. Em seguida, está o destino da empresa Avibrás, responsável pelos projetos de mísseis das Forças Armadas. E, por fim, estão as promessas do governo sobre a previdência militar às entidades de praças sem que oficiais generais fossem consultados.

O presidente Lula passa em revista à tropa durante a sua chegada ao Comando da Marinha, na Esplanada do Ministérios em Brasília, ao lado do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, do comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen. Foto: Wilton Junior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

A Marinha do Brasil é de longe a Força mais preocupada com as movimentações do Centrão. Elas passam pela nomeação das diretorias da Nuclep, das Indústrias Nucleares do Brasil e da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar). Petistas querem substituir o contra-almirante Carlos Henrique Seixas, visto como homem ligado ao ex-ministro das Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque, que trouxe escondidas na bagagem de sua comitiva joias milionárias para Jair Bolsonaro.

Seixas, no entanto, conta com o apoio do deputado federal Aureo Ribeiro (SD-RJ), que pressiona o governo pela manutenção do almirante ou, caso não seja possível, pelo direito de indicar o novo presidente da estatal. Não se trata de uma empresa qualquer. Com sede em Itaguaí, no Rio, a Nuclep é uma das empresas envolvidas no Prosub, o programa de submarinos da Marinha. Ela está trabalhando no chamado Bloco 40, seção onde ficará o reator do protótipo, em terra e escala real, do primeiro Submarino de Propulsão Nuclear do Brasil (SN-BR) – só ele deve consumir mais R$ 17,5 bilhões antes de ser lançado ao mar

O Programa de Desenvolvimento de Submarinos da Marinha conta ainda com a Itaguaí Construções Navais. O reator do submarino está sendo primeiro feito em terra. Sua montagem está no Centro Experimental Aramar, da Marinha, em Iperó (SP), no chamado Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene). Posteriormente, todo o sistema será replicado no submarino. Após ele, os turbogeradores, o motor elétrico e outros sistemas similares aos do submarino nuclear serão testados pelo Labgene.

Os equipamentos devem ser validados de forma segura antes de instalados a bordo. A previsão da Marinha é que o submarino seja colocado no mar em 2034. O projeto já custou R$ 35 bilhões. Atualmente, apenas cinco países do mundo têm submarinos nucleares. Antes de assumir o comando da Força Naval, o almirante Marcos Sampaio Olsen foi diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM).

Olsen esteve com Lula em Itaguaí, na quarta-feira, dia 22, com quem almoçou e teve uma conversa a sós. O receio da Marinha é que as verbas do Prosub sejam capturadas por aliados do Centrão. Em 2017, no governo de Michel Temer, três deputados federais do Rio fizeram uma ofensiva para capturar a empresa. Não conseguiram. A solução após a exoneração de Jaime Wallwitz Cardoso – que dirigiu da Nuclep de 2003 a 2017 – foi nomear o contra-almirante Seixas.

Além do submarino nuclear, a Nuclep é a única empresa do Brasil a ter a certificação ASME-3, da Sociedade Americana de Engenharia Mecânica para a fabricação de componentes nucleares. Trata-se de um selo que precisa ser renovado. Almirantes temem consequências da nomeação de alguém descompromissado com a empresa, como a perda do selo ASME-3. Um deles afirmou à coluna: a Nuclep não é uma simples caldeiraria. Ela trabalha com ações de longo prazo, que precisam de continuidade.

O Mansup é carregado na corveta Barroso. Foto: Marinha do Brasil Foto: Marinha do Brasil

A Nuclep está ainda envolvida na construção de plataformas de petróleo e de equipamentos da usina nuclear Angra 3 - ela fabricou os condensadores e os acumuladores da usina – e foi responsável pela troca dos geradores de vapor de Angra 1. A Eletronuclear, que cuida das usinas nucleares do País, é dependente da Nuclep, cujo plano de privatização foi suspenso por Lula. Almirantes mantiveram reuniões no Arsenal de Marinha na semana passada.

Enquanto Lula não bate o martelo sobre a direção das empresas envolvidas nos projetos da Marinha e no programa nuclear brasileiro, o destino de outra empresa preocupa os militares brasileiros. Trata-se da Avibrás, responsável pelo projeto do míssil tático de cruzeiro brasileiro: o AV-TM300, sem o qual não há como o país exercer uma defesa segundo o princípio antiacesso/negação de área. Ela é ainda parte do projeto do Mansup, o míssil antinavio de superfície, o primeiro desse tipo de armamento desenvolvido e produzido no Brasil, sem depender de equipamentos estrangeiros.

Atualmente, o Mansup está na fase de transformação de protótipo em produto capaz de ser produzido industrialmente, a chamada “produtação”. Já foram feitos vários disparos – é o tipo de arma crucial para a Defesa do País. Ele pode ter clientes mundo afora, assim como o AV-TM-300, que deve ser operado pelo Exército em lançadores Astros, fabricados pela mesma empresa. O Exército já investiu mais de R$ 100 milhões no desenvolvimento do míssil, cuja importância foi demonstrada na guerra da Ucrânia.

É nesses projetos que o Edge Group, empresa dos Emirados Árabes, quer pôr as mãos, comprando a Avibrás. Seus representantes são próximos do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que esteve em maio de 2022 reunido com os representantes da empresa ao lado do secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, e o secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, Marcos Degaut Pontes, conforme a próprio Edge publicou. O destino da Avibrás preocupa os generais, mas até agora o governo Lula não disse palavra sobre a empresa, que está em recuperação judicial.

Reunião de Eduardo Bolsonaro e do almirante Rocha e de Degaut Pontes com representantes do Edge Group. Foto: Edge Group/Divulgação. Foto: Edge Group/Divulgação

Por fim, o “vírus oportunista” da política se manifestou dentro dos quartéis e do Planalto. Não só pela continuidade dos guerreiros ideológicos das redes sociais, que atuam até por meio de contas públicas no Twitter, bem como pelo movimento do governo Lula, que resolveu receber sargentos para discutir a previdência dos militares sem consultar os oficiais generais. Foi ideia do genial ministro das Comunicações, Paulo Pimenta, a ideia de levar os praças ao Palácio do Planalto para um encontro com Lula.

Bolsonaro recebia e discutia com os praças no cercadinho do Planalto. Chegou uma vez a dizer que podia incluí-los no regime geral da Previdência – parecia ameaçar os praças com a possibilidade de condená-los a ganhar como todos brasileiro de segunda categoria, o cidadão comum, aquele que não tem uma carteira de juiz, de promotor, de fiscal, de militar ou de deputado. No dia 2 de março, Lula e Pimenta receberam no Planalto entre outros o presidente da Associação dos Militares das Forças Armadas do Estado de São Paulo (AMFAESP), Vanderley Carlos Gonçalves. Parece que ninguém aprendeu nada com o cabo Anselmo.

O governo se vê às voltas com o assédio feito pelo Centrão e sem apoio suficiente no Congresso, parece ceder mais do que o necessário para o presidencialismo de coalizão. A ameaça aos projetos estratégicos das três Forças é real. Ela não diz respeito apenas aos oficiais generais, mas à própria sobrevivência do País em um mundo cada vez mais conflagrado. Também não pode assistir impassível a mais um negócio das arábias envolvendo amigos da família Bolsonaro. Mas, sobretudo, devia zelar pela disciplina. Sem ela, não há hierarquia. E, sem hierarquia, a própria figura do comandante-em-chefe se torna uma ficção.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.