As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Desobediência de Musk às ordens judiciais garante a Moraes apoio na magistratura assim como no STF


Reiteração da conduta de desobediência é vista por desembargadora como motivo até para a decretação da prisão; para magistrados, X ‘não é parte no processo’ para discutir decisões da Corte

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Magistrados são muito sensíveis em relação ao cumprimento de suas ordens. Pode-se admitir todo tipo de recurso e petição, desde que não haja litigância de má-fé. Em um processo, somente as partes podem se manifestar. O advogado de um cartório civil não pode contestar a sentença de um divórcio litigioso porque seu cliente acredita ser o casamento uma união indissolúvel. Deve registrá-lo e mais nada.

O empresário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes: 1ª Turma deve decidir se mantém a cautelar contra o X Foto: Trevor Cokley/U.S. Air Force - Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasi

O empresário Elon Musk queria discutir a liberdade de expressão no Brasil. Tem todo o direito de fazê-lo. Pode-se discordar de decisões judiciais ou mesmo de leis, mas não é dado àqueles que estão no território brasileiro decidir ou escolher quais leis cumpre e quais descumpre. Ou quem é juiz legítimo e quem é ilegítimo. Todos devem se curvar à lei e às ordens judiciais, ainda que as considere injustas.

continua após a publicidade

Foi o que fez Luiz Inácio Lula da Silva ao ter sua condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal-4 (TRF-4). Independentemente do mérito dos processos, Lula da Silva se submeteu à ordem judicial. Não procurou a embaixada de Cuba ou da Venezuela. Entregou-se à PF e permaneceu preso por 580 dias até que o STF deu razão à defesa e considerou o então juiz Sérgio Moro suspeito para julgá-lo. É preciso que se diga que o atual presidente da República fez o que se espera de todo cidadão: o respeito às decisões judiciais.

Mesmo que Alexandre de Moraes tenha despertado críticas quase uníssonas a respeito da condução dos inquéritos eternos que mantém sob sua relatoria no Supremo, há um ponto na polêmica entre o ministro e o empresário Elon Musk que não desce pela garganta da maioria dos magistrados ouvidos pela coluna: o desrespeito acintoso às leis do País e o comportamento de Musk como ator político, tentando se tornar parte cada vez que uma medida judicial atinge um usuário de sua rede social, o X, ex-Twitter.

A desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, repudia a desobediência às ordens judiciais Foto: ALEX SILVA/ESTADAO
continua após a publicidade

O primeiro ponto é que a rede X não é parte nesses processos. “Twitter não é parte. Temos vários casos em que o juiz autoriza interceptação telefônica e a operadora de telefonia acha que está errado”, afirmou a desembargadora Ivana David, da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ivana foi juíza-corregedoria do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), do TJ-SP. Era responsável pela concessão de cautelares em todos os inquéritos da cidade de São Paulo. Sempre teve mão pesada contra o crime.

O que ela disse é que o X age como se, hipoteticamente, os bancos começassem a recusar a cumprir ordens de quebra de sigilo bancário em investigações sobre organizações criminosas sob a alegação de que o sigilo bancário é um direito constitucional. Ou como se a Vivo ou outra operadora decidisse questionar a decisão judicial de interceptação telefônica envolvendo terrorismo, pedofilia, tráfico de drogas ou qualquer outro crime alegando a defesa do sigilo de correspondência.

Quem pode contestar o afastamento do sigilo telefônico ou bancário é o advogado do investigado e não o banco ou a telefônica. Pois é isso o que Elon Musk estaria fazendo ao alegar que ia desbloquear perfis bloqueados por ordem judicial ou quando se recusou a obedecer ordem do STF para bloquear outros, de pessoas que passaram a ameaçar de morte delegados federais.

continua após a publicidade

Pior. Musk, segundo a magistrada, estaria dando um grande tiro no pé ao mostrar de forma límpida que sua rede não é neutra e, portanto, não estaria protegida pelo artigo 19 do Marco Civil de Internet, cuja constitucionalidade está sendo analisada pelo mesmo Supremo.

STF deve julgar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet  Foto: Dida Sampaio/DIDA SAMPAIO

Por enquanto, redes sociais não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicado por terceiros e a exclusão de conteúdo só pode ser feita com uma ordem judicial específica, sendo que as empresas só são responsabilizadas em caso de descumprimento da decisão. Mas, a partir do momento em que o X se associa ao que foi publicado, sua neutralidade passa a ser um privilégio, o da irresponsabilidade diante da lei, um direito monárquico, e contrário ao princípio republicano da igualdade perante a lei.

continua após a publicidade

Musk usa sua rede como instrumento de defesa de um lado da polarização política. Aqui e nos Estados Unidos. É assim que obteve o apoio de parlamentares do PL e do Novo, bem como de empresários que apoiam Donald Trump em sua luta contra Moraes, enquanto se mostra subserviente aos caprichos de Recep Erdogan, de Narendra Modi e de Xi Jinping.

No TJ-SP, a desembargadora Ivana explica o que é feito quando companhias telefônicas resolvem contestar uma decisão cautelar durante uma investigação criminal: “Mandamos desentranhar, pois ela não é parte”. Ou seja, manda-se excluir do processo. Ivana vai além. Para ela e para muitos de seus colegas, ao desobedecer às ordens do STF, Musk e seus representantes podem ser enquadrados. “Com toda certeza. Musk desafiando o STF só fornece mais munição e pode, em tese, ser enquadrado no crime de desobediência.”

Pavel Durov, o CEO e fundador do Telegram foi preso na França e pagou fiança para responder o processo em liberdade Foto: Steve Jennings/STEVE JENNINGS
continua após a publicidade

E mais ainda. A reiteração da conduta criminosa é um dos motivos para a decretação da prisão preventiva de um acusado em nome da garantia da ordem pública. “Quanto à decretação da prisão, o ministro já provou que não vai recuar e não descartou a decretação da prisão preventiva.” Ou seja, ainda há espaço para que a crise seja escalada. Na semana passada, a Justiça francesa decretou a prisão do empresário russo fundador do Telegram, Pavel Durov, em uma investigação sobre crimes cibernéticos porque sua rede abrigaria transações ilícitas, pornografia infantil, tráfico de drogas e fraudes.

Moraes parece contar com a maioria do STF para referendar suas decisões a respeito do X. O Supremo lhe dá respaldo, bem como a procuradoria-geral da República no caso da retirada da rede do ar. Os magistrados que conhecem Moraes desde os tempos em que ele era promotor de Justiça e depois secretário da Segurança e seus colegas da Faculdade do São Francisco têm certeza de que o ministro não vai recuar. Ainda mais agora que a Starlink resolveu também desobedecer uma ordem de Moraes, não retirando do ar o X no Brasil.

É possível. A magistratura tem seus deveres. A obediência das leis é um deles. E vale para todos. Nunca é demais repetir a velha advertência de Raymond Aron: “O regime constitucional é aquele em que, a despeito de tudo, a barreira suprema é um fio de seda – o fio de seda da legalidade. Se o fio de seda da legalidade for rompido, inevitavelmente se perfilará no horizonte o fio da espada”. Sem a legalidade, resta a violência, que pode se valer da farda, das redes ou da toga.

Magistrados são muito sensíveis em relação ao cumprimento de suas ordens. Pode-se admitir todo tipo de recurso e petição, desde que não haja litigância de má-fé. Em um processo, somente as partes podem se manifestar. O advogado de um cartório civil não pode contestar a sentença de um divórcio litigioso porque seu cliente acredita ser o casamento uma união indissolúvel. Deve registrá-lo e mais nada.

O empresário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes: 1ª Turma deve decidir se mantém a cautelar contra o X Foto: Trevor Cokley/U.S. Air Force - Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasi

O empresário Elon Musk queria discutir a liberdade de expressão no Brasil. Tem todo o direito de fazê-lo. Pode-se discordar de decisões judiciais ou mesmo de leis, mas não é dado àqueles que estão no território brasileiro decidir ou escolher quais leis cumpre e quais descumpre. Ou quem é juiz legítimo e quem é ilegítimo. Todos devem se curvar à lei e às ordens judiciais, ainda que as considere injustas.

Foi o que fez Luiz Inácio Lula da Silva ao ter sua condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal-4 (TRF-4). Independentemente do mérito dos processos, Lula da Silva se submeteu à ordem judicial. Não procurou a embaixada de Cuba ou da Venezuela. Entregou-se à PF e permaneceu preso por 580 dias até que o STF deu razão à defesa e considerou o então juiz Sérgio Moro suspeito para julgá-lo. É preciso que se diga que o atual presidente da República fez o que se espera de todo cidadão: o respeito às decisões judiciais.

Mesmo que Alexandre de Moraes tenha despertado críticas quase uníssonas a respeito da condução dos inquéritos eternos que mantém sob sua relatoria no Supremo, há um ponto na polêmica entre o ministro e o empresário Elon Musk que não desce pela garganta da maioria dos magistrados ouvidos pela coluna: o desrespeito acintoso às leis do País e o comportamento de Musk como ator político, tentando se tornar parte cada vez que uma medida judicial atinge um usuário de sua rede social, o X, ex-Twitter.

A desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, repudia a desobediência às ordens judiciais Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

O primeiro ponto é que a rede X não é parte nesses processos. “Twitter não é parte. Temos vários casos em que o juiz autoriza interceptação telefônica e a operadora de telefonia acha que está errado”, afirmou a desembargadora Ivana David, da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ivana foi juíza-corregedoria do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), do TJ-SP. Era responsável pela concessão de cautelares em todos os inquéritos da cidade de São Paulo. Sempre teve mão pesada contra o crime.

O que ela disse é que o X age como se, hipoteticamente, os bancos começassem a recusar a cumprir ordens de quebra de sigilo bancário em investigações sobre organizações criminosas sob a alegação de que o sigilo bancário é um direito constitucional. Ou como se a Vivo ou outra operadora decidisse questionar a decisão judicial de interceptação telefônica envolvendo terrorismo, pedofilia, tráfico de drogas ou qualquer outro crime alegando a defesa do sigilo de correspondência.

Quem pode contestar o afastamento do sigilo telefônico ou bancário é o advogado do investigado e não o banco ou a telefônica. Pois é isso o que Elon Musk estaria fazendo ao alegar que ia desbloquear perfis bloqueados por ordem judicial ou quando se recusou a obedecer ordem do STF para bloquear outros, de pessoas que passaram a ameaçar de morte delegados federais.

Pior. Musk, segundo a magistrada, estaria dando um grande tiro no pé ao mostrar de forma límpida que sua rede não é neutra e, portanto, não estaria protegida pelo artigo 19 do Marco Civil de Internet, cuja constitucionalidade está sendo analisada pelo mesmo Supremo.

STF deve julgar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet  Foto: Dida Sampaio/DIDA SAMPAIO

Por enquanto, redes sociais não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicado por terceiros e a exclusão de conteúdo só pode ser feita com uma ordem judicial específica, sendo que as empresas só são responsabilizadas em caso de descumprimento da decisão. Mas, a partir do momento em que o X se associa ao que foi publicado, sua neutralidade passa a ser um privilégio, o da irresponsabilidade diante da lei, um direito monárquico, e contrário ao princípio republicano da igualdade perante a lei.

Musk usa sua rede como instrumento de defesa de um lado da polarização política. Aqui e nos Estados Unidos. É assim que obteve o apoio de parlamentares do PL e do Novo, bem como de empresários que apoiam Donald Trump em sua luta contra Moraes, enquanto se mostra subserviente aos caprichos de Recep Erdogan, de Narendra Modi e de Xi Jinping.

No TJ-SP, a desembargadora Ivana explica o que é feito quando companhias telefônicas resolvem contestar uma decisão cautelar durante uma investigação criminal: “Mandamos desentranhar, pois ela não é parte”. Ou seja, manda-se excluir do processo. Ivana vai além. Para ela e para muitos de seus colegas, ao desobedecer às ordens do STF, Musk e seus representantes podem ser enquadrados. “Com toda certeza. Musk desafiando o STF só fornece mais munição e pode, em tese, ser enquadrado no crime de desobediência.”

Pavel Durov, o CEO e fundador do Telegram foi preso na França e pagou fiança para responder o processo em liberdade Foto: Steve Jennings/STEVE JENNINGS

E mais ainda. A reiteração da conduta criminosa é um dos motivos para a decretação da prisão preventiva de um acusado em nome da garantia da ordem pública. “Quanto à decretação da prisão, o ministro já provou que não vai recuar e não descartou a decretação da prisão preventiva.” Ou seja, ainda há espaço para que a crise seja escalada. Na semana passada, a Justiça francesa decretou a prisão do empresário russo fundador do Telegram, Pavel Durov, em uma investigação sobre crimes cibernéticos porque sua rede abrigaria transações ilícitas, pornografia infantil, tráfico de drogas e fraudes.

Moraes parece contar com a maioria do STF para referendar suas decisões a respeito do X. O Supremo lhe dá respaldo, bem como a procuradoria-geral da República no caso da retirada da rede do ar. Os magistrados que conhecem Moraes desde os tempos em que ele era promotor de Justiça e depois secretário da Segurança e seus colegas da Faculdade do São Francisco têm certeza de que o ministro não vai recuar. Ainda mais agora que a Starlink resolveu também desobedecer uma ordem de Moraes, não retirando do ar o X no Brasil.

É possível. A magistratura tem seus deveres. A obediência das leis é um deles. E vale para todos. Nunca é demais repetir a velha advertência de Raymond Aron: “O regime constitucional é aquele em que, a despeito de tudo, a barreira suprema é um fio de seda – o fio de seda da legalidade. Se o fio de seda da legalidade for rompido, inevitavelmente se perfilará no horizonte o fio da espada”. Sem a legalidade, resta a violência, que pode se valer da farda, das redes ou da toga.

Magistrados são muito sensíveis em relação ao cumprimento de suas ordens. Pode-se admitir todo tipo de recurso e petição, desde que não haja litigância de má-fé. Em um processo, somente as partes podem se manifestar. O advogado de um cartório civil não pode contestar a sentença de um divórcio litigioso porque seu cliente acredita ser o casamento uma união indissolúvel. Deve registrá-lo e mais nada.

O empresário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes: 1ª Turma deve decidir se mantém a cautelar contra o X Foto: Trevor Cokley/U.S. Air Force - Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasi

O empresário Elon Musk queria discutir a liberdade de expressão no Brasil. Tem todo o direito de fazê-lo. Pode-se discordar de decisões judiciais ou mesmo de leis, mas não é dado àqueles que estão no território brasileiro decidir ou escolher quais leis cumpre e quais descumpre. Ou quem é juiz legítimo e quem é ilegítimo. Todos devem se curvar à lei e às ordens judiciais, ainda que as considere injustas.

Foi o que fez Luiz Inácio Lula da Silva ao ter sua condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal-4 (TRF-4). Independentemente do mérito dos processos, Lula da Silva se submeteu à ordem judicial. Não procurou a embaixada de Cuba ou da Venezuela. Entregou-se à PF e permaneceu preso por 580 dias até que o STF deu razão à defesa e considerou o então juiz Sérgio Moro suspeito para julgá-lo. É preciso que se diga que o atual presidente da República fez o que se espera de todo cidadão: o respeito às decisões judiciais.

Mesmo que Alexandre de Moraes tenha despertado críticas quase uníssonas a respeito da condução dos inquéritos eternos que mantém sob sua relatoria no Supremo, há um ponto na polêmica entre o ministro e o empresário Elon Musk que não desce pela garganta da maioria dos magistrados ouvidos pela coluna: o desrespeito acintoso às leis do País e o comportamento de Musk como ator político, tentando se tornar parte cada vez que uma medida judicial atinge um usuário de sua rede social, o X, ex-Twitter.

A desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, repudia a desobediência às ordens judiciais Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

O primeiro ponto é que a rede X não é parte nesses processos. “Twitter não é parte. Temos vários casos em que o juiz autoriza interceptação telefônica e a operadora de telefonia acha que está errado”, afirmou a desembargadora Ivana David, da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ivana foi juíza-corregedoria do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), do TJ-SP. Era responsável pela concessão de cautelares em todos os inquéritos da cidade de São Paulo. Sempre teve mão pesada contra o crime.

O que ela disse é que o X age como se, hipoteticamente, os bancos começassem a recusar a cumprir ordens de quebra de sigilo bancário em investigações sobre organizações criminosas sob a alegação de que o sigilo bancário é um direito constitucional. Ou como se a Vivo ou outra operadora decidisse questionar a decisão judicial de interceptação telefônica envolvendo terrorismo, pedofilia, tráfico de drogas ou qualquer outro crime alegando a defesa do sigilo de correspondência.

Quem pode contestar o afastamento do sigilo telefônico ou bancário é o advogado do investigado e não o banco ou a telefônica. Pois é isso o que Elon Musk estaria fazendo ao alegar que ia desbloquear perfis bloqueados por ordem judicial ou quando se recusou a obedecer ordem do STF para bloquear outros, de pessoas que passaram a ameaçar de morte delegados federais.

Pior. Musk, segundo a magistrada, estaria dando um grande tiro no pé ao mostrar de forma límpida que sua rede não é neutra e, portanto, não estaria protegida pelo artigo 19 do Marco Civil de Internet, cuja constitucionalidade está sendo analisada pelo mesmo Supremo.

STF deve julgar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet  Foto: Dida Sampaio/DIDA SAMPAIO

Por enquanto, redes sociais não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicado por terceiros e a exclusão de conteúdo só pode ser feita com uma ordem judicial específica, sendo que as empresas só são responsabilizadas em caso de descumprimento da decisão. Mas, a partir do momento em que o X se associa ao que foi publicado, sua neutralidade passa a ser um privilégio, o da irresponsabilidade diante da lei, um direito monárquico, e contrário ao princípio republicano da igualdade perante a lei.

Musk usa sua rede como instrumento de defesa de um lado da polarização política. Aqui e nos Estados Unidos. É assim que obteve o apoio de parlamentares do PL e do Novo, bem como de empresários que apoiam Donald Trump em sua luta contra Moraes, enquanto se mostra subserviente aos caprichos de Recep Erdogan, de Narendra Modi e de Xi Jinping.

No TJ-SP, a desembargadora Ivana explica o que é feito quando companhias telefônicas resolvem contestar uma decisão cautelar durante uma investigação criminal: “Mandamos desentranhar, pois ela não é parte”. Ou seja, manda-se excluir do processo. Ivana vai além. Para ela e para muitos de seus colegas, ao desobedecer às ordens do STF, Musk e seus representantes podem ser enquadrados. “Com toda certeza. Musk desafiando o STF só fornece mais munição e pode, em tese, ser enquadrado no crime de desobediência.”

Pavel Durov, o CEO e fundador do Telegram foi preso na França e pagou fiança para responder o processo em liberdade Foto: Steve Jennings/STEVE JENNINGS

E mais ainda. A reiteração da conduta criminosa é um dos motivos para a decretação da prisão preventiva de um acusado em nome da garantia da ordem pública. “Quanto à decretação da prisão, o ministro já provou que não vai recuar e não descartou a decretação da prisão preventiva.” Ou seja, ainda há espaço para que a crise seja escalada. Na semana passada, a Justiça francesa decretou a prisão do empresário russo fundador do Telegram, Pavel Durov, em uma investigação sobre crimes cibernéticos porque sua rede abrigaria transações ilícitas, pornografia infantil, tráfico de drogas e fraudes.

Moraes parece contar com a maioria do STF para referendar suas decisões a respeito do X. O Supremo lhe dá respaldo, bem como a procuradoria-geral da República no caso da retirada da rede do ar. Os magistrados que conhecem Moraes desde os tempos em que ele era promotor de Justiça e depois secretário da Segurança e seus colegas da Faculdade do São Francisco têm certeza de que o ministro não vai recuar. Ainda mais agora que a Starlink resolveu também desobedecer uma ordem de Moraes, não retirando do ar o X no Brasil.

É possível. A magistratura tem seus deveres. A obediência das leis é um deles. E vale para todos. Nunca é demais repetir a velha advertência de Raymond Aron: “O regime constitucional é aquele em que, a despeito de tudo, a barreira suprema é um fio de seda – o fio de seda da legalidade. Se o fio de seda da legalidade for rompido, inevitavelmente se perfilará no horizonte o fio da espada”. Sem a legalidade, resta a violência, que pode se valer da farda, das redes ou da toga.

Magistrados são muito sensíveis em relação ao cumprimento de suas ordens. Pode-se admitir todo tipo de recurso e petição, desde que não haja litigância de má-fé. Em um processo, somente as partes podem se manifestar. O advogado de um cartório civil não pode contestar a sentença de um divórcio litigioso porque seu cliente acredita ser o casamento uma união indissolúvel. Deve registrá-lo e mais nada.

O empresário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes: 1ª Turma deve decidir se mantém a cautelar contra o X Foto: Trevor Cokley/U.S. Air Force - Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasi

O empresário Elon Musk queria discutir a liberdade de expressão no Brasil. Tem todo o direito de fazê-lo. Pode-se discordar de decisões judiciais ou mesmo de leis, mas não é dado àqueles que estão no território brasileiro decidir ou escolher quais leis cumpre e quais descumpre. Ou quem é juiz legítimo e quem é ilegítimo. Todos devem se curvar à lei e às ordens judiciais, ainda que as considere injustas.

Foi o que fez Luiz Inácio Lula da Silva ao ter sua condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal-4 (TRF-4). Independentemente do mérito dos processos, Lula da Silva se submeteu à ordem judicial. Não procurou a embaixada de Cuba ou da Venezuela. Entregou-se à PF e permaneceu preso por 580 dias até que o STF deu razão à defesa e considerou o então juiz Sérgio Moro suspeito para julgá-lo. É preciso que se diga que o atual presidente da República fez o que se espera de todo cidadão: o respeito às decisões judiciais.

Mesmo que Alexandre de Moraes tenha despertado críticas quase uníssonas a respeito da condução dos inquéritos eternos que mantém sob sua relatoria no Supremo, há um ponto na polêmica entre o ministro e o empresário Elon Musk que não desce pela garganta da maioria dos magistrados ouvidos pela coluna: o desrespeito acintoso às leis do País e o comportamento de Musk como ator político, tentando se tornar parte cada vez que uma medida judicial atinge um usuário de sua rede social, o X, ex-Twitter.

A desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, repudia a desobediência às ordens judiciais Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

O primeiro ponto é que a rede X não é parte nesses processos. “Twitter não é parte. Temos vários casos em que o juiz autoriza interceptação telefônica e a operadora de telefonia acha que está errado”, afirmou a desembargadora Ivana David, da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ivana foi juíza-corregedoria do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), do TJ-SP. Era responsável pela concessão de cautelares em todos os inquéritos da cidade de São Paulo. Sempre teve mão pesada contra o crime.

O que ela disse é que o X age como se, hipoteticamente, os bancos começassem a recusar a cumprir ordens de quebra de sigilo bancário em investigações sobre organizações criminosas sob a alegação de que o sigilo bancário é um direito constitucional. Ou como se a Vivo ou outra operadora decidisse questionar a decisão judicial de interceptação telefônica envolvendo terrorismo, pedofilia, tráfico de drogas ou qualquer outro crime alegando a defesa do sigilo de correspondência.

Quem pode contestar o afastamento do sigilo telefônico ou bancário é o advogado do investigado e não o banco ou a telefônica. Pois é isso o que Elon Musk estaria fazendo ao alegar que ia desbloquear perfis bloqueados por ordem judicial ou quando se recusou a obedecer ordem do STF para bloquear outros, de pessoas que passaram a ameaçar de morte delegados federais.

Pior. Musk, segundo a magistrada, estaria dando um grande tiro no pé ao mostrar de forma límpida que sua rede não é neutra e, portanto, não estaria protegida pelo artigo 19 do Marco Civil de Internet, cuja constitucionalidade está sendo analisada pelo mesmo Supremo.

STF deve julgar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet  Foto: Dida Sampaio/DIDA SAMPAIO

Por enquanto, redes sociais não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicado por terceiros e a exclusão de conteúdo só pode ser feita com uma ordem judicial específica, sendo que as empresas só são responsabilizadas em caso de descumprimento da decisão. Mas, a partir do momento em que o X se associa ao que foi publicado, sua neutralidade passa a ser um privilégio, o da irresponsabilidade diante da lei, um direito monárquico, e contrário ao princípio republicano da igualdade perante a lei.

Musk usa sua rede como instrumento de defesa de um lado da polarização política. Aqui e nos Estados Unidos. É assim que obteve o apoio de parlamentares do PL e do Novo, bem como de empresários que apoiam Donald Trump em sua luta contra Moraes, enquanto se mostra subserviente aos caprichos de Recep Erdogan, de Narendra Modi e de Xi Jinping.

No TJ-SP, a desembargadora Ivana explica o que é feito quando companhias telefônicas resolvem contestar uma decisão cautelar durante uma investigação criminal: “Mandamos desentranhar, pois ela não é parte”. Ou seja, manda-se excluir do processo. Ivana vai além. Para ela e para muitos de seus colegas, ao desobedecer às ordens do STF, Musk e seus representantes podem ser enquadrados. “Com toda certeza. Musk desafiando o STF só fornece mais munição e pode, em tese, ser enquadrado no crime de desobediência.”

Pavel Durov, o CEO e fundador do Telegram foi preso na França e pagou fiança para responder o processo em liberdade Foto: Steve Jennings/STEVE JENNINGS

E mais ainda. A reiteração da conduta criminosa é um dos motivos para a decretação da prisão preventiva de um acusado em nome da garantia da ordem pública. “Quanto à decretação da prisão, o ministro já provou que não vai recuar e não descartou a decretação da prisão preventiva.” Ou seja, ainda há espaço para que a crise seja escalada. Na semana passada, a Justiça francesa decretou a prisão do empresário russo fundador do Telegram, Pavel Durov, em uma investigação sobre crimes cibernéticos porque sua rede abrigaria transações ilícitas, pornografia infantil, tráfico de drogas e fraudes.

Moraes parece contar com a maioria do STF para referendar suas decisões a respeito do X. O Supremo lhe dá respaldo, bem como a procuradoria-geral da República no caso da retirada da rede do ar. Os magistrados que conhecem Moraes desde os tempos em que ele era promotor de Justiça e depois secretário da Segurança e seus colegas da Faculdade do São Francisco têm certeza de que o ministro não vai recuar. Ainda mais agora que a Starlink resolveu também desobedecer uma ordem de Moraes, não retirando do ar o X no Brasil.

É possível. A magistratura tem seus deveres. A obediência das leis é um deles. E vale para todos. Nunca é demais repetir a velha advertência de Raymond Aron: “O regime constitucional é aquele em que, a despeito de tudo, a barreira suprema é um fio de seda – o fio de seda da legalidade. Se o fio de seda da legalidade for rompido, inevitavelmente se perfilará no horizonte o fio da espada”. Sem a legalidade, resta a violência, que pode se valer da farda, das redes ou da toga.

Magistrados são muito sensíveis em relação ao cumprimento de suas ordens. Pode-se admitir todo tipo de recurso e petição, desde que não haja litigância de má-fé. Em um processo, somente as partes podem se manifestar. O advogado de um cartório civil não pode contestar a sentença de um divórcio litigioso porque seu cliente acredita ser o casamento uma união indissolúvel. Deve registrá-lo e mais nada.

O empresário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes: 1ª Turma deve decidir se mantém a cautelar contra o X Foto: Trevor Cokley/U.S. Air Force - Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasi

O empresário Elon Musk queria discutir a liberdade de expressão no Brasil. Tem todo o direito de fazê-lo. Pode-se discordar de decisões judiciais ou mesmo de leis, mas não é dado àqueles que estão no território brasileiro decidir ou escolher quais leis cumpre e quais descumpre. Ou quem é juiz legítimo e quem é ilegítimo. Todos devem se curvar à lei e às ordens judiciais, ainda que as considere injustas.

Foi o que fez Luiz Inácio Lula da Silva ao ter sua condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal-4 (TRF-4). Independentemente do mérito dos processos, Lula da Silva se submeteu à ordem judicial. Não procurou a embaixada de Cuba ou da Venezuela. Entregou-se à PF e permaneceu preso por 580 dias até que o STF deu razão à defesa e considerou o então juiz Sérgio Moro suspeito para julgá-lo. É preciso que se diga que o atual presidente da República fez o que se espera de todo cidadão: o respeito às decisões judiciais.

Mesmo que Alexandre de Moraes tenha despertado críticas quase uníssonas a respeito da condução dos inquéritos eternos que mantém sob sua relatoria no Supremo, há um ponto na polêmica entre o ministro e o empresário Elon Musk que não desce pela garganta da maioria dos magistrados ouvidos pela coluna: o desrespeito acintoso às leis do País e o comportamento de Musk como ator político, tentando se tornar parte cada vez que uma medida judicial atinge um usuário de sua rede social, o X, ex-Twitter.

A desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, repudia a desobediência às ordens judiciais Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

O primeiro ponto é que a rede X não é parte nesses processos. “Twitter não é parte. Temos vários casos em que o juiz autoriza interceptação telefônica e a operadora de telefonia acha que está errado”, afirmou a desembargadora Ivana David, da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ivana foi juíza-corregedoria do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), do TJ-SP. Era responsável pela concessão de cautelares em todos os inquéritos da cidade de São Paulo. Sempre teve mão pesada contra o crime.

O que ela disse é que o X age como se, hipoteticamente, os bancos começassem a recusar a cumprir ordens de quebra de sigilo bancário em investigações sobre organizações criminosas sob a alegação de que o sigilo bancário é um direito constitucional. Ou como se a Vivo ou outra operadora decidisse questionar a decisão judicial de interceptação telefônica envolvendo terrorismo, pedofilia, tráfico de drogas ou qualquer outro crime alegando a defesa do sigilo de correspondência.

Quem pode contestar o afastamento do sigilo telefônico ou bancário é o advogado do investigado e não o banco ou a telefônica. Pois é isso o que Elon Musk estaria fazendo ao alegar que ia desbloquear perfis bloqueados por ordem judicial ou quando se recusou a obedecer ordem do STF para bloquear outros, de pessoas que passaram a ameaçar de morte delegados federais.

Pior. Musk, segundo a magistrada, estaria dando um grande tiro no pé ao mostrar de forma límpida que sua rede não é neutra e, portanto, não estaria protegida pelo artigo 19 do Marco Civil de Internet, cuja constitucionalidade está sendo analisada pelo mesmo Supremo.

STF deve julgar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet  Foto: Dida Sampaio/DIDA SAMPAIO

Por enquanto, redes sociais não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicado por terceiros e a exclusão de conteúdo só pode ser feita com uma ordem judicial específica, sendo que as empresas só são responsabilizadas em caso de descumprimento da decisão. Mas, a partir do momento em que o X se associa ao que foi publicado, sua neutralidade passa a ser um privilégio, o da irresponsabilidade diante da lei, um direito monárquico, e contrário ao princípio republicano da igualdade perante a lei.

Musk usa sua rede como instrumento de defesa de um lado da polarização política. Aqui e nos Estados Unidos. É assim que obteve o apoio de parlamentares do PL e do Novo, bem como de empresários que apoiam Donald Trump em sua luta contra Moraes, enquanto se mostra subserviente aos caprichos de Recep Erdogan, de Narendra Modi e de Xi Jinping.

No TJ-SP, a desembargadora Ivana explica o que é feito quando companhias telefônicas resolvem contestar uma decisão cautelar durante uma investigação criminal: “Mandamos desentranhar, pois ela não é parte”. Ou seja, manda-se excluir do processo. Ivana vai além. Para ela e para muitos de seus colegas, ao desobedecer às ordens do STF, Musk e seus representantes podem ser enquadrados. “Com toda certeza. Musk desafiando o STF só fornece mais munição e pode, em tese, ser enquadrado no crime de desobediência.”

Pavel Durov, o CEO e fundador do Telegram foi preso na França e pagou fiança para responder o processo em liberdade Foto: Steve Jennings/STEVE JENNINGS

E mais ainda. A reiteração da conduta criminosa é um dos motivos para a decretação da prisão preventiva de um acusado em nome da garantia da ordem pública. “Quanto à decretação da prisão, o ministro já provou que não vai recuar e não descartou a decretação da prisão preventiva.” Ou seja, ainda há espaço para que a crise seja escalada. Na semana passada, a Justiça francesa decretou a prisão do empresário russo fundador do Telegram, Pavel Durov, em uma investigação sobre crimes cibernéticos porque sua rede abrigaria transações ilícitas, pornografia infantil, tráfico de drogas e fraudes.

Moraes parece contar com a maioria do STF para referendar suas decisões a respeito do X. O Supremo lhe dá respaldo, bem como a procuradoria-geral da República no caso da retirada da rede do ar. Os magistrados que conhecem Moraes desde os tempos em que ele era promotor de Justiça e depois secretário da Segurança e seus colegas da Faculdade do São Francisco têm certeza de que o ministro não vai recuar. Ainda mais agora que a Starlink resolveu também desobedecer uma ordem de Moraes, não retirando do ar o X no Brasil.

É possível. A magistratura tem seus deveres. A obediência das leis é um deles. E vale para todos. Nunca é demais repetir a velha advertência de Raymond Aron: “O regime constitucional é aquele em que, a despeito de tudo, a barreira suprema é um fio de seda – o fio de seda da legalidade. Se o fio de seda da legalidade for rompido, inevitavelmente se perfilará no horizonte o fio da espada”. Sem a legalidade, resta a violência, que pode se valer da farda, das redes ou da toga.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.