A reunião na casa do banqueiro Cândido Bracher estava chegando ao fim quando o advogado Luiz Fernando Crestana e o empresário Henrique Schreurs se aproximaram da mesa onde estavam dois jornalistas. Queriam contar que haviam decidido mudar seu voto. Pensavam em anular, mas, depois de participar ali do encontro com a senadora Simone Tebet (MDB), decidiram pela primeira vez na vida votar em Lula. Não pelo petista, mas em razão do risco que viam em um segundo mandato presidencial para Jair Bolsonaro (PL).
A lógica dos dois deve definir a eleição de domingo, quando o sentimento contrário a Lula e ao petismo vai se chocar com o antibolsonarismo. É a rejeição ao outro lado e ao seu projeto para o País que moverá os votos decisivos no dia 30. Crestana e Schreurs são exemplos das recentes reviravoltas políticas.
Em 2016, estiveram entre os milhares de brasileiros que foram às ruas pedir o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Eram então voluntários do Vem Pra Rua. Trocaram o antipetismo pelo antibolsonarismo. Mas a aversão a Lula continua forte. Foi ela que levou o senador eleito Sérgio Moro (União-PR) a declarar seu apoio ao presidente.
Vive-se um tempo em que uma parte do País passou a ter a identidade definida em razão da oposição à outra. A discórdia e o ressentimento se tornam as características legitimadoras da ação política, levando de roldão a convicção weberiana de que o mundo moderno tende à racionalização e à secularização. O medo – e não a esperança – determina decisões do voto.
Em 1976, quando o partido Comunista Italiano (PCI) tentava ultrapassar a Democracia Cristã (DC) e se transformar no maior partido do país, o jornalista Indro Montanelli cunhou o que foi, segundo Enrico Berliguer, então secretário-geral do PCI, o mais eficiente slogan anticomunista do pós-guerra: “Turatevi il naso e votate DC”. Ou fechem o nariz e votem na Democracia Cristã. “Muita gente dos dois lados vai fazer isso no domingo”, disse Crestana.
Na Itália dividida pela Guerra Fria, o maior partido comunista do Ocidente não obteve a ultrapassagem. Os italianos fecharam o nariz e escolheram a DC. Um ano depois, Berlinguer fez em Moscou o discurso no qual qualificou a democracia como um valor universal, consolidando o caminho que levou o partido à esquerda democrática.
No Brasil, não há consenso nem sobre as regras do jogo. Mas, se confirmadas as pesquisas, um futuro governo Lula terá de conviver com um bolsonarismo fortalecido pela vitória de Tarcísio de Freitas, em São Paulo, e pela bancada eleita no Congresso. A divisão permanecerá após o voto. O slogan de Montanelli veio para ficar.