Homem que exerceu função de confiança no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob o comando do general Augusto Heleno durante três anos, o coronel do Exército José Placídio Matias dos Santos defendeu no dia 8 de janeiro que coronéis com comando de tropa se rebelassem e “entrassem no jogo, desta vez do lado certo”. Mais ainda. O oficial se dirigiu diretamente ao comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, para que ele se colocasse à frente de um golpe de Estado.
“General Arruda, o Brasil e o Exército esperam que o senhor cumpra o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade. O senhor sempre teve e tem o meu respeito. FORÇA!!”, escreveu em postagem em sua conta no Twitter. Placídio e outro oficiais, além de bolsonaristas civis, nos dias que antecederam e na data do ataque às sedes dos três Poderes, viam em coronéis com comando de tropa uma alternativa aos generais que se recusavam a agir para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Placídio, que foi nomeado em fevereiro de 2019 como assessor chefe militar da Assessoria Especial de Planejamento e Assuntos Estratégicos da Secretaria Executiva do GSI, escreveu no dia 8 em seu perfil no Twitter (19 mil seguidores): “Brasília está agitada com a ação dos patriotas. Excelente oportunidade para as FA (Forças Armadas) entrarem no jogo, desta vez do lado certo. Onde estão os briosos coronéis com tropa na mão?” Ainda no dia 8, o coronel da reserva fez outra postagem em que ameaçou o ministro da Justiça, Flávio Dino: “Sua purpurina vai acabar”. Placídio permaneceu no GSI até março de 2022.
Oficial da Arma de Infantaria, ele tem curso de forças especiais (FE), como outros suspeitos de incentivar a quebra de hierarquia e de disciplina. Dois dias antes, xingou o comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, e o desafiou publicamente. Escreveu o coronel: “Marinha do Brasil!! Sai um herói patriota, entra uma prostituta do ladrão, com o devido respeito a elas. Venha me punir, Almirante, e me distinga em definitivo da sua estirpe.” Placídio se referia ao fato de o almirante Almir Garnier ter se recusado a passar o comando da Marinha em protesto contra Lula. Na posse, Olsen agradeceu ao presidente.
Os apelos de Placídio e de outros coronéis não surtiram efeito. Na noite do dia 8, após os ataques às sedes dos três Poderes, o general Arruda se reuniu com Flávio Dino e outros dois ministros (José Múcio, da Defesa, e Rui Costa, da Casa Civil). No encontro se decidiu cumprir na manhã do dia 9 a ordem de prisão contra os cerca de 1,2 mil acampados em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.
Naquele mesmo dia 9, em meio às prisões dos extremistas, Placídio afirmava que centenas de oficiais da ativa estiveram presentes nos eventos do dia anterior. Nenhum foi preso ou identificado. Até agora o Exército puniu o coronel da reserva Adriano Testoni, que participou dos atos e ofendeu generais e o Exército. Eles se indispô até com colegas de turma, como o general da reserva Ridauto Fernandes, um FE que marchou na Esplanada naquele domingo.
Outro oficial que incentivou a ação em Brasília é o coronel Fernando Montenegro. Com 41 mil seguidores no Twitter, ele fazia enquetes defendendo a “intervenção militar”. Dizia que ela era “uma iniciativa de militares da ativa que não se inicia pelo comandante”. Montenegro é mais um FE – assim como a maioria dos oficiais que cercam Jair Bolsonaro. Ele teve a conta bloqueada por decisão judicial, em 29 de dezembro, mas continuou ativo. No dia 8, enviou mensagem aos radicais em Brasília, dizendo que toda manifestação contra o establishment é noticiada como antidemocrática. E concluiu: “Façam o que deve ser feito”.
As manifestações dos coronéis ocorreram após o fracasso do assédio a generais da ativa. Desde novembro, o Comando do Exército foi alvo de pressões bolsonaristas para não reconhecer a eleição de Lula. Logo após a derrota de Bolsonaro no pleito, manifestantes inconformados passaram a acampar em frente aos quartéis. Havia militares pressionando os colegas da ativa. Queriam um golpe. Alguns comandantes de tropa proibiram todo contato entre seu pessoal e os acampados. Outros não.
A coluna apurou que a maioria dos integrantes do Alto Comando do Exército se mostrou contrária à contestação do resultado das urnas. Diante desse fato, os extremistas lançaram uma campanha, em parte difundida nas redes sociais, que tinha por objetivos assediar o maior número de generais. Comandantes receberam mensagens nos seus telefones celulares. Um deles foi Kurt Everton Werberich, comandante da 13.ª Brigada de Infantaria Motorizada, em Cuiabá (MT). “E agora, general? No dia 01/jan/2023, V. Exa. pretende prestar continência a quem? Ao povo brasileiro ou aos Comunistas?”
Em outra frente, generais legalistas passaram a ser alvo de outra campanha que os qualificava como traidores e melancias. Ela atingiu, entre outros, os comandantes militares do Sudeste (Tomás Ribeiro de Paiva), do Leste (André Luiz Novaes), do Nordeste (Richard Nunes) e o chefe do Estado-Maior do Exército, Valério Stumpf. Mesmo assim, ainda em sua maioria, o Alto Comando se manteve contrário à virada de mesa, bem como o então comandante da Força, Marco Antônio Freire Gomes.
Em 16 de novembro, Freire Gomes divulgou nota em defesa dos generais. De acordo com o informe do Exército, “ao tentarem de forma anônima e covarde disseminar desinformação no seio da Força e da sociedade, esses grupos ou indivíduos atestam a sua falta de ética e de profissionalismo”. E conclui: “O Exército Brasileiro permanece coeso e unido, sempre em suas missões constitucionais, tendo a hierarquia e a disciplina de seus integrantes o amálgama que o torna respeitado pelo povo brasileiro, seu fiador”.
Freire Gomes também rebateu acusações feitas pelo jornalista Paulo Figueiredo Filho contra Richard, Tomás e Stumpf. No dia 28 de novembro, Figueiredo Filho afirmara que os três impediam uma “ação mais direta” contra as eleições. Em outra nota, o Exército disse: “Em relação ao divulgado pelo comentarista Paulo Figueiredo Filho, nos dias 28 e 29 de novembro de 2022, o Comando do Exército repele as alegações que ferem a imagem da Instituição e de integrantes do seu Alto Comando”.
Por sua atuação na defesa dos colegas e por ter se recusado a dar o golpe pretendido pelos extremistas, o general Freire Gomes também acabaria se tornando alvo das “operações psicológicas”. Elas incluíam uma aposta dos inconformados: buscar a quebra da disciplina e da hierarquia. Ao mesmo tempo, surgiu um manifesto de oficiais endereçado aos comandantes das Forças Armadas.
Em 26 de novembro, 221 militares da reserva – entre os quais 46 oficiais generais (33 da FAB, dez da Marinha e 3 do Exército) –, todos do grupo autodenominado Guardiões da Nação, assinaram uma petição aos comandantes das três Forças na qual pediam que agissem contra as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, que afastara a contestação sem provas feita pelo PL contra a vitória de Lula. O primeiro nome da lista era o do general e deputado federal bolsonarista Eliéser Girão (PL-RN).
Dois dias depois, apareceu outra carta, que dizia trazer assinaturas da ativa. Horas antes de seu surgimento, o coronel da reserva Márcio Amaro (49,6 mil seguidores no Twitter) afirmou que o manifesto ganharia outra relevância se subscrito pelos colegas em atividade. “Vocês ficaram sabendo da carta antes. Se houver carta dos oficiais da Ativa, a coisa muda de figura. Quem pode precionar (sic) ? O povo! Não haverá liderança externa. O povo nas ruas é a única força capaz de evitar a vergonha de sermos governados por ladrões”.
Amaro não tem curso de Estado-Maior. Ele gravou lives com o comentarista Paulo Figueiredo Filho, referências do bolsonarismo. O documento acabou assinado por uma dúzia de oficiais da ativa e por centenas de civis bolsonaristas. O coronel tinha um objetivo: depor Lula. Em meio ao ataque do dia 8, ele escreveu: “Não há condições desse governo que ainda não completou uma semana no poder continuar.”
No mesmo dia, o oficial publicou: “Quando os que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”. Os radicais buscavam emparedar o Alto Comando. Por fim, como último recurso, extremistas pretenderam “dar um bypass” nos generais, apelando aos coronéis com tropas para impedir a posse de Lula. A intentona falhou. Não se produziu nenhum coronel Mohamed Ali Seineldín ou mesmo um Tejero Molina no Brasil. Até ontem, Placídio, Montenegro e Amaro mantinham suas publicações nas redes sociais.