As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Exército terá de reconstruir disciplina e controle da reserva após golpe bolsonarista


Simpatia pelos extremistas pode ter impedido análise correta do cenário de radicalização dos que tomaram a sede dos três Poderes, em Brasília

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Um dos piores dias da história do Brasil. É assim que generais ouvidos pelo Estadão classificaram o que houve na Esplanada dos Ministérios, no dia 8, em Brasília. Uma semana antes, o Comando Militar do Planalto (CMP) havia mobilizado 6 mil homens para garantir a segurança da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sem que estes pudessem ser vistos ou simplesmente aparecer. E tudo saiu como planejado. Nada estragou a festa do presidente eleito.

Blindado e tropa de choque do Exército cercam acampamento em frente ao QG, em Brasília, na noite do dia 8 Foto: Arquivo pessoal

O que houve, então, para que a segurança falhasse e a chamada “tomada de poder” levada a cabo pelos extremistas pudesse ser concluída com a invasão e depredação das sedes do três Poderes? Houve um apagão na área de inteligência, e o cenário que o CMP tinha era o de mais uma manifestação, como tantas outras levadas a cabo pelo bolsonarismo nos últimos dois anos. Todas, apesar de muitas de suas palavras de ordem serem manifestamente golpistas – intervenção militar, fechar o STF e o Congresso, etc – não haviam passado da palavra para a ação.

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Mas o cenário que a chefia da Segurança Pública do Distrito Federal e que os militares do Exército trabalhavam estava errado. Faltou aos responsáveis pela segurança e pelos órgãos de inteligência a correta leitura da tempestade que se avizinhava. E havia raios e trovoadas que a anunciavam nas últimas semanas. Episódios de violência haviam sido registrados em dezenas de atos e protestos dos que estavam inconformados com a eleição de Lula. Eles se repetiram nas estradas, com tentativas de assassinato de policiais rodoviários; nas cidades, com as agressões a estudantes e em outros atentados à ordem pública.

Até que, na véspera do Natal, bolsonaristas tentaram explodir uma bomba em um caminhão-tanque em Brasília. A tentativa frustrada podia causar caos e mortes no aeroporto de Brasília. Mas não foi suficiente para alertar as autoridades. Muitos dos que tinham responsabilidade institucional continuaram a escalar a crise, como o almirante Almir Garnier Santos, que se recusou a passar o comando da Marinha ao sucessor, o almirante Marcos Sampaio Olsen. Garnier empregara mulher e filho no governo Bolsonaro. E esqueceu que a continência se presta à Presidência e não ao presidente, adubando o extremismo.

Era evidente que a radicalização dos perdedores na eleição lentamente deixava o campo das palavras para passar ao das ações. Saía da arena política para “continuá-la” nos movimentos armados. Foi assim que se convocou a intentona do dia 8. Chamada pelos radicais de “tomada do poder”, seus organizadores pediam a participação de militares da reserva que tivessem experiência para enfrentar policiais na manifestação. Deixavam claro que a intenção era acampar na sede dos três Poderes para forçar a ação das Forças Armadas a fim de derrubar Lula. Seguiam o modelos dos golpes registrados recentemente na Bolívia e no Sri Lanka.

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Para ter sucesso, a intentona bolsonarista contava com a simpatia que o movimento despertava nos quartéis. Assim também outros radicais no passado tentaram tomar o poder por meio de insurreições armadas nos anos 1920 e 1930. A última vez que um partido político tentara usar essa fórmula foi em 1938, quando o tenente Severo Fournier liderou os fascistas da Ação Integralista Brasileira no assalto ao Palácio da Guanabara, no Rio, então residência oficial da Presidência. Três anos antes, os comunistas, liderados por Luiz Carlos Prestes, haviam tentado tomar o poder, rebelando unidades militares no Rio e no Nordeste.

Fournier e Prestes apostavam no apoio que teriam no Exército e na Armada. E falharam. O mesmo se passou agora com a intentona bolsonarista. É possível que a simpatia pelos acampados na frente dos quartéis tenha levado muitos dos generais a subestimar a ameaça representada pelos extremistas, o que os impediu de analisar corretamente o processo de radicalização acelerada desse grupo. A ideia de que os episódios de fanatismo se reproduziam sem maiores consequências ajudou a criar a avaliação errada.

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Agora, confrontados com o fracasso da estratégia para desmobilizar os acampamentos na frente dos quartéis, os generais se veem diante da desconfiança de que teriam sido lenientes com os extremistas. Trata-se de julgamento açodado. Se alguém queria dar um golpe – e a minuta apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres mostra que havia sim quem desejasse isso –, é necessário dizer que a ruptura constitucional só não ocorreu porque os criminosos não obtiveram o apoio que esperavam nas Forças Armadas.

Ainda assim é necessário estabelecer as responsabilidades sobre o que aconteceu em Brasília. E as Inteligências Policial e Militar são as principais responsáveis pelo que houve. Ou por incompetência de ver o que qualquer jornalista já sabia desde sexta-feira, dia 6 – os planos violentos do bolsonarismo –, ou por conivência criminosa. Em qualquer dos casos, o bom senso exige que seus chefes sejam mudados. É preciso apurar as responsabilidades e isolar os extremistas.

Mas também se deve fazer Justiça. O golpe só não teve sucesso também porque, desde os coronéis até o Alto Comandos das Forças, os chefes militares não aceitaram a ruptura desejada pelos extremistas. Eles cumpriram com seu dever. Em tempos extremos, de polarização, a decisão desses homens deve ser reconhecida. Por mais que a simpatia passada dos generais pelo que hoje é chamado de bolsonarismo exista e por mais que esse projeto de poder tenha se mostrado um desastre, é preciso dizer que, no dia 8, só os que se deram bem no governo ou que se fanatizaram aderiram ao plano de tomada de poder dos radicais.

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Os militares têm, agora, a missão de reconstruir as relações com os civis e a disciplina entre os milhares de integrantes da reserva. O caso do coronel Adriano Testoni não é único. Após ofender o Exército e seus generais no dia 8, o coronel bolsonarista foi indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM), concluído em 3 dias, depois de ter sido aberto por ordem do general Gustavo Henrique Dutra Menezes, comandante do CMP. Enfrentar o extremismo será uma das principais missões da atual geração de oficiais. Com o devido processo legal, mas sem passar a mão na cabeça ou anistiar os bandidos que envergonharam o País.

Um dos piores dias da história do Brasil. É assim que generais ouvidos pelo Estadão classificaram o que houve na Esplanada dos Ministérios, no dia 8, em Brasília. Uma semana antes, o Comando Militar do Planalto (CMP) havia mobilizado 6 mil homens para garantir a segurança da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sem que estes pudessem ser vistos ou simplesmente aparecer. E tudo saiu como planejado. Nada estragou a festa do presidente eleito.

Blindado e tropa de choque do Exército cercam acampamento em frente ao QG, em Brasília, na noite do dia 8 Foto: Arquivo pessoal

O que houve, então, para que a segurança falhasse e a chamada “tomada de poder” levada a cabo pelos extremistas pudesse ser concluída com a invasão e depredação das sedes do três Poderes? Houve um apagão na área de inteligência, e o cenário que o CMP tinha era o de mais uma manifestação, como tantas outras levadas a cabo pelo bolsonarismo nos últimos dois anos. Todas, apesar de muitas de suas palavras de ordem serem manifestamente golpistas – intervenção militar, fechar o STF e o Congresso, etc – não haviam passado da palavra para a ação.

Mas o cenário que a chefia da Segurança Pública do Distrito Federal e que os militares do Exército trabalhavam estava errado. Faltou aos responsáveis pela segurança e pelos órgãos de inteligência a correta leitura da tempestade que se avizinhava. E havia raios e trovoadas que a anunciavam nas últimas semanas. Episódios de violência haviam sido registrados em dezenas de atos e protestos dos que estavam inconformados com a eleição de Lula. Eles se repetiram nas estradas, com tentativas de assassinato de policiais rodoviários; nas cidades, com as agressões a estudantes e em outros atentados à ordem pública.

Até que, na véspera do Natal, bolsonaristas tentaram explodir uma bomba em um caminhão-tanque em Brasília. A tentativa frustrada podia causar caos e mortes no aeroporto de Brasília. Mas não foi suficiente para alertar as autoridades. Muitos dos que tinham responsabilidade institucional continuaram a escalar a crise, como o almirante Almir Garnier Santos, que se recusou a passar o comando da Marinha ao sucessor, o almirante Marcos Sampaio Olsen. Garnier empregara mulher e filho no governo Bolsonaro. E esqueceu que a continência se presta à Presidência e não ao presidente, adubando o extremismo.

Era evidente que a radicalização dos perdedores na eleição lentamente deixava o campo das palavras para passar ao das ações. Saía da arena política para “continuá-la” nos movimentos armados. Foi assim que se convocou a intentona do dia 8. Chamada pelos radicais de “tomada do poder”, seus organizadores pediam a participação de militares da reserva que tivessem experiência para enfrentar policiais na manifestação. Deixavam claro que a intenção era acampar na sede dos três Poderes para forçar a ação das Forças Armadas a fim de derrubar Lula. Seguiam o modelos dos golpes registrados recentemente na Bolívia e no Sri Lanka.

Para ter sucesso, a intentona bolsonarista contava com a simpatia que o movimento despertava nos quartéis. Assim também outros radicais no passado tentaram tomar o poder por meio de insurreições armadas nos anos 1920 e 1930. A última vez que um partido político tentara usar essa fórmula foi em 1938, quando o tenente Severo Fournier liderou os fascistas da Ação Integralista Brasileira no assalto ao Palácio da Guanabara, no Rio, então residência oficial da Presidência. Três anos antes, os comunistas, liderados por Luiz Carlos Prestes, haviam tentado tomar o poder, rebelando unidades militares no Rio e no Nordeste.

Fournier e Prestes apostavam no apoio que teriam no Exército e na Armada. E falharam. O mesmo se passou agora com a intentona bolsonarista. É possível que a simpatia pelos acampados na frente dos quartéis tenha levado muitos dos generais a subestimar a ameaça representada pelos extremistas, o que os impediu de analisar corretamente o processo de radicalização acelerada desse grupo. A ideia de que os episódios de fanatismo se reproduziam sem maiores consequências ajudou a criar a avaliação errada.

Agora, confrontados com o fracasso da estratégia para desmobilizar os acampamentos na frente dos quartéis, os generais se veem diante da desconfiança de que teriam sido lenientes com os extremistas. Trata-se de julgamento açodado. Se alguém queria dar um golpe – e a minuta apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres mostra que havia sim quem desejasse isso –, é necessário dizer que a ruptura constitucional só não ocorreu porque os criminosos não obtiveram o apoio que esperavam nas Forças Armadas.

Ainda assim é necessário estabelecer as responsabilidades sobre o que aconteceu em Brasília. E as Inteligências Policial e Militar são as principais responsáveis pelo que houve. Ou por incompetência de ver o que qualquer jornalista já sabia desde sexta-feira, dia 6 – os planos violentos do bolsonarismo –, ou por conivência criminosa. Em qualquer dos casos, o bom senso exige que seus chefes sejam mudados. É preciso apurar as responsabilidades e isolar os extremistas.

Mas também se deve fazer Justiça. O golpe só não teve sucesso também porque, desde os coronéis até o Alto Comandos das Forças, os chefes militares não aceitaram a ruptura desejada pelos extremistas. Eles cumpriram com seu dever. Em tempos extremos, de polarização, a decisão desses homens deve ser reconhecida. Por mais que a simpatia passada dos generais pelo que hoje é chamado de bolsonarismo exista e por mais que esse projeto de poder tenha se mostrado um desastre, é preciso dizer que, no dia 8, só os que se deram bem no governo ou que se fanatizaram aderiram ao plano de tomada de poder dos radicais.

Os militares têm, agora, a missão de reconstruir as relações com os civis e a disciplina entre os milhares de integrantes da reserva. O caso do coronel Adriano Testoni não é único. Após ofender o Exército e seus generais no dia 8, o coronel bolsonarista foi indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM), concluído em 3 dias, depois de ter sido aberto por ordem do general Gustavo Henrique Dutra Menezes, comandante do CMP. Enfrentar o extremismo será uma das principais missões da atual geração de oficiais. Com o devido processo legal, mas sem passar a mão na cabeça ou anistiar os bandidos que envergonharam o País.

Um dos piores dias da história do Brasil. É assim que generais ouvidos pelo Estadão classificaram o que houve na Esplanada dos Ministérios, no dia 8, em Brasília. Uma semana antes, o Comando Militar do Planalto (CMP) havia mobilizado 6 mil homens para garantir a segurança da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sem que estes pudessem ser vistos ou simplesmente aparecer. E tudo saiu como planejado. Nada estragou a festa do presidente eleito.

Blindado e tropa de choque do Exército cercam acampamento em frente ao QG, em Brasília, na noite do dia 8 Foto: Arquivo pessoal

O que houve, então, para que a segurança falhasse e a chamada “tomada de poder” levada a cabo pelos extremistas pudesse ser concluída com a invasão e depredação das sedes do três Poderes? Houve um apagão na área de inteligência, e o cenário que o CMP tinha era o de mais uma manifestação, como tantas outras levadas a cabo pelo bolsonarismo nos últimos dois anos. Todas, apesar de muitas de suas palavras de ordem serem manifestamente golpistas – intervenção militar, fechar o STF e o Congresso, etc – não haviam passado da palavra para a ação.

Mas o cenário que a chefia da Segurança Pública do Distrito Federal e que os militares do Exército trabalhavam estava errado. Faltou aos responsáveis pela segurança e pelos órgãos de inteligência a correta leitura da tempestade que se avizinhava. E havia raios e trovoadas que a anunciavam nas últimas semanas. Episódios de violência haviam sido registrados em dezenas de atos e protestos dos que estavam inconformados com a eleição de Lula. Eles se repetiram nas estradas, com tentativas de assassinato de policiais rodoviários; nas cidades, com as agressões a estudantes e em outros atentados à ordem pública.

Até que, na véspera do Natal, bolsonaristas tentaram explodir uma bomba em um caminhão-tanque em Brasília. A tentativa frustrada podia causar caos e mortes no aeroporto de Brasília. Mas não foi suficiente para alertar as autoridades. Muitos dos que tinham responsabilidade institucional continuaram a escalar a crise, como o almirante Almir Garnier Santos, que se recusou a passar o comando da Marinha ao sucessor, o almirante Marcos Sampaio Olsen. Garnier empregara mulher e filho no governo Bolsonaro. E esqueceu que a continência se presta à Presidência e não ao presidente, adubando o extremismo.

Era evidente que a radicalização dos perdedores na eleição lentamente deixava o campo das palavras para passar ao das ações. Saía da arena política para “continuá-la” nos movimentos armados. Foi assim que se convocou a intentona do dia 8. Chamada pelos radicais de “tomada do poder”, seus organizadores pediam a participação de militares da reserva que tivessem experiência para enfrentar policiais na manifestação. Deixavam claro que a intenção era acampar na sede dos três Poderes para forçar a ação das Forças Armadas a fim de derrubar Lula. Seguiam o modelos dos golpes registrados recentemente na Bolívia e no Sri Lanka.

Para ter sucesso, a intentona bolsonarista contava com a simpatia que o movimento despertava nos quartéis. Assim também outros radicais no passado tentaram tomar o poder por meio de insurreições armadas nos anos 1920 e 1930. A última vez que um partido político tentara usar essa fórmula foi em 1938, quando o tenente Severo Fournier liderou os fascistas da Ação Integralista Brasileira no assalto ao Palácio da Guanabara, no Rio, então residência oficial da Presidência. Três anos antes, os comunistas, liderados por Luiz Carlos Prestes, haviam tentado tomar o poder, rebelando unidades militares no Rio e no Nordeste.

Fournier e Prestes apostavam no apoio que teriam no Exército e na Armada. E falharam. O mesmo se passou agora com a intentona bolsonarista. É possível que a simpatia pelos acampados na frente dos quartéis tenha levado muitos dos generais a subestimar a ameaça representada pelos extremistas, o que os impediu de analisar corretamente o processo de radicalização acelerada desse grupo. A ideia de que os episódios de fanatismo se reproduziam sem maiores consequências ajudou a criar a avaliação errada.

Agora, confrontados com o fracasso da estratégia para desmobilizar os acampamentos na frente dos quartéis, os generais se veem diante da desconfiança de que teriam sido lenientes com os extremistas. Trata-se de julgamento açodado. Se alguém queria dar um golpe – e a minuta apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres mostra que havia sim quem desejasse isso –, é necessário dizer que a ruptura constitucional só não ocorreu porque os criminosos não obtiveram o apoio que esperavam nas Forças Armadas.

Ainda assim é necessário estabelecer as responsabilidades sobre o que aconteceu em Brasília. E as Inteligências Policial e Militar são as principais responsáveis pelo que houve. Ou por incompetência de ver o que qualquer jornalista já sabia desde sexta-feira, dia 6 – os planos violentos do bolsonarismo –, ou por conivência criminosa. Em qualquer dos casos, o bom senso exige que seus chefes sejam mudados. É preciso apurar as responsabilidades e isolar os extremistas.

Mas também se deve fazer Justiça. O golpe só não teve sucesso também porque, desde os coronéis até o Alto Comandos das Forças, os chefes militares não aceitaram a ruptura desejada pelos extremistas. Eles cumpriram com seu dever. Em tempos extremos, de polarização, a decisão desses homens deve ser reconhecida. Por mais que a simpatia passada dos generais pelo que hoje é chamado de bolsonarismo exista e por mais que esse projeto de poder tenha se mostrado um desastre, é preciso dizer que, no dia 8, só os que se deram bem no governo ou que se fanatizaram aderiram ao plano de tomada de poder dos radicais.

Os militares têm, agora, a missão de reconstruir as relações com os civis e a disciplina entre os milhares de integrantes da reserva. O caso do coronel Adriano Testoni não é único. Após ofender o Exército e seus generais no dia 8, o coronel bolsonarista foi indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM), concluído em 3 dias, depois de ter sido aberto por ordem do general Gustavo Henrique Dutra Menezes, comandante do CMP. Enfrentar o extremismo será uma das principais missões da atual geração de oficiais. Com o devido processo legal, mas sem passar a mão na cabeça ou anistiar os bandidos que envergonharam o País.

Um dos piores dias da história do Brasil. É assim que generais ouvidos pelo Estadão classificaram o que houve na Esplanada dos Ministérios, no dia 8, em Brasília. Uma semana antes, o Comando Militar do Planalto (CMP) havia mobilizado 6 mil homens para garantir a segurança da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sem que estes pudessem ser vistos ou simplesmente aparecer. E tudo saiu como planejado. Nada estragou a festa do presidente eleito.

Blindado e tropa de choque do Exército cercam acampamento em frente ao QG, em Brasília, na noite do dia 8 Foto: Arquivo pessoal

O que houve, então, para que a segurança falhasse e a chamada “tomada de poder” levada a cabo pelos extremistas pudesse ser concluída com a invasão e depredação das sedes do três Poderes? Houve um apagão na área de inteligência, e o cenário que o CMP tinha era o de mais uma manifestação, como tantas outras levadas a cabo pelo bolsonarismo nos últimos dois anos. Todas, apesar de muitas de suas palavras de ordem serem manifestamente golpistas – intervenção militar, fechar o STF e o Congresso, etc – não haviam passado da palavra para a ação.

Mas o cenário que a chefia da Segurança Pública do Distrito Federal e que os militares do Exército trabalhavam estava errado. Faltou aos responsáveis pela segurança e pelos órgãos de inteligência a correta leitura da tempestade que se avizinhava. E havia raios e trovoadas que a anunciavam nas últimas semanas. Episódios de violência haviam sido registrados em dezenas de atos e protestos dos que estavam inconformados com a eleição de Lula. Eles se repetiram nas estradas, com tentativas de assassinato de policiais rodoviários; nas cidades, com as agressões a estudantes e em outros atentados à ordem pública.

Até que, na véspera do Natal, bolsonaristas tentaram explodir uma bomba em um caminhão-tanque em Brasília. A tentativa frustrada podia causar caos e mortes no aeroporto de Brasília. Mas não foi suficiente para alertar as autoridades. Muitos dos que tinham responsabilidade institucional continuaram a escalar a crise, como o almirante Almir Garnier Santos, que se recusou a passar o comando da Marinha ao sucessor, o almirante Marcos Sampaio Olsen. Garnier empregara mulher e filho no governo Bolsonaro. E esqueceu que a continência se presta à Presidência e não ao presidente, adubando o extremismo.

Era evidente que a radicalização dos perdedores na eleição lentamente deixava o campo das palavras para passar ao das ações. Saía da arena política para “continuá-la” nos movimentos armados. Foi assim que se convocou a intentona do dia 8. Chamada pelos radicais de “tomada do poder”, seus organizadores pediam a participação de militares da reserva que tivessem experiência para enfrentar policiais na manifestação. Deixavam claro que a intenção era acampar na sede dos três Poderes para forçar a ação das Forças Armadas a fim de derrubar Lula. Seguiam o modelos dos golpes registrados recentemente na Bolívia e no Sri Lanka.

Para ter sucesso, a intentona bolsonarista contava com a simpatia que o movimento despertava nos quartéis. Assim também outros radicais no passado tentaram tomar o poder por meio de insurreições armadas nos anos 1920 e 1930. A última vez que um partido político tentara usar essa fórmula foi em 1938, quando o tenente Severo Fournier liderou os fascistas da Ação Integralista Brasileira no assalto ao Palácio da Guanabara, no Rio, então residência oficial da Presidência. Três anos antes, os comunistas, liderados por Luiz Carlos Prestes, haviam tentado tomar o poder, rebelando unidades militares no Rio e no Nordeste.

Fournier e Prestes apostavam no apoio que teriam no Exército e na Armada. E falharam. O mesmo se passou agora com a intentona bolsonarista. É possível que a simpatia pelos acampados na frente dos quartéis tenha levado muitos dos generais a subestimar a ameaça representada pelos extremistas, o que os impediu de analisar corretamente o processo de radicalização acelerada desse grupo. A ideia de que os episódios de fanatismo se reproduziam sem maiores consequências ajudou a criar a avaliação errada.

Agora, confrontados com o fracasso da estratégia para desmobilizar os acampamentos na frente dos quartéis, os generais se veem diante da desconfiança de que teriam sido lenientes com os extremistas. Trata-se de julgamento açodado. Se alguém queria dar um golpe – e a minuta apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres mostra que havia sim quem desejasse isso –, é necessário dizer que a ruptura constitucional só não ocorreu porque os criminosos não obtiveram o apoio que esperavam nas Forças Armadas.

Ainda assim é necessário estabelecer as responsabilidades sobre o que aconteceu em Brasília. E as Inteligências Policial e Militar são as principais responsáveis pelo que houve. Ou por incompetência de ver o que qualquer jornalista já sabia desde sexta-feira, dia 6 – os planos violentos do bolsonarismo –, ou por conivência criminosa. Em qualquer dos casos, o bom senso exige que seus chefes sejam mudados. É preciso apurar as responsabilidades e isolar os extremistas.

Mas também se deve fazer Justiça. O golpe só não teve sucesso também porque, desde os coronéis até o Alto Comandos das Forças, os chefes militares não aceitaram a ruptura desejada pelos extremistas. Eles cumpriram com seu dever. Em tempos extremos, de polarização, a decisão desses homens deve ser reconhecida. Por mais que a simpatia passada dos generais pelo que hoje é chamado de bolsonarismo exista e por mais que esse projeto de poder tenha se mostrado um desastre, é preciso dizer que, no dia 8, só os que se deram bem no governo ou que se fanatizaram aderiram ao plano de tomada de poder dos radicais.

Os militares têm, agora, a missão de reconstruir as relações com os civis e a disciplina entre os milhares de integrantes da reserva. O caso do coronel Adriano Testoni não é único. Após ofender o Exército e seus generais no dia 8, o coronel bolsonarista foi indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM), concluído em 3 dias, depois de ter sido aberto por ordem do general Gustavo Henrique Dutra Menezes, comandante do CMP. Enfrentar o extremismo será uma das principais missões da atual geração de oficiais. Com o devido processo legal, mas sem passar a mão na cabeça ou anistiar os bandidos que envergonharam o País.

Um dos piores dias da história do Brasil. É assim que generais ouvidos pelo Estadão classificaram o que houve na Esplanada dos Ministérios, no dia 8, em Brasília. Uma semana antes, o Comando Militar do Planalto (CMP) havia mobilizado 6 mil homens para garantir a segurança da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sem que estes pudessem ser vistos ou simplesmente aparecer. E tudo saiu como planejado. Nada estragou a festa do presidente eleito.

Blindado e tropa de choque do Exército cercam acampamento em frente ao QG, em Brasília, na noite do dia 8 Foto: Arquivo pessoal

O que houve, então, para que a segurança falhasse e a chamada “tomada de poder” levada a cabo pelos extremistas pudesse ser concluída com a invasão e depredação das sedes do três Poderes? Houve um apagão na área de inteligência, e o cenário que o CMP tinha era o de mais uma manifestação, como tantas outras levadas a cabo pelo bolsonarismo nos últimos dois anos. Todas, apesar de muitas de suas palavras de ordem serem manifestamente golpistas – intervenção militar, fechar o STF e o Congresso, etc – não haviam passado da palavra para a ação.

Mas o cenário que a chefia da Segurança Pública do Distrito Federal e que os militares do Exército trabalhavam estava errado. Faltou aos responsáveis pela segurança e pelos órgãos de inteligência a correta leitura da tempestade que se avizinhava. E havia raios e trovoadas que a anunciavam nas últimas semanas. Episódios de violência haviam sido registrados em dezenas de atos e protestos dos que estavam inconformados com a eleição de Lula. Eles se repetiram nas estradas, com tentativas de assassinato de policiais rodoviários; nas cidades, com as agressões a estudantes e em outros atentados à ordem pública.

Até que, na véspera do Natal, bolsonaristas tentaram explodir uma bomba em um caminhão-tanque em Brasília. A tentativa frustrada podia causar caos e mortes no aeroporto de Brasília. Mas não foi suficiente para alertar as autoridades. Muitos dos que tinham responsabilidade institucional continuaram a escalar a crise, como o almirante Almir Garnier Santos, que se recusou a passar o comando da Marinha ao sucessor, o almirante Marcos Sampaio Olsen. Garnier empregara mulher e filho no governo Bolsonaro. E esqueceu que a continência se presta à Presidência e não ao presidente, adubando o extremismo.

Era evidente que a radicalização dos perdedores na eleição lentamente deixava o campo das palavras para passar ao das ações. Saía da arena política para “continuá-la” nos movimentos armados. Foi assim que se convocou a intentona do dia 8. Chamada pelos radicais de “tomada do poder”, seus organizadores pediam a participação de militares da reserva que tivessem experiência para enfrentar policiais na manifestação. Deixavam claro que a intenção era acampar na sede dos três Poderes para forçar a ação das Forças Armadas a fim de derrubar Lula. Seguiam o modelos dos golpes registrados recentemente na Bolívia e no Sri Lanka.

Para ter sucesso, a intentona bolsonarista contava com a simpatia que o movimento despertava nos quartéis. Assim também outros radicais no passado tentaram tomar o poder por meio de insurreições armadas nos anos 1920 e 1930. A última vez que um partido político tentara usar essa fórmula foi em 1938, quando o tenente Severo Fournier liderou os fascistas da Ação Integralista Brasileira no assalto ao Palácio da Guanabara, no Rio, então residência oficial da Presidência. Três anos antes, os comunistas, liderados por Luiz Carlos Prestes, haviam tentado tomar o poder, rebelando unidades militares no Rio e no Nordeste.

Fournier e Prestes apostavam no apoio que teriam no Exército e na Armada. E falharam. O mesmo se passou agora com a intentona bolsonarista. É possível que a simpatia pelos acampados na frente dos quartéis tenha levado muitos dos generais a subestimar a ameaça representada pelos extremistas, o que os impediu de analisar corretamente o processo de radicalização acelerada desse grupo. A ideia de que os episódios de fanatismo se reproduziam sem maiores consequências ajudou a criar a avaliação errada.

Agora, confrontados com o fracasso da estratégia para desmobilizar os acampamentos na frente dos quartéis, os generais se veem diante da desconfiança de que teriam sido lenientes com os extremistas. Trata-se de julgamento açodado. Se alguém queria dar um golpe – e a minuta apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres mostra que havia sim quem desejasse isso –, é necessário dizer que a ruptura constitucional só não ocorreu porque os criminosos não obtiveram o apoio que esperavam nas Forças Armadas.

Ainda assim é necessário estabelecer as responsabilidades sobre o que aconteceu em Brasília. E as Inteligências Policial e Militar são as principais responsáveis pelo que houve. Ou por incompetência de ver o que qualquer jornalista já sabia desde sexta-feira, dia 6 – os planos violentos do bolsonarismo –, ou por conivência criminosa. Em qualquer dos casos, o bom senso exige que seus chefes sejam mudados. É preciso apurar as responsabilidades e isolar os extremistas.

Mas também se deve fazer Justiça. O golpe só não teve sucesso também porque, desde os coronéis até o Alto Comandos das Forças, os chefes militares não aceitaram a ruptura desejada pelos extremistas. Eles cumpriram com seu dever. Em tempos extremos, de polarização, a decisão desses homens deve ser reconhecida. Por mais que a simpatia passada dos generais pelo que hoje é chamado de bolsonarismo exista e por mais que esse projeto de poder tenha se mostrado um desastre, é preciso dizer que, no dia 8, só os que se deram bem no governo ou que se fanatizaram aderiram ao plano de tomada de poder dos radicais.

Os militares têm, agora, a missão de reconstruir as relações com os civis e a disciplina entre os milhares de integrantes da reserva. O caso do coronel Adriano Testoni não é único. Após ofender o Exército e seus generais no dia 8, o coronel bolsonarista foi indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM), concluído em 3 dias, depois de ter sido aberto por ordem do general Gustavo Henrique Dutra Menezes, comandante do CMP. Enfrentar o extremismo será uma das principais missões da atual geração de oficiais. Com o devido processo legal, mas sem passar a mão na cabeça ou anistiar os bandidos que envergonharam o País.

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