As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Fanatismo da lei do aborto que obriga a mulher a ter o fruto do monstro legaliza tortura da vítima


Parecia uma boa ideia desgastar o governo com a pauta de costumes, mas a esperteza se voltou contra o dono, expondo o óbvio: leis não devem impor injustiça e crueldade às vítimas da maldade

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Parecia uma boa ideia: contrariar o STF e, ao mesmo tempo, pôr nas costas de Lula e Janja o rótulo de defensores do aborto. Desgastar o governo com a pauta de costumes era o objetivo. Desta vez, no entanto, o petismo não mordeu a isca. Lula ficou em silêncio e Janja fez que não era com ela até que o feitiço se voltou contra a bancada dos costumes, massacrada por defender para a mulher estuprada o dobro da pena reservada ao abusador que deixar em seu ventre o fruto da relação monstruosa. Só então, Lula e Janja falaram.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto sobre o aborto que pune vítimas de estupro. Foto: Divulgação.

Eis a miséria da política. Até aí, seria só mais um caso em que a esperteza demasiada devorou o dono. Mas não. A ideia de obrigar mulheres a ter filhos de estupradores atenta contra o artigo 5.º da Constituição. Lá está: ninguém será submetido a castigo cruel ou desumano. E o que é fazer a mulher levar no ventre a lembrança do estupro por nove meses senão a imposição de tortura?

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O fanatismo dos talebans do Congresso, liderados por Sóstenes Cavalcante, e apoiados por Arthur Lira, esbarrou em um dos maiores dilemas humanos: a diferença entre o justo e o legal. Bertolt Brecht nos legou O Círculo de Giz Caucasiano para mostrá-lo.

A Bíblia cuida dele em Mateus: 12. Sóstenes se comporta como os fariseus, que questionavam Jesus sobre seus discípulos que, em um sábado, colhiam espigas para comê-las. “Se vocês soubessem o que significam certas palavras: ‘desejo misericórdia, não sacrifício’, não teriam condenado inocentes.” Cristo lançou o anátema à arrogância dos que se julgam doutores: “Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas?”

A arrogância e o fanatismo de quem tenta usar a República para impor suas convicções são contrários à pastoral que busca o acolhimento, o que papa Francisco mostrou ao tratar do casamento gay: “Quem sou eu para condenar?” A responsabilidade é indissociável do ato de julgar.

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Os deputados têm todo o direito de legislar sobre crimes e penas. Têm legitimidade. Mas, desde os gregos, a liberdade sempre foi entendida como “eu posso” e não como “eu quero”. É por isso que, embora possam, as leis não devem servir para impor injustiça e crueldade às vítimas da maldade do estupro.

Hannah Arendt ensinava que o mal, para os cristãos, é um obstáculo – skandalon – que os poderes humanos não podem remover. Por isso, todo malfeitor aparece como o homem que não deveria ter nascido. “Seria melhor para ele que uma pedra de moinho fosse dependurada em seu pescoço e ele lançado ao mar.” O skandalon não pode ser reparado pelo perdão ou pela punição. O projeto taleban é um escândalo. Às vítimas de estupro, o Estado deve proteção. Enfim, uma empatia que Sóstenes e seu grupo são incapazes de sentir.

Parecia uma boa ideia: contrariar o STF e, ao mesmo tempo, pôr nas costas de Lula e Janja o rótulo de defensores do aborto. Desgastar o governo com a pauta de costumes era o objetivo. Desta vez, no entanto, o petismo não mordeu a isca. Lula ficou em silêncio e Janja fez que não era com ela até que o feitiço se voltou contra a bancada dos costumes, massacrada por defender para a mulher estuprada o dobro da pena reservada ao abusador que deixar em seu ventre o fruto da relação monstruosa. Só então, Lula e Janja falaram.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto sobre o aborto que pune vítimas de estupro. Foto: Divulgação.

Eis a miséria da política. Até aí, seria só mais um caso em que a esperteza demasiada devorou o dono. Mas não. A ideia de obrigar mulheres a ter filhos de estupradores atenta contra o artigo 5.º da Constituição. Lá está: ninguém será submetido a castigo cruel ou desumano. E o que é fazer a mulher levar no ventre a lembrança do estupro por nove meses senão a imposição de tortura?

O fanatismo dos talebans do Congresso, liderados por Sóstenes Cavalcante, e apoiados por Arthur Lira, esbarrou em um dos maiores dilemas humanos: a diferença entre o justo e o legal. Bertolt Brecht nos legou O Círculo de Giz Caucasiano para mostrá-lo.

A Bíblia cuida dele em Mateus: 12. Sóstenes se comporta como os fariseus, que questionavam Jesus sobre seus discípulos que, em um sábado, colhiam espigas para comê-las. “Se vocês soubessem o que significam certas palavras: ‘desejo misericórdia, não sacrifício’, não teriam condenado inocentes.” Cristo lançou o anátema à arrogância dos que se julgam doutores: “Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas?”

A arrogância e o fanatismo de quem tenta usar a República para impor suas convicções são contrários à pastoral que busca o acolhimento, o que papa Francisco mostrou ao tratar do casamento gay: “Quem sou eu para condenar?” A responsabilidade é indissociável do ato de julgar.

Os deputados têm todo o direito de legislar sobre crimes e penas. Têm legitimidade. Mas, desde os gregos, a liberdade sempre foi entendida como “eu posso” e não como “eu quero”. É por isso que, embora possam, as leis não devem servir para impor injustiça e crueldade às vítimas da maldade do estupro.

Hannah Arendt ensinava que o mal, para os cristãos, é um obstáculo – skandalon – que os poderes humanos não podem remover. Por isso, todo malfeitor aparece como o homem que não deveria ter nascido. “Seria melhor para ele que uma pedra de moinho fosse dependurada em seu pescoço e ele lançado ao mar.” O skandalon não pode ser reparado pelo perdão ou pela punição. O projeto taleban é um escândalo. Às vítimas de estupro, o Estado deve proteção. Enfim, uma empatia que Sóstenes e seu grupo são incapazes de sentir.

Parecia uma boa ideia: contrariar o STF e, ao mesmo tempo, pôr nas costas de Lula e Janja o rótulo de defensores do aborto. Desgastar o governo com a pauta de costumes era o objetivo. Desta vez, no entanto, o petismo não mordeu a isca. Lula ficou em silêncio e Janja fez que não era com ela até que o feitiço se voltou contra a bancada dos costumes, massacrada por defender para a mulher estuprada o dobro da pena reservada ao abusador que deixar em seu ventre o fruto da relação monstruosa. Só então, Lula e Janja falaram.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto sobre o aborto que pune vítimas de estupro. Foto: Divulgação.

Eis a miséria da política. Até aí, seria só mais um caso em que a esperteza demasiada devorou o dono. Mas não. A ideia de obrigar mulheres a ter filhos de estupradores atenta contra o artigo 5.º da Constituição. Lá está: ninguém será submetido a castigo cruel ou desumano. E o que é fazer a mulher levar no ventre a lembrança do estupro por nove meses senão a imposição de tortura?

O fanatismo dos talebans do Congresso, liderados por Sóstenes Cavalcante, e apoiados por Arthur Lira, esbarrou em um dos maiores dilemas humanos: a diferença entre o justo e o legal. Bertolt Brecht nos legou O Círculo de Giz Caucasiano para mostrá-lo.

A Bíblia cuida dele em Mateus: 12. Sóstenes se comporta como os fariseus, que questionavam Jesus sobre seus discípulos que, em um sábado, colhiam espigas para comê-las. “Se vocês soubessem o que significam certas palavras: ‘desejo misericórdia, não sacrifício’, não teriam condenado inocentes.” Cristo lançou o anátema à arrogância dos que se julgam doutores: “Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas?”

A arrogância e o fanatismo de quem tenta usar a República para impor suas convicções são contrários à pastoral que busca o acolhimento, o que papa Francisco mostrou ao tratar do casamento gay: “Quem sou eu para condenar?” A responsabilidade é indissociável do ato de julgar.

Os deputados têm todo o direito de legislar sobre crimes e penas. Têm legitimidade. Mas, desde os gregos, a liberdade sempre foi entendida como “eu posso” e não como “eu quero”. É por isso que, embora possam, as leis não devem servir para impor injustiça e crueldade às vítimas da maldade do estupro.

Hannah Arendt ensinava que o mal, para os cristãos, é um obstáculo – skandalon – que os poderes humanos não podem remover. Por isso, todo malfeitor aparece como o homem que não deveria ter nascido. “Seria melhor para ele que uma pedra de moinho fosse dependurada em seu pescoço e ele lançado ao mar.” O skandalon não pode ser reparado pelo perdão ou pela punição. O projeto taleban é um escândalo. Às vítimas de estupro, o Estado deve proteção. Enfim, uma empatia que Sóstenes e seu grupo são incapazes de sentir.

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