As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Fé e Fuzil: Como os evangélicos e o crime organizado contribuíram para diminuir os assassinatos


Livro do pesquisador Bruno Paes Manso mostra como as regras do crime organizado em busca de lucros e das denominações evangélicas em busca de almas ajudaram a conter a onda de assassinatos nas periferias

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Os colonos da América Latina se deixaram atrair pela esperança de achar em suas conquistas um paraíso feito de riqueza mundana e beatitude. Assim Sérgio Buarque de Holanda estudou os motivos edênicos na colonização do País em Visão do Paraíso. “Colombo exprimira isso ao dizer que com o ouro tudo se pode fazer nesse mundo, e ainda se mandam almas ao céu.”

Rebelião de detentos no Presídio de Alcaçuz, na Grande Natal, marcou fase de alta de homicídios em 2017 Foto: Marco Antônio Carvalho/Estadão

Durante muito tempo o debate sobre a violência nas cidades brasileiras olhou para os números e deixou de lado as “visões do paraíso” que acompanhavam a transformação do País agrário em um grande aglomerado urbano com comunidades erguidas e destruídas na mesma velocidade do desenraizamento de quem trocava as redes de proteção e crenças do campo pela voragem da cidade.

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O pesquisador Bruno Paes Manso começou a inverter essa lógica nos anos 1990, ao estudar o homem nessa engrenagem, desde a reportagem transformada em etnografia sobre os matadores da periferia paulistana, em O Homem X – primeira de suas investigações sobre a violência –, até sua nova obra: A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil no século XXI. O ciclo de 40 anos de violência fez a cidade de São Paulo ter uma taxa de 65 mortes por cem mil habitantes em 1999, curva que se inverteu de uma hora para outra nos anos 2000. O controle de armas, a prisão de matadores e o fechamento de bares foram, no início, as explicações para a taxa de homicídios cair para 4,4 em 2022.

Mais uma vez, Bruno foi conhecer o que havia de carne e osso nos números. E lá estava o PCC, espécie de agência reguladora dos delitos, rompendo o ciclo de vinganças que trazia prejuízos ao crime. Era o fuzil colocando ordem onde não havia. Ao seu lado, surgia outro fenômeno: a guerra contra o mal das igrejas evangélicas com curas e milagres, como a de Marcelinho, o bandido que sobreviveu aos 12 tiros disparados após implorar a Deus que o salvasse. E a fé se uniria ao fuzil nos traficantes evangélicos do TCP, no Rio.

O pesquisador Bruno Paes Manso Foto: Amanda Perobelli/Estadão
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Novas autoridades, vindas de dentro da sociedade, legitimavam-se. Traziam projetos para a crise do indivíduo, reprogramando mentes para gerar ordem e propósito. A transformação social não viria por meio de políticas públicas, mas pelo espírito sagrado e empreendedor.

Quem vive à beira do fim do mundo não precisa erguer a Cidade dos Homens após obter a graça. Criou-se um novo País nas periferias e foi este, com suas visões do paraíso, que Bruno foi escutar, assim como Sérgio Buarque, que procurou afugentar do presente os demônios da história. Não há como voltar atrás e buscar no passado o remédio para as nossas misérias. Mas há como compreender. Foi o que Bruno fez em sua obra.

Os colonos da América Latina se deixaram atrair pela esperança de achar em suas conquistas um paraíso feito de riqueza mundana e beatitude. Assim Sérgio Buarque de Holanda estudou os motivos edênicos na colonização do País em Visão do Paraíso. “Colombo exprimira isso ao dizer que com o ouro tudo se pode fazer nesse mundo, e ainda se mandam almas ao céu.”

Rebelião de detentos no Presídio de Alcaçuz, na Grande Natal, marcou fase de alta de homicídios em 2017 Foto: Marco Antônio Carvalho/Estadão

Durante muito tempo o debate sobre a violência nas cidades brasileiras olhou para os números e deixou de lado as “visões do paraíso” que acompanhavam a transformação do País agrário em um grande aglomerado urbano com comunidades erguidas e destruídas na mesma velocidade do desenraizamento de quem trocava as redes de proteção e crenças do campo pela voragem da cidade.

O pesquisador Bruno Paes Manso começou a inverter essa lógica nos anos 1990, ao estudar o homem nessa engrenagem, desde a reportagem transformada em etnografia sobre os matadores da periferia paulistana, em O Homem X – primeira de suas investigações sobre a violência –, até sua nova obra: A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil no século XXI. O ciclo de 40 anos de violência fez a cidade de São Paulo ter uma taxa de 65 mortes por cem mil habitantes em 1999, curva que se inverteu de uma hora para outra nos anos 2000. O controle de armas, a prisão de matadores e o fechamento de bares foram, no início, as explicações para a taxa de homicídios cair para 4,4 em 2022.

Mais uma vez, Bruno foi conhecer o que havia de carne e osso nos números. E lá estava o PCC, espécie de agência reguladora dos delitos, rompendo o ciclo de vinganças que trazia prejuízos ao crime. Era o fuzil colocando ordem onde não havia. Ao seu lado, surgia outro fenômeno: a guerra contra o mal das igrejas evangélicas com curas e milagres, como a de Marcelinho, o bandido que sobreviveu aos 12 tiros disparados após implorar a Deus que o salvasse. E a fé se uniria ao fuzil nos traficantes evangélicos do TCP, no Rio.

O pesquisador Bruno Paes Manso Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Novas autoridades, vindas de dentro da sociedade, legitimavam-se. Traziam projetos para a crise do indivíduo, reprogramando mentes para gerar ordem e propósito. A transformação social não viria por meio de políticas públicas, mas pelo espírito sagrado e empreendedor.

Quem vive à beira do fim do mundo não precisa erguer a Cidade dos Homens após obter a graça. Criou-se um novo País nas periferias e foi este, com suas visões do paraíso, que Bruno foi escutar, assim como Sérgio Buarque, que procurou afugentar do presente os demônios da história. Não há como voltar atrás e buscar no passado o remédio para as nossas misérias. Mas há como compreender. Foi o que Bruno fez em sua obra.

Os colonos da América Latina se deixaram atrair pela esperança de achar em suas conquistas um paraíso feito de riqueza mundana e beatitude. Assim Sérgio Buarque de Holanda estudou os motivos edênicos na colonização do País em Visão do Paraíso. “Colombo exprimira isso ao dizer que com o ouro tudo se pode fazer nesse mundo, e ainda se mandam almas ao céu.”

Rebelião de detentos no Presídio de Alcaçuz, na Grande Natal, marcou fase de alta de homicídios em 2017 Foto: Marco Antônio Carvalho/Estadão

Durante muito tempo o debate sobre a violência nas cidades brasileiras olhou para os números e deixou de lado as “visões do paraíso” que acompanhavam a transformação do País agrário em um grande aglomerado urbano com comunidades erguidas e destruídas na mesma velocidade do desenraizamento de quem trocava as redes de proteção e crenças do campo pela voragem da cidade.

O pesquisador Bruno Paes Manso começou a inverter essa lógica nos anos 1990, ao estudar o homem nessa engrenagem, desde a reportagem transformada em etnografia sobre os matadores da periferia paulistana, em O Homem X – primeira de suas investigações sobre a violência –, até sua nova obra: A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil no século XXI. O ciclo de 40 anos de violência fez a cidade de São Paulo ter uma taxa de 65 mortes por cem mil habitantes em 1999, curva que se inverteu de uma hora para outra nos anos 2000. O controle de armas, a prisão de matadores e o fechamento de bares foram, no início, as explicações para a taxa de homicídios cair para 4,4 em 2022.

Mais uma vez, Bruno foi conhecer o que havia de carne e osso nos números. E lá estava o PCC, espécie de agência reguladora dos delitos, rompendo o ciclo de vinganças que trazia prejuízos ao crime. Era o fuzil colocando ordem onde não havia. Ao seu lado, surgia outro fenômeno: a guerra contra o mal das igrejas evangélicas com curas e milagres, como a de Marcelinho, o bandido que sobreviveu aos 12 tiros disparados após implorar a Deus que o salvasse. E a fé se uniria ao fuzil nos traficantes evangélicos do TCP, no Rio.

O pesquisador Bruno Paes Manso Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Novas autoridades, vindas de dentro da sociedade, legitimavam-se. Traziam projetos para a crise do indivíduo, reprogramando mentes para gerar ordem e propósito. A transformação social não viria por meio de políticas públicas, mas pelo espírito sagrado e empreendedor.

Quem vive à beira do fim do mundo não precisa erguer a Cidade dos Homens após obter a graça. Criou-se um novo País nas periferias e foi este, com suas visões do paraíso, que Bruno foi escutar, assim como Sérgio Buarque, que procurou afugentar do presente os demônios da história. Não há como voltar atrás e buscar no passado o remédio para as nossas misérias. Mas há como compreender. Foi o que Bruno fez em sua obra.

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