As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Lei militar mostra que coronel Cid deve ser expulso do Exército, e mulher tratada como viúva


Código determina perda do posto, patente e condecorações aos condenados a mais de 2 anos de prisão; só nos 5 casos de falsificação da cartão de vacinação a pena já ultrapassa esse limite

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Uma conta simples ronda a cabeça do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid. Ela está no texto do artigo 99 do Código Penal Militar (CPM): “A perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações”.

O fundamento para a expulsão é previsto ainda na Constituição. Está no 3.º parágrafo do artigo 142, o mesmo cujo caput os golpistas que circulavam em torno de Cid desejavam usar para anular a eleição e manter Jair Bolsonaro no poder. É essa conta jurídica que fez o ex-ajudante de ordens trocar de advogado e buscar uma defesa própria, distante dos advogados que cuidam dos casos de seu antigo chefe.

O tenente-coronel Cid durante entrevista coletiva, em Brasília, em outubro de 2021 Foto: Dida Sampaio/Estadão
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A situação de Cid, segundo analistas ouvidos pela coluna, é quase aquela em que o advogado luta apenas por uma condenação justa, diante da impossibilidade de se arguir a inocência. Só no caso das falsificações das carteiras de vacinação, a Polícia Federal reuniu cinco acusações documentadas de inserção de dados falsos em um sistema de informações público, o DataSUS. Responderiam por elas os funcionários responsáveis pela inserção dos dados e quem mais a Justiça decidir que concorreu para o crime.

Diz o tipo penal: “Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da administração pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”. A pena vai de dois anos a 12 anos de prisão. E ainda que ela não seja o resultado da soma das penas para cada inserção, a condenação mínima será superior a dois anos em razão das múltiplas infrações cometidas.

A matemática jurídica contra o coronel, que permanece preso em quartel, não para aí. Documentos falsificados – as carteiras de vacinação – foram emitidos. Em tese, o delito de falsificação do documento público consumou-se. E o artigo 297 do Código Penal afirma: “Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: pena – reclusão, de 2 a 6 anos, e multa”.

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Joias de R$ 5 milhões dadas ao casal Bolsonaro e retidas na alfândega.  Foto: Foto: Divulgação

Pior. No caso de o autor ser funcionário público e se prevalecer do cargo para cometer o delito, a pena é aumentada em um sexto. Cid é tenente-coronel e é suspeito de se usar o cargo de ajudante de ordens para determinar a ação ilegal. Assim, caso seja acusado deste delito, a pena mínima em caso de condenação seria de dois anos e três meses, o que automaticamente determinaria a perda do posto e da patente.

Esses cálculos não incluem outras investigações nas quais o tenente-coronel está enredado, como a da tentativa de golpe de Estado e a sobre as jóias das Arábias, aquela muamba de R$ 5 milhões apreendida pela Receita Federal quando era introduzida no País sem ser declarada à aduana. Todos esses cálculos e situações fazem parte de uma espécie de matemática do opróbrio, aquela que, dependendo do delito praticado – como é no caso do peculato –, tem o poder de declarar um militar indigno do oficialato.

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De nada adiantaria Cid pedir passagem para a reserva. Diz o juiz-auditor da Justiça Militar de São Paulo Ronaldo João Roth, autor de Direito Militar – Doutrinas e Aplicações, que o artigo 99 do CPM vale para oficiais da ativa e da reserva: “Aplica-se aos oficiais da ativa e da reserva não só com base na condenação a pena privativa de liberdade acima de dois anos em vitrine crime comum ou militar, mas também por desvio de conduta que torne o oficial incapaz para continuar com a patente, por meio de Conselho de Justificação”.

Restaria, portanto, ao coronel a tentativa de impugnar as provas, mostrando a origem ilícita de toda a investigação e, por meio de uma nulidade reconhecida, inutilizar tudo o que a PF tem para acusá-lo. Ou ainda a opção de uma remota colaboração premiada, caso ela seja possível e haja o que delatar. Diante da espada que paira sobre o seu pescoço, Cid pode terminar como outro investigado pela PF: o major Ailton Barros. Expulso do Exército, a mulher do ex-militar recebe pensão como se ele estivesse morto.

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Aspirante da turma de 2000 da Academia das Agulhas Negras (Aman), Cid é filho de general e neto de coronel. Os amigos o descrevem como um oficial inteligente e querido na Força Terrestre. Caso do general Roberto Sebastião Peternelli Júnior, ex-deputado federal. “Não há por que mantê-lo preso tanto tempo. Ele tem o direito de responder às acusações em liberdade.” Cid cresceu entre militares. Seu futuro seria brilhante caso Bolsonaro não tivesse sido eleito presidente, em 2018.

Deputado federal Roberto Sebastião Peternelli (União-SP) em vídeo, após lançar sua candidatura à presidência da Câmara Foto: Reprodução

Durante o governo do capitão, Cid era um auxiliar onipresente. Consequência da amizade de sua família com a de Bolsonaro: seu pai, o general Mauro César Lourena Cid, foi colega de turma do presidente na Aman. Oficial da Arma de Artilharia, Cid se tornou um Força Especial (FE), assim como vários integrantes do governo. A coluna ouviu dois FEs – generais da ativa – que conhecem Cid e afirmaram ter alertado o tenente-coronel a respeito de seu protagonismo no governo. Pediram que tomasse cuidado, pois ele estava em uma bolha e muita gente ali pensava que aquele momento não acabaria nunca.

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Ao êxtase da vitória, juntou-se a certeza de que o Poder Executivo era anômico e infinito. Muitos esqueceram da advertência da arquitetura de Oscar Niemeyer: a rampa do Planalto lembra aos mandatários que o caminho para cima é o mesmo da saída, a cada quatro anos. E uma miríade de personagens obscuros e pequenos aproveitou-se da embriaguez dos que se deixavam envolver pelas três tentações de Brasília: dinheiro, poder e privilégio. Tratava-se de um roteiro conhecido.

De fato, o caso de Cid é parecido com tantos outros em nossa história – o que faz o senso comum pensar que todo homem poderoso tem um Gregório Fortunato à sua sombra. Todos, indistintamente, esqueceram-se do caráter retributivo da Justiça, em que o delito é uma afronta à sociedade. Muitos militares lamentam o destino do tenente-coronel. Nenhuma débâcle é agradável de se ver. Comprovada a culpa, no entanto, esperam uma pena justa e proporcional à intensidade e à gravidade das condutas.

Uma conta simples ronda a cabeça do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid. Ela está no texto do artigo 99 do Código Penal Militar (CPM): “A perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações”.

O fundamento para a expulsão é previsto ainda na Constituição. Está no 3.º parágrafo do artigo 142, o mesmo cujo caput os golpistas que circulavam em torno de Cid desejavam usar para anular a eleição e manter Jair Bolsonaro no poder. É essa conta jurídica que fez o ex-ajudante de ordens trocar de advogado e buscar uma defesa própria, distante dos advogados que cuidam dos casos de seu antigo chefe.

O tenente-coronel Cid durante entrevista coletiva, em Brasília, em outubro de 2021 Foto: Dida Sampaio/Estadão

A situação de Cid, segundo analistas ouvidos pela coluna, é quase aquela em que o advogado luta apenas por uma condenação justa, diante da impossibilidade de se arguir a inocência. Só no caso das falsificações das carteiras de vacinação, a Polícia Federal reuniu cinco acusações documentadas de inserção de dados falsos em um sistema de informações público, o DataSUS. Responderiam por elas os funcionários responsáveis pela inserção dos dados e quem mais a Justiça decidir que concorreu para o crime.

Diz o tipo penal: “Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da administração pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”. A pena vai de dois anos a 12 anos de prisão. E ainda que ela não seja o resultado da soma das penas para cada inserção, a condenação mínima será superior a dois anos em razão das múltiplas infrações cometidas.

A matemática jurídica contra o coronel, que permanece preso em quartel, não para aí. Documentos falsificados – as carteiras de vacinação – foram emitidos. Em tese, o delito de falsificação do documento público consumou-se. E o artigo 297 do Código Penal afirma: “Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: pena – reclusão, de 2 a 6 anos, e multa”.

Joias de R$ 5 milhões dadas ao casal Bolsonaro e retidas na alfândega.  Foto: Foto: Divulgação

Pior. No caso de o autor ser funcionário público e se prevalecer do cargo para cometer o delito, a pena é aumentada em um sexto. Cid é tenente-coronel e é suspeito de se usar o cargo de ajudante de ordens para determinar a ação ilegal. Assim, caso seja acusado deste delito, a pena mínima em caso de condenação seria de dois anos e três meses, o que automaticamente determinaria a perda do posto e da patente.

Esses cálculos não incluem outras investigações nas quais o tenente-coronel está enredado, como a da tentativa de golpe de Estado e a sobre as jóias das Arábias, aquela muamba de R$ 5 milhões apreendida pela Receita Federal quando era introduzida no País sem ser declarada à aduana. Todos esses cálculos e situações fazem parte de uma espécie de matemática do opróbrio, aquela que, dependendo do delito praticado – como é no caso do peculato –, tem o poder de declarar um militar indigno do oficialato.

De nada adiantaria Cid pedir passagem para a reserva. Diz o juiz-auditor da Justiça Militar de São Paulo Ronaldo João Roth, autor de Direito Militar – Doutrinas e Aplicações, que o artigo 99 do CPM vale para oficiais da ativa e da reserva: “Aplica-se aos oficiais da ativa e da reserva não só com base na condenação a pena privativa de liberdade acima de dois anos em vitrine crime comum ou militar, mas também por desvio de conduta que torne o oficial incapaz para continuar com a patente, por meio de Conselho de Justificação”.

Restaria, portanto, ao coronel a tentativa de impugnar as provas, mostrando a origem ilícita de toda a investigação e, por meio de uma nulidade reconhecida, inutilizar tudo o que a PF tem para acusá-lo. Ou ainda a opção de uma remota colaboração premiada, caso ela seja possível e haja o que delatar. Diante da espada que paira sobre o seu pescoço, Cid pode terminar como outro investigado pela PF: o major Ailton Barros. Expulso do Exército, a mulher do ex-militar recebe pensão como se ele estivesse morto.

Aspirante da turma de 2000 da Academia das Agulhas Negras (Aman), Cid é filho de general e neto de coronel. Os amigos o descrevem como um oficial inteligente e querido na Força Terrestre. Caso do general Roberto Sebastião Peternelli Júnior, ex-deputado federal. “Não há por que mantê-lo preso tanto tempo. Ele tem o direito de responder às acusações em liberdade.” Cid cresceu entre militares. Seu futuro seria brilhante caso Bolsonaro não tivesse sido eleito presidente, em 2018.

Deputado federal Roberto Sebastião Peternelli (União-SP) em vídeo, após lançar sua candidatura à presidência da Câmara Foto: Reprodução

Durante o governo do capitão, Cid era um auxiliar onipresente. Consequência da amizade de sua família com a de Bolsonaro: seu pai, o general Mauro César Lourena Cid, foi colega de turma do presidente na Aman. Oficial da Arma de Artilharia, Cid se tornou um Força Especial (FE), assim como vários integrantes do governo. A coluna ouviu dois FEs – generais da ativa – que conhecem Cid e afirmaram ter alertado o tenente-coronel a respeito de seu protagonismo no governo. Pediram que tomasse cuidado, pois ele estava em uma bolha e muita gente ali pensava que aquele momento não acabaria nunca.

Ao êxtase da vitória, juntou-se a certeza de que o Poder Executivo era anômico e infinito. Muitos esqueceram da advertência da arquitetura de Oscar Niemeyer: a rampa do Planalto lembra aos mandatários que o caminho para cima é o mesmo da saída, a cada quatro anos. E uma miríade de personagens obscuros e pequenos aproveitou-se da embriaguez dos que se deixavam envolver pelas três tentações de Brasília: dinheiro, poder e privilégio. Tratava-se de um roteiro conhecido.

De fato, o caso de Cid é parecido com tantos outros em nossa história – o que faz o senso comum pensar que todo homem poderoso tem um Gregório Fortunato à sua sombra. Todos, indistintamente, esqueceram-se do caráter retributivo da Justiça, em que o delito é uma afronta à sociedade. Muitos militares lamentam o destino do tenente-coronel. Nenhuma débâcle é agradável de se ver. Comprovada a culpa, no entanto, esperam uma pena justa e proporcional à intensidade e à gravidade das condutas.

Uma conta simples ronda a cabeça do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid. Ela está no texto do artigo 99 do Código Penal Militar (CPM): “A perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações”.

O fundamento para a expulsão é previsto ainda na Constituição. Está no 3.º parágrafo do artigo 142, o mesmo cujo caput os golpistas que circulavam em torno de Cid desejavam usar para anular a eleição e manter Jair Bolsonaro no poder. É essa conta jurídica que fez o ex-ajudante de ordens trocar de advogado e buscar uma defesa própria, distante dos advogados que cuidam dos casos de seu antigo chefe.

O tenente-coronel Cid durante entrevista coletiva, em Brasília, em outubro de 2021 Foto: Dida Sampaio/Estadão

A situação de Cid, segundo analistas ouvidos pela coluna, é quase aquela em que o advogado luta apenas por uma condenação justa, diante da impossibilidade de se arguir a inocência. Só no caso das falsificações das carteiras de vacinação, a Polícia Federal reuniu cinco acusações documentadas de inserção de dados falsos em um sistema de informações público, o DataSUS. Responderiam por elas os funcionários responsáveis pela inserção dos dados e quem mais a Justiça decidir que concorreu para o crime.

Diz o tipo penal: “Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da administração pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”. A pena vai de dois anos a 12 anos de prisão. E ainda que ela não seja o resultado da soma das penas para cada inserção, a condenação mínima será superior a dois anos em razão das múltiplas infrações cometidas.

A matemática jurídica contra o coronel, que permanece preso em quartel, não para aí. Documentos falsificados – as carteiras de vacinação – foram emitidos. Em tese, o delito de falsificação do documento público consumou-se. E o artigo 297 do Código Penal afirma: “Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: pena – reclusão, de 2 a 6 anos, e multa”.

Joias de R$ 5 milhões dadas ao casal Bolsonaro e retidas na alfândega.  Foto: Foto: Divulgação

Pior. No caso de o autor ser funcionário público e se prevalecer do cargo para cometer o delito, a pena é aumentada em um sexto. Cid é tenente-coronel e é suspeito de se usar o cargo de ajudante de ordens para determinar a ação ilegal. Assim, caso seja acusado deste delito, a pena mínima em caso de condenação seria de dois anos e três meses, o que automaticamente determinaria a perda do posto e da patente.

Esses cálculos não incluem outras investigações nas quais o tenente-coronel está enredado, como a da tentativa de golpe de Estado e a sobre as jóias das Arábias, aquela muamba de R$ 5 milhões apreendida pela Receita Federal quando era introduzida no País sem ser declarada à aduana. Todos esses cálculos e situações fazem parte de uma espécie de matemática do opróbrio, aquela que, dependendo do delito praticado – como é no caso do peculato –, tem o poder de declarar um militar indigno do oficialato.

De nada adiantaria Cid pedir passagem para a reserva. Diz o juiz-auditor da Justiça Militar de São Paulo Ronaldo João Roth, autor de Direito Militar – Doutrinas e Aplicações, que o artigo 99 do CPM vale para oficiais da ativa e da reserva: “Aplica-se aos oficiais da ativa e da reserva não só com base na condenação a pena privativa de liberdade acima de dois anos em vitrine crime comum ou militar, mas também por desvio de conduta que torne o oficial incapaz para continuar com a patente, por meio de Conselho de Justificação”.

Restaria, portanto, ao coronel a tentativa de impugnar as provas, mostrando a origem ilícita de toda a investigação e, por meio de uma nulidade reconhecida, inutilizar tudo o que a PF tem para acusá-lo. Ou ainda a opção de uma remota colaboração premiada, caso ela seja possível e haja o que delatar. Diante da espada que paira sobre o seu pescoço, Cid pode terminar como outro investigado pela PF: o major Ailton Barros. Expulso do Exército, a mulher do ex-militar recebe pensão como se ele estivesse morto.

Aspirante da turma de 2000 da Academia das Agulhas Negras (Aman), Cid é filho de general e neto de coronel. Os amigos o descrevem como um oficial inteligente e querido na Força Terrestre. Caso do general Roberto Sebastião Peternelli Júnior, ex-deputado federal. “Não há por que mantê-lo preso tanto tempo. Ele tem o direito de responder às acusações em liberdade.” Cid cresceu entre militares. Seu futuro seria brilhante caso Bolsonaro não tivesse sido eleito presidente, em 2018.

Deputado federal Roberto Sebastião Peternelli (União-SP) em vídeo, após lançar sua candidatura à presidência da Câmara Foto: Reprodução

Durante o governo do capitão, Cid era um auxiliar onipresente. Consequência da amizade de sua família com a de Bolsonaro: seu pai, o general Mauro César Lourena Cid, foi colega de turma do presidente na Aman. Oficial da Arma de Artilharia, Cid se tornou um Força Especial (FE), assim como vários integrantes do governo. A coluna ouviu dois FEs – generais da ativa – que conhecem Cid e afirmaram ter alertado o tenente-coronel a respeito de seu protagonismo no governo. Pediram que tomasse cuidado, pois ele estava em uma bolha e muita gente ali pensava que aquele momento não acabaria nunca.

Ao êxtase da vitória, juntou-se a certeza de que o Poder Executivo era anômico e infinito. Muitos esqueceram da advertência da arquitetura de Oscar Niemeyer: a rampa do Planalto lembra aos mandatários que o caminho para cima é o mesmo da saída, a cada quatro anos. E uma miríade de personagens obscuros e pequenos aproveitou-se da embriaguez dos que se deixavam envolver pelas três tentações de Brasília: dinheiro, poder e privilégio. Tratava-se de um roteiro conhecido.

De fato, o caso de Cid é parecido com tantos outros em nossa história – o que faz o senso comum pensar que todo homem poderoso tem um Gregório Fortunato à sua sombra. Todos, indistintamente, esqueceram-se do caráter retributivo da Justiça, em que o delito é uma afronta à sociedade. Muitos militares lamentam o destino do tenente-coronel. Nenhuma débâcle é agradável de se ver. Comprovada a culpa, no entanto, esperam uma pena justa e proporcional à intensidade e à gravidade das condutas.

Uma conta simples ronda a cabeça do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid. Ela está no texto do artigo 99 do Código Penal Militar (CPM): “A perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações”.

O fundamento para a expulsão é previsto ainda na Constituição. Está no 3.º parágrafo do artigo 142, o mesmo cujo caput os golpistas que circulavam em torno de Cid desejavam usar para anular a eleição e manter Jair Bolsonaro no poder. É essa conta jurídica que fez o ex-ajudante de ordens trocar de advogado e buscar uma defesa própria, distante dos advogados que cuidam dos casos de seu antigo chefe.

O tenente-coronel Cid durante entrevista coletiva, em Brasília, em outubro de 2021 Foto: Dida Sampaio/Estadão

A situação de Cid, segundo analistas ouvidos pela coluna, é quase aquela em que o advogado luta apenas por uma condenação justa, diante da impossibilidade de se arguir a inocência. Só no caso das falsificações das carteiras de vacinação, a Polícia Federal reuniu cinco acusações documentadas de inserção de dados falsos em um sistema de informações público, o DataSUS. Responderiam por elas os funcionários responsáveis pela inserção dos dados e quem mais a Justiça decidir que concorreu para o crime.

Diz o tipo penal: “Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da administração pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”. A pena vai de dois anos a 12 anos de prisão. E ainda que ela não seja o resultado da soma das penas para cada inserção, a condenação mínima será superior a dois anos em razão das múltiplas infrações cometidas.

A matemática jurídica contra o coronel, que permanece preso em quartel, não para aí. Documentos falsificados – as carteiras de vacinação – foram emitidos. Em tese, o delito de falsificação do documento público consumou-se. E o artigo 297 do Código Penal afirma: “Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: pena – reclusão, de 2 a 6 anos, e multa”.

Joias de R$ 5 milhões dadas ao casal Bolsonaro e retidas na alfândega.  Foto: Foto: Divulgação

Pior. No caso de o autor ser funcionário público e se prevalecer do cargo para cometer o delito, a pena é aumentada em um sexto. Cid é tenente-coronel e é suspeito de se usar o cargo de ajudante de ordens para determinar a ação ilegal. Assim, caso seja acusado deste delito, a pena mínima em caso de condenação seria de dois anos e três meses, o que automaticamente determinaria a perda do posto e da patente.

Esses cálculos não incluem outras investigações nas quais o tenente-coronel está enredado, como a da tentativa de golpe de Estado e a sobre as jóias das Arábias, aquela muamba de R$ 5 milhões apreendida pela Receita Federal quando era introduzida no País sem ser declarada à aduana. Todos esses cálculos e situações fazem parte de uma espécie de matemática do opróbrio, aquela que, dependendo do delito praticado – como é no caso do peculato –, tem o poder de declarar um militar indigno do oficialato.

De nada adiantaria Cid pedir passagem para a reserva. Diz o juiz-auditor da Justiça Militar de São Paulo Ronaldo João Roth, autor de Direito Militar – Doutrinas e Aplicações, que o artigo 99 do CPM vale para oficiais da ativa e da reserva: “Aplica-se aos oficiais da ativa e da reserva não só com base na condenação a pena privativa de liberdade acima de dois anos em vitrine crime comum ou militar, mas também por desvio de conduta que torne o oficial incapaz para continuar com a patente, por meio de Conselho de Justificação”.

Restaria, portanto, ao coronel a tentativa de impugnar as provas, mostrando a origem ilícita de toda a investigação e, por meio de uma nulidade reconhecida, inutilizar tudo o que a PF tem para acusá-lo. Ou ainda a opção de uma remota colaboração premiada, caso ela seja possível e haja o que delatar. Diante da espada que paira sobre o seu pescoço, Cid pode terminar como outro investigado pela PF: o major Ailton Barros. Expulso do Exército, a mulher do ex-militar recebe pensão como se ele estivesse morto.

Aspirante da turma de 2000 da Academia das Agulhas Negras (Aman), Cid é filho de general e neto de coronel. Os amigos o descrevem como um oficial inteligente e querido na Força Terrestre. Caso do general Roberto Sebastião Peternelli Júnior, ex-deputado federal. “Não há por que mantê-lo preso tanto tempo. Ele tem o direito de responder às acusações em liberdade.” Cid cresceu entre militares. Seu futuro seria brilhante caso Bolsonaro não tivesse sido eleito presidente, em 2018.

Deputado federal Roberto Sebastião Peternelli (União-SP) em vídeo, após lançar sua candidatura à presidência da Câmara Foto: Reprodução

Durante o governo do capitão, Cid era um auxiliar onipresente. Consequência da amizade de sua família com a de Bolsonaro: seu pai, o general Mauro César Lourena Cid, foi colega de turma do presidente na Aman. Oficial da Arma de Artilharia, Cid se tornou um Força Especial (FE), assim como vários integrantes do governo. A coluna ouviu dois FEs – generais da ativa – que conhecem Cid e afirmaram ter alertado o tenente-coronel a respeito de seu protagonismo no governo. Pediram que tomasse cuidado, pois ele estava em uma bolha e muita gente ali pensava que aquele momento não acabaria nunca.

Ao êxtase da vitória, juntou-se a certeza de que o Poder Executivo era anômico e infinito. Muitos esqueceram da advertência da arquitetura de Oscar Niemeyer: a rampa do Planalto lembra aos mandatários que o caminho para cima é o mesmo da saída, a cada quatro anos. E uma miríade de personagens obscuros e pequenos aproveitou-se da embriaguez dos que se deixavam envolver pelas três tentações de Brasília: dinheiro, poder e privilégio. Tratava-se de um roteiro conhecido.

De fato, o caso de Cid é parecido com tantos outros em nossa história – o que faz o senso comum pensar que todo homem poderoso tem um Gregório Fortunato à sua sombra. Todos, indistintamente, esqueceram-se do caráter retributivo da Justiça, em que o delito é uma afronta à sociedade. Muitos militares lamentam o destino do tenente-coronel. Nenhuma débâcle é agradável de se ver. Comprovada a culpa, no entanto, esperam uma pena justa e proporcional à intensidade e à gravidade das condutas.

Uma conta simples ronda a cabeça do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid. Ela está no texto do artigo 99 do Código Penal Militar (CPM): “A perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações”.

O fundamento para a expulsão é previsto ainda na Constituição. Está no 3.º parágrafo do artigo 142, o mesmo cujo caput os golpistas que circulavam em torno de Cid desejavam usar para anular a eleição e manter Jair Bolsonaro no poder. É essa conta jurídica que fez o ex-ajudante de ordens trocar de advogado e buscar uma defesa própria, distante dos advogados que cuidam dos casos de seu antigo chefe.

O tenente-coronel Cid durante entrevista coletiva, em Brasília, em outubro de 2021 Foto: Dida Sampaio/Estadão

A situação de Cid, segundo analistas ouvidos pela coluna, é quase aquela em que o advogado luta apenas por uma condenação justa, diante da impossibilidade de se arguir a inocência. Só no caso das falsificações das carteiras de vacinação, a Polícia Federal reuniu cinco acusações documentadas de inserção de dados falsos em um sistema de informações público, o DataSUS. Responderiam por elas os funcionários responsáveis pela inserção dos dados e quem mais a Justiça decidir que concorreu para o crime.

Diz o tipo penal: “Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da administração pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”. A pena vai de dois anos a 12 anos de prisão. E ainda que ela não seja o resultado da soma das penas para cada inserção, a condenação mínima será superior a dois anos em razão das múltiplas infrações cometidas.

A matemática jurídica contra o coronel, que permanece preso em quartel, não para aí. Documentos falsificados – as carteiras de vacinação – foram emitidos. Em tese, o delito de falsificação do documento público consumou-se. E o artigo 297 do Código Penal afirma: “Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: pena – reclusão, de 2 a 6 anos, e multa”.

Joias de R$ 5 milhões dadas ao casal Bolsonaro e retidas na alfândega.  Foto: Foto: Divulgação

Pior. No caso de o autor ser funcionário público e se prevalecer do cargo para cometer o delito, a pena é aumentada em um sexto. Cid é tenente-coronel e é suspeito de se usar o cargo de ajudante de ordens para determinar a ação ilegal. Assim, caso seja acusado deste delito, a pena mínima em caso de condenação seria de dois anos e três meses, o que automaticamente determinaria a perda do posto e da patente.

Esses cálculos não incluem outras investigações nas quais o tenente-coronel está enredado, como a da tentativa de golpe de Estado e a sobre as jóias das Arábias, aquela muamba de R$ 5 milhões apreendida pela Receita Federal quando era introduzida no País sem ser declarada à aduana. Todos esses cálculos e situações fazem parte de uma espécie de matemática do opróbrio, aquela que, dependendo do delito praticado – como é no caso do peculato –, tem o poder de declarar um militar indigno do oficialato.

De nada adiantaria Cid pedir passagem para a reserva. Diz o juiz-auditor da Justiça Militar de São Paulo Ronaldo João Roth, autor de Direito Militar – Doutrinas e Aplicações, que o artigo 99 do CPM vale para oficiais da ativa e da reserva: “Aplica-se aos oficiais da ativa e da reserva não só com base na condenação a pena privativa de liberdade acima de dois anos em vitrine crime comum ou militar, mas também por desvio de conduta que torne o oficial incapaz para continuar com a patente, por meio de Conselho de Justificação”.

Restaria, portanto, ao coronel a tentativa de impugnar as provas, mostrando a origem ilícita de toda a investigação e, por meio de uma nulidade reconhecida, inutilizar tudo o que a PF tem para acusá-lo. Ou ainda a opção de uma remota colaboração premiada, caso ela seja possível e haja o que delatar. Diante da espada que paira sobre o seu pescoço, Cid pode terminar como outro investigado pela PF: o major Ailton Barros. Expulso do Exército, a mulher do ex-militar recebe pensão como se ele estivesse morto.

Aspirante da turma de 2000 da Academia das Agulhas Negras (Aman), Cid é filho de general e neto de coronel. Os amigos o descrevem como um oficial inteligente e querido na Força Terrestre. Caso do general Roberto Sebastião Peternelli Júnior, ex-deputado federal. “Não há por que mantê-lo preso tanto tempo. Ele tem o direito de responder às acusações em liberdade.” Cid cresceu entre militares. Seu futuro seria brilhante caso Bolsonaro não tivesse sido eleito presidente, em 2018.

Deputado federal Roberto Sebastião Peternelli (União-SP) em vídeo, após lançar sua candidatura à presidência da Câmara Foto: Reprodução

Durante o governo do capitão, Cid era um auxiliar onipresente. Consequência da amizade de sua família com a de Bolsonaro: seu pai, o general Mauro César Lourena Cid, foi colega de turma do presidente na Aman. Oficial da Arma de Artilharia, Cid se tornou um Força Especial (FE), assim como vários integrantes do governo. A coluna ouviu dois FEs – generais da ativa – que conhecem Cid e afirmaram ter alertado o tenente-coronel a respeito de seu protagonismo no governo. Pediram que tomasse cuidado, pois ele estava em uma bolha e muita gente ali pensava que aquele momento não acabaria nunca.

Ao êxtase da vitória, juntou-se a certeza de que o Poder Executivo era anômico e infinito. Muitos esqueceram da advertência da arquitetura de Oscar Niemeyer: a rampa do Planalto lembra aos mandatários que o caminho para cima é o mesmo da saída, a cada quatro anos. E uma miríade de personagens obscuros e pequenos aproveitou-se da embriaguez dos que se deixavam envolver pelas três tentações de Brasília: dinheiro, poder e privilégio. Tratava-se de um roteiro conhecido.

De fato, o caso de Cid é parecido com tantos outros em nossa história – o que faz o senso comum pensar que todo homem poderoso tem um Gregório Fortunato à sua sombra. Todos, indistintamente, esqueceram-se do caráter retributivo da Justiça, em que o delito é uma afronta à sociedade. Muitos militares lamentam o destino do tenente-coronel. Nenhuma débâcle é agradável de se ver. Comprovada a culpa, no entanto, esperam uma pena justa e proporcional à intensidade e à gravidade das condutas.

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