As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Análise|Luz vermelha acendeu para a Defesa do Brasil, e Forças Armadas buscam caças F-16 e salvar Avibras


Depois de anos sem ver seu entorno estratégico perturbado por ameaças e da dificuldade enfrentadas para a defesa de Roraima, militares pressionam por soluções para o setor

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Era 6 de junho de 2009, quando a corveta Caboclo da Marinha brasileira recolheu os primeiros destroços do Airbus A330 que fazia o voo Rio-Paris e caíra no meio do Oceano Atlântico, perto de Fernando de Noronha, matando todos os seus 228 passageiros e tripulantes. A corveta da Marinha brasileira causava espanto nos marinheiros franceses que acompanhavam as buscas em embarcações modernas de sua força naval. Pudera, tinha 55 anos de uso. Passados 15 anos, se hoje um novo acidente acontecer na mesma região, Caboclo – hoje com 70 anos – será a responsável por cobrir as águas próximas a Salvador, na Bahia.

Teste do míssil MSS 1.2 AC; armamento é capaz de perfurar 530 mm de blindagem de aço e é altamente eficaz contra alvos a até 2 mil metros de distância Foto: Reprodução/Instituto Militar de Engenharia

É esta situação de sucateamento e de atrasos na entrega de novos meios que fez acender a luz vermelha dos comandantes das três Forças. Foi o que eles disseram recentemente na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), da Câmara dos Deputados. Ali, naquele dia, uma imagem na apresentação do brigadeiro Marcelo Damasceno, comandante da Força Aérea, mostrava o caça Gripen ao lado de outra aeronave de caça. Desde então surgiram rumores sobre os planos da FAB para enfrentar um desafio.

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É que enquanto a Venezuela dispõe de seus Sukhoi SU-30 e F-16 em operação, a Força Aérea Brasileira vive um momento tão perigoso quanto o da Marinha. Ambas estão aposentando boa parte de seus meios nos próximos cinco anos sem que haja uma solução temporária para que o País não fique desguarnecido, enquanto novos meios não são fabricados ou comprados. No caso da FAB, essa ameaça tem duas origens: a antiguidade da frota de caças F-5, que foram modernizados, mas são dos anos 1970, e dos aviões de ataque ao solo AMX, produzidos pela Embraer em consórcio com fabricantes italianos nos anos 1980.

Em abril, após 35 anos de serviços, a Aeronáutica Militar – a força aérea daquele país – aposentou o AMX. Ela chegou a ter 110 unidades da aeronave. Já o Brasil ainda mantém cerca de 30 dessas aeronaves, que deverão ser desativadas também em breve. O mesmo acontece com os F-5, que hoje são a coluna dorsal da FAB. O País está sofrendo agora os atrasos, as idas e vindas, do programa de renovação de sua aviação de caça, depois que aposentou os Mirages franceses no começo dos anos 2000.

A opção pela compra do Gripen sueco, com um pacote de transferência de tecnologia e com a montagem no Brasil pela Embraer de 15 dos 36 caças comprados da Suécia, mostrou-se muito demorada. A tal ponto que a crise de Essequibo, na qual a Venezuela do ditador Maduro ameaçou invadir a Guiana, pegou a defesa aérea sem ter nenhum dos sete Gripens já entregues totalmente pronto para o combate. Não só. Faltava combustível para que a Marinha pudesse operar na região, levando fuzileiros, armas e munições pelo Amazonas.

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O resultado foi que todo o reforço das tropas da 1ª Brigada de Infantaria de Selva teve de ser feito por terra e com a ajuda de barcaças da FAB, em uma operação logística que demorou meses. Ao todo, foram gastos R$ 217 milhões nas três fases da operação logística, iniciada em 22 de novembro de 2023. Além disso, foram enviados a Roraima equipamentos avaliados em R$ 228 milhões. Isso tudo sobrecarregando um orçamento que já tinha um rombo de R$ 500 milhões previsto para 2024 – e antes de outros tantos milhões terem sido gastos com o socorro às vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul.

Há cerca de 15 dias, diante da constante movimentação de tropas venezuelanas perto da Guiana e do Brasil, o Exército decidiu transferir parte de seus blindados sobre rodas de Boa Vista para Pacaraima, na fronteira com o País. Foi ainda para o norte que foram enviados quase todas as unidades disponíveis do novo míssil anticarro MSS 1.2 AC, que tem capacidade para perfurar 530 mm de blindagens, a fim de fazer frente a qualquer aventura venezuelana. As dificuldades logísticas para a proteção da área, no entanto, permanecem.

Foi nesse cenário que a FAB admitiu que iniciou consultas internacionais para comprar um lote de 24 caças Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon (Viper) com os EUA. O modelo desejado pelos brasileiros é o F-16C/D, mais moderno do que os adquiridos recentemente de segunda mão pela Argentina, que recebeu um lote da Dinamarca – a exemplo de outros países europeus, a Dinamarca está se desfazendo dessas aeronaves após encomendar modernos caças F-35, também fabricados pela Lockheed, em razão da ameaça representada pela Rússia por causa de sua política imperialista na Ucrânia.

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Enquanto a FAB busca aviões nas prateleiras internacionais, a Marinha se vê às voltas com o sucateamento de sua frota. Ela deve ser obrigada, segundo o almirante Marcos Olsen, a aposentar 40% dela nos próximos quatro anos, o que deve deixar as costas brasileiras sujeitas a ameaças de potências estrangeiras.

Pior. Os efeitos do ajuste fiscal do governo ameaçam novamente os recursos necessários para combustível e munições, a exemplo do que já ocorreu em 2023, quando ela só recebeu 57% do combustível mínimo para manter seus navios se deslocando. Sem isso, alertou o almirante, não há como dissuadir as ameaças à segurança do País.

A Marinha, a exemplo da FAB com os Gripens, conta com futuras entregas de quatro fragatas e de mais um submarino, mas viu ameaçada a verba para a construção do submarino convencional a propulsão nuclear, o Álvaro Alberto, no último bloqueio de recursos decretado pela Junta de Execução Orçamentária, em março. Foi para enfrentar essa inconstância das verbas para a Defesa que o comandante passou a defender a chamada PEC dos 2%, a fixação na Constituição de um valor equivalente a 2% do Produto Interno Bruto para o setor no Orçamento da União.

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Para a Marinha, movimentações de potências extrarregionais no Atlântico Sul, como o recente anúncio da construção de uma base naval conjunta entre os EUA e a Argentina, em Ushuaia, e a presença de embarcações francesas e chinesas na região colocam novos desafios à defesa da soberania do Brasil e da chamada Amazônia Azul, a área do oceano cujas riquezas o Brasil poderia explorar.

A corveta Caboclo, no porto de Salvador, na Bahia: navio tem 70 anos de uso Foto: Marinha do Brasil

Por fim, a movimentação do Exército e do Ministério da Defesa para encontrar uma solução para a Avibras se encaixa também nesse sinal vermelho que está iluminando o setor. A Avibras é uma das maiores indústrias bélicas do País. Está em recuperação judicial e com salário atrasado. Sindicalistas de São José dos Campos já procuraram deputados do PT, como Carlos Zarattini (PT-SP), que é membro da CREDN, em busca de uma solução. A esquerda sonha com uma estatização da empresa estratégica. O ministro José Mucio Monteiro Filho (Defesa) já avisou que o governo não tem dinheiro para cobrir o rombo bilionário da empresa.

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O impasse levou à busca de investidores estrangeiros. Até agora, três propostas não avançaram. A primeira era de uma empresa nacional que busca comprar a Avibras com um parceiro árabe. Não houve acordo sobre valores. A segunda era uma parceria feita por uma empresa tcheca que disputava um contrato bilionário do Exército para a compra de sua artilharia autopropulsada. Mas como a empresa escolhida foi a israelense Elbit, os tchecos perderam interesse na operação. Por fim, uma proposta de uma empresa australiana não foi adiante em razão de dificuldades da operação de financiamento.

Agora, o gigante chinês Norinco entregou na quinta-feira ao Ministério da Defesa uma carta na qual afirma seu interesse em comprar 49% da Avibras, o que deixaria o controle da empresa ainda no Brasil, mas permitiria injetar novos recursos para salvar a empresa. Os chineses querem transformar a Avibras em uma plataforma para produção de seus produtos com maior competitividade nos mercados do chamado Sul global.

Ao Exército, interessa uma solução rápida para a empresa a fim de garantir a conclusão das entregas do programa Astros 2000, de sua artilharia, e para a fabricação do Míssil Tático de Cruzeiro, com alcance de 300 quilômetros, fundamental para qualquer pretensão de defesa, segundo a estratégia antiacesso/negação de área. É de olho nesse novo cenário que o comandante do Exército, general Tomás Paiva, embarcará para visitar a China em busca de parcerias.

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Ou como ele disse ao Estadão: “Na parte de ciência e tecnologia, eu acho que tem coisas para a gente conversar, porque eles (chineses) são um polo de pesquisa de ciência e tecnologia. E também na parte de indústria de defesa, é interessante, porque eles estão avançados nessa área. Esses são os principais temas que são comuns e que interessam aos dois países.”

Antes, Tomás já passou pela Índia. De lá voltou com a ideia de adquirir um sistema de defesa antiaérea de média altura, uma das maiores deficiências do Exército brasileiro. Uma nova parceria, agora com a China, não espantaria, para um Exército que procura as melhores oportunidades para sanar suas vulnerabilidades em um ambiente de uma nova concorrência estratégica entre as potências. A ordem é buscar em toda parte, dos EUA à China, o que interessa ao Brasil. A perspectiva da guerra entre as grandes nações voltou ao cenário internacional. É hora de retirar das prateleiras os velhos livros de Raymond Aron.

Era 6 de junho de 2009, quando a corveta Caboclo da Marinha brasileira recolheu os primeiros destroços do Airbus A330 que fazia o voo Rio-Paris e caíra no meio do Oceano Atlântico, perto de Fernando de Noronha, matando todos os seus 228 passageiros e tripulantes. A corveta da Marinha brasileira causava espanto nos marinheiros franceses que acompanhavam as buscas em embarcações modernas de sua força naval. Pudera, tinha 55 anos de uso. Passados 15 anos, se hoje um novo acidente acontecer na mesma região, Caboclo – hoje com 70 anos – será a responsável por cobrir as águas próximas a Salvador, na Bahia.

Teste do míssil MSS 1.2 AC; armamento é capaz de perfurar 530 mm de blindagem de aço e é altamente eficaz contra alvos a até 2 mil metros de distância Foto: Reprodução/Instituto Militar de Engenharia

É esta situação de sucateamento e de atrasos na entrega de novos meios que fez acender a luz vermelha dos comandantes das três Forças. Foi o que eles disseram recentemente na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), da Câmara dos Deputados. Ali, naquele dia, uma imagem na apresentação do brigadeiro Marcelo Damasceno, comandante da Força Aérea, mostrava o caça Gripen ao lado de outra aeronave de caça. Desde então surgiram rumores sobre os planos da FAB para enfrentar um desafio.

É que enquanto a Venezuela dispõe de seus Sukhoi SU-30 e F-16 em operação, a Força Aérea Brasileira vive um momento tão perigoso quanto o da Marinha. Ambas estão aposentando boa parte de seus meios nos próximos cinco anos sem que haja uma solução temporária para que o País não fique desguarnecido, enquanto novos meios não são fabricados ou comprados. No caso da FAB, essa ameaça tem duas origens: a antiguidade da frota de caças F-5, que foram modernizados, mas são dos anos 1970, e dos aviões de ataque ao solo AMX, produzidos pela Embraer em consórcio com fabricantes italianos nos anos 1980.

Em abril, após 35 anos de serviços, a Aeronáutica Militar – a força aérea daquele país – aposentou o AMX. Ela chegou a ter 110 unidades da aeronave. Já o Brasil ainda mantém cerca de 30 dessas aeronaves, que deverão ser desativadas também em breve. O mesmo acontece com os F-5, que hoje são a coluna dorsal da FAB. O País está sofrendo agora os atrasos, as idas e vindas, do programa de renovação de sua aviação de caça, depois que aposentou os Mirages franceses no começo dos anos 2000.

A opção pela compra do Gripen sueco, com um pacote de transferência de tecnologia e com a montagem no Brasil pela Embraer de 15 dos 36 caças comprados da Suécia, mostrou-se muito demorada. A tal ponto que a crise de Essequibo, na qual a Venezuela do ditador Maduro ameaçou invadir a Guiana, pegou a defesa aérea sem ter nenhum dos sete Gripens já entregues totalmente pronto para o combate. Não só. Faltava combustível para que a Marinha pudesse operar na região, levando fuzileiros, armas e munições pelo Amazonas.

O resultado foi que todo o reforço das tropas da 1ª Brigada de Infantaria de Selva teve de ser feito por terra e com a ajuda de barcaças da FAB, em uma operação logística que demorou meses. Ao todo, foram gastos R$ 217 milhões nas três fases da operação logística, iniciada em 22 de novembro de 2023. Além disso, foram enviados a Roraima equipamentos avaliados em R$ 228 milhões. Isso tudo sobrecarregando um orçamento que já tinha um rombo de R$ 500 milhões previsto para 2024 – e antes de outros tantos milhões terem sido gastos com o socorro às vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul.

Há cerca de 15 dias, diante da constante movimentação de tropas venezuelanas perto da Guiana e do Brasil, o Exército decidiu transferir parte de seus blindados sobre rodas de Boa Vista para Pacaraima, na fronteira com o País. Foi ainda para o norte que foram enviados quase todas as unidades disponíveis do novo míssil anticarro MSS 1.2 AC, que tem capacidade para perfurar 530 mm de blindagens, a fim de fazer frente a qualquer aventura venezuelana. As dificuldades logísticas para a proteção da área, no entanto, permanecem.

Foi nesse cenário que a FAB admitiu que iniciou consultas internacionais para comprar um lote de 24 caças Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon (Viper) com os EUA. O modelo desejado pelos brasileiros é o F-16C/D, mais moderno do que os adquiridos recentemente de segunda mão pela Argentina, que recebeu um lote da Dinamarca – a exemplo de outros países europeus, a Dinamarca está se desfazendo dessas aeronaves após encomendar modernos caças F-35, também fabricados pela Lockheed, em razão da ameaça representada pela Rússia por causa de sua política imperialista na Ucrânia.

Enquanto a FAB busca aviões nas prateleiras internacionais, a Marinha se vê às voltas com o sucateamento de sua frota. Ela deve ser obrigada, segundo o almirante Marcos Olsen, a aposentar 40% dela nos próximos quatro anos, o que deve deixar as costas brasileiras sujeitas a ameaças de potências estrangeiras.

Pior. Os efeitos do ajuste fiscal do governo ameaçam novamente os recursos necessários para combustível e munições, a exemplo do que já ocorreu em 2023, quando ela só recebeu 57% do combustível mínimo para manter seus navios se deslocando. Sem isso, alertou o almirante, não há como dissuadir as ameaças à segurança do País.

A Marinha, a exemplo da FAB com os Gripens, conta com futuras entregas de quatro fragatas e de mais um submarino, mas viu ameaçada a verba para a construção do submarino convencional a propulsão nuclear, o Álvaro Alberto, no último bloqueio de recursos decretado pela Junta de Execução Orçamentária, em março. Foi para enfrentar essa inconstância das verbas para a Defesa que o comandante passou a defender a chamada PEC dos 2%, a fixação na Constituição de um valor equivalente a 2% do Produto Interno Bruto para o setor no Orçamento da União.

Para a Marinha, movimentações de potências extrarregionais no Atlântico Sul, como o recente anúncio da construção de uma base naval conjunta entre os EUA e a Argentina, em Ushuaia, e a presença de embarcações francesas e chinesas na região colocam novos desafios à defesa da soberania do Brasil e da chamada Amazônia Azul, a área do oceano cujas riquezas o Brasil poderia explorar.

A corveta Caboclo, no porto de Salvador, na Bahia: navio tem 70 anos de uso Foto: Marinha do Brasil

Por fim, a movimentação do Exército e do Ministério da Defesa para encontrar uma solução para a Avibras se encaixa também nesse sinal vermelho que está iluminando o setor. A Avibras é uma das maiores indústrias bélicas do País. Está em recuperação judicial e com salário atrasado. Sindicalistas de São José dos Campos já procuraram deputados do PT, como Carlos Zarattini (PT-SP), que é membro da CREDN, em busca de uma solução. A esquerda sonha com uma estatização da empresa estratégica. O ministro José Mucio Monteiro Filho (Defesa) já avisou que o governo não tem dinheiro para cobrir o rombo bilionário da empresa.

O impasse levou à busca de investidores estrangeiros. Até agora, três propostas não avançaram. A primeira era de uma empresa nacional que busca comprar a Avibras com um parceiro árabe. Não houve acordo sobre valores. A segunda era uma parceria feita por uma empresa tcheca que disputava um contrato bilionário do Exército para a compra de sua artilharia autopropulsada. Mas como a empresa escolhida foi a israelense Elbit, os tchecos perderam interesse na operação. Por fim, uma proposta de uma empresa australiana não foi adiante em razão de dificuldades da operação de financiamento.

Agora, o gigante chinês Norinco entregou na quinta-feira ao Ministério da Defesa uma carta na qual afirma seu interesse em comprar 49% da Avibras, o que deixaria o controle da empresa ainda no Brasil, mas permitiria injetar novos recursos para salvar a empresa. Os chineses querem transformar a Avibras em uma plataforma para produção de seus produtos com maior competitividade nos mercados do chamado Sul global.

Ao Exército, interessa uma solução rápida para a empresa a fim de garantir a conclusão das entregas do programa Astros 2000, de sua artilharia, e para a fabricação do Míssil Tático de Cruzeiro, com alcance de 300 quilômetros, fundamental para qualquer pretensão de defesa, segundo a estratégia antiacesso/negação de área. É de olho nesse novo cenário que o comandante do Exército, general Tomás Paiva, embarcará para visitar a China em busca de parcerias.

Ou como ele disse ao Estadão: “Na parte de ciência e tecnologia, eu acho que tem coisas para a gente conversar, porque eles (chineses) são um polo de pesquisa de ciência e tecnologia. E também na parte de indústria de defesa, é interessante, porque eles estão avançados nessa área. Esses são os principais temas que são comuns e que interessam aos dois países.”

Antes, Tomás já passou pela Índia. De lá voltou com a ideia de adquirir um sistema de defesa antiaérea de média altura, uma das maiores deficiências do Exército brasileiro. Uma nova parceria, agora com a China, não espantaria, para um Exército que procura as melhores oportunidades para sanar suas vulnerabilidades em um ambiente de uma nova concorrência estratégica entre as potências. A ordem é buscar em toda parte, dos EUA à China, o que interessa ao Brasil. A perspectiva da guerra entre as grandes nações voltou ao cenário internacional. É hora de retirar das prateleiras os velhos livros de Raymond Aron.

Era 6 de junho de 2009, quando a corveta Caboclo da Marinha brasileira recolheu os primeiros destroços do Airbus A330 que fazia o voo Rio-Paris e caíra no meio do Oceano Atlântico, perto de Fernando de Noronha, matando todos os seus 228 passageiros e tripulantes. A corveta da Marinha brasileira causava espanto nos marinheiros franceses que acompanhavam as buscas em embarcações modernas de sua força naval. Pudera, tinha 55 anos de uso. Passados 15 anos, se hoje um novo acidente acontecer na mesma região, Caboclo – hoje com 70 anos – será a responsável por cobrir as águas próximas a Salvador, na Bahia.

Teste do míssil MSS 1.2 AC; armamento é capaz de perfurar 530 mm de blindagem de aço e é altamente eficaz contra alvos a até 2 mil metros de distância Foto: Reprodução/Instituto Militar de Engenharia

É esta situação de sucateamento e de atrasos na entrega de novos meios que fez acender a luz vermelha dos comandantes das três Forças. Foi o que eles disseram recentemente na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), da Câmara dos Deputados. Ali, naquele dia, uma imagem na apresentação do brigadeiro Marcelo Damasceno, comandante da Força Aérea, mostrava o caça Gripen ao lado de outra aeronave de caça. Desde então surgiram rumores sobre os planos da FAB para enfrentar um desafio.

É que enquanto a Venezuela dispõe de seus Sukhoi SU-30 e F-16 em operação, a Força Aérea Brasileira vive um momento tão perigoso quanto o da Marinha. Ambas estão aposentando boa parte de seus meios nos próximos cinco anos sem que haja uma solução temporária para que o País não fique desguarnecido, enquanto novos meios não são fabricados ou comprados. No caso da FAB, essa ameaça tem duas origens: a antiguidade da frota de caças F-5, que foram modernizados, mas são dos anos 1970, e dos aviões de ataque ao solo AMX, produzidos pela Embraer em consórcio com fabricantes italianos nos anos 1980.

Em abril, após 35 anos de serviços, a Aeronáutica Militar – a força aérea daquele país – aposentou o AMX. Ela chegou a ter 110 unidades da aeronave. Já o Brasil ainda mantém cerca de 30 dessas aeronaves, que deverão ser desativadas também em breve. O mesmo acontece com os F-5, que hoje são a coluna dorsal da FAB. O País está sofrendo agora os atrasos, as idas e vindas, do programa de renovação de sua aviação de caça, depois que aposentou os Mirages franceses no começo dos anos 2000.

A opção pela compra do Gripen sueco, com um pacote de transferência de tecnologia e com a montagem no Brasil pela Embraer de 15 dos 36 caças comprados da Suécia, mostrou-se muito demorada. A tal ponto que a crise de Essequibo, na qual a Venezuela do ditador Maduro ameaçou invadir a Guiana, pegou a defesa aérea sem ter nenhum dos sete Gripens já entregues totalmente pronto para o combate. Não só. Faltava combustível para que a Marinha pudesse operar na região, levando fuzileiros, armas e munições pelo Amazonas.

O resultado foi que todo o reforço das tropas da 1ª Brigada de Infantaria de Selva teve de ser feito por terra e com a ajuda de barcaças da FAB, em uma operação logística que demorou meses. Ao todo, foram gastos R$ 217 milhões nas três fases da operação logística, iniciada em 22 de novembro de 2023. Além disso, foram enviados a Roraima equipamentos avaliados em R$ 228 milhões. Isso tudo sobrecarregando um orçamento que já tinha um rombo de R$ 500 milhões previsto para 2024 – e antes de outros tantos milhões terem sido gastos com o socorro às vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul.

Há cerca de 15 dias, diante da constante movimentação de tropas venezuelanas perto da Guiana e do Brasil, o Exército decidiu transferir parte de seus blindados sobre rodas de Boa Vista para Pacaraima, na fronteira com o País. Foi ainda para o norte que foram enviados quase todas as unidades disponíveis do novo míssil anticarro MSS 1.2 AC, que tem capacidade para perfurar 530 mm de blindagens, a fim de fazer frente a qualquer aventura venezuelana. As dificuldades logísticas para a proteção da área, no entanto, permanecem.

Foi nesse cenário que a FAB admitiu que iniciou consultas internacionais para comprar um lote de 24 caças Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon (Viper) com os EUA. O modelo desejado pelos brasileiros é o F-16C/D, mais moderno do que os adquiridos recentemente de segunda mão pela Argentina, que recebeu um lote da Dinamarca – a exemplo de outros países europeus, a Dinamarca está se desfazendo dessas aeronaves após encomendar modernos caças F-35, também fabricados pela Lockheed, em razão da ameaça representada pela Rússia por causa de sua política imperialista na Ucrânia.

Enquanto a FAB busca aviões nas prateleiras internacionais, a Marinha se vê às voltas com o sucateamento de sua frota. Ela deve ser obrigada, segundo o almirante Marcos Olsen, a aposentar 40% dela nos próximos quatro anos, o que deve deixar as costas brasileiras sujeitas a ameaças de potências estrangeiras.

Pior. Os efeitos do ajuste fiscal do governo ameaçam novamente os recursos necessários para combustível e munições, a exemplo do que já ocorreu em 2023, quando ela só recebeu 57% do combustível mínimo para manter seus navios se deslocando. Sem isso, alertou o almirante, não há como dissuadir as ameaças à segurança do País.

A Marinha, a exemplo da FAB com os Gripens, conta com futuras entregas de quatro fragatas e de mais um submarino, mas viu ameaçada a verba para a construção do submarino convencional a propulsão nuclear, o Álvaro Alberto, no último bloqueio de recursos decretado pela Junta de Execução Orçamentária, em março. Foi para enfrentar essa inconstância das verbas para a Defesa que o comandante passou a defender a chamada PEC dos 2%, a fixação na Constituição de um valor equivalente a 2% do Produto Interno Bruto para o setor no Orçamento da União.

Para a Marinha, movimentações de potências extrarregionais no Atlântico Sul, como o recente anúncio da construção de uma base naval conjunta entre os EUA e a Argentina, em Ushuaia, e a presença de embarcações francesas e chinesas na região colocam novos desafios à defesa da soberania do Brasil e da chamada Amazônia Azul, a área do oceano cujas riquezas o Brasil poderia explorar.

A corveta Caboclo, no porto de Salvador, na Bahia: navio tem 70 anos de uso Foto: Marinha do Brasil

Por fim, a movimentação do Exército e do Ministério da Defesa para encontrar uma solução para a Avibras se encaixa também nesse sinal vermelho que está iluminando o setor. A Avibras é uma das maiores indústrias bélicas do País. Está em recuperação judicial e com salário atrasado. Sindicalistas de São José dos Campos já procuraram deputados do PT, como Carlos Zarattini (PT-SP), que é membro da CREDN, em busca de uma solução. A esquerda sonha com uma estatização da empresa estratégica. O ministro José Mucio Monteiro Filho (Defesa) já avisou que o governo não tem dinheiro para cobrir o rombo bilionário da empresa.

O impasse levou à busca de investidores estrangeiros. Até agora, três propostas não avançaram. A primeira era de uma empresa nacional que busca comprar a Avibras com um parceiro árabe. Não houve acordo sobre valores. A segunda era uma parceria feita por uma empresa tcheca que disputava um contrato bilionário do Exército para a compra de sua artilharia autopropulsada. Mas como a empresa escolhida foi a israelense Elbit, os tchecos perderam interesse na operação. Por fim, uma proposta de uma empresa australiana não foi adiante em razão de dificuldades da operação de financiamento.

Agora, o gigante chinês Norinco entregou na quinta-feira ao Ministério da Defesa uma carta na qual afirma seu interesse em comprar 49% da Avibras, o que deixaria o controle da empresa ainda no Brasil, mas permitiria injetar novos recursos para salvar a empresa. Os chineses querem transformar a Avibras em uma plataforma para produção de seus produtos com maior competitividade nos mercados do chamado Sul global.

Ao Exército, interessa uma solução rápida para a empresa a fim de garantir a conclusão das entregas do programa Astros 2000, de sua artilharia, e para a fabricação do Míssil Tático de Cruzeiro, com alcance de 300 quilômetros, fundamental para qualquer pretensão de defesa, segundo a estratégia antiacesso/negação de área. É de olho nesse novo cenário que o comandante do Exército, general Tomás Paiva, embarcará para visitar a China em busca de parcerias.

Ou como ele disse ao Estadão: “Na parte de ciência e tecnologia, eu acho que tem coisas para a gente conversar, porque eles (chineses) são um polo de pesquisa de ciência e tecnologia. E também na parte de indústria de defesa, é interessante, porque eles estão avançados nessa área. Esses são os principais temas que são comuns e que interessam aos dois países.”

Antes, Tomás já passou pela Índia. De lá voltou com a ideia de adquirir um sistema de defesa antiaérea de média altura, uma das maiores deficiências do Exército brasileiro. Uma nova parceria, agora com a China, não espantaria, para um Exército que procura as melhores oportunidades para sanar suas vulnerabilidades em um ambiente de uma nova concorrência estratégica entre as potências. A ordem é buscar em toda parte, dos EUA à China, o que interessa ao Brasil. A perspectiva da guerra entre as grandes nações voltou ao cenário internacional. É hora de retirar das prateleiras os velhos livros de Raymond Aron.

Era 6 de junho de 2009, quando a corveta Caboclo da Marinha brasileira recolheu os primeiros destroços do Airbus A330 que fazia o voo Rio-Paris e caíra no meio do Oceano Atlântico, perto de Fernando de Noronha, matando todos os seus 228 passageiros e tripulantes. A corveta da Marinha brasileira causava espanto nos marinheiros franceses que acompanhavam as buscas em embarcações modernas de sua força naval. Pudera, tinha 55 anos de uso. Passados 15 anos, se hoje um novo acidente acontecer na mesma região, Caboclo – hoje com 70 anos – será a responsável por cobrir as águas próximas a Salvador, na Bahia.

Teste do míssil MSS 1.2 AC; armamento é capaz de perfurar 530 mm de blindagem de aço e é altamente eficaz contra alvos a até 2 mil metros de distância Foto: Reprodução/Instituto Militar de Engenharia

É esta situação de sucateamento e de atrasos na entrega de novos meios que fez acender a luz vermelha dos comandantes das três Forças. Foi o que eles disseram recentemente na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), da Câmara dos Deputados. Ali, naquele dia, uma imagem na apresentação do brigadeiro Marcelo Damasceno, comandante da Força Aérea, mostrava o caça Gripen ao lado de outra aeronave de caça. Desde então surgiram rumores sobre os planos da FAB para enfrentar um desafio.

É que enquanto a Venezuela dispõe de seus Sukhoi SU-30 e F-16 em operação, a Força Aérea Brasileira vive um momento tão perigoso quanto o da Marinha. Ambas estão aposentando boa parte de seus meios nos próximos cinco anos sem que haja uma solução temporária para que o País não fique desguarnecido, enquanto novos meios não são fabricados ou comprados. No caso da FAB, essa ameaça tem duas origens: a antiguidade da frota de caças F-5, que foram modernizados, mas são dos anos 1970, e dos aviões de ataque ao solo AMX, produzidos pela Embraer em consórcio com fabricantes italianos nos anos 1980.

Em abril, após 35 anos de serviços, a Aeronáutica Militar – a força aérea daquele país – aposentou o AMX. Ela chegou a ter 110 unidades da aeronave. Já o Brasil ainda mantém cerca de 30 dessas aeronaves, que deverão ser desativadas também em breve. O mesmo acontece com os F-5, que hoje são a coluna dorsal da FAB. O País está sofrendo agora os atrasos, as idas e vindas, do programa de renovação de sua aviação de caça, depois que aposentou os Mirages franceses no começo dos anos 2000.

A opção pela compra do Gripen sueco, com um pacote de transferência de tecnologia e com a montagem no Brasil pela Embraer de 15 dos 36 caças comprados da Suécia, mostrou-se muito demorada. A tal ponto que a crise de Essequibo, na qual a Venezuela do ditador Maduro ameaçou invadir a Guiana, pegou a defesa aérea sem ter nenhum dos sete Gripens já entregues totalmente pronto para o combate. Não só. Faltava combustível para que a Marinha pudesse operar na região, levando fuzileiros, armas e munições pelo Amazonas.

O resultado foi que todo o reforço das tropas da 1ª Brigada de Infantaria de Selva teve de ser feito por terra e com a ajuda de barcaças da FAB, em uma operação logística que demorou meses. Ao todo, foram gastos R$ 217 milhões nas três fases da operação logística, iniciada em 22 de novembro de 2023. Além disso, foram enviados a Roraima equipamentos avaliados em R$ 228 milhões. Isso tudo sobrecarregando um orçamento que já tinha um rombo de R$ 500 milhões previsto para 2024 – e antes de outros tantos milhões terem sido gastos com o socorro às vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul.

Há cerca de 15 dias, diante da constante movimentação de tropas venezuelanas perto da Guiana e do Brasil, o Exército decidiu transferir parte de seus blindados sobre rodas de Boa Vista para Pacaraima, na fronteira com o País. Foi ainda para o norte que foram enviados quase todas as unidades disponíveis do novo míssil anticarro MSS 1.2 AC, que tem capacidade para perfurar 530 mm de blindagens, a fim de fazer frente a qualquer aventura venezuelana. As dificuldades logísticas para a proteção da área, no entanto, permanecem.

Foi nesse cenário que a FAB admitiu que iniciou consultas internacionais para comprar um lote de 24 caças Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon (Viper) com os EUA. O modelo desejado pelos brasileiros é o F-16C/D, mais moderno do que os adquiridos recentemente de segunda mão pela Argentina, que recebeu um lote da Dinamarca – a exemplo de outros países europeus, a Dinamarca está se desfazendo dessas aeronaves após encomendar modernos caças F-35, também fabricados pela Lockheed, em razão da ameaça representada pela Rússia por causa de sua política imperialista na Ucrânia.

Enquanto a FAB busca aviões nas prateleiras internacionais, a Marinha se vê às voltas com o sucateamento de sua frota. Ela deve ser obrigada, segundo o almirante Marcos Olsen, a aposentar 40% dela nos próximos quatro anos, o que deve deixar as costas brasileiras sujeitas a ameaças de potências estrangeiras.

Pior. Os efeitos do ajuste fiscal do governo ameaçam novamente os recursos necessários para combustível e munições, a exemplo do que já ocorreu em 2023, quando ela só recebeu 57% do combustível mínimo para manter seus navios se deslocando. Sem isso, alertou o almirante, não há como dissuadir as ameaças à segurança do País.

A Marinha, a exemplo da FAB com os Gripens, conta com futuras entregas de quatro fragatas e de mais um submarino, mas viu ameaçada a verba para a construção do submarino convencional a propulsão nuclear, o Álvaro Alberto, no último bloqueio de recursos decretado pela Junta de Execução Orçamentária, em março. Foi para enfrentar essa inconstância das verbas para a Defesa que o comandante passou a defender a chamada PEC dos 2%, a fixação na Constituição de um valor equivalente a 2% do Produto Interno Bruto para o setor no Orçamento da União.

Para a Marinha, movimentações de potências extrarregionais no Atlântico Sul, como o recente anúncio da construção de uma base naval conjunta entre os EUA e a Argentina, em Ushuaia, e a presença de embarcações francesas e chinesas na região colocam novos desafios à defesa da soberania do Brasil e da chamada Amazônia Azul, a área do oceano cujas riquezas o Brasil poderia explorar.

A corveta Caboclo, no porto de Salvador, na Bahia: navio tem 70 anos de uso Foto: Marinha do Brasil

Por fim, a movimentação do Exército e do Ministério da Defesa para encontrar uma solução para a Avibras se encaixa também nesse sinal vermelho que está iluminando o setor. A Avibras é uma das maiores indústrias bélicas do País. Está em recuperação judicial e com salário atrasado. Sindicalistas de São José dos Campos já procuraram deputados do PT, como Carlos Zarattini (PT-SP), que é membro da CREDN, em busca de uma solução. A esquerda sonha com uma estatização da empresa estratégica. O ministro José Mucio Monteiro Filho (Defesa) já avisou que o governo não tem dinheiro para cobrir o rombo bilionário da empresa.

O impasse levou à busca de investidores estrangeiros. Até agora, três propostas não avançaram. A primeira era de uma empresa nacional que busca comprar a Avibras com um parceiro árabe. Não houve acordo sobre valores. A segunda era uma parceria feita por uma empresa tcheca que disputava um contrato bilionário do Exército para a compra de sua artilharia autopropulsada. Mas como a empresa escolhida foi a israelense Elbit, os tchecos perderam interesse na operação. Por fim, uma proposta de uma empresa australiana não foi adiante em razão de dificuldades da operação de financiamento.

Agora, o gigante chinês Norinco entregou na quinta-feira ao Ministério da Defesa uma carta na qual afirma seu interesse em comprar 49% da Avibras, o que deixaria o controle da empresa ainda no Brasil, mas permitiria injetar novos recursos para salvar a empresa. Os chineses querem transformar a Avibras em uma plataforma para produção de seus produtos com maior competitividade nos mercados do chamado Sul global.

Ao Exército, interessa uma solução rápida para a empresa a fim de garantir a conclusão das entregas do programa Astros 2000, de sua artilharia, e para a fabricação do Míssil Tático de Cruzeiro, com alcance de 300 quilômetros, fundamental para qualquer pretensão de defesa, segundo a estratégia antiacesso/negação de área. É de olho nesse novo cenário que o comandante do Exército, general Tomás Paiva, embarcará para visitar a China em busca de parcerias.

Ou como ele disse ao Estadão: “Na parte de ciência e tecnologia, eu acho que tem coisas para a gente conversar, porque eles (chineses) são um polo de pesquisa de ciência e tecnologia. E também na parte de indústria de defesa, é interessante, porque eles estão avançados nessa área. Esses são os principais temas que são comuns e que interessam aos dois países.”

Antes, Tomás já passou pela Índia. De lá voltou com a ideia de adquirir um sistema de defesa antiaérea de média altura, uma das maiores deficiências do Exército brasileiro. Uma nova parceria, agora com a China, não espantaria, para um Exército que procura as melhores oportunidades para sanar suas vulnerabilidades em um ambiente de uma nova concorrência estratégica entre as potências. A ordem é buscar em toda parte, dos EUA à China, o que interessa ao Brasil. A perspectiva da guerra entre as grandes nações voltou ao cenário internacional. É hora de retirar das prateleiras os velhos livros de Raymond Aron.

Era 6 de junho de 2009, quando a corveta Caboclo da Marinha brasileira recolheu os primeiros destroços do Airbus A330 que fazia o voo Rio-Paris e caíra no meio do Oceano Atlântico, perto de Fernando de Noronha, matando todos os seus 228 passageiros e tripulantes. A corveta da Marinha brasileira causava espanto nos marinheiros franceses que acompanhavam as buscas em embarcações modernas de sua força naval. Pudera, tinha 55 anos de uso. Passados 15 anos, se hoje um novo acidente acontecer na mesma região, Caboclo – hoje com 70 anos – será a responsável por cobrir as águas próximas a Salvador, na Bahia.

Teste do míssil MSS 1.2 AC; armamento é capaz de perfurar 530 mm de blindagem de aço e é altamente eficaz contra alvos a até 2 mil metros de distância Foto: Reprodução/Instituto Militar de Engenharia

É esta situação de sucateamento e de atrasos na entrega de novos meios que fez acender a luz vermelha dos comandantes das três Forças. Foi o que eles disseram recentemente na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), da Câmara dos Deputados. Ali, naquele dia, uma imagem na apresentação do brigadeiro Marcelo Damasceno, comandante da Força Aérea, mostrava o caça Gripen ao lado de outra aeronave de caça. Desde então surgiram rumores sobre os planos da FAB para enfrentar um desafio.

É que enquanto a Venezuela dispõe de seus Sukhoi SU-30 e F-16 em operação, a Força Aérea Brasileira vive um momento tão perigoso quanto o da Marinha. Ambas estão aposentando boa parte de seus meios nos próximos cinco anos sem que haja uma solução temporária para que o País não fique desguarnecido, enquanto novos meios não são fabricados ou comprados. No caso da FAB, essa ameaça tem duas origens: a antiguidade da frota de caças F-5, que foram modernizados, mas são dos anos 1970, e dos aviões de ataque ao solo AMX, produzidos pela Embraer em consórcio com fabricantes italianos nos anos 1980.

Em abril, após 35 anos de serviços, a Aeronáutica Militar – a força aérea daquele país – aposentou o AMX. Ela chegou a ter 110 unidades da aeronave. Já o Brasil ainda mantém cerca de 30 dessas aeronaves, que deverão ser desativadas também em breve. O mesmo acontece com os F-5, que hoje são a coluna dorsal da FAB. O País está sofrendo agora os atrasos, as idas e vindas, do programa de renovação de sua aviação de caça, depois que aposentou os Mirages franceses no começo dos anos 2000.

A opção pela compra do Gripen sueco, com um pacote de transferência de tecnologia e com a montagem no Brasil pela Embraer de 15 dos 36 caças comprados da Suécia, mostrou-se muito demorada. A tal ponto que a crise de Essequibo, na qual a Venezuela do ditador Maduro ameaçou invadir a Guiana, pegou a defesa aérea sem ter nenhum dos sete Gripens já entregues totalmente pronto para o combate. Não só. Faltava combustível para que a Marinha pudesse operar na região, levando fuzileiros, armas e munições pelo Amazonas.

O resultado foi que todo o reforço das tropas da 1ª Brigada de Infantaria de Selva teve de ser feito por terra e com a ajuda de barcaças da FAB, em uma operação logística que demorou meses. Ao todo, foram gastos R$ 217 milhões nas três fases da operação logística, iniciada em 22 de novembro de 2023. Além disso, foram enviados a Roraima equipamentos avaliados em R$ 228 milhões. Isso tudo sobrecarregando um orçamento que já tinha um rombo de R$ 500 milhões previsto para 2024 – e antes de outros tantos milhões terem sido gastos com o socorro às vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul.

Há cerca de 15 dias, diante da constante movimentação de tropas venezuelanas perto da Guiana e do Brasil, o Exército decidiu transferir parte de seus blindados sobre rodas de Boa Vista para Pacaraima, na fronteira com o País. Foi ainda para o norte que foram enviados quase todas as unidades disponíveis do novo míssil anticarro MSS 1.2 AC, que tem capacidade para perfurar 530 mm de blindagens, a fim de fazer frente a qualquer aventura venezuelana. As dificuldades logísticas para a proteção da área, no entanto, permanecem.

Foi nesse cenário que a FAB admitiu que iniciou consultas internacionais para comprar um lote de 24 caças Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon (Viper) com os EUA. O modelo desejado pelos brasileiros é o F-16C/D, mais moderno do que os adquiridos recentemente de segunda mão pela Argentina, que recebeu um lote da Dinamarca – a exemplo de outros países europeus, a Dinamarca está se desfazendo dessas aeronaves após encomendar modernos caças F-35, também fabricados pela Lockheed, em razão da ameaça representada pela Rússia por causa de sua política imperialista na Ucrânia.

Enquanto a FAB busca aviões nas prateleiras internacionais, a Marinha se vê às voltas com o sucateamento de sua frota. Ela deve ser obrigada, segundo o almirante Marcos Olsen, a aposentar 40% dela nos próximos quatro anos, o que deve deixar as costas brasileiras sujeitas a ameaças de potências estrangeiras.

Pior. Os efeitos do ajuste fiscal do governo ameaçam novamente os recursos necessários para combustível e munições, a exemplo do que já ocorreu em 2023, quando ela só recebeu 57% do combustível mínimo para manter seus navios se deslocando. Sem isso, alertou o almirante, não há como dissuadir as ameaças à segurança do País.

A Marinha, a exemplo da FAB com os Gripens, conta com futuras entregas de quatro fragatas e de mais um submarino, mas viu ameaçada a verba para a construção do submarino convencional a propulsão nuclear, o Álvaro Alberto, no último bloqueio de recursos decretado pela Junta de Execução Orçamentária, em março. Foi para enfrentar essa inconstância das verbas para a Defesa que o comandante passou a defender a chamada PEC dos 2%, a fixação na Constituição de um valor equivalente a 2% do Produto Interno Bruto para o setor no Orçamento da União.

Para a Marinha, movimentações de potências extrarregionais no Atlântico Sul, como o recente anúncio da construção de uma base naval conjunta entre os EUA e a Argentina, em Ushuaia, e a presença de embarcações francesas e chinesas na região colocam novos desafios à defesa da soberania do Brasil e da chamada Amazônia Azul, a área do oceano cujas riquezas o Brasil poderia explorar.

A corveta Caboclo, no porto de Salvador, na Bahia: navio tem 70 anos de uso Foto: Marinha do Brasil

Por fim, a movimentação do Exército e do Ministério da Defesa para encontrar uma solução para a Avibras se encaixa também nesse sinal vermelho que está iluminando o setor. A Avibras é uma das maiores indústrias bélicas do País. Está em recuperação judicial e com salário atrasado. Sindicalistas de São José dos Campos já procuraram deputados do PT, como Carlos Zarattini (PT-SP), que é membro da CREDN, em busca de uma solução. A esquerda sonha com uma estatização da empresa estratégica. O ministro José Mucio Monteiro Filho (Defesa) já avisou que o governo não tem dinheiro para cobrir o rombo bilionário da empresa.

O impasse levou à busca de investidores estrangeiros. Até agora, três propostas não avançaram. A primeira era de uma empresa nacional que busca comprar a Avibras com um parceiro árabe. Não houve acordo sobre valores. A segunda era uma parceria feita por uma empresa tcheca que disputava um contrato bilionário do Exército para a compra de sua artilharia autopropulsada. Mas como a empresa escolhida foi a israelense Elbit, os tchecos perderam interesse na operação. Por fim, uma proposta de uma empresa australiana não foi adiante em razão de dificuldades da operação de financiamento.

Agora, o gigante chinês Norinco entregou na quinta-feira ao Ministério da Defesa uma carta na qual afirma seu interesse em comprar 49% da Avibras, o que deixaria o controle da empresa ainda no Brasil, mas permitiria injetar novos recursos para salvar a empresa. Os chineses querem transformar a Avibras em uma plataforma para produção de seus produtos com maior competitividade nos mercados do chamado Sul global.

Ao Exército, interessa uma solução rápida para a empresa a fim de garantir a conclusão das entregas do programa Astros 2000, de sua artilharia, e para a fabricação do Míssil Tático de Cruzeiro, com alcance de 300 quilômetros, fundamental para qualquer pretensão de defesa, segundo a estratégia antiacesso/negação de área. É de olho nesse novo cenário que o comandante do Exército, general Tomás Paiva, embarcará para visitar a China em busca de parcerias.

Ou como ele disse ao Estadão: “Na parte de ciência e tecnologia, eu acho que tem coisas para a gente conversar, porque eles (chineses) são um polo de pesquisa de ciência e tecnologia. E também na parte de indústria de defesa, é interessante, porque eles estão avançados nessa área. Esses são os principais temas que são comuns e que interessam aos dois países.”

Antes, Tomás já passou pela Índia. De lá voltou com a ideia de adquirir um sistema de defesa antiaérea de média altura, uma das maiores deficiências do Exército brasileiro. Uma nova parceria, agora com a China, não espantaria, para um Exército que procura as melhores oportunidades para sanar suas vulnerabilidades em um ambiente de uma nova concorrência estratégica entre as potências. A ordem é buscar em toda parte, dos EUA à China, o que interessa ao Brasil. A perspectiva da guerra entre as grandes nações voltou ao cenário internacional. É hora de retirar das prateleiras os velhos livros de Raymond Aron.

Análise por Marcelo Godoy

Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.

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