As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Major bolsonarista, preso no caso das vacinas, já foi do PT e disse saber quem matou Marielle


Acusado de envolvimento na falsificação de certificados de vacinação, militar era acusado por superiores de dar comida do Exército à população de Natal e dar entrevista sem autorização sobre racismo e atropelar sentinela

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Seu número como candidato a deputado estadual foi o 13.599. O ano era 2002. O capitão Ailton Gonçalves Moraes Barros, o “01 de Bolsonaro”, aventurava-se pela primeira vez na política. Teve 1.606 votos e ficou em um distante 514.º lugar. Os dois primeiros números na urna eletrônica mostram que ele escolheu fazer isso não por um partido qualquer, que fosse indiferente aos seus companheiros. Barros era do PT.

Ailton Gonçalves Barros, preso na Operação Venire, na sede da Policia Federal, no centro do Rio de Janeiro, na manhã do dia 3 de maio. Foto: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO

A revelação está ali na página 9 da sentença do Superior Tribunal Militar (STM) que considerou o major” não justificado e incapaz de permanecer no serviço ativo”. O 01 de Bolsonaro disse que passou a ser vítima de perseguição política no Exército “após o lançamento de sua candidatura a deputado estadual pelo PT”.

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Foi em 16 de dezembro de 2006 que o tribunal o declarou indigno do oficialato e determinou a perda do posto e da patente. Ao se defender na Justiça Militar, Barros disse que não pretendia ser um “líder negativo, mas possui características de personalidade próprias, sendo franco e impulsivo, sem contudo ser um oficial indisciplinado”.

Ele concluiu assim sua defesa: “Sei que não sou importante para a instituição, mas sei também que os homens passam e a instituição fica.”. Os ministros do STM fizeram um relato das acusações que pesavam contra o oficial. Uma delas dizia respeito à distribuição de panfletos de sua campanha política.

Acusavam-no de distribuir panfletos com comentários críticos ao Exército e aos seus superiores hierárquicos. Barros alegava ser de competência da Justiça Eleitoral a análise do conteúdo de sua propaganda. Ao ser questionado se tinha “consciência de que contrariou os princípios da ética e dos deveres militares”, ele respondeu que não tinha ciência disso, mas sabia que tinha contrariado “alguns generais”.

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O major havia sido surpreendido na Vila Militar por um sargento e um soldado distribuindo os panfletos em área militar. Ali estavam sua foto em uniforme militar e o texto com críticas aos superiores. Quando pediram seu documento, o então capitão exibiu um documento civil e alegou que sua carteira militar estava no carro. Acabou enquadrado pelos dois militares, que chegaram a apontar suas armas para o candidato.

A imagem de vereadora Marielle Franco é projetada emk 2023 em prédio em São Paulo no 5º aniversário de sua morte Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP

O incidente fez o então petista pegar cinco dias de cadeia. Era a última das punições pelas quais foi julgado. A primeira vez que ele foi punido com prisão disciplinar acontecera cinco anos antes, em 1997, quando seus superiores do 17.º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC), em Natal, consideraram que ele havia mentido em uma investigação, “traindo a confiança de seus comandante”.

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Fazia menos de dez anos que o então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, escrevera o boletim com o título A verdade: símbolo da honra militar, o J’Accuse do comandante contra outro capitão: Jair Messias Bolsonaro, que “faltara com a verdade” na investigação sobre os planos de espalhar bombas no Rio de Janeiro. Leônidas homologou a decisão do conselho de justificação que decidiu pela expulsão de Bolsonaro, o que só seria revertido em um polêmico julgamento no STM.

Mas o que o então capitão escondera de suas superiores? Ele teria feito vista grossa em um acampamento, quando um subordinado resolveu doar alimentos do Exército para civis, que tiveram acesso a uma viatura militar, além de ter tentado abusar sexualmente “de uma senhorita na área do referido acampamento”.

Em outro momento, o capitão teria atropelado um soldado da Polícia do Exército quando servia no centro de instrução paraquedista General Penha Brasil, no Rio. A confusão aconteceu com uma patrulha na Praia Vermelha que o abordara trafegando acima da velocidade permitida. O capitão teria desacatado um cabo e, com a chegada do sargento comandante da patrulha, teria se desentendido com o praça. Ao tentar fugir, atropelou outro soldado que se pôs na frente de seu carro, ferindo seu joelho. Acabou indiciado em IPM e condenado a um ano de prisão por desacato.

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Mais tarde, em 1999, mais uma transgressão disciplinar lhe rendeu mais 15 dias de cadeia. Em 13 de outubro de 2001, quando servia no 8.º GAC Paraquedista – mesma unidade por onde passaram Bolsonaro e o ex-vice-presidente Hamilton Mourão –, ele se envolveu em outra confusão no trânsito. Desta vez, na Vila Militar. Dizia ter sido vítima de racismo da PE e acabou sendo alvo de inquérito, conduzido pelo futuro general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que chefiaria a Funai no governo Bolsonaro.

A coluna procurou Franklimberg, que respondeu: “Esse assunto é de âmbito interno da Força, portanto nada a declarar sobre o assunto.” Em 22 de março, Barros causaria novo furor entre os seus comandantes: concedeu entrevista à TV Educativa do Rio, na qual discutiu o “racismo dentro do Exército”. Disse que os soldados da PE eram despreparados. E acabou punido com mais dois dias de prisão.

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Repetiu a dose em março e em junho de 2002 com novas entrevistas sem autorização na qual voltou a criticar os chefes. E assim tomou mais cinco dias de cadeia. Foi só então que se licenciou para se candidatar pelo PT, envolvendo-se no episódio dos panfletos. Foi então que o comando decidiu submeter o oficial a Conselho de Justificação que o levou à expulsão.

Barros defendeu-se dizendo que doar alimentoss aos civis era prática comum em Natal, mas negou o abuso sexual. Afirmou que ser inocente no episódio da Praia Vermelha, negou ser indisciplinado ou ter dado entrevistas ou ter “denunciado o general Paulo Alberto Laranjeiras Caldas, Comandante da 1ª Divisão do Exército, por “abuso de autoridade e atitudes preconceituosas em relação à cor da pele”. E foi tentando justificar cada acusação. De nada adiantou.

O relator do caso era o general Max Hoertel, do STM. Por dois votos a um o major Barros foi declarado indigno do oficialato – o voto vencido queria que ele fosse apenas reformado, preservando posto e patente. Na reserva, ele se candidataria outras vezes, nunca obtendo sucesso. Mas, logo na primeira eleição após o começo petista, em 2006, ele mudaria de partido. Filiou-se ao PFL, migrando depois para o PRTB e o PL.

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A ficha do candidato a deputado estadual Ailton Barros, em 2022. Foto: Reprodução/ Marcelo Godoy/ Estadão

A transformação do petista em bolsonarista com patrimônio declarado ao Tribunal Superior Eleitoral de R$ 388 mil é apenas mais um ponto intrigante da carreira do homem flagrado em conversa com Mauro César Cid, o ajudante de ordens de Bolsonaro, planejando a fraude de dados da vacinação da covid-19. Ao conhecer as pessoas certas para fazer o esquema da vacinação funcionar, Barros demonstra ter muita informação sobre a cena criminosa do Rio.

Em mensagens trocadas com Cid, ele afirmou: “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu? Está de bucha nessa parada aí.” Quem estava de buchas era o então vereador Marcelo Siciliano, então investigado pela polícia sob a suspeita de participar do assassinato da vereadora. Siciliano, que não foi reeleito, nunca foi indiciado formalmente pelo crime, cujos mandantes são até agora desconhecidos.

Nas conversas com Cid, Barros mostra que além de ter informações sobre quem mandou matar Marielle, também sabe como dar golpe de Estado. É o que mostra o áudio revelado pela CNN no qual dizia que era preciso que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, fizesse “o que tem de fazer”. Caso contrário, Bolsonaro faria e prenderia o ministro Alexandre de Moraes e colocaria os tanques nas ruas.

No Exército, Barros é considerado um “mau oficial”. Mas, ao contrário de Bolsonaro, seus colegas dizem que ele não teve a sorte de ter votos suficientes para cobrir o passado de indisciplinas. Também não encontrou uma maioria de ministros no STM que o absolvesse ou um comandante do Exército que lhe desse o diploma da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais 30 anos após deixar a Força Terrestre. Um cientista políticos e leitor de Maquiavel diria que faltou virtù aos dois capitães, mas a Bolsonaro não faltou “fortuna”. Até quando? Só a apuração da PF dirá se o ex-presidente terá o mesmo destino do amigo “petista”: a cadeia.

Seu número como candidato a deputado estadual foi o 13.599. O ano era 2002. O capitão Ailton Gonçalves Moraes Barros, o “01 de Bolsonaro”, aventurava-se pela primeira vez na política. Teve 1.606 votos e ficou em um distante 514.º lugar. Os dois primeiros números na urna eletrônica mostram que ele escolheu fazer isso não por um partido qualquer, que fosse indiferente aos seus companheiros. Barros era do PT.

Ailton Gonçalves Barros, preso na Operação Venire, na sede da Policia Federal, no centro do Rio de Janeiro, na manhã do dia 3 de maio. Foto: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO

A revelação está ali na página 9 da sentença do Superior Tribunal Militar (STM) que considerou o major” não justificado e incapaz de permanecer no serviço ativo”. O 01 de Bolsonaro disse que passou a ser vítima de perseguição política no Exército “após o lançamento de sua candidatura a deputado estadual pelo PT”.

Foi em 16 de dezembro de 2006 que o tribunal o declarou indigno do oficialato e determinou a perda do posto e da patente. Ao se defender na Justiça Militar, Barros disse que não pretendia ser um “líder negativo, mas possui características de personalidade próprias, sendo franco e impulsivo, sem contudo ser um oficial indisciplinado”.

Ele concluiu assim sua defesa: “Sei que não sou importante para a instituição, mas sei também que os homens passam e a instituição fica.”. Os ministros do STM fizeram um relato das acusações que pesavam contra o oficial. Uma delas dizia respeito à distribuição de panfletos de sua campanha política.

Acusavam-no de distribuir panfletos com comentários críticos ao Exército e aos seus superiores hierárquicos. Barros alegava ser de competência da Justiça Eleitoral a análise do conteúdo de sua propaganda. Ao ser questionado se tinha “consciência de que contrariou os princípios da ética e dos deveres militares”, ele respondeu que não tinha ciência disso, mas sabia que tinha contrariado “alguns generais”.

O major havia sido surpreendido na Vila Militar por um sargento e um soldado distribuindo os panfletos em área militar. Ali estavam sua foto em uniforme militar e o texto com críticas aos superiores. Quando pediram seu documento, o então capitão exibiu um documento civil e alegou que sua carteira militar estava no carro. Acabou enquadrado pelos dois militares, que chegaram a apontar suas armas para o candidato.

A imagem de vereadora Marielle Franco é projetada emk 2023 em prédio em São Paulo no 5º aniversário de sua morte Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP

O incidente fez o então petista pegar cinco dias de cadeia. Era a última das punições pelas quais foi julgado. A primeira vez que ele foi punido com prisão disciplinar acontecera cinco anos antes, em 1997, quando seus superiores do 17.º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC), em Natal, consideraram que ele havia mentido em uma investigação, “traindo a confiança de seus comandante”.

Fazia menos de dez anos que o então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, escrevera o boletim com o título A verdade: símbolo da honra militar, o J’Accuse do comandante contra outro capitão: Jair Messias Bolsonaro, que “faltara com a verdade” na investigação sobre os planos de espalhar bombas no Rio de Janeiro. Leônidas homologou a decisão do conselho de justificação que decidiu pela expulsão de Bolsonaro, o que só seria revertido em um polêmico julgamento no STM.

Mas o que o então capitão escondera de suas superiores? Ele teria feito vista grossa em um acampamento, quando um subordinado resolveu doar alimentos do Exército para civis, que tiveram acesso a uma viatura militar, além de ter tentado abusar sexualmente “de uma senhorita na área do referido acampamento”.

Em outro momento, o capitão teria atropelado um soldado da Polícia do Exército quando servia no centro de instrução paraquedista General Penha Brasil, no Rio. A confusão aconteceu com uma patrulha na Praia Vermelha que o abordara trafegando acima da velocidade permitida. O capitão teria desacatado um cabo e, com a chegada do sargento comandante da patrulha, teria se desentendido com o praça. Ao tentar fugir, atropelou outro soldado que se pôs na frente de seu carro, ferindo seu joelho. Acabou indiciado em IPM e condenado a um ano de prisão por desacato.

Mais tarde, em 1999, mais uma transgressão disciplinar lhe rendeu mais 15 dias de cadeia. Em 13 de outubro de 2001, quando servia no 8.º GAC Paraquedista – mesma unidade por onde passaram Bolsonaro e o ex-vice-presidente Hamilton Mourão –, ele se envolveu em outra confusão no trânsito. Desta vez, na Vila Militar. Dizia ter sido vítima de racismo da PE e acabou sendo alvo de inquérito, conduzido pelo futuro general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que chefiaria a Funai no governo Bolsonaro.

A coluna procurou Franklimberg, que respondeu: “Esse assunto é de âmbito interno da Força, portanto nada a declarar sobre o assunto.” Em 22 de março, Barros causaria novo furor entre os seus comandantes: concedeu entrevista à TV Educativa do Rio, na qual discutiu o “racismo dentro do Exército”. Disse que os soldados da PE eram despreparados. E acabou punido com mais dois dias de prisão.

Repetiu a dose em março e em junho de 2002 com novas entrevistas sem autorização na qual voltou a criticar os chefes. E assim tomou mais cinco dias de cadeia. Foi só então que se licenciou para se candidatar pelo PT, envolvendo-se no episódio dos panfletos. Foi então que o comando decidiu submeter o oficial a Conselho de Justificação que o levou à expulsão.

Barros defendeu-se dizendo que doar alimentoss aos civis era prática comum em Natal, mas negou o abuso sexual. Afirmou que ser inocente no episódio da Praia Vermelha, negou ser indisciplinado ou ter dado entrevistas ou ter “denunciado o general Paulo Alberto Laranjeiras Caldas, Comandante da 1ª Divisão do Exército, por “abuso de autoridade e atitudes preconceituosas em relação à cor da pele”. E foi tentando justificar cada acusação. De nada adiantou.

O relator do caso era o general Max Hoertel, do STM. Por dois votos a um o major Barros foi declarado indigno do oficialato – o voto vencido queria que ele fosse apenas reformado, preservando posto e patente. Na reserva, ele se candidataria outras vezes, nunca obtendo sucesso. Mas, logo na primeira eleição após o começo petista, em 2006, ele mudaria de partido. Filiou-se ao PFL, migrando depois para o PRTB e o PL.

A ficha do candidato a deputado estadual Ailton Barros, em 2022. Foto: Reprodução/ Marcelo Godoy/ Estadão

A transformação do petista em bolsonarista com patrimônio declarado ao Tribunal Superior Eleitoral de R$ 388 mil é apenas mais um ponto intrigante da carreira do homem flagrado em conversa com Mauro César Cid, o ajudante de ordens de Bolsonaro, planejando a fraude de dados da vacinação da covid-19. Ao conhecer as pessoas certas para fazer o esquema da vacinação funcionar, Barros demonstra ter muita informação sobre a cena criminosa do Rio.

Em mensagens trocadas com Cid, ele afirmou: “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu? Está de bucha nessa parada aí.” Quem estava de buchas era o então vereador Marcelo Siciliano, então investigado pela polícia sob a suspeita de participar do assassinato da vereadora. Siciliano, que não foi reeleito, nunca foi indiciado formalmente pelo crime, cujos mandantes são até agora desconhecidos.

Nas conversas com Cid, Barros mostra que além de ter informações sobre quem mandou matar Marielle, também sabe como dar golpe de Estado. É o que mostra o áudio revelado pela CNN no qual dizia que era preciso que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, fizesse “o que tem de fazer”. Caso contrário, Bolsonaro faria e prenderia o ministro Alexandre de Moraes e colocaria os tanques nas ruas.

No Exército, Barros é considerado um “mau oficial”. Mas, ao contrário de Bolsonaro, seus colegas dizem que ele não teve a sorte de ter votos suficientes para cobrir o passado de indisciplinas. Também não encontrou uma maioria de ministros no STM que o absolvesse ou um comandante do Exército que lhe desse o diploma da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais 30 anos após deixar a Força Terrestre. Um cientista políticos e leitor de Maquiavel diria que faltou virtù aos dois capitães, mas a Bolsonaro não faltou “fortuna”. Até quando? Só a apuração da PF dirá se o ex-presidente terá o mesmo destino do amigo “petista”: a cadeia.

Seu número como candidato a deputado estadual foi o 13.599. O ano era 2002. O capitão Ailton Gonçalves Moraes Barros, o “01 de Bolsonaro”, aventurava-se pela primeira vez na política. Teve 1.606 votos e ficou em um distante 514.º lugar. Os dois primeiros números na urna eletrônica mostram que ele escolheu fazer isso não por um partido qualquer, que fosse indiferente aos seus companheiros. Barros era do PT.

Ailton Gonçalves Barros, preso na Operação Venire, na sede da Policia Federal, no centro do Rio de Janeiro, na manhã do dia 3 de maio. Foto: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO

A revelação está ali na página 9 da sentença do Superior Tribunal Militar (STM) que considerou o major” não justificado e incapaz de permanecer no serviço ativo”. O 01 de Bolsonaro disse que passou a ser vítima de perseguição política no Exército “após o lançamento de sua candidatura a deputado estadual pelo PT”.

Foi em 16 de dezembro de 2006 que o tribunal o declarou indigno do oficialato e determinou a perda do posto e da patente. Ao se defender na Justiça Militar, Barros disse que não pretendia ser um “líder negativo, mas possui características de personalidade próprias, sendo franco e impulsivo, sem contudo ser um oficial indisciplinado”.

Ele concluiu assim sua defesa: “Sei que não sou importante para a instituição, mas sei também que os homens passam e a instituição fica.”. Os ministros do STM fizeram um relato das acusações que pesavam contra o oficial. Uma delas dizia respeito à distribuição de panfletos de sua campanha política.

Acusavam-no de distribuir panfletos com comentários críticos ao Exército e aos seus superiores hierárquicos. Barros alegava ser de competência da Justiça Eleitoral a análise do conteúdo de sua propaganda. Ao ser questionado se tinha “consciência de que contrariou os princípios da ética e dos deveres militares”, ele respondeu que não tinha ciência disso, mas sabia que tinha contrariado “alguns generais”.

O major havia sido surpreendido na Vila Militar por um sargento e um soldado distribuindo os panfletos em área militar. Ali estavam sua foto em uniforme militar e o texto com críticas aos superiores. Quando pediram seu documento, o então capitão exibiu um documento civil e alegou que sua carteira militar estava no carro. Acabou enquadrado pelos dois militares, que chegaram a apontar suas armas para o candidato.

A imagem de vereadora Marielle Franco é projetada emk 2023 em prédio em São Paulo no 5º aniversário de sua morte Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP

O incidente fez o então petista pegar cinco dias de cadeia. Era a última das punições pelas quais foi julgado. A primeira vez que ele foi punido com prisão disciplinar acontecera cinco anos antes, em 1997, quando seus superiores do 17.º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC), em Natal, consideraram que ele havia mentido em uma investigação, “traindo a confiança de seus comandante”.

Fazia menos de dez anos que o então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, escrevera o boletim com o título A verdade: símbolo da honra militar, o J’Accuse do comandante contra outro capitão: Jair Messias Bolsonaro, que “faltara com a verdade” na investigação sobre os planos de espalhar bombas no Rio de Janeiro. Leônidas homologou a decisão do conselho de justificação que decidiu pela expulsão de Bolsonaro, o que só seria revertido em um polêmico julgamento no STM.

Mas o que o então capitão escondera de suas superiores? Ele teria feito vista grossa em um acampamento, quando um subordinado resolveu doar alimentos do Exército para civis, que tiveram acesso a uma viatura militar, além de ter tentado abusar sexualmente “de uma senhorita na área do referido acampamento”.

Em outro momento, o capitão teria atropelado um soldado da Polícia do Exército quando servia no centro de instrução paraquedista General Penha Brasil, no Rio. A confusão aconteceu com uma patrulha na Praia Vermelha que o abordara trafegando acima da velocidade permitida. O capitão teria desacatado um cabo e, com a chegada do sargento comandante da patrulha, teria se desentendido com o praça. Ao tentar fugir, atropelou outro soldado que se pôs na frente de seu carro, ferindo seu joelho. Acabou indiciado em IPM e condenado a um ano de prisão por desacato.

Mais tarde, em 1999, mais uma transgressão disciplinar lhe rendeu mais 15 dias de cadeia. Em 13 de outubro de 2001, quando servia no 8.º GAC Paraquedista – mesma unidade por onde passaram Bolsonaro e o ex-vice-presidente Hamilton Mourão –, ele se envolveu em outra confusão no trânsito. Desta vez, na Vila Militar. Dizia ter sido vítima de racismo da PE e acabou sendo alvo de inquérito, conduzido pelo futuro general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que chefiaria a Funai no governo Bolsonaro.

A coluna procurou Franklimberg, que respondeu: “Esse assunto é de âmbito interno da Força, portanto nada a declarar sobre o assunto.” Em 22 de março, Barros causaria novo furor entre os seus comandantes: concedeu entrevista à TV Educativa do Rio, na qual discutiu o “racismo dentro do Exército”. Disse que os soldados da PE eram despreparados. E acabou punido com mais dois dias de prisão.

Repetiu a dose em março e em junho de 2002 com novas entrevistas sem autorização na qual voltou a criticar os chefes. E assim tomou mais cinco dias de cadeia. Foi só então que se licenciou para se candidatar pelo PT, envolvendo-se no episódio dos panfletos. Foi então que o comando decidiu submeter o oficial a Conselho de Justificação que o levou à expulsão.

Barros defendeu-se dizendo que doar alimentoss aos civis era prática comum em Natal, mas negou o abuso sexual. Afirmou que ser inocente no episódio da Praia Vermelha, negou ser indisciplinado ou ter dado entrevistas ou ter “denunciado o general Paulo Alberto Laranjeiras Caldas, Comandante da 1ª Divisão do Exército, por “abuso de autoridade e atitudes preconceituosas em relação à cor da pele”. E foi tentando justificar cada acusação. De nada adiantou.

O relator do caso era o general Max Hoertel, do STM. Por dois votos a um o major Barros foi declarado indigno do oficialato – o voto vencido queria que ele fosse apenas reformado, preservando posto e patente. Na reserva, ele se candidataria outras vezes, nunca obtendo sucesso. Mas, logo na primeira eleição após o começo petista, em 2006, ele mudaria de partido. Filiou-se ao PFL, migrando depois para o PRTB e o PL.

A ficha do candidato a deputado estadual Ailton Barros, em 2022. Foto: Reprodução/ Marcelo Godoy/ Estadão

A transformação do petista em bolsonarista com patrimônio declarado ao Tribunal Superior Eleitoral de R$ 388 mil é apenas mais um ponto intrigante da carreira do homem flagrado em conversa com Mauro César Cid, o ajudante de ordens de Bolsonaro, planejando a fraude de dados da vacinação da covid-19. Ao conhecer as pessoas certas para fazer o esquema da vacinação funcionar, Barros demonstra ter muita informação sobre a cena criminosa do Rio.

Em mensagens trocadas com Cid, ele afirmou: “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu? Está de bucha nessa parada aí.” Quem estava de buchas era o então vereador Marcelo Siciliano, então investigado pela polícia sob a suspeita de participar do assassinato da vereadora. Siciliano, que não foi reeleito, nunca foi indiciado formalmente pelo crime, cujos mandantes são até agora desconhecidos.

Nas conversas com Cid, Barros mostra que além de ter informações sobre quem mandou matar Marielle, também sabe como dar golpe de Estado. É o que mostra o áudio revelado pela CNN no qual dizia que era preciso que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, fizesse “o que tem de fazer”. Caso contrário, Bolsonaro faria e prenderia o ministro Alexandre de Moraes e colocaria os tanques nas ruas.

No Exército, Barros é considerado um “mau oficial”. Mas, ao contrário de Bolsonaro, seus colegas dizem que ele não teve a sorte de ter votos suficientes para cobrir o passado de indisciplinas. Também não encontrou uma maioria de ministros no STM que o absolvesse ou um comandante do Exército que lhe desse o diploma da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais 30 anos após deixar a Força Terrestre. Um cientista políticos e leitor de Maquiavel diria que faltou virtù aos dois capitães, mas a Bolsonaro não faltou “fortuna”. Até quando? Só a apuração da PF dirá se o ex-presidente terá o mesmo destino do amigo “petista”: a cadeia.

Seu número como candidato a deputado estadual foi o 13.599. O ano era 2002. O capitão Ailton Gonçalves Moraes Barros, o “01 de Bolsonaro”, aventurava-se pela primeira vez na política. Teve 1.606 votos e ficou em um distante 514.º lugar. Os dois primeiros números na urna eletrônica mostram que ele escolheu fazer isso não por um partido qualquer, que fosse indiferente aos seus companheiros. Barros era do PT.

Ailton Gonçalves Barros, preso na Operação Venire, na sede da Policia Federal, no centro do Rio de Janeiro, na manhã do dia 3 de maio. Foto: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO

A revelação está ali na página 9 da sentença do Superior Tribunal Militar (STM) que considerou o major” não justificado e incapaz de permanecer no serviço ativo”. O 01 de Bolsonaro disse que passou a ser vítima de perseguição política no Exército “após o lançamento de sua candidatura a deputado estadual pelo PT”.

Foi em 16 de dezembro de 2006 que o tribunal o declarou indigno do oficialato e determinou a perda do posto e da patente. Ao se defender na Justiça Militar, Barros disse que não pretendia ser um “líder negativo, mas possui características de personalidade próprias, sendo franco e impulsivo, sem contudo ser um oficial indisciplinado”.

Ele concluiu assim sua defesa: “Sei que não sou importante para a instituição, mas sei também que os homens passam e a instituição fica.”. Os ministros do STM fizeram um relato das acusações que pesavam contra o oficial. Uma delas dizia respeito à distribuição de panfletos de sua campanha política.

Acusavam-no de distribuir panfletos com comentários críticos ao Exército e aos seus superiores hierárquicos. Barros alegava ser de competência da Justiça Eleitoral a análise do conteúdo de sua propaganda. Ao ser questionado se tinha “consciência de que contrariou os princípios da ética e dos deveres militares”, ele respondeu que não tinha ciência disso, mas sabia que tinha contrariado “alguns generais”.

O major havia sido surpreendido na Vila Militar por um sargento e um soldado distribuindo os panfletos em área militar. Ali estavam sua foto em uniforme militar e o texto com críticas aos superiores. Quando pediram seu documento, o então capitão exibiu um documento civil e alegou que sua carteira militar estava no carro. Acabou enquadrado pelos dois militares, que chegaram a apontar suas armas para o candidato.

A imagem de vereadora Marielle Franco é projetada emk 2023 em prédio em São Paulo no 5º aniversário de sua morte Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP

O incidente fez o então petista pegar cinco dias de cadeia. Era a última das punições pelas quais foi julgado. A primeira vez que ele foi punido com prisão disciplinar acontecera cinco anos antes, em 1997, quando seus superiores do 17.º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC), em Natal, consideraram que ele havia mentido em uma investigação, “traindo a confiança de seus comandante”.

Fazia menos de dez anos que o então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, escrevera o boletim com o título A verdade: símbolo da honra militar, o J’Accuse do comandante contra outro capitão: Jair Messias Bolsonaro, que “faltara com a verdade” na investigação sobre os planos de espalhar bombas no Rio de Janeiro. Leônidas homologou a decisão do conselho de justificação que decidiu pela expulsão de Bolsonaro, o que só seria revertido em um polêmico julgamento no STM.

Mas o que o então capitão escondera de suas superiores? Ele teria feito vista grossa em um acampamento, quando um subordinado resolveu doar alimentos do Exército para civis, que tiveram acesso a uma viatura militar, além de ter tentado abusar sexualmente “de uma senhorita na área do referido acampamento”.

Em outro momento, o capitão teria atropelado um soldado da Polícia do Exército quando servia no centro de instrução paraquedista General Penha Brasil, no Rio. A confusão aconteceu com uma patrulha na Praia Vermelha que o abordara trafegando acima da velocidade permitida. O capitão teria desacatado um cabo e, com a chegada do sargento comandante da patrulha, teria se desentendido com o praça. Ao tentar fugir, atropelou outro soldado que se pôs na frente de seu carro, ferindo seu joelho. Acabou indiciado em IPM e condenado a um ano de prisão por desacato.

Mais tarde, em 1999, mais uma transgressão disciplinar lhe rendeu mais 15 dias de cadeia. Em 13 de outubro de 2001, quando servia no 8.º GAC Paraquedista – mesma unidade por onde passaram Bolsonaro e o ex-vice-presidente Hamilton Mourão –, ele se envolveu em outra confusão no trânsito. Desta vez, na Vila Militar. Dizia ter sido vítima de racismo da PE e acabou sendo alvo de inquérito, conduzido pelo futuro general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que chefiaria a Funai no governo Bolsonaro.

A coluna procurou Franklimberg, que respondeu: “Esse assunto é de âmbito interno da Força, portanto nada a declarar sobre o assunto.” Em 22 de março, Barros causaria novo furor entre os seus comandantes: concedeu entrevista à TV Educativa do Rio, na qual discutiu o “racismo dentro do Exército”. Disse que os soldados da PE eram despreparados. E acabou punido com mais dois dias de prisão.

Repetiu a dose em março e em junho de 2002 com novas entrevistas sem autorização na qual voltou a criticar os chefes. E assim tomou mais cinco dias de cadeia. Foi só então que se licenciou para se candidatar pelo PT, envolvendo-se no episódio dos panfletos. Foi então que o comando decidiu submeter o oficial a Conselho de Justificação que o levou à expulsão.

Barros defendeu-se dizendo que doar alimentoss aos civis era prática comum em Natal, mas negou o abuso sexual. Afirmou que ser inocente no episódio da Praia Vermelha, negou ser indisciplinado ou ter dado entrevistas ou ter “denunciado o general Paulo Alberto Laranjeiras Caldas, Comandante da 1ª Divisão do Exército, por “abuso de autoridade e atitudes preconceituosas em relação à cor da pele”. E foi tentando justificar cada acusação. De nada adiantou.

O relator do caso era o general Max Hoertel, do STM. Por dois votos a um o major Barros foi declarado indigno do oficialato – o voto vencido queria que ele fosse apenas reformado, preservando posto e patente. Na reserva, ele se candidataria outras vezes, nunca obtendo sucesso. Mas, logo na primeira eleição após o começo petista, em 2006, ele mudaria de partido. Filiou-se ao PFL, migrando depois para o PRTB e o PL.

A ficha do candidato a deputado estadual Ailton Barros, em 2022. Foto: Reprodução/ Marcelo Godoy/ Estadão

A transformação do petista em bolsonarista com patrimônio declarado ao Tribunal Superior Eleitoral de R$ 388 mil é apenas mais um ponto intrigante da carreira do homem flagrado em conversa com Mauro César Cid, o ajudante de ordens de Bolsonaro, planejando a fraude de dados da vacinação da covid-19. Ao conhecer as pessoas certas para fazer o esquema da vacinação funcionar, Barros demonstra ter muita informação sobre a cena criminosa do Rio.

Em mensagens trocadas com Cid, ele afirmou: “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu? Está de bucha nessa parada aí.” Quem estava de buchas era o então vereador Marcelo Siciliano, então investigado pela polícia sob a suspeita de participar do assassinato da vereadora. Siciliano, que não foi reeleito, nunca foi indiciado formalmente pelo crime, cujos mandantes são até agora desconhecidos.

Nas conversas com Cid, Barros mostra que além de ter informações sobre quem mandou matar Marielle, também sabe como dar golpe de Estado. É o que mostra o áudio revelado pela CNN no qual dizia que era preciso que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, fizesse “o que tem de fazer”. Caso contrário, Bolsonaro faria e prenderia o ministro Alexandre de Moraes e colocaria os tanques nas ruas.

No Exército, Barros é considerado um “mau oficial”. Mas, ao contrário de Bolsonaro, seus colegas dizem que ele não teve a sorte de ter votos suficientes para cobrir o passado de indisciplinas. Também não encontrou uma maioria de ministros no STM que o absolvesse ou um comandante do Exército que lhe desse o diploma da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais 30 anos após deixar a Força Terrestre. Um cientista políticos e leitor de Maquiavel diria que faltou virtù aos dois capitães, mas a Bolsonaro não faltou “fortuna”. Até quando? Só a apuração da PF dirá se o ex-presidente terá o mesmo destino do amigo “petista”: a cadeia.

Seu número como candidato a deputado estadual foi o 13.599. O ano era 2002. O capitão Ailton Gonçalves Moraes Barros, o “01 de Bolsonaro”, aventurava-se pela primeira vez na política. Teve 1.606 votos e ficou em um distante 514.º lugar. Os dois primeiros números na urna eletrônica mostram que ele escolheu fazer isso não por um partido qualquer, que fosse indiferente aos seus companheiros. Barros era do PT.

Ailton Gonçalves Barros, preso na Operação Venire, na sede da Policia Federal, no centro do Rio de Janeiro, na manhã do dia 3 de maio. Foto: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO

A revelação está ali na página 9 da sentença do Superior Tribunal Militar (STM) que considerou o major” não justificado e incapaz de permanecer no serviço ativo”. O 01 de Bolsonaro disse que passou a ser vítima de perseguição política no Exército “após o lançamento de sua candidatura a deputado estadual pelo PT”.

Foi em 16 de dezembro de 2006 que o tribunal o declarou indigno do oficialato e determinou a perda do posto e da patente. Ao se defender na Justiça Militar, Barros disse que não pretendia ser um “líder negativo, mas possui características de personalidade próprias, sendo franco e impulsivo, sem contudo ser um oficial indisciplinado”.

Ele concluiu assim sua defesa: “Sei que não sou importante para a instituição, mas sei também que os homens passam e a instituição fica.”. Os ministros do STM fizeram um relato das acusações que pesavam contra o oficial. Uma delas dizia respeito à distribuição de panfletos de sua campanha política.

Acusavam-no de distribuir panfletos com comentários críticos ao Exército e aos seus superiores hierárquicos. Barros alegava ser de competência da Justiça Eleitoral a análise do conteúdo de sua propaganda. Ao ser questionado se tinha “consciência de que contrariou os princípios da ética e dos deveres militares”, ele respondeu que não tinha ciência disso, mas sabia que tinha contrariado “alguns generais”.

O major havia sido surpreendido na Vila Militar por um sargento e um soldado distribuindo os panfletos em área militar. Ali estavam sua foto em uniforme militar e o texto com críticas aos superiores. Quando pediram seu documento, o então capitão exibiu um documento civil e alegou que sua carteira militar estava no carro. Acabou enquadrado pelos dois militares, que chegaram a apontar suas armas para o candidato.

A imagem de vereadora Marielle Franco é projetada emk 2023 em prédio em São Paulo no 5º aniversário de sua morte Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP

O incidente fez o então petista pegar cinco dias de cadeia. Era a última das punições pelas quais foi julgado. A primeira vez que ele foi punido com prisão disciplinar acontecera cinco anos antes, em 1997, quando seus superiores do 17.º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC), em Natal, consideraram que ele havia mentido em uma investigação, “traindo a confiança de seus comandante”.

Fazia menos de dez anos que o então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, escrevera o boletim com o título A verdade: símbolo da honra militar, o J’Accuse do comandante contra outro capitão: Jair Messias Bolsonaro, que “faltara com a verdade” na investigação sobre os planos de espalhar bombas no Rio de Janeiro. Leônidas homologou a decisão do conselho de justificação que decidiu pela expulsão de Bolsonaro, o que só seria revertido em um polêmico julgamento no STM.

Mas o que o então capitão escondera de suas superiores? Ele teria feito vista grossa em um acampamento, quando um subordinado resolveu doar alimentos do Exército para civis, que tiveram acesso a uma viatura militar, além de ter tentado abusar sexualmente “de uma senhorita na área do referido acampamento”.

Em outro momento, o capitão teria atropelado um soldado da Polícia do Exército quando servia no centro de instrução paraquedista General Penha Brasil, no Rio. A confusão aconteceu com uma patrulha na Praia Vermelha que o abordara trafegando acima da velocidade permitida. O capitão teria desacatado um cabo e, com a chegada do sargento comandante da patrulha, teria se desentendido com o praça. Ao tentar fugir, atropelou outro soldado que se pôs na frente de seu carro, ferindo seu joelho. Acabou indiciado em IPM e condenado a um ano de prisão por desacato.

Mais tarde, em 1999, mais uma transgressão disciplinar lhe rendeu mais 15 dias de cadeia. Em 13 de outubro de 2001, quando servia no 8.º GAC Paraquedista – mesma unidade por onde passaram Bolsonaro e o ex-vice-presidente Hamilton Mourão –, ele se envolveu em outra confusão no trânsito. Desta vez, na Vila Militar. Dizia ter sido vítima de racismo da PE e acabou sendo alvo de inquérito, conduzido pelo futuro general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que chefiaria a Funai no governo Bolsonaro.

A coluna procurou Franklimberg, que respondeu: “Esse assunto é de âmbito interno da Força, portanto nada a declarar sobre o assunto.” Em 22 de março, Barros causaria novo furor entre os seus comandantes: concedeu entrevista à TV Educativa do Rio, na qual discutiu o “racismo dentro do Exército”. Disse que os soldados da PE eram despreparados. E acabou punido com mais dois dias de prisão.

Repetiu a dose em março e em junho de 2002 com novas entrevistas sem autorização na qual voltou a criticar os chefes. E assim tomou mais cinco dias de cadeia. Foi só então que se licenciou para se candidatar pelo PT, envolvendo-se no episódio dos panfletos. Foi então que o comando decidiu submeter o oficial a Conselho de Justificação que o levou à expulsão.

Barros defendeu-se dizendo que doar alimentoss aos civis era prática comum em Natal, mas negou o abuso sexual. Afirmou que ser inocente no episódio da Praia Vermelha, negou ser indisciplinado ou ter dado entrevistas ou ter “denunciado o general Paulo Alberto Laranjeiras Caldas, Comandante da 1ª Divisão do Exército, por “abuso de autoridade e atitudes preconceituosas em relação à cor da pele”. E foi tentando justificar cada acusação. De nada adiantou.

O relator do caso era o general Max Hoertel, do STM. Por dois votos a um o major Barros foi declarado indigno do oficialato – o voto vencido queria que ele fosse apenas reformado, preservando posto e patente. Na reserva, ele se candidataria outras vezes, nunca obtendo sucesso. Mas, logo na primeira eleição após o começo petista, em 2006, ele mudaria de partido. Filiou-se ao PFL, migrando depois para o PRTB e o PL.

A ficha do candidato a deputado estadual Ailton Barros, em 2022. Foto: Reprodução/ Marcelo Godoy/ Estadão

A transformação do petista em bolsonarista com patrimônio declarado ao Tribunal Superior Eleitoral de R$ 388 mil é apenas mais um ponto intrigante da carreira do homem flagrado em conversa com Mauro César Cid, o ajudante de ordens de Bolsonaro, planejando a fraude de dados da vacinação da covid-19. Ao conhecer as pessoas certas para fazer o esquema da vacinação funcionar, Barros demonstra ter muita informação sobre a cena criminosa do Rio.

Em mensagens trocadas com Cid, ele afirmou: “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu? Está de bucha nessa parada aí.” Quem estava de buchas era o então vereador Marcelo Siciliano, então investigado pela polícia sob a suspeita de participar do assassinato da vereadora. Siciliano, que não foi reeleito, nunca foi indiciado formalmente pelo crime, cujos mandantes são até agora desconhecidos.

Nas conversas com Cid, Barros mostra que além de ter informações sobre quem mandou matar Marielle, também sabe como dar golpe de Estado. É o que mostra o áudio revelado pela CNN no qual dizia que era preciso que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, fizesse “o que tem de fazer”. Caso contrário, Bolsonaro faria e prenderia o ministro Alexandre de Moraes e colocaria os tanques nas ruas.

No Exército, Barros é considerado um “mau oficial”. Mas, ao contrário de Bolsonaro, seus colegas dizem que ele não teve a sorte de ter votos suficientes para cobrir o passado de indisciplinas. Também não encontrou uma maioria de ministros no STM que o absolvesse ou um comandante do Exército que lhe desse o diploma da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais 30 anos após deixar a Força Terrestre. Um cientista políticos e leitor de Maquiavel diria que faltou virtù aos dois capitães, mas a Bolsonaro não faltou “fortuna”. Até quando? Só a apuração da PF dirá se o ex-presidente terá o mesmo destino do amigo “petista”: a cadeia.

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