A notícia de que ambientalistas procuraram o Ministério do Meio Ambiente para barrar a construção da nova Escola dos Sargentos das Armas (ESA), do Exército, em Pernambuco, provocou reação dos militares. Ela envolveu a publicação de artigos, vídeos e manifestações em redes sociais. Tudo para provar que o Exército também é verde e não apenas verde-oliva. O novo imbróglio no governo promete opor Marina Silva aos generais e envolve, no cálculo dos ecologistas, o desmate de cerca de 150 hectares no Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (CIMNC), uma área de 12 mil hectares na cidade de Paudalho, na zona da mata.
Por trás da pressão contra as obras está o Fórum Socioambiental de Aldeia, entidade que questiona o empreendimento desde 2022. Em março daquele ano, ela conseguiu o apoio do único deputado da Rede no Congresso, Túlio Gadêlha (PE) para questionar o Ministério Público Federal sobre o projeto do Exército. “Os responsáveis pelo empreendimento, possuem ciência que a área prevista para construção e instalação da ESA se trata de área de proteção ambiental (APA), amparada pelas leis de proteção aos mananciais, pela Lei da Mata Atlântica e por diversas outras legislações de proteção ambiental, que impõe restrições e limites à empreendimentos que coloquem em risco o ecossistema destas áreas?”, indagou Gadêlha.
O deputado prosseguia, perguntando: “Como compatibilizar estas restrições com a construção do empreendimento de tamanha magnitude? Gadêlha afirmava então que o empreendimento ia “desmatar 150 hectares de mata atlântica”. Estudo de cenário ambiental assinado por sete pesquisadores das Universidades Federais de Pernambuco, Rural de Pernambuco e de Alagoas, divulgado em 21 de maio, avalia que 336 mil árvores serão removidas, causando a perda de 44 toneladas de estoque de carbono.
Haverá ainda aumento de risco de atropelamento de animais, como Tamanduá-bandeira, e ameaças a aves como o Juriti-de-testa--branca. A alternativa seria deslocar a escola para outra área do próprio CIMNC, no município de Araçoiaba (PE). A pedra fundamental da escola foi lançada pelo então presidente Jair Bolsonaro em 23 de março de 2022. Como se trata de área militar, o Exército solicitou ao Ibama a dispensa de licenciamento, conforme determina a Lei Complementar 140, de 2011.
A notícia de que há dez dias os ambientalistas voltaram à carga e procuraram o Ministério do Meio Ambiente para reclamar da nova ESA fez o general da reserva Otávio Santana do Rêgo Barros escrever o artigo Campos de instrução militar e o meio ambiente, publicado no jornal Folha de Pernambuco. O homem que foi porta-voz de Bolsonaro para depois se tornar um de seus críticos na caserna é muito próximo do comandante do Exército, Tomás Miguel Ribeiro de Paiva, de quem foi colega de turma na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Escreveu Rêgo Barros em seu artigo:
“Recentemente, a Instituição foi envolvida em uma polêmica na qual o projeto de construção da Escola de Sargentos das Armas, supostamente, contrariaria normas ambientais e, por isso, deveria ser abandonado. Desalinhada da argumentação baseada em fatos, no fundo, o objetivo maior da peleja não está enlaçado com tão relevante matéria. Na realidade, ela visa a desgastar a imagem da Força Terrestre, que busca afastar-se das contendas políticas nas quais se envolveu em anos pretéritos.”
O general contou que foi tenente em Bayeux (PB), “servindo no Regimento de Cavalaria naquela cidade, logo no início da década de 1980″. Pela proximidade, fazia exercícios com pequenas frações de tropa no Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti, onde agora se pretende construir a escola. “A mata que cobria a região já era densa. A caça e a pesca foram terminantemente proibidas. O rigor com a disciplina de limpeza dos bivaques e acampamentos era ponto forte aos comandantes de pelotão.”
De acordo com ele, fotografias de satélite recentes mostram o adensamento da mata no perímetro de responsabilidade do Exército, em comparação com imagens dos anos 1980. O general admitiu que o “progresso e o imperativo da sobrevivência são perenes fatores de fricção entre os defensores das posturas ambientalistas e os desenvolvimentistas”. E contou que o projeto aprovado prevê “manejo florestal, reaproveitamento das águas, adaptação ao mercado de carbono, edificações modernas compatíveis com as melhores práticas” sustentáveis.
Ele conclui: “O combatente brasileiro moderno está preocupado com a guerra do futuro. Estuda-a com profundidade e compreende que na assimetria do campo de batalha físico ou informacional, uma das suas maiores responsabilidades estará vinculada à preservação do meio ambiente.” A resposta do general foi acompanhada ainda pela publicação feita pelo blog do Exército de outro artigo, assinado pelo general da reserva Joarez Alves Pereira Junior: Uma Nova Escola de Sargentos para formar o líder de pequena fração preservando valores e tradições.
Joarez destacou as vantagens operacionais do projeto, que deve custar R$ 1,8 bilhão e ficará pronto só em 2034. “A Nova Escola possuirá um campo de instrução contíguo, com dimensão e diversidade topográfica compatíveis para a realização de diferentes exercícios necessários para a formação de 14 diferentes especialidades militares, combatentes e logísticas”, escreveu o militar. Ele concluiu, afirmando: “O Exército Brasileiro tomou uma decisão estratégica de investir no que lhe é mais caro: a qualidade do seu quadro de profissionais”.
Para o Fórum Socioambiental de Aldeia, é preciso aprofundar o debate, porque a obra seria um “desastre ambiental”. O fórum alega que a área escolhida para a nova escola violaria a Lei de Proteção aos Mananciais. É que ela abriga cursos d’água que vão até a Barragem de Botafogo, parte do sistema de abastecimento de água de quatro cidades do Grande Recife: Olinda, Paulista, Igarassu e Abreu e Lima.
Atualmente, os alunos sargentos cursam o primeiro ano de instrução em 13 diferentes escolas e vão para três diferentes lugares no segundo ano do curso. A nova escola vai centralizar toda a formação dos sargentos em um único lugar. No dia 14 de março, o general Tomás Paiva e o então comandante militar do Nordeste (CMNE) e atual chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), general Richard Nunes, estiveram com o ministro da Defesa, José Múcio, acertando os detalhes sobre o financiamento da obra.
Em novembro de 2022, o DECEx promoveu um simpósio de sustentabilidade sobre a construção da escola. Os militares reuniram professores de nove universidades federais – UFPE, UFRN, UFPB, UFCG, UFAL, UNIESP, UEPB, UNIFACISA e UNB – além de instituições do governo de Pernambuco. Queriam mostrar que planejavam usar “metodologia BIM (Build Information Modeling) aplicada a projetos de engenharia; soluções sustentáveis e o legado ambiental na concepção e construção de grandes estruturas”. Também procuraram exibir “as contrapartidas planejadas pelo governo de Pernambuco e seus impactos positivos para a população”.
Já a TV Verde e Oliva, mantida pelo Exército, divulgou um vídeo, publicado pela conta do Twitter do Exército, no dia 30 de maio, em que mostrava a história da área da nova escola do Exército ao tratar do 1.º Encontro da Rede Nordeste de Estudos Estratégicos e Inovação do CMNE. O general Richard se manifestou assim: “Isso (o encontro) é fundamental para uma instituição como a nossa, nacional e permanente, que tem de pensar o futuro, pensar estrategicamente. E, com parceiros desse nível, fica mais fácil.”
Além de reitores de universidades, o presidente da Fecomércio de Pernambuco, Bernardo Peixoto, era um desses parceiros. É que a construção da escola geraria 11 mil novos empregos diretos e 17 mil indiretos. O Exército informa que fez um diagnóstico ambiental detalhado da área, em acordo com o Ibama e com os órgãos ambientais regionais. A área a ser desmatada conteria apenas vegetação secundária ou em regeneração sem espécies “imunes ao corte”.
Mal recuperada da disputa com a Petrobras pela exploração de óleo e gás a 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas e de ver seu ministério desidratado pelo Congresso, Marina terá mais essa batata quente em sua mesa. Militares e ambientalistas já expuseram suas armas. Em Brasília, todos sabem que parte considerável do prestígio internacional de Luiz Inácio Lula da Silva depende de sua política ambiental. Mais uma vez o governo pisa em ovos. E torce para que não sejam de Zidedê-do-nordeste ou de qualquer outra ave ou bicho ameaçado de extinção.