As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

O que os militares brasileiros precisam aprender diante das ameaças às urnas eletrônicas


Militares da ativa podem se ver em breve diante de uma hora adversa, aquela que define como cada um será conhecido na história; cientista político Samuel Huntington alerta que a ‘contínua ruptura das relações entre civis e militares’ pode colocar em perigo ‘a segurança do Estado’

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor,

Em poucas linhas, o cientista político Samuel Huntington resumiu um dos riscos que a disputa eleitoral nos dois próximos meses reserva ao País: “A menos que seja criado um novo equilíbrio, a contínua ruptura das relações entre civis e militares não pode ajudar, mas prejudicar a dimensão do profissionalismo militar no futuro. Um corpo de oficiais políticos, dividido em facções, subordinado a fins ocultos, ressentindo-se de prestígio, mas sensível aos apelos da popularidade, colocaria em perigo a segurança do Estado”.

O Presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e o candidato a vice-presidente da república, general Walter Braga Netto (PL) durante a cerimônia de abertura do Encontro Nacional do Agro, em Brasília Foto: Wilton Júnior/Estadão - 10/08/2022
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A advertência é parte do capítulo final de O Soldado e o Estado, livro que deve ser lido nas academias militares brasileiras. E não devia ser esquecido. Mas há os que trocaram seus ensinamentos por salários milionários proporcionados pelo acúmulo dos rendimentos militares com pagamentos em razão do exercício de funções civis na Esplanada. É o que mostrou a reportagem do Daniel Weterman, para o Estadão. Oficiais receberam vencimentos de até R$ 1 milhão em 2020.

Em resposta ao jornal, o Exército informou que os pagamentos foram todos legais. Os valores foram pagos a título de indenização por férias e outros benefícios não recebidos ao longo da carreira. O problema é que esses valores só chegaram até a cifra próxima do milhão – caso do general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro – porque o governo Bolsonaro aumentou os benefícios para militares que saem da ativa e vão para a reserva. “A indenização paga quando eles são transferidos para a reserva, por exemplo, subiu de quatro para oito vezes o valor do soldo após a aprovação da reforma dos militares, em 2019″, informou Weterman.

E, assim, o gasto com os salários dos integrantes das Forças Armadas e pensionistas aumentou de R$ 75 bilhões, em 2019, para R$ 86 bilhões em 2020. Nada que ministros do STF e parlamentares não tenham feito antes. Quando a elite do funcionalismo pensa em austeridade, quase sempre a palavra se dirige a ascensoristas, motoristas e às classes médias, que, em razão de não contarem com estrelas nos ombros ou canetas nas mãos, são sempre as vítimas preferenciais do aperto estatal. Quem devia dar o exemplo à Nação, como o general Rocha Paiva, quer cobrar pelo atendimento do SUS depois de ter o salário reajustado.

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Alguém pode dizer que se foi o tempo em que militares pediam a abertura de conselho de justificação para, no tribunal de honra, provar a lisura de seus atos? Não. Até porque os militares não são um corpo único. Certamente nos quartéis existem os que silenciosamente cuidam dos afazeres diários sem esquecer que o fim último de quem veste a farda é a defesa nacional. Esta não se submete a interesses mesquinhos, à vaidade dos crachás e ao conforto dos cargos no Planalto ou no litoral.

Para estes, a lei não é o que define o padrão militar. Diante de um fato duvidoso, um civil pode perguntar: “É legal? A lei proíbe?” E receber como resposta que “não é ilegal, apesar de imoral”. Isso porque o que define as ações dos civis e as do Estado é a legalidade. Entre os militares, esse dilema não existe, pois o que os inspira é a honra. Se é imoral, nada feito. O que mudou com o governo Bolsonaro?

Samuel P. Huntington, na Universidade de Harvard, durante entrevista em 2002 Foto: CLAUDIA DAUT
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Uma parte dos militares que o segue esqueceu tudo isso. E trocou o pensamento militar pelos hábitos civis. A divisão entre os dois mundos não deve significar ruptura nem o diálogo é corrupção ou rebaixamento da farda ou dos civis. Pelo contrário. Huntington via tamanha importância no ministro da Defesa que seu titular não devia mais ocupar outra função no Estado. Braga Netto ainda se lembra do que o americano disse? “Um corpo de oficiais forte e altamente integrado, imune à política e altamente respeitado por seu caráter militar, seria um imperturbável fator de equilíbrio na conduta da política”.

Outros generais do governo parecem ter esquecido a lição do cientista político. Ao insistir em mudar as normas para os testes nas urnas eletrônicas, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, não garante a higidez do processo eleitoral; antes, parece demonstrar que o controle civil objetivo do poder militar nunca foi uma realidade em nossa República. O desrespeito a esse princípio não é coisa de conservadores ou de uma direita republicana. Sua origem é, na verdade, a consequência do poder que se deu a pessoas movidas por convicções radicais: elas se revelam amantes de ditaduras.

O maior serviço que os militares podem prestar ao País é permanecer fiéis a si mesmos, em silêncio e com coragem, à maneira militar, escreveu Huntington. Diante das investidas de Bolsonaro e de seus generais palacianos contra as urnas eletrônicas, os homens da ativa podem se ver em breve diante de uma hora adversa, aquela que define como cada um será conhecido na história. Se esse momento chegar, nunca é demais lembrar a conclusão de O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação.”

Caro leitor,

Em poucas linhas, o cientista político Samuel Huntington resumiu um dos riscos que a disputa eleitoral nos dois próximos meses reserva ao País: “A menos que seja criado um novo equilíbrio, a contínua ruptura das relações entre civis e militares não pode ajudar, mas prejudicar a dimensão do profissionalismo militar no futuro. Um corpo de oficiais políticos, dividido em facções, subordinado a fins ocultos, ressentindo-se de prestígio, mas sensível aos apelos da popularidade, colocaria em perigo a segurança do Estado”.

O Presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e o candidato a vice-presidente da república, general Walter Braga Netto (PL) durante a cerimônia de abertura do Encontro Nacional do Agro, em Brasília Foto: Wilton Júnior/Estadão - 10/08/2022

A advertência é parte do capítulo final de O Soldado e o Estado, livro que deve ser lido nas academias militares brasileiras. E não devia ser esquecido. Mas há os que trocaram seus ensinamentos por salários milionários proporcionados pelo acúmulo dos rendimentos militares com pagamentos em razão do exercício de funções civis na Esplanada. É o que mostrou a reportagem do Daniel Weterman, para o Estadão. Oficiais receberam vencimentos de até R$ 1 milhão em 2020.

Em resposta ao jornal, o Exército informou que os pagamentos foram todos legais. Os valores foram pagos a título de indenização por férias e outros benefícios não recebidos ao longo da carreira. O problema é que esses valores só chegaram até a cifra próxima do milhão – caso do general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro – porque o governo Bolsonaro aumentou os benefícios para militares que saem da ativa e vão para a reserva. “A indenização paga quando eles são transferidos para a reserva, por exemplo, subiu de quatro para oito vezes o valor do soldo após a aprovação da reforma dos militares, em 2019″, informou Weterman.

E, assim, o gasto com os salários dos integrantes das Forças Armadas e pensionistas aumentou de R$ 75 bilhões, em 2019, para R$ 86 bilhões em 2020. Nada que ministros do STF e parlamentares não tenham feito antes. Quando a elite do funcionalismo pensa em austeridade, quase sempre a palavra se dirige a ascensoristas, motoristas e às classes médias, que, em razão de não contarem com estrelas nos ombros ou canetas nas mãos, são sempre as vítimas preferenciais do aperto estatal. Quem devia dar o exemplo à Nação, como o general Rocha Paiva, quer cobrar pelo atendimento do SUS depois de ter o salário reajustado.

Alguém pode dizer que se foi o tempo em que militares pediam a abertura de conselho de justificação para, no tribunal de honra, provar a lisura de seus atos? Não. Até porque os militares não são um corpo único. Certamente nos quartéis existem os que silenciosamente cuidam dos afazeres diários sem esquecer que o fim último de quem veste a farda é a defesa nacional. Esta não se submete a interesses mesquinhos, à vaidade dos crachás e ao conforto dos cargos no Planalto ou no litoral.

Para estes, a lei não é o que define o padrão militar. Diante de um fato duvidoso, um civil pode perguntar: “É legal? A lei proíbe?” E receber como resposta que “não é ilegal, apesar de imoral”. Isso porque o que define as ações dos civis e as do Estado é a legalidade. Entre os militares, esse dilema não existe, pois o que os inspira é a honra. Se é imoral, nada feito. O que mudou com o governo Bolsonaro?

Samuel P. Huntington, na Universidade de Harvard, durante entrevista em 2002 Foto: CLAUDIA DAUT

Uma parte dos militares que o segue esqueceu tudo isso. E trocou o pensamento militar pelos hábitos civis. A divisão entre os dois mundos não deve significar ruptura nem o diálogo é corrupção ou rebaixamento da farda ou dos civis. Pelo contrário. Huntington via tamanha importância no ministro da Defesa que seu titular não devia mais ocupar outra função no Estado. Braga Netto ainda se lembra do que o americano disse? “Um corpo de oficiais forte e altamente integrado, imune à política e altamente respeitado por seu caráter militar, seria um imperturbável fator de equilíbrio na conduta da política”.

Outros generais do governo parecem ter esquecido a lição do cientista político. Ao insistir em mudar as normas para os testes nas urnas eletrônicas, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, não garante a higidez do processo eleitoral; antes, parece demonstrar que o controle civil objetivo do poder militar nunca foi uma realidade em nossa República. O desrespeito a esse princípio não é coisa de conservadores ou de uma direita republicana. Sua origem é, na verdade, a consequência do poder que se deu a pessoas movidas por convicções radicais: elas se revelam amantes de ditaduras.

O maior serviço que os militares podem prestar ao País é permanecer fiéis a si mesmos, em silêncio e com coragem, à maneira militar, escreveu Huntington. Diante das investidas de Bolsonaro e de seus generais palacianos contra as urnas eletrônicas, os homens da ativa podem se ver em breve diante de uma hora adversa, aquela que define como cada um será conhecido na história. Se esse momento chegar, nunca é demais lembrar a conclusão de O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação.”

Caro leitor,

Em poucas linhas, o cientista político Samuel Huntington resumiu um dos riscos que a disputa eleitoral nos dois próximos meses reserva ao País: “A menos que seja criado um novo equilíbrio, a contínua ruptura das relações entre civis e militares não pode ajudar, mas prejudicar a dimensão do profissionalismo militar no futuro. Um corpo de oficiais políticos, dividido em facções, subordinado a fins ocultos, ressentindo-se de prestígio, mas sensível aos apelos da popularidade, colocaria em perigo a segurança do Estado”.

O Presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e o candidato a vice-presidente da república, general Walter Braga Netto (PL) durante a cerimônia de abertura do Encontro Nacional do Agro, em Brasília Foto: Wilton Júnior/Estadão - 10/08/2022

A advertência é parte do capítulo final de O Soldado e o Estado, livro que deve ser lido nas academias militares brasileiras. E não devia ser esquecido. Mas há os que trocaram seus ensinamentos por salários milionários proporcionados pelo acúmulo dos rendimentos militares com pagamentos em razão do exercício de funções civis na Esplanada. É o que mostrou a reportagem do Daniel Weterman, para o Estadão. Oficiais receberam vencimentos de até R$ 1 milhão em 2020.

Em resposta ao jornal, o Exército informou que os pagamentos foram todos legais. Os valores foram pagos a título de indenização por férias e outros benefícios não recebidos ao longo da carreira. O problema é que esses valores só chegaram até a cifra próxima do milhão – caso do general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro – porque o governo Bolsonaro aumentou os benefícios para militares que saem da ativa e vão para a reserva. “A indenização paga quando eles são transferidos para a reserva, por exemplo, subiu de quatro para oito vezes o valor do soldo após a aprovação da reforma dos militares, em 2019″, informou Weterman.

E, assim, o gasto com os salários dos integrantes das Forças Armadas e pensionistas aumentou de R$ 75 bilhões, em 2019, para R$ 86 bilhões em 2020. Nada que ministros do STF e parlamentares não tenham feito antes. Quando a elite do funcionalismo pensa em austeridade, quase sempre a palavra se dirige a ascensoristas, motoristas e às classes médias, que, em razão de não contarem com estrelas nos ombros ou canetas nas mãos, são sempre as vítimas preferenciais do aperto estatal. Quem devia dar o exemplo à Nação, como o general Rocha Paiva, quer cobrar pelo atendimento do SUS depois de ter o salário reajustado.

Alguém pode dizer que se foi o tempo em que militares pediam a abertura de conselho de justificação para, no tribunal de honra, provar a lisura de seus atos? Não. Até porque os militares não são um corpo único. Certamente nos quartéis existem os que silenciosamente cuidam dos afazeres diários sem esquecer que o fim último de quem veste a farda é a defesa nacional. Esta não se submete a interesses mesquinhos, à vaidade dos crachás e ao conforto dos cargos no Planalto ou no litoral.

Para estes, a lei não é o que define o padrão militar. Diante de um fato duvidoso, um civil pode perguntar: “É legal? A lei proíbe?” E receber como resposta que “não é ilegal, apesar de imoral”. Isso porque o que define as ações dos civis e as do Estado é a legalidade. Entre os militares, esse dilema não existe, pois o que os inspira é a honra. Se é imoral, nada feito. O que mudou com o governo Bolsonaro?

Samuel P. Huntington, na Universidade de Harvard, durante entrevista em 2002 Foto: CLAUDIA DAUT

Uma parte dos militares que o segue esqueceu tudo isso. E trocou o pensamento militar pelos hábitos civis. A divisão entre os dois mundos não deve significar ruptura nem o diálogo é corrupção ou rebaixamento da farda ou dos civis. Pelo contrário. Huntington via tamanha importância no ministro da Defesa que seu titular não devia mais ocupar outra função no Estado. Braga Netto ainda se lembra do que o americano disse? “Um corpo de oficiais forte e altamente integrado, imune à política e altamente respeitado por seu caráter militar, seria um imperturbável fator de equilíbrio na conduta da política”.

Outros generais do governo parecem ter esquecido a lição do cientista político. Ao insistir em mudar as normas para os testes nas urnas eletrônicas, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, não garante a higidez do processo eleitoral; antes, parece demonstrar que o controle civil objetivo do poder militar nunca foi uma realidade em nossa República. O desrespeito a esse princípio não é coisa de conservadores ou de uma direita republicana. Sua origem é, na verdade, a consequência do poder que se deu a pessoas movidas por convicções radicais: elas se revelam amantes de ditaduras.

O maior serviço que os militares podem prestar ao País é permanecer fiéis a si mesmos, em silêncio e com coragem, à maneira militar, escreveu Huntington. Diante das investidas de Bolsonaro e de seus generais palacianos contra as urnas eletrônicas, os homens da ativa podem se ver em breve diante de uma hora adversa, aquela que define como cada um será conhecido na história. Se esse momento chegar, nunca é demais lembrar a conclusão de O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação.”

Caro leitor,

Em poucas linhas, o cientista político Samuel Huntington resumiu um dos riscos que a disputa eleitoral nos dois próximos meses reserva ao País: “A menos que seja criado um novo equilíbrio, a contínua ruptura das relações entre civis e militares não pode ajudar, mas prejudicar a dimensão do profissionalismo militar no futuro. Um corpo de oficiais políticos, dividido em facções, subordinado a fins ocultos, ressentindo-se de prestígio, mas sensível aos apelos da popularidade, colocaria em perigo a segurança do Estado”.

O Presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e o candidato a vice-presidente da república, general Walter Braga Netto (PL) durante a cerimônia de abertura do Encontro Nacional do Agro, em Brasília Foto: Wilton Júnior/Estadão - 10/08/2022

A advertência é parte do capítulo final de O Soldado e o Estado, livro que deve ser lido nas academias militares brasileiras. E não devia ser esquecido. Mas há os que trocaram seus ensinamentos por salários milionários proporcionados pelo acúmulo dos rendimentos militares com pagamentos em razão do exercício de funções civis na Esplanada. É o que mostrou a reportagem do Daniel Weterman, para o Estadão. Oficiais receberam vencimentos de até R$ 1 milhão em 2020.

Em resposta ao jornal, o Exército informou que os pagamentos foram todos legais. Os valores foram pagos a título de indenização por férias e outros benefícios não recebidos ao longo da carreira. O problema é que esses valores só chegaram até a cifra próxima do milhão – caso do general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro – porque o governo Bolsonaro aumentou os benefícios para militares que saem da ativa e vão para a reserva. “A indenização paga quando eles são transferidos para a reserva, por exemplo, subiu de quatro para oito vezes o valor do soldo após a aprovação da reforma dos militares, em 2019″, informou Weterman.

E, assim, o gasto com os salários dos integrantes das Forças Armadas e pensionistas aumentou de R$ 75 bilhões, em 2019, para R$ 86 bilhões em 2020. Nada que ministros do STF e parlamentares não tenham feito antes. Quando a elite do funcionalismo pensa em austeridade, quase sempre a palavra se dirige a ascensoristas, motoristas e às classes médias, que, em razão de não contarem com estrelas nos ombros ou canetas nas mãos, são sempre as vítimas preferenciais do aperto estatal. Quem devia dar o exemplo à Nação, como o general Rocha Paiva, quer cobrar pelo atendimento do SUS depois de ter o salário reajustado.

Alguém pode dizer que se foi o tempo em que militares pediam a abertura de conselho de justificação para, no tribunal de honra, provar a lisura de seus atos? Não. Até porque os militares não são um corpo único. Certamente nos quartéis existem os que silenciosamente cuidam dos afazeres diários sem esquecer que o fim último de quem veste a farda é a defesa nacional. Esta não se submete a interesses mesquinhos, à vaidade dos crachás e ao conforto dos cargos no Planalto ou no litoral.

Para estes, a lei não é o que define o padrão militar. Diante de um fato duvidoso, um civil pode perguntar: “É legal? A lei proíbe?” E receber como resposta que “não é ilegal, apesar de imoral”. Isso porque o que define as ações dos civis e as do Estado é a legalidade. Entre os militares, esse dilema não existe, pois o que os inspira é a honra. Se é imoral, nada feito. O que mudou com o governo Bolsonaro?

Samuel P. Huntington, na Universidade de Harvard, durante entrevista em 2002 Foto: CLAUDIA DAUT

Uma parte dos militares que o segue esqueceu tudo isso. E trocou o pensamento militar pelos hábitos civis. A divisão entre os dois mundos não deve significar ruptura nem o diálogo é corrupção ou rebaixamento da farda ou dos civis. Pelo contrário. Huntington via tamanha importância no ministro da Defesa que seu titular não devia mais ocupar outra função no Estado. Braga Netto ainda se lembra do que o americano disse? “Um corpo de oficiais forte e altamente integrado, imune à política e altamente respeitado por seu caráter militar, seria um imperturbável fator de equilíbrio na conduta da política”.

Outros generais do governo parecem ter esquecido a lição do cientista político. Ao insistir em mudar as normas para os testes nas urnas eletrônicas, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, não garante a higidez do processo eleitoral; antes, parece demonstrar que o controle civil objetivo do poder militar nunca foi uma realidade em nossa República. O desrespeito a esse princípio não é coisa de conservadores ou de uma direita republicana. Sua origem é, na verdade, a consequência do poder que se deu a pessoas movidas por convicções radicais: elas se revelam amantes de ditaduras.

O maior serviço que os militares podem prestar ao País é permanecer fiéis a si mesmos, em silêncio e com coragem, à maneira militar, escreveu Huntington. Diante das investidas de Bolsonaro e de seus generais palacianos contra as urnas eletrônicas, os homens da ativa podem se ver em breve diante de uma hora adversa, aquela que define como cada um será conhecido na história. Se esse momento chegar, nunca é demais lembrar a conclusão de O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação.”

Caro leitor,

Em poucas linhas, o cientista político Samuel Huntington resumiu um dos riscos que a disputa eleitoral nos dois próximos meses reserva ao País: “A menos que seja criado um novo equilíbrio, a contínua ruptura das relações entre civis e militares não pode ajudar, mas prejudicar a dimensão do profissionalismo militar no futuro. Um corpo de oficiais políticos, dividido em facções, subordinado a fins ocultos, ressentindo-se de prestígio, mas sensível aos apelos da popularidade, colocaria em perigo a segurança do Estado”.

O Presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e o candidato a vice-presidente da república, general Walter Braga Netto (PL) durante a cerimônia de abertura do Encontro Nacional do Agro, em Brasília Foto: Wilton Júnior/Estadão - 10/08/2022

A advertência é parte do capítulo final de O Soldado e o Estado, livro que deve ser lido nas academias militares brasileiras. E não devia ser esquecido. Mas há os que trocaram seus ensinamentos por salários milionários proporcionados pelo acúmulo dos rendimentos militares com pagamentos em razão do exercício de funções civis na Esplanada. É o que mostrou a reportagem do Daniel Weterman, para o Estadão. Oficiais receberam vencimentos de até R$ 1 milhão em 2020.

Em resposta ao jornal, o Exército informou que os pagamentos foram todos legais. Os valores foram pagos a título de indenização por férias e outros benefícios não recebidos ao longo da carreira. O problema é que esses valores só chegaram até a cifra próxima do milhão – caso do general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro – porque o governo Bolsonaro aumentou os benefícios para militares que saem da ativa e vão para a reserva. “A indenização paga quando eles são transferidos para a reserva, por exemplo, subiu de quatro para oito vezes o valor do soldo após a aprovação da reforma dos militares, em 2019″, informou Weterman.

E, assim, o gasto com os salários dos integrantes das Forças Armadas e pensionistas aumentou de R$ 75 bilhões, em 2019, para R$ 86 bilhões em 2020. Nada que ministros do STF e parlamentares não tenham feito antes. Quando a elite do funcionalismo pensa em austeridade, quase sempre a palavra se dirige a ascensoristas, motoristas e às classes médias, que, em razão de não contarem com estrelas nos ombros ou canetas nas mãos, são sempre as vítimas preferenciais do aperto estatal. Quem devia dar o exemplo à Nação, como o general Rocha Paiva, quer cobrar pelo atendimento do SUS depois de ter o salário reajustado.

Alguém pode dizer que se foi o tempo em que militares pediam a abertura de conselho de justificação para, no tribunal de honra, provar a lisura de seus atos? Não. Até porque os militares não são um corpo único. Certamente nos quartéis existem os que silenciosamente cuidam dos afazeres diários sem esquecer que o fim último de quem veste a farda é a defesa nacional. Esta não se submete a interesses mesquinhos, à vaidade dos crachás e ao conforto dos cargos no Planalto ou no litoral.

Para estes, a lei não é o que define o padrão militar. Diante de um fato duvidoso, um civil pode perguntar: “É legal? A lei proíbe?” E receber como resposta que “não é ilegal, apesar de imoral”. Isso porque o que define as ações dos civis e as do Estado é a legalidade. Entre os militares, esse dilema não existe, pois o que os inspira é a honra. Se é imoral, nada feito. O que mudou com o governo Bolsonaro?

Samuel P. Huntington, na Universidade de Harvard, durante entrevista em 2002 Foto: CLAUDIA DAUT

Uma parte dos militares que o segue esqueceu tudo isso. E trocou o pensamento militar pelos hábitos civis. A divisão entre os dois mundos não deve significar ruptura nem o diálogo é corrupção ou rebaixamento da farda ou dos civis. Pelo contrário. Huntington via tamanha importância no ministro da Defesa que seu titular não devia mais ocupar outra função no Estado. Braga Netto ainda se lembra do que o americano disse? “Um corpo de oficiais forte e altamente integrado, imune à política e altamente respeitado por seu caráter militar, seria um imperturbável fator de equilíbrio na conduta da política”.

Outros generais do governo parecem ter esquecido a lição do cientista político. Ao insistir em mudar as normas para os testes nas urnas eletrônicas, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, não garante a higidez do processo eleitoral; antes, parece demonstrar que o controle civil objetivo do poder militar nunca foi uma realidade em nossa República. O desrespeito a esse princípio não é coisa de conservadores ou de uma direita republicana. Sua origem é, na verdade, a consequência do poder que se deu a pessoas movidas por convicções radicais: elas se revelam amantes de ditaduras.

O maior serviço que os militares podem prestar ao País é permanecer fiéis a si mesmos, em silêncio e com coragem, à maneira militar, escreveu Huntington. Diante das investidas de Bolsonaro e de seus generais palacianos contra as urnas eletrônicas, os homens da ativa podem se ver em breve diante de uma hora adversa, aquela que define como cada um será conhecido na história. Se esse momento chegar, nunca é demais lembrar a conclusão de O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação.”

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