As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Principal opositor de Bolsonaro entre militares, general Santos Cruz não será mais candidato


Militar diz que decisão não está relacionada com o anúncio feito pelas Nações Unidas de designá-lo para investigar crime de guerra na Ucrânia; oficial foi ministro do presidente, de quem se tornou crítico

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor,

o general Carlos Alberto Santos Cruz não será candidato a nenhum cargo eletivo. Ele está preparando as malas para embarcar para a Ucrânia. O militar brasileiro foi escolhido pela ONU – conforme anunciou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres – para chefiar a missão internacional que vai apurar o ataque ao presídio de Olenivka, na Ucrânia. Na explosão acontecida em 29 de julho, morreram 53 prisioneiros de guerra ucranianos e 75 pessoas ficaram feridas. Ucrânia e Rússia trocam acusações sobre a responsabilidade pelo ataque.

Carlos Alberto dos Santos Cruz em discurso Foto: Dida Sampaio/Estadão
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Santos Cruz fora durante cinco meses o ministro-chefe da Secretaria de Governo da gestão de Jair Bolsonaro até ser demitido pelo presidente. Tornou-se então um crítico do antigo chefe e da tentativa de politização dos quartéis feita pelo bolsonarismo. Há quatro meses, ele colocara seu nome à disposição do Podemos para uma possível candidatura à Presidência, depois de o ex-juiz Sérgio Moro trocar de partido – ele migrou para o União Brasil – e anunciar sua desistência da disputa presidencial.

O oficial se filiara ao Podemos dias depois do magistrado. Moro era então não só o candidato do general, mas da quase maioria dos militares que rompera com o governo Bolsonaro diante das denúncias de desvios de recursos envolvendo a família do presidente e da forma como o capitão tratou os brasileiros na pandemia de covid-19 – Bolsonaro nunca visitou um hospital sequer para se solidarizar com médicos e pacientes.

Em fins de junho, o general foi relacionado pelo colega deputado federal e general da reserva Roberto Peternelli Junior (União-SP) como um dos candidatos que o Podemos lançaria a deputado federal no Distrito Federal. Naquele momento, o partido negociava uma aliança com o MDB, o PSDB e o Cidadania para apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência. No dia 18, o nome do general foi anunciado por Guterres para a missão na Ucrânia. “Eu não sou candidato a cargo eletivo”, afirmou o general à coluna.

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Santos Cruz afirma que a decisão sobre a candidatura não tem nenhuma relação com o anúncio da missão para a Ucrânia, pois essa era uma decisão já tomada anteriormente. No DF, apenas um general deve sair candidato a deputado federal. Trata-se de Paulo Chagas, um cavalariano que tentara o governo distrital em 2018 e terminou o pleito com 10% dos votos, vencido por Ibaneis Rocha (MDB). Chagas, a exemplo de Santos Cruz, é outro general que rompeu com o presidente após tê-lo apoiado em 2018.

Soldados do Batalhão Azov inspecionam destroços de um comboio russo em Bucha. Foto: Daniel Berehulak/NYT

O general que pretendia enfrentar as urnas pelo Podemos agora vai investigar quem foi o responsável pela morte dos prisioneiros ucranianos – quase todos integrantes do batalhão Azov, uma milícia formada por extremistas de direita que foi agregada ao Exército da Ucrânia e combateu os russos durante o cerco de Mariupol. Tanto Moscou como Kiev pediram à ONU que fizesse a apuração independente. Santos Cruz ainda não sabe como será formada a equipe que vai chefiar, mas aguarda instruções. O general já esteve à frente de outras missões da ONU, como a força de paz na República Democrática do Congo (RDC).

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Sua desistência de disputar um cargo eletivo vai na direção contrária de seus colegas militares. Inspirados pelo sucesso do presidente que disputa a reeleição, 2.030 candidatos militares – das Forças Armadas e das Forças de Segurança estaduais – tiveram suas candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Conforme mostrou levantamento do Estadão, esse número significa um aumento de 25% em relação a 2018 e de 68,4% ante ao total de 2014.

Enquanto a propaganda dos colegas invade as redes sociais, Santos Cruz decidiu se afastar também do Twitter – ele não posta nada desde 18 de julho. Escreveu no período um artigo, publicado na semana passada, no qual critica Bolsonaro por politizar o desfile de 7 de Setembro. “Os demagogos, embusteiros e fanfarrões não irão à frente. Eles ficarão escondidos e protegidos nas suas imunidades.” A esperança do general, que já foi apodado por bolsonaristas como “melancia”, é de que um dia as suas palavras prevalecem diante da onda que conduziu os colegas a gabinetes e sinecuras que ninguém quer perder.

Jan Huss, o reformador checo, pensava o mesmo quando acabou na fogueira como herege. Sua divisa, “a verdade vencerá”, foi lembrada cinco séculos depois por outro checo, o comunista Artur London, em sua obra L’Aveu, dans l’engrenage du procès de Prague (A Confissão, na engrenagem do processo de Praga). London fora um dos poucos sobreviventes do caso que levou à execução de Rudolf Slánsky, ex-secretário-geral do PC Checoslovaco, em um dos julgamentos espetáculos encenados por Stalin no Leste Europeu que misturaram antissemitismo com a prevenção a novas divisões no mundo socialista, como a da antiga Iugoslávia do marechal Tito.

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O ator francês Yves Montand interpretou no cinema London, em A Confissão, de Costa-Gravas Foto: DERRICK CEYRAC

Reabilitado, London escreveu suas memórias entre abril e agosto de 1968, durante a Primavera de Praga. Quando foi à capital de seu país levar o livro para ser publicado, foi surpreendido pela invasão das tropas do Pacto de Varsóvia. Era 20 de agosto de 1968. Sua história viraria filme pelas mãos do diretor Costa-Gravas, com Yves Montand interpretando o checo. Cinquenta e quatro anos depois da invasão soviética, sabe-se que a história não se passou como London queria. Ou mesmo como Huss imaginara, apesar de sua estátua estar, hoje, no centro de Praga. A história também parece que se recusará a passar como Santos Cruz espera. Mesmo com Bolsonaro derrotado, será difícil para um futuro governo lidar com a caserna e os militares sem enxergar ali o lugar onde o atual presidente foi buscar os seus mais fiéis auxiliares.

Caro leitor,

o general Carlos Alberto Santos Cruz não será candidato a nenhum cargo eletivo. Ele está preparando as malas para embarcar para a Ucrânia. O militar brasileiro foi escolhido pela ONU – conforme anunciou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres – para chefiar a missão internacional que vai apurar o ataque ao presídio de Olenivka, na Ucrânia. Na explosão acontecida em 29 de julho, morreram 53 prisioneiros de guerra ucranianos e 75 pessoas ficaram feridas. Ucrânia e Rússia trocam acusações sobre a responsabilidade pelo ataque.

Carlos Alberto dos Santos Cruz em discurso Foto: Dida Sampaio/Estadão

Santos Cruz fora durante cinco meses o ministro-chefe da Secretaria de Governo da gestão de Jair Bolsonaro até ser demitido pelo presidente. Tornou-se então um crítico do antigo chefe e da tentativa de politização dos quartéis feita pelo bolsonarismo. Há quatro meses, ele colocara seu nome à disposição do Podemos para uma possível candidatura à Presidência, depois de o ex-juiz Sérgio Moro trocar de partido – ele migrou para o União Brasil – e anunciar sua desistência da disputa presidencial.

O oficial se filiara ao Podemos dias depois do magistrado. Moro era então não só o candidato do general, mas da quase maioria dos militares que rompera com o governo Bolsonaro diante das denúncias de desvios de recursos envolvendo a família do presidente e da forma como o capitão tratou os brasileiros na pandemia de covid-19 – Bolsonaro nunca visitou um hospital sequer para se solidarizar com médicos e pacientes.

Em fins de junho, o general foi relacionado pelo colega deputado federal e general da reserva Roberto Peternelli Junior (União-SP) como um dos candidatos que o Podemos lançaria a deputado federal no Distrito Federal. Naquele momento, o partido negociava uma aliança com o MDB, o PSDB e o Cidadania para apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência. No dia 18, o nome do general foi anunciado por Guterres para a missão na Ucrânia. “Eu não sou candidato a cargo eletivo”, afirmou o general à coluna.

Santos Cruz afirma que a decisão sobre a candidatura não tem nenhuma relação com o anúncio da missão para a Ucrânia, pois essa era uma decisão já tomada anteriormente. No DF, apenas um general deve sair candidato a deputado federal. Trata-se de Paulo Chagas, um cavalariano que tentara o governo distrital em 2018 e terminou o pleito com 10% dos votos, vencido por Ibaneis Rocha (MDB). Chagas, a exemplo de Santos Cruz, é outro general que rompeu com o presidente após tê-lo apoiado em 2018.

Soldados do Batalhão Azov inspecionam destroços de um comboio russo em Bucha. Foto: Daniel Berehulak/NYT

O general que pretendia enfrentar as urnas pelo Podemos agora vai investigar quem foi o responsável pela morte dos prisioneiros ucranianos – quase todos integrantes do batalhão Azov, uma milícia formada por extremistas de direita que foi agregada ao Exército da Ucrânia e combateu os russos durante o cerco de Mariupol. Tanto Moscou como Kiev pediram à ONU que fizesse a apuração independente. Santos Cruz ainda não sabe como será formada a equipe que vai chefiar, mas aguarda instruções. O general já esteve à frente de outras missões da ONU, como a força de paz na República Democrática do Congo (RDC).

Sua desistência de disputar um cargo eletivo vai na direção contrária de seus colegas militares. Inspirados pelo sucesso do presidente que disputa a reeleição, 2.030 candidatos militares – das Forças Armadas e das Forças de Segurança estaduais – tiveram suas candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Conforme mostrou levantamento do Estadão, esse número significa um aumento de 25% em relação a 2018 e de 68,4% ante ao total de 2014.

Enquanto a propaganda dos colegas invade as redes sociais, Santos Cruz decidiu se afastar também do Twitter – ele não posta nada desde 18 de julho. Escreveu no período um artigo, publicado na semana passada, no qual critica Bolsonaro por politizar o desfile de 7 de Setembro. “Os demagogos, embusteiros e fanfarrões não irão à frente. Eles ficarão escondidos e protegidos nas suas imunidades.” A esperança do general, que já foi apodado por bolsonaristas como “melancia”, é de que um dia as suas palavras prevalecem diante da onda que conduziu os colegas a gabinetes e sinecuras que ninguém quer perder.

Jan Huss, o reformador checo, pensava o mesmo quando acabou na fogueira como herege. Sua divisa, “a verdade vencerá”, foi lembrada cinco séculos depois por outro checo, o comunista Artur London, em sua obra L’Aveu, dans l’engrenage du procès de Prague (A Confissão, na engrenagem do processo de Praga). London fora um dos poucos sobreviventes do caso que levou à execução de Rudolf Slánsky, ex-secretário-geral do PC Checoslovaco, em um dos julgamentos espetáculos encenados por Stalin no Leste Europeu que misturaram antissemitismo com a prevenção a novas divisões no mundo socialista, como a da antiga Iugoslávia do marechal Tito.

O ator francês Yves Montand interpretou no cinema London, em A Confissão, de Costa-Gravas Foto: DERRICK CEYRAC

Reabilitado, London escreveu suas memórias entre abril e agosto de 1968, durante a Primavera de Praga. Quando foi à capital de seu país levar o livro para ser publicado, foi surpreendido pela invasão das tropas do Pacto de Varsóvia. Era 20 de agosto de 1968. Sua história viraria filme pelas mãos do diretor Costa-Gravas, com Yves Montand interpretando o checo. Cinquenta e quatro anos depois da invasão soviética, sabe-se que a história não se passou como London queria. Ou mesmo como Huss imaginara, apesar de sua estátua estar, hoje, no centro de Praga. A história também parece que se recusará a passar como Santos Cruz espera. Mesmo com Bolsonaro derrotado, será difícil para um futuro governo lidar com a caserna e os militares sem enxergar ali o lugar onde o atual presidente foi buscar os seus mais fiéis auxiliares.

Caro leitor,

o general Carlos Alberto Santos Cruz não será candidato a nenhum cargo eletivo. Ele está preparando as malas para embarcar para a Ucrânia. O militar brasileiro foi escolhido pela ONU – conforme anunciou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres – para chefiar a missão internacional que vai apurar o ataque ao presídio de Olenivka, na Ucrânia. Na explosão acontecida em 29 de julho, morreram 53 prisioneiros de guerra ucranianos e 75 pessoas ficaram feridas. Ucrânia e Rússia trocam acusações sobre a responsabilidade pelo ataque.

Carlos Alberto dos Santos Cruz em discurso Foto: Dida Sampaio/Estadão

Santos Cruz fora durante cinco meses o ministro-chefe da Secretaria de Governo da gestão de Jair Bolsonaro até ser demitido pelo presidente. Tornou-se então um crítico do antigo chefe e da tentativa de politização dos quartéis feita pelo bolsonarismo. Há quatro meses, ele colocara seu nome à disposição do Podemos para uma possível candidatura à Presidência, depois de o ex-juiz Sérgio Moro trocar de partido – ele migrou para o União Brasil – e anunciar sua desistência da disputa presidencial.

O oficial se filiara ao Podemos dias depois do magistrado. Moro era então não só o candidato do general, mas da quase maioria dos militares que rompera com o governo Bolsonaro diante das denúncias de desvios de recursos envolvendo a família do presidente e da forma como o capitão tratou os brasileiros na pandemia de covid-19 – Bolsonaro nunca visitou um hospital sequer para se solidarizar com médicos e pacientes.

Em fins de junho, o general foi relacionado pelo colega deputado federal e general da reserva Roberto Peternelli Junior (União-SP) como um dos candidatos que o Podemos lançaria a deputado federal no Distrito Federal. Naquele momento, o partido negociava uma aliança com o MDB, o PSDB e o Cidadania para apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência. No dia 18, o nome do general foi anunciado por Guterres para a missão na Ucrânia. “Eu não sou candidato a cargo eletivo”, afirmou o general à coluna.

Santos Cruz afirma que a decisão sobre a candidatura não tem nenhuma relação com o anúncio da missão para a Ucrânia, pois essa era uma decisão já tomada anteriormente. No DF, apenas um general deve sair candidato a deputado federal. Trata-se de Paulo Chagas, um cavalariano que tentara o governo distrital em 2018 e terminou o pleito com 10% dos votos, vencido por Ibaneis Rocha (MDB). Chagas, a exemplo de Santos Cruz, é outro general que rompeu com o presidente após tê-lo apoiado em 2018.

Soldados do Batalhão Azov inspecionam destroços de um comboio russo em Bucha. Foto: Daniel Berehulak/NYT

O general que pretendia enfrentar as urnas pelo Podemos agora vai investigar quem foi o responsável pela morte dos prisioneiros ucranianos – quase todos integrantes do batalhão Azov, uma milícia formada por extremistas de direita que foi agregada ao Exército da Ucrânia e combateu os russos durante o cerco de Mariupol. Tanto Moscou como Kiev pediram à ONU que fizesse a apuração independente. Santos Cruz ainda não sabe como será formada a equipe que vai chefiar, mas aguarda instruções. O general já esteve à frente de outras missões da ONU, como a força de paz na República Democrática do Congo (RDC).

Sua desistência de disputar um cargo eletivo vai na direção contrária de seus colegas militares. Inspirados pelo sucesso do presidente que disputa a reeleição, 2.030 candidatos militares – das Forças Armadas e das Forças de Segurança estaduais – tiveram suas candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Conforme mostrou levantamento do Estadão, esse número significa um aumento de 25% em relação a 2018 e de 68,4% ante ao total de 2014.

Enquanto a propaganda dos colegas invade as redes sociais, Santos Cruz decidiu se afastar também do Twitter – ele não posta nada desde 18 de julho. Escreveu no período um artigo, publicado na semana passada, no qual critica Bolsonaro por politizar o desfile de 7 de Setembro. “Os demagogos, embusteiros e fanfarrões não irão à frente. Eles ficarão escondidos e protegidos nas suas imunidades.” A esperança do general, que já foi apodado por bolsonaristas como “melancia”, é de que um dia as suas palavras prevalecem diante da onda que conduziu os colegas a gabinetes e sinecuras que ninguém quer perder.

Jan Huss, o reformador checo, pensava o mesmo quando acabou na fogueira como herege. Sua divisa, “a verdade vencerá”, foi lembrada cinco séculos depois por outro checo, o comunista Artur London, em sua obra L’Aveu, dans l’engrenage du procès de Prague (A Confissão, na engrenagem do processo de Praga). London fora um dos poucos sobreviventes do caso que levou à execução de Rudolf Slánsky, ex-secretário-geral do PC Checoslovaco, em um dos julgamentos espetáculos encenados por Stalin no Leste Europeu que misturaram antissemitismo com a prevenção a novas divisões no mundo socialista, como a da antiga Iugoslávia do marechal Tito.

O ator francês Yves Montand interpretou no cinema London, em A Confissão, de Costa-Gravas Foto: DERRICK CEYRAC

Reabilitado, London escreveu suas memórias entre abril e agosto de 1968, durante a Primavera de Praga. Quando foi à capital de seu país levar o livro para ser publicado, foi surpreendido pela invasão das tropas do Pacto de Varsóvia. Era 20 de agosto de 1968. Sua história viraria filme pelas mãos do diretor Costa-Gravas, com Yves Montand interpretando o checo. Cinquenta e quatro anos depois da invasão soviética, sabe-se que a história não se passou como London queria. Ou mesmo como Huss imaginara, apesar de sua estátua estar, hoje, no centro de Praga. A história também parece que se recusará a passar como Santos Cruz espera. Mesmo com Bolsonaro derrotado, será difícil para um futuro governo lidar com a caserna e os militares sem enxergar ali o lugar onde o atual presidente foi buscar os seus mais fiéis auxiliares.

Caro leitor,

o general Carlos Alberto Santos Cruz não será candidato a nenhum cargo eletivo. Ele está preparando as malas para embarcar para a Ucrânia. O militar brasileiro foi escolhido pela ONU – conforme anunciou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres – para chefiar a missão internacional que vai apurar o ataque ao presídio de Olenivka, na Ucrânia. Na explosão acontecida em 29 de julho, morreram 53 prisioneiros de guerra ucranianos e 75 pessoas ficaram feridas. Ucrânia e Rússia trocam acusações sobre a responsabilidade pelo ataque.

Carlos Alberto dos Santos Cruz em discurso Foto: Dida Sampaio/Estadão

Santos Cruz fora durante cinco meses o ministro-chefe da Secretaria de Governo da gestão de Jair Bolsonaro até ser demitido pelo presidente. Tornou-se então um crítico do antigo chefe e da tentativa de politização dos quartéis feita pelo bolsonarismo. Há quatro meses, ele colocara seu nome à disposição do Podemos para uma possível candidatura à Presidência, depois de o ex-juiz Sérgio Moro trocar de partido – ele migrou para o União Brasil – e anunciar sua desistência da disputa presidencial.

O oficial se filiara ao Podemos dias depois do magistrado. Moro era então não só o candidato do general, mas da quase maioria dos militares que rompera com o governo Bolsonaro diante das denúncias de desvios de recursos envolvendo a família do presidente e da forma como o capitão tratou os brasileiros na pandemia de covid-19 – Bolsonaro nunca visitou um hospital sequer para se solidarizar com médicos e pacientes.

Em fins de junho, o general foi relacionado pelo colega deputado federal e general da reserva Roberto Peternelli Junior (União-SP) como um dos candidatos que o Podemos lançaria a deputado federal no Distrito Federal. Naquele momento, o partido negociava uma aliança com o MDB, o PSDB e o Cidadania para apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência. No dia 18, o nome do general foi anunciado por Guterres para a missão na Ucrânia. “Eu não sou candidato a cargo eletivo”, afirmou o general à coluna.

Santos Cruz afirma que a decisão sobre a candidatura não tem nenhuma relação com o anúncio da missão para a Ucrânia, pois essa era uma decisão já tomada anteriormente. No DF, apenas um general deve sair candidato a deputado federal. Trata-se de Paulo Chagas, um cavalariano que tentara o governo distrital em 2018 e terminou o pleito com 10% dos votos, vencido por Ibaneis Rocha (MDB). Chagas, a exemplo de Santos Cruz, é outro general que rompeu com o presidente após tê-lo apoiado em 2018.

Soldados do Batalhão Azov inspecionam destroços de um comboio russo em Bucha. Foto: Daniel Berehulak/NYT

O general que pretendia enfrentar as urnas pelo Podemos agora vai investigar quem foi o responsável pela morte dos prisioneiros ucranianos – quase todos integrantes do batalhão Azov, uma milícia formada por extremistas de direita que foi agregada ao Exército da Ucrânia e combateu os russos durante o cerco de Mariupol. Tanto Moscou como Kiev pediram à ONU que fizesse a apuração independente. Santos Cruz ainda não sabe como será formada a equipe que vai chefiar, mas aguarda instruções. O general já esteve à frente de outras missões da ONU, como a força de paz na República Democrática do Congo (RDC).

Sua desistência de disputar um cargo eletivo vai na direção contrária de seus colegas militares. Inspirados pelo sucesso do presidente que disputa a reeleição, 2.030 candidatos militares – das Forças Armadas e das Forças de Segurança estaduais – tiveram suas candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Conforme mostrou levantamento do Estadão, esse número significa um aumento de 25% em relação a 2018 e de 68,4% ante ao total de 2014.

Enquanto a propaganda dos colegas invade as redes sociais, Santos Cruz decidiu se afastar também do Twitter – ele não posta nada desde 18 de julho. Escreveu no período um artigo, publicado na semana passada, no qual critica Bolsonaro por politizar o desfile de 7 de Setembro. “Os demagogos, embusteiros e fanfarrões não irão à frente. Eles ficarão escondidos e protegidos nas suas imunidades.” A esperança do general, que já foi apodado por bolsonaristas como “melancia”, é de que um dia as suas palavras prevalecem diante da onda que conduziu os colegas a gabinetes e sinecuras que ninguém quer perder.

Jan Huss, o reformador checo, pensava o mesmo quando acabou na fogueira como herege. Sua divisa, “a verdade vencerá”, foi lembrada cinco séculos depois por outro checo, o comunista Artur London, em sua obra L’Aveu, dans l’engrenage du procès de Prague (A Confissão, na engrenagem do processo de Praga). London fora um dos poucos sobreviventes do caso que levou à execução de Rudolf Slánsky, ex-secretário-geral do PC Checoslovaco, em um dos julgamentos espetáculos encenados por Stalin no Leste Europeu que misturaram antissemitismo com a prevenção a novas divisões no mundo socialista, como a da antiga Iugoslávia do marechal Tito.

O ator francês Yves Montand interpretou no cinema London, em A Confissão, de Costa-Gravas Foto: DERRICK CEYRAC

Reabilitado, London escreveu suas memórias entre abril e agosto de 1968, durante a Primavera de Praga. Quando foi à capital de seu país levar o livro para ser publicado, foi surpreendido pela invasão das tropas do Pacto de Varsóvia. Era 20 de agosto de 1968. Sua história viraria filme pelas mãos do diretor Costa-Gravas, com Yves Montand interpretando o checo. Cinquenta e quatro anos depois da invasão soviética, sabe-se que a história não se passou como London queria. Ou mesmo como Huss imaginara, apesar de sua estátua estar, hoje, no centro de Praga. A história também parece que se recusará a passar como Santos Cruz espera. Mesmo com Bolsonaro derrotado, será difícil para um futuro governo lidar com a caserna e os militares sem enxergar ali o lugar onde o atual presidente foi buscar os seus mais fiéis auxiliares.

Caro leitor,

o general Carlos Alberto Santos Cruz não será candidato a nenhum cargo eletivo. Ele está preparando as malas para embarcar para a Ucrânia. O militar brasileiro foi escolhido pela ONU – conforme anunciou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres – para chefiar a missão internacional que vai apurar o ataque ao presídio de Olenivka, na Ucrânia. Na explosão acontecida em 29 de julho, morreram 53 prisioneiros de guerra ucranianos e 75 pessoas ficaram feridas. Ucrânia e Rússia trocam acusações sobre a responsabilidade pelo ataque.

Carlos Alberto dos Santos Cruz em discurso Foto: Dida Sampaio/Estadão

Santos Cruz fora durante cinco meses o ministro-chefe da Secretaria de Governo da gestão de Jair Bolsonaro até ser demitido pelo presidente. Tornou-se então um crítico do antigo chefe e da tentativa de politização dos quartéis feita pelo bolsonarismo. Há quatro meses, ele colocara seu nome à disposição do Podemos para uma possível candidatura à Presidência, depois de o ex-juiz Sérgio Moro trocar de partido – ele migrou para o União Brasil – e anunciar sua desistência da disputa presidencial.

O oficial se filiara ao Podemos dias depois do magistrado. Moro era então não só o candidato do general, mas da quase maioria dos militares que rompera com o governo Bolsonaro diante das denúncias de desvios de recursos envolvendo a família do presidente e da forma como o capitão tratou os brasileiros na pandemia de covid-19 – Bolsonaro nunca visitou um hospital sequer para se solidarizar com médicos e pacientes.

Em fins de junho, o general foi relacionado pelo colega deputado federal e general da reserva Roberto Peternelli Junior (União-SP) como um dos candidatos que o Podemos lançaria a deputado federal no Distrito Federal. Naquele momento, o partido negociava uma aliança com o MDB, o PSDB e o Cidadania para apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência. No dia 18, o nome do general foi anunciado por Guterres para a missão na Ucrânia. “Eu não sou candidato a cargo eletivo”, afirmou o general à coluna.

Santos Cruz afirma que a decisão sobre a candidatura não tem nenhuma relação com o anúncio da missão para a Ucrânia, pois essa era uma decisão já tomada anteriormente. No DF, apenas um general deve sair candidato a deputado federal. Trata-se de Paulo Chagas, um cavalariano que tentara o governo distrital em 2018 e terminou o pleito com 10% dos votos, vencido por Ibaneis Rocha (MDB). Chagas, a exemplo de Santos Cruz, é outro general que rompeu com o presidente após tê-lo apoiado em 2018.

Soldados do Batalhão Azov inspecionam destroços de um comboio russo em Bucha. Foto: Daniel Berehulak/NYT

O general que pretendia enfrentar as urnas pelo Podemos agora vai investigar quem foi o responsável pela morte dos prisioneiros ucranianos – quase todos integrantes do batalhão Azov, uma milícia formada por extremistas de direita que foi agregada ao Exército da Ucrânia e combateu os russos durante o cerco de Mariupol. Tanto Moscou como Kiev pediram à ONU que fizesse a apuração independente. Santos Cruz ainda não sabe como será formada a equipe que vai chefiar, mas aguarda instruções. O general já esteve à frente de outras missões da ONU, como a força de paz na República Democrática do Congo (RDC).

Sua desistência de disputar um cargo eletivo vai na direção contrária de seus colegas militares. Inspirados pelo sucesso do presidente que disputa a reeleição, 2.030 candidatos militares – das Forças Armadas e das Forças de Segurança estaduais – tiveram suas candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Conforme mostrou levantamento do Estadão, esse número significa um aumento de 25% em relação a 2018 e de 68,4% ante ao total de 2014.

Enquanto a propaganda dos colegas invade as redes sociais, Santos Cruz decidiu se afastar também do Twitter – ele não posta nada desde 18 de julho. Escreveu no período um artigo, publicado na semana passada, no qual critica Bolsonaro por politizar o desfile de 7 de Setembro. “Os demagogos, embusteiros e fanfarrões não irão à frente. Eles ficarão escondidos e protegidos nas suas imunidades.” A esperança do general, que já foi apodado por bolsonaristas como “melancia”, é de que um dia as suas palavras prevalecem diante da onda que conduziu os colegas a gabinetes e sinecuras que ninguém quer perder.

Jan Huss, o reformador checo, pensava o mesmo quando acabou na fogueira como herege. Sua divisa, “a verdade vencerá”, foi lembrada cinco séculos depois por outro checo, o comunista Artur London, em sua obra L’Aveu, dans l’engrenage du procès de Prague (A Confissão, na engrenagem do processo de Praga). London fora um dos poucos sobreviventes do caso que levou à execução de Rudolf Slánsky, ex-secretário-geral do PC Checoslovaco, em um dos julgamentos espetáculos encenados por Stalin no Leste Europeu que misturaram antissemitismo com a prevenção a novas divisões no mundo socialista, como a da antiga Iugoslávia do marechal Tito.

O ator francês Yves Montand interpretou no cinema London, em A Confissão, de Costa-Gravas Foto: DERRICK CEYRAC

Reabilitado, London escreveu suas memórias entre abril e agosto de 1968, durante a Primavera de Praga. Quando foi à capital de seu país levar o livro para ser publicado, foi surpreendido pela invasão das tropas do Pacto de Varsóvia. Era 20 de agosto de 1968. Sua história viraria filme pelas mãos do diretor Costa-Gravas, com Yves Montand interpretando o checo. Cinquenta e quatro anos depois da invasão soviética, sabe-se que a história não se passou como London queria. Ou mesmo como Huss imaginara, apesar de sua estátua estar, hoje, no centro de Praga. A história também parece que se recusará a passar como Santos Cruz espera. Mesmo com Bolsonaro derrotado, será difícil para um futuro governo lidar com a caserna e os militares sem enxergar ali o lugar onde o atual presidente foi buscar os seus mais fiéis auxiliares.

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