As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Análise|Proposta de Lula para a Segurança Pública deve fracassar por causa do corporativismo das polícias


Com 21 anos de atraso, presidente reuniu parte dos governadores e o ministro da Justiça; enquanto isso, o crime se organizou, e a organização da polícia permaneceu no século passado

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Quando assumiu a Secretaria Nacional de Segurança Pública, em 2003, Luiz Eduardo Soares tentou montar o que chamava de “um pacto pela paz”, que levaria à criação do SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública. Tudo parecia possível. No começo de 2002 — lembrou o antropólogo em artigo assinado com o professor Manuel Domingos —, Lula fora bem recebido por tucanos, como Aécio Neves, que elogiaram o pacote anticrime petista.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com os governadores no Palácio do Planalto Foto: Wilton Júnior/Estadão

Segundo Soares, “o plano não idealizava a racionalidade técnica e apontava para ajustes de instituições públicas às determinações constitucionais”. Dois anos antes, a resolução 160 da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo instituíra o Sistema Estadual de Coleta de Estatísticas Criminais. Soares queria o mesmo: dados confiáveis que servissem para retratar o funcionamento do sistema.

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Sem números sobre a eficiência do sistema — índices de esclarecimentos de crimes, de inquéritos relatados, de subnotificação de delitos, de produtividade policial e a melhora da cadeia de custódia de provas —, a sociedade não tem como saber se o dinheiro gasto com a Segurança foi bem usado ou não.

Soares não conseguiu marcar sua reunião nem levar adiante o “pacto pela paz” — ele durou pouco no cargo. À maioria dos governadores não interessava a mudança, pois eram reféns do corporativismo policial e da bancada da bala, que só discute salário, privilégio e gratificações para seu eleitorado sem reconhecer que o modelo de segurança do País deu errado.

Vinte e um anos depois do fracasso de Soares, Lula obteve sua reunião. Mas esta também pode terminar em fracasso. Sob a desculpa de que o Planalto estaria invadindo atribuições estaduais, governadores e policiais deputados querem manter tudo como está. O Brasil tem polícias sem ciclo completo, tem delegados em vez de juiz de instrução e prefere “rambos” a patrulheiros.

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O resultado é a ineficiência. As polícias esclareceram apenas 1% dos roubos de celular de autoria desconhecida em São Paulo em 2021. No ano seguinte, o Estado encerrou essa coleta de dados (o chamado B.E.E.).

A opacidade só ajuda a ineficiência, a violência e a corrupção. A bancada da bala vocifera que o problema é “aumentar as penas”. Quando só 1% do total de crimes é esclarecido, pode-se instituir a pena de morte por crucificação que nada vai mudar. Há séculos se sabe — dizem os juristas — que a solução nunca foi o tamanho da pena, mas a certeza da punição. O crime se organizou. E a polícia? Vai continuar no século passado, e os governadores reféns das corporações? Sem a reforma do artigo 144 da Constituição, Soares antevê novo fracasso. E a espera de mais 21 anos por outra reunião.

Quando assumiu a Secretaria Nacional de Segurança Pública, em 2003, Luiz Eduardo Soares tentou montar o que chamava de “um pacto pela paz”, que levaria à criação do SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública. Tudo parecia possível. No começo de 2002 — lembrou o antropólogo em artigo assinado com o professor Manuel Domingos —, Lula fora bem recebido por tucanos, como Aécio Neves, que elogiaram o pacote anticrime petista.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com os governadores no Palácio do Planalto Foto: Wilton Júnior/Estadão

Segundo Soares, “o plano não idealizava a racionalidade técnica e apontava para ajustes de instituições públicas às determinações constitucionais”. Dois anos antes, a resolução 160 da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo instituíra o Sistema Estadual de Coleta de Estatísticas Criminais. Soares queria o mesmo: dados confiáveis que servissem para retratar o funcionamento do sistema.

Sem números sobre a eficiência do sistema — índices de esclarecimentos de crimes, de inquéritos relatados, de subnotificação de delitos, de produtividade policial e a melhora da cadeia de custódia de provas —, a sociedade não tem como saber se o dinheiro gasto com a Segurança foi bem usado ou não.

Soares não conseguiu marcar sua reunião nem levar adiante o “pacto pela paz” — ele durou pouco no cargo. À maioria dos governadores não interessava a mudança, pois eram reféns do corporativismo policial e da bancada da bala, que só discute salário, privilégio e gratificações para seu eleitorado sem reconhecer que o modelo de segurança do País deu errado.

Vinte e um anos depois do fracasso de Soares, Lula obteve sua reunião. Mas esta também pode terminar em fracasso. Sob a desculpa de que o Planalto estaria invadindo atribuições estaduais, governadores e policiais deputados querem manter tudo como está. O Brasil tem polícias sem ciclo completo, tem delegados em vez de juiz de instrução e prefere “rambos” a patrulheiros.

O resultado é a ineficiência. As polícias esclareceram apenas 1% dos roubos de celular de autoria desconhecida em São Paulo em 2021. No ano seguinte, o Estado encerrou essa coleta de dados (o chamado B.E.E.).

A opacidade só ajuda a ineficiência, a violência e a corrupção. A bancada da bala vocifera que o problema é “aumentar as penas”. Quando só 1% do total de crimes é esclarecido, pode-se instituir a pena de morte por crucificação que nada vai mudar. Há séculos se sabe — dizem os juristas — que a solução nunca foi o tamanho da pena, mas a certeza da punição. O crime se organizou. E a polícia? Vai continuar no século passado, e os governadores reféns das corporações? Sem a reforma do artigo 144 da Constituição, Soares antevê novo fracasso. E a espera de mais 21 anos por outra reunião.

Quando assumiu a Secretaria Nacional de Segurança Pública, em 2003, Luiz Eduardo Soares tentou montar o que chamava de “um pacto pela paz”, que levaria à criação do SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública. Tudo parecia possível. No começo de 2002 — lembrou o antropólogo em artigo assinado com o professor Manuel Domingos —, Lula fora bem recebido por tucanos, como Aécio Neves, que elogiaram o pacote anticrime petista.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com os governadores no Palácio do Planalto Foto: Wilton Júnior/Estadão

Segundo Soares, “o plano não idealizava a racionalidade técnica e apontava para ajustes de instituições públicas às determinações constitucionais”. Dois anos antes, a resolução 160 da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo instituíra o Sistema Estadual de Coleta de Estatísticas Criminais. Soares queria o mesmo: dados confiáveis que servissem para retratar o funcionamento do sistema.

Sem números sobre a eficiência do sistema — índices de esclarecimentos de crimes, de inquéritos relatados, de subnotificação de delitos, de produtividade policial e a melhora da cadeia de custódia de provas —, a sociedade não tem como saber se o dinheiro gasto com a Segurança foi bem usado ou não.

Soares não conseguiu marcar sua reunião nem levar adiante o “pacto pela paz” — ele durou pouco no cargo. À maioria dos governadores não interessava a mudança, pois eram reféns do corporativismo policial e da bancada da bala, que só discute salário, privilégio e gratificações para seu eleitorado sem reconhecer que o modelo de segurança do País deu errado.

Vinte e um anos depois do fracasso de Soares, Lula obteve sua reunião. Mas esta também pode terminar em fracasso. Sob a desculpa de que o Planalto estaria invadindo atribuições estaduais, governadores e policiais deputados querem manter tudo como está. O Brasil tem polícias sem ciclo completo, tem delegados em vez de juiz de instrução e prefere “rambos” a patrulheiros.

O resultado é a ineficiência. As polícias esclareceram apenas 1% dos roubos de celular de autoria desconhecida em São Paulo em 2021. No ano seguinte, o Estado encerrou essa coleta de dados (o chamado B.E.E.).

A opacidade só ajuda a ineficiência, a violência e a corrupção. A bancada da bala vocifera que o problema é “aumentar as penas”. Quando só 1% do total de crimes é esclarecido, pode-se instituir a pena de morte por crucificação que nada vai mudar. Há séculos se sabe — dizem os juristas — que a solução nunca foi o tamanho da pena, mas a certeza da punição. O crime se organizou. E a polícia? Vai continuar no século passado, e os governadores reféns das corporações? Sem a reforma do artigo 144 da Constituição, Soares antevê novo fracasso. E a espera de mais 21 anos por outra reunião.

Análise por Marcelo Godoy

Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.

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