O Brasil empenhou quase meio bilhão de reais para enfrentar a ameaça da Venezuela de invadir Essequibo e se apropriar de 70% do território da Guiana, passando pela savanas do norte do País. Ao todo, foram gastos R$ 217 milhões nas três fases da operação logística, iniciada em 22 de novembro de 2023. Além disso, foram enviados a Roraima equipamentos avaliados em R$ 228 milhões. E isso tudo em um momento em que a Força Terrestre recebeu o pior orçamento em uma década para cobrir suas despesas discricionárias e terá de enfrentar os gastos com a operação no Rio Grande do Sul.
Os dados do Exército mostram pela primeira vez a dimensão da operação de guerra montada para dissuadir Nicolás Maduro e seu ministro da Defesa, o general Vladimir Padrino López, antes e depois do plebiscito convocado pelos dois sobre Essequibo. A Força Terrestre já enviou para Roraima 32 viaturas blindadas leves multitarefas (VBLMT) Guaicuru, oito blindados Guarani, seis blindados Cascavel, 22 viaturas não blindadas, além de dezenas de mísseis RBS 70 antiaéreos e Mísseis Superfície-Superfície 1.2 AntiCarro (MSS 1.2 AC), munição de armamento pesado e leve, morteiros 81 mm, metralhadoras Minimi MK3, metralhadoras de calibre .50 M2 HB e metralhadoras de calibre 7,62 mm.
O material foi usado para a ativação do 18.º Regimento de Cavalaria Mecanizado, em Boa Vista, e para reforçar outras unidades da 1.ª Brigada de Infantaria de Selva. Além de dissuadir Maduro, a Operação Roraima evitou que a ausência brasileira fosse usada como justificativa para os EUA ampliar a presença na Guiana. Para o Exército, a ação serviu ainda para “avaliar e definir estratégias mais adequadas ao Sistema Logístico Militar Terrestre (SLMT) para garantir o abastecimento das tropas, o transporte de equipamentos e o incremento da prontidão logística do Comando Militar da Amazônia (CMA)”.
Na ausência de estradas de ferro, o material militar foi levado por aviões, por rodovias e pelos Rios Amazonas e Madeira. Foram usados dois eixos de transporte. O primeiro saiu de Cascavel, no Paraná, e passou pelas estradas BR-153 e BR-010, usando, em seguida, a calha do Amazonas, entre Belém e Manaus. A distância de 5.086 quilômetros percorrida para levar os primeiros blindados a Roraima equivale à que separa Lisboa de Moscou. Essa primeira fase da operação, ocorrida entre 22 de novembro e 2 de janeiro, custou R$ 6,5 milhões, liberados pelo Estado-Maior do Exército para o Comando Logístico (COLOG).
Na segunda fase da Operação, o eixo de progressão das tropas foi do Pantanal em direção ao Rio Madeira, por meio das rodovias BR-163 e BR-364, além da calha do Rio Madeira no trecho entre Porto Velho (RO) e Manaus. De 10 de janeiro a 4 de fevereiro, foi feito o transporte do Esquadrão de Cavalaria Mecanizado do Comando Militar do Oeste (CMO) para o Comando Militar da Amazônia (CMA). As organizações militares envolvidas nessa fase da operação receberam outros R$ 2,7 milhões.
Nesse período, um dos problemas enfrentados pelo Exército foi a impossibilidade de a Força Aérea pousar com o KC-30 (Airbus A330-200), em Boa Vista, em razão das limitações da pista de seu aeroporto. Isso a obrigou a redirecionar os voos para Manaus, o que obrigou a deslocar suprimentos por meio de rodovias, aumentando o tempo necessário para se chegar a área de concentração final da tropa e do material militar.
Ao todo, as aeronaves KC-30 e KC-390 fizeram cinco voos para Manaus e um para Boa Vista, transportando 122,3 toneladas de munição para armamentos leves e pesados e suprimentos para manutenção de viaturas blindadas e não blindadas, ao custo de R$ 1,98 milhão. Todo esse material enviado a Roraima passou pelos hubs logísticos do Rio, de Campo Grande, de Porto Velho, de Manaus e de Belém.
Procurado pela coluna, o Exército informou: “O deslocamento de pessoal realizado por meio terrestre, fluvial ou aéreo contou com a participação e apoio dos Comandos Militares do Sul, do Oeste, da Amazônia e do Norte, de uma forma direta, e dos demais Comandos de uma forma indireta. Enfim, todo o Exército foi mobilizado para a Operação Roraima”, informou o Exército.
Ainda de acordo com a Força, “em que pese as complexidades relativas ao transporte apresentadas e as distâncias percorridas, o efetivo de 641 militares deslocados inicialmente para a região de Roraima foi apenas o necessário para mobiliar as funções previstas assim como a realização de treinamentos para capacitação da operação das novas viaturas blindadas Guaicuru e materiais de empregos militares diversos, que estavam chegando no Comando Militar da Amazônia”.
Outros 150 militares foram engajados para transportar o Esquadrão de Cavalaria Mecanizado da 4.ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, com sede em Dourados (MS), para Boa Vista. Na 3.ª fase, a fase atual da operação, para sustentar os meios e o pessoal no CMA, há uma previsão de emprego de R$ 8.183.492,18, que incluem gastos com alimentação, óleos, lubrificantes, combustíveis, manutenção das viaturas, suprimentos de fundos, passagens aéreas e vida vegetativa das organizações militares, além do rodízio da tropa.
Ao todo, segundo a Força Terrestre relata, a presença em Roraima, “somando os gastos da 1ª, da 2.ª e da 3.ª fases, mais o valor dos mísseis – R$ 100 milhões –,” atingiu o “montante de R$ 117.383.494,18 somente na parte logística”. A dissuasão de Maduro envolveu ainda o envio de munições de diversos calibres do estoque nacional do Exército, cujo valores somados chegam a R$ 80.806.472,50 – há ainda R$ 27.720.252,23 de outros materiais.
Ao todo, foram gastos R$ 108.526.724,73 de Materiais de Emprego Militar (MEM), ou seja, de ativos usados da Prontidão Logística da Força Terrestre, dos estoques nacionais, que foram destinados a Roraima. Eles precisam ser ressarcidos. Somados aos valores das três fases da operação, os cofres do Exército sofreram uma vazão de R$ 225.910.218,91 para bancar a operação.
O relato do Exército à coluna conclui: “Deve-se ainda mencionar o valor dos ativos transportados para a região de Roraima, como as viaturas blindadas, armamentos leves e pesados, material de comunicações e itens de fardamento e equipamento individuais, totalizando um valor patrimonial de R$ 228.022.087,00, com volume de 1.340 m² com 496 toneladas”. Aqui estão incluídos os valores dos blindados, bem como os dos fardamentos, equipamentos individuais, munições e outros materiais destinados à operação.
Procurado pela coluna, o Exército informou que os “recursos financeiros para a Operação Roraima foram oriundos da Prontidão Logística do Exército Brasileiro, em cumprimento ao Artigo 142 da Constituição Federal de 1988, a fim de atender o mandamento Constitucional de Defesa da Pátria e a consequente Manutenção do Estado de Prontidão da Força Terrestre”.
A Operação Roraima não foi a única do Exército no Estado. Na Terra Indígena Yanomami (TIY), os militares estiveram em duas operações em 2023 e em outras duas em 2024., consumindo até agora R$ 18.748.241,78. Os militares contam ter provocado nas três primeiras operações prejuízos de R$ 60 milhões aos garimpeiros, com redução de 90% dos voos para a região e a retirada de 80% deles da TIY, além da prisão de 166 criminosos e a apreensão de 22 aviões, de 48 barcos e de 48 toneladas de cassiterita. Na quarta operação, os prejuízos dos garimpeiros chegaram a R$ 14 milhões.
Isso ao mesmo tempo em que da Operação Acolhida para os refugiados venezuelanos em Roraima. Nos primeiros quatro meses do ano, 23 mil cruzaram a fronteira com o Brasil, número bem menor do que o registrado nos últimos quatro meses de 2023, quando cerca de 142 mil entraram no País. Tudo em um ano – 2024 – que começou a corda no pescoço do Exército.
É que a Lei Orçamentária Anual destinava R$ 10,9 bilhões para as despesas discricionárias, das quais R$ 5,5 bilhões de projetos estratégicos estão incluídas no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e R$ 5,4 bilhões estavam empenhados como outras despesas discricionárias. O valor era uma redução de R$ 1,5 bilhão em relação a 2023. Comparado com o valor atualizado de 2014 (R$ 20,6 bilhões), o número representa uma queda de 47%, conforme o gráfico acima ao qual a coluna teve acesso mostra.
Trata-se do mais baixo nível de despesas discricionárias em uma década. Antes mesmo da Operação Taquari 2, no Rio Grande do Sul, o deslocamento estratégico de tropa para aumentar a capacidade operativa em Roraima já havia agravado o déficit do Exército para cobrir as despesas discricionárias, fazendo-o atingir R$ 900 milhões.
Na sexta-feira passada, o general Tomás MIguel Ribeiro de Paiva, comandante do Exército, afirmou que tem empenhado cerca de 12 mil de seus homens na Operação Taquari 2, no Rio Grande do Sul. Ela já havia resgatado mais de 60 mil pessoas no Sul, lançado mantimentos de paraquedas e usado blindados em operações anfíbias para transportar os desabrigados do clima. Ninguém fez as contas ainda sobre o dinheiro gasto. Vidas não são despesas discricionárias. Mas ele existe. E estende seu laço em torno do pescoço do Exército.
Além de enfrentar o que o ministro José Múcio Monteiro (Defesa) chamou de “operação de guerra no Sul” em meio a uma ofensiva de informações falsas patrocinada pelas “viúvas do 8 de janeiro“ – expressão de um integrante do Alto Comando do Exército –, que buscavam desmoralizar a Força Terrestre no terreno em que ela sempre esteve mais presente – o Sul –, o Exército terá de fazer novas contas de olho no bloqueio de verbas e no déficit do governo. Por enquanto, a Força Terrestre está pendurando seus gastos no “cartão de crédito” sem saber como vai pagá-lo no fim do ano. E tem outra solução?