As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Sob medida para Bolsonaro, Defesa faz ofício político ao TSE e não cita inexistência de fraude


Ministro realça suspeitas e pede investigação urgente, mas cala sobre conclusão da perícia de que não há falha na soma dos votos, apesar de ter mobilizado militares para fiscalizar 501 seções eleitorais

Por Marcelo Godoy
Atualização:

O Brasil tinha 15 mil mortos pela covid-19 em maio de 2020 quando os ministros Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos resolveram ensinar à imprensa como noticiar a pandemia. Os generais diziam que os jornalistas deviam publicar o número de pessoas curadas e não o de óbitos. No governo dos dois pesos e duas medidas, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, resolveu fazer o contrário do aconselhado pelos colegas. Ele realçou no ofício sobre a fiscalização das urnas eletrônicas só dois pontos do relatório técnico por ele considerados negativos, em vez de contar, desde logo, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que seus homens não encontraram fraude na soma dos votos das eleições de 2022.

O ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira, entregou ao TSE o ofício com o relatório técnico de sua equipe Foto: Evaristo Sá/AFP - 4/8/2022

O general foi astuto. E tinhoso. Mas Alexandre de Moraes não caiu na sua conversa. Após receber o ofício de Oliveira e o relatório técnico dos peritos, o tribunal se manifestou: “O TSE informa que recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa, que não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência no processo eleitoral de 2022. As sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas.” Nenhuma palavra sobre o ofício do general.

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Eis por quê. Quem lê o documento do ministro da Defesa pode acreditar que seu único interesse era preservar a harmonia no País. Oliveira, como todo general, fez o Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército. Sabe, portanto, que cada palavra de cada linha do seu ofício teria consequências e seria usada pelos grupos que acampam nas portas das organizações militares do País ou que obstruem estradas, em descumprimento de ordem judicial por inconformismo com o resultado das urnas.

Os dois pontos pinçados do relatório técnico de 24 páginas feito por seus subordinados estão no item 5 do ofício do general ao TSE. Escreveu o ministro: “Do trabalho realizado, destaco dois pontos. Primeiro, foi observado que a ocorrência de acesso à rede, durante a compilação do código-fonte e consequente geração dos programas (códigos binários), pode configurar relevante risco à segurança do processo. Segundo, dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento.”

O general segue, afirmando ser necessário “realizar uma investigação técnica para melhor conhecimento do ocorrido na compilação do código-fonte e de seus possíveis efeitos; e - promover a análise minuciosa dos códigos binários que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas”. E, por fim, concluiu: “Em face da importância do processo eleitoral para a harmonia política e social do Brasil, solicito, ainda, a essa Corte Superior considerar a urgência na apreciação da presente proposição.”

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O termo ‘urgência’ e a criação da tal comissão não constam do relatório técnico; apenas do ofício do general. Oliveira, porém, esquece de dar o devido destaque aos dois mais importantes pontos das conclusões dos peritos. É que eles poderiam esvaziar sua bola. O primeiro está na página 11: “Durante a execução do teste de Integridade, as funcionalidades das urnas não apresentaram anomalias”. O segundo está nas páginas 17. Diz o trecho: “Conclui-se que a verificação da contabilização de votos, por meio da comparação dos boletins de urna (BU) impressos com os dados disponibilizados pelo TSE ocorreu sem apresentar inconformidade”.

Ou seja, as urnas passaram no teste de integridade – ainda que sem biometria – e não houve fraude na transmissão de dados ao TSE. É importante repetir: não há prova de fraudes. Se o general Oliveira buscasse a harmonia da Nação, podia ter também destacado esses dois trechos em seu ofício. Eles são importantes porque aqui estão os fatos e não as suspeitas, as possibilidades ou as suposições. Vejamos por quê.

O relatório dos dois coronéis do Exército e da Força Aérea e de um comandante da Marinha diz nas páginas 14 e 15 que as Forças Armadas montaram uma espécie de apuração paralela, tanto no primeiro quanto no segundo turno. Em 3 de outubro, elas fiscalizaram 462 seções, como o Estadão revelou. No segundo turno, ampliou-se o número de seções fiscalizadas para 501. “A coleta de BU (Boletim de Urna) por meio de militares das três Forças, formalmente designados, que compareceram aos locais das seções eleitorais selecionadas por critérios de sorteio aleatório”, afirma o documento.

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De acordo com ele, esses militares deviam tirar fotos “de todo o BU da seção sorteada; coletar os dados do QR Code do BU, utilizando-se do aplicativo do TSE ‘Boletim na Mão’; e gerar o arquivo PDF correspondente ao BU da seção por meio do mesmo aplicativo. Os dados foram enviados aos militares da Equipe de Processamento, que atuaram de forma centralizada, em Brasília-DF, no processamento das informações.”

Afirma ainda o documento: “No tocante ao segundo turno, foram sorteadas 501 seções eleitorais situadas em municípios onde existe pelo menos uma Organização Militar das Forças Armadas. Todas as 501 seções eleitorais tiveram os dados do BU conferidos. É possível inferir, com nível de confiança de 95%, que a média de inconsistência, dentro todos os BU do espaço amostral é 0%”. Um pouco mais adiante está escrito: “Em ambos os turnos não se verificou divergência entre os quantitativos registrados no BU afixado na seção eleitoral e os quantitativos de votos constantes no respectivo BU disponibilizado no site do TSE”.

Aí está. O leitor vai procurar até o fim dos dias e não vai encontrar essas conclusões no ofício do general ao TSE. Ele parece apostar que a maioria dos leitores se debruçará apenas sobre o ofício e não folheará o relatório completo, ficando o dito pelo não dito. Sem mencionar aqueles outros pontos, o general tirou suas conclusões: formar a tal comissão para investigar “com urgência” possibilidades aventadas por técnicos sem que nenhuma fraude concreta tenha sido constatada. Tudo saiu da pena do titular da Defesa. Seu documento é uma manifestação política de um ministro de Jair Bolsonaro, cujo grupo tenta desacreditar o voto.

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Jair Bolsonaro questiona as urnas eletrônicas desde 2021 Foto: Adriano Machado/Reuters

Alguém pode dizer que a urgência não significa que a montagem da tal comissão seja feita antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, mas, apenas, antes da eleição de 2024. Se assim fosse, por que divulgar o documento agora, quando a única urgência que existe é a de o general esvaziar suas gavetas? É preciso explicar a Oliveira que Jair Bolsonaro e seus aliados aceitaram participar do jogo eleitoral? Ele foi jogado e seu chefe perdeu. Agora, a turma de camisa da seleção age como se acampar em frente aos estádios da Copa de 2014 fosse fazer a Fifa cancelar a derrota para a Alemanha.

Oliveira conclui seu papelucho dizendo reafirmar “o compromisso permanente do Ministério da Defesa e das Forças Armadas com o Povo brasileiro, a democracia, a liberdade, a defesa da Pátria e a garantia dos Poderes Constitucionais, da lei e da ordem”. Pode-se acrescentar à lista mais uma obrigação, dada, no governo Bolsonaro, à Defesa: criar confusão. O ofício do general é astuto, como as contas de Ramos e Braga Netto na pandemia, mas de fácil compreensão. Por trás dele parece haver gente querendo ver o circo pegar fogo.

O Brasil tinha 15 mil mortos pela covid-19 em maio de 2020 quando os ministros Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos resolveram ensinar à imprensa como noticiar a pandemia. Os generais diziam que os jornalistas deviam publicar o número de pessoas curadas e não o de óbitos. No governo dos dois pesos e duas medidas, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, resolveu fazer o contrário do aconselhado pelos colegas. Ele realçou no ofício sobre a fiscalização das urnas eletrônicas só dois pontos do relatório técnico por ele considerados negativos, em vez de contar, desde logo, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que seus homens não encontraram fraude na soma dos votos das eleições de 2022.

O ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira, entregou ao TSE o ofício com o relatório técnico de sua equipe Foto: Evaristo Sá/AFP - 4/8/2022

O general foi astuto. E tinhoso. Mas Alexandre de Moraes não caiu na sua conversa. Após receber o ofício de Oliveira e o relatório técnico dos peritos, o tribunal se manifestou: “O TSE informa que recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa, que não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência no processo eleitoral de 2022. As sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas.” Nenhuma palavra sobre o ofício do general.

Eis por quê. Quem lê o documento do ministro da Defesa pode acreditar que seu único interesse era preservar a harmonia no País. Oliveira, como todo general, fez o Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército. Sabe, portanto, que cada palavra de cada linha do seu ofício teria consequências e seria usada pelos grupos que acampam nas portas das organizações militares do País ou que obstruem estradas, em descumprimento de ordem judicial por inconformismo com o resultado das urnas.

Os dois pontos pinçados do relatório técnico de 24 páginas feito por seus subordinados estão no item 5 do ofício do general ao TSE. Escreveu o ministro: “Do trabalho realizado, destaco dois pontos. Primeiro, foi observado que a ocorrência de acesso à rede, durante a compilação do código-fonte e consequente geração dos programas (códigos binários), pode configurar relevante risco à segurança do processo. Segundo, dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento.”

O general segue, afirmando ser necessário “realizar uma investigação técnica para melhor conhecimento do ocorrido na compilação do código-fonte e de seus possíveis efeitos; e - promover a análise minuciosa dos códigos binários que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas”. E, por fim, concluiu: “Em face da importância do processo eleitoral para a harmonia política e social do Brasil, solicito, ainda, a essa Corte Superior considerar a urgência na apreciação da presente proposição.”

O termo ‘urgência’ e a criação da tal comissão não constam do relatório técnico; apenas do ofício do general. Oliveira, porém, esquece de dar o devido destaque aos dois mais importantes pontos das conclusões dos peritos. É que eles poderiam esvaziar sua bola. O primeiro está na página 11: “Durante a execução do teste de Integridade, as funcionalidades das urnas não apresentaram anomalias”. O segundo está nas páginas 17. Diz o trecho: “Conclui-se que a verificação da contabilização de votos, por meio da comparação dos boletins de urna (BU) impressos com os dados disponibilizados pelo TSE ocorreu sem apresentar inconformidade”.

Ou seja, as urnas passaram no teste de integridade – ainda que sem biometria – e não houve fraude na transmissão de dados ao TSE. É importante repetir: não há prova de fraudes. Se o general Oliveira buscasse a harmonia da Nação, podia ter também destacado esses dois trechos em seu ofício. Eles são importantes porque aqui estão os fatos e não as suspeitas, as possibilidades ou as suposições. Vejamos por quê.

O relatório dos dois coronéis do Exército e da Força Aérea e de um comandante da Marinha diz nas páginas 14 e 15 que as Forças Armadas montaram uma espécie de apuração paralela, tanto no primeiro quanto no segundo turno. Em 3 de outubro, elas fiscalizaram 462 seções, como o Estadão revelou. No segundo turno, ampliou-se o número de seções fiscalizadas para 501. “A coleta de BU (Boletim de Urna) por meio de militares das três Forças, formalmente designados, que compareceram aos locais das seções eleitorais selecionadas por critérios de sorteio aleatório”, afirma o documento.

De acordo com ele, esses militares deviam tirar fotos “de todo o BU da seção sorteada; coletar os dados do QR Code do BU, utilizando-se do aplicativo do TSE ‘Boletim na Mão’; e gerar o arquivo PDF correspondente ao BU da seção por meio do mesmo aplicativo. Os dados foram enviados aos militares da Equipe de Processamento, que atuaram de forma centralizada, em Brasília-DF, no processamento das informações.”

Afirma ainda o documento: “No tocante ao segundo turno, foram sorteadas 501 seções eleitorais situadas em municípios onde existe pelo menos uma Organização Militar das Forças Armadas. Todas as 501 seções eleitorais tiveram os dados do BU conferidos. É possível inferir, com nível de confiança de 95%, que a média de inconsistência, dentro todos os BU do espaço amostral é 0%”. Um pouco mais adiante está escrito: “Em ambos os turnos não se verificou divergência entre os quantitativos registrados no BU afixado na seção eleitoral e os quantitativos de votos constantes no respectivo BU disponibilizado no site do TSE”.

Aí está. O leitor vai procurar até o fim dos dias e não vai encontrar essas conclusões no ofício do general ao TSE. Ele parece apostar que a maioria dos leitores se debruçará apenas sobre o ofício e não folheará o relatório completo, ficando o dito pelo não dito. Sem mencionar aqueles outros pontos, o general tirou suas conclusões: formar a tal comissão para investigar “com urgência” possibilidades aventadas por técnicos sem que nenhuma fraude concreta tenha sido constatada. Tudo saiu da pena do titular da Defesa. Seu documento é uma manifestação política de um ministro de Jair Bolsonaro, cujo grupo tenta desacreditar o voto.

Jair Bolsonaro questiona as urnas eletrônicas desde 2021 Foto: Adriano Machado/Reuters

Alguém pode dizer que a urgência não significa que a montagem da tal comissão seja feita antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, mas, apenas, antes da eleição de 2024. Se assim fosse, por que divulgar o documento agora, quando a única urgência que existe é a de o general esvaziar suas gavetas? É preciso explicar a Oliveira que Jair Bolsonaro e seus aliados aceitaram participar do jogo eleitoral? Ele foi jogado e seu chefe perdeu. Agora, a turma de camisa da seleção age como se acampar em frente aos estádios da Copa de 2014 fosse fazer a Fifa cancelar a derrota para a Alemanha.

Oliveira conclui seu papelucho dizendo reafirmar “o compromisso permanente do Ministério da Defesa e das Forças Armadas com o Povo brasileiro, a democracia, a liberdade, a defesa da Pátria e a garantia dos Poderes Constitucionais, da lei e da ordem”. Pode-se acrescentar à lista mais uma obrigação, dada, no governo Bolsonaro, à Defesa: criar confusão. O ofício do general é astuto, como as contas de Ramos e Braga Netto na pandemia, mas de fácil compreensão. Por trás dele parece haver gente querendo ver o circo pegar fogo.

O Brasil tinha 15 mil mortos pela covid-19 em maio de 2020 quando os ministros Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos resolveram ensinar à imprensa como noticiar a pandemia. Os generais diziam que os jornalistas deviam publicar o número de pessoas curadas e não o de óbitos. No governo dos dois pesos e duas medidas, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, resolveu fazer o contrário do aconselhado pelos colegas. Ele realçou no ofício sobre a fiscalização das urnas eletrônicas só dois pontos do relatório técnico por ele considerados negativos, em vez de contar, desde logo, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que seus homens não encontraram fraude na soma dos votos das eleições de 2022.

O ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira, entregou ao TSE o ofício com o relatório técnico de sua equipe Foto: Evaristo Sá/AFP - 4/8/2022

O general foi astuto. E tinhoso. Mas Alexandre de Moraes não caiu na sua conversa. Após receber o ofício de Oliveira e o relatório técnico dos peritos, o tribunal se manifestou: “O TSE informa que recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa, que não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência no processo eleitoral de 2022. As sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas.” Nenhuma palavra sobre o ofício do general.

Eis por quê. Quem lê o documento do ministro da Defesa pode acreditar que seu único interesse era preservar a harmonia no País. Oliveira, como todo general, fez o Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército. Sabe, portanto, que cada palavra de cada linha do seu ofício teria consequências e seria usada pelos grupos que acampam nas portas das organizações militares do País ou que obstruem estradas, em descumprimento de ordem judicial por inconformismo com o resultado das urnas.

Os dois pontos pinçados do relatório técnico de 24 páginas feito por seus subordinados estão no item 5 do ofício do general ao TSE. Escreveu o ministro: “Do trabalho realizado, destaco dois pontos. Primeiro, foi observado que a ocorrência de acesso à rede, durante a compilação do código-fonte e consequente geração dos programas (códigos binários), pode configurar relevante risco à segurança do processo. Segundo, dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento.”

O general segue, afirmando ser necessário “realizar uma investigação técnica para melhor conhecimento do ocorrido na compilação do código-fonte e de seus possíveis efeitos; e - promover a análise minuciosa dos códigos binários que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas”. E, por fim, concluiu: “Em face da importância do processo eleitoral para a harmonia política e social do Brasil, solicito, ainda, a essa Corte Superior considerar a urgência na apreciação da presente proposição.”

O termo ‘urgência’ e a criação da tal comissão não constam do relatório técnico; apenas do ofício do general. Oliveira, porém, esquece de dar o devido destaque aos dois mais importantes pontos das conclusões dos peritos. É que eles poderiam esvaziar sua bola. O primeiro está na página 11: “Durante a execução do teste de Integridade, as funcionalidades das urnas não apresentaram anomalias”. O segundo está nas páginas 17. Diz o trecho: “Conclui-se que a verificação da contabilização de votos, por meio da comparação dos boletins de urna (BU) impressos com os dados disponibilizados pelo TSE ocorreu sem apresentar inconformidade”.

Ou seja, as urnas passaram no teste de integridade – ainda que sem biometria – e não houve fraude na transmissão de dados ao TSE. É importante repetir: não há prova de fraudes. Se o general Oliveira buscasse a harmonia da Nação, podia ter também destacado esses dois trechos em seu ofício. Eles são importantes porque aqui estão os fatos e não as suspeitas, as possibilidades ou as suposições. Vejamos por quê.

O relatório dos dois coronéis do Exército e da Força Aérea e de um comandante da Marinha diz nas páginas 14 e 15 que as Forças Armadas montaram uma espécie de apuração paralela, tanto no primeiro quanto no segundo turno. Em 3 de outubro, elas fiscalizaram 462 seções, como o Estadão revelou. No segundo turno, ampliou-se o número de seções fiscalizadas para 501. “A coleta de BU (Boletim de Urna) por meio de militares das três Forças, formalmente designados, que compareceram aos locais das seções eleitorais selecionadas por critérios de sorteio aleatório”, afirma o documento.

De acordo com ele, esses militares deviam tirar fotos “de todo o BU da seção sorteada; coletar os dados do QR Code do BU, utilizando-se do aplicativo do TSE ‘Boletim na Mão’; e gerar o arquivo PDF correspondente ao BU da seção por meio do mesmo aplicativo. Os dados foram enviados aos militares da Equipe de Processamento, que atuaram de forma centralizada, em Brasília-DF, no processamento das informações.”

Afirma ainda o documento: “No tocante ao segundo turno, foram sorteadas 501 seções eleitorais situadas em municípios onde existe pelo menos uma Organização Militar das Forças Armadas. Todas as 501 seções eleitorais tiveram os dados do BU conferidos. É possível inferir, com nível de confiança de 95%, que a média de inconsistência, dentro todos os BU do espaço amostral é 0%”. Um pouco mais adiante está escrito: “Em ambos os turnos não se verificou divergência entre os quantitativos registrados no BU afixado na seção eleitoral e os quantitativos de votos constantes no respectivo BU disponibilizado no site do TSE”.

Aí está. O leitor vai procurar até o fim dos dias e não vai encontrar essas conclusões no ofício do general ao TSE. Ele parece apostar que a maioria dos leitores se debruçará apenas sobre o ofício e não folheará o relatório completo, ficando o dito pelo não dito. Sem mencionar aqueles outros pontos, o general tirou suas conclusões: formar a tal comissão para investigar “com urgência” possibilidades aventadas por técnicos sem que nenhuma fraude concreta tenha sido constatada. Tudo saiu da pena do titular da Defesa. Seu documento é uma manifestação política de um ministro de Jair Bolsonaro, cujo grupo tenta desacreditar o voto.

Jair Bolsonaro questiona as urnas eletrônicas desde 2021 Foto: Adriano Machado/Reuters

Alguém pode dizer que a urgência não significa que a montagem da tal comissão seja feita antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, mas, apenas, antes da eleição de 2024. Se assim fosse, por que divulgar o documento agora, quando a única urgência que existe é a de o general esvaziar suas gavetas? É preciso explicar a Oliveira que Jair Bolsonaro e seus aliados aceitaram participar do jogo eleitoral? Ele foi jogado e seu chefe perdeu. Agora, a turma de camisa da seleção age como se acampar em frente aos estádios da Copa de 2014 fosse fazer a Fifa cancelar a derrota para a Alemanha.

Oliveira conclui seu papelucho dizendo reafirmar “o compromisso permanente do Ministério da Defesa e das Forças Armadas com o Povo brasileiro, a democracia, a liberdade, a defesa da Pátria e a garantia dos Poderes Constitucionais, da lei e da ordem”. Pode-se acrescentar à lista mais uma obrigação, dada, no governo Bolsonaro, à Defesa: criar confusão. O ofício do general é astuto, como as contas de Ramos e Braga Netto na pandemia, mas de fácil compreensão. Por trás dele parece haver gente querendo ver o circo pegar fogo.

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