Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Marco Antônio Tavares Coelho (1926-2015): a frente democrática como valor


 

Por Marco Aurélio Nogueira

Com a morte do jornalista Marco Antônio Tavares Coelho dia 21/11/2015, aos 89 anos, morre uma parte importante da geração que construiu o PCB e o converteu em importante ator da política brasileira até o começo dos anos 1980. Ele era o único remanescente da cúpula do partido em 1964, quando do golpe militar. Uma figura admirável pela firmeza de ideias, pela capacidade de diálogo e pela convicção que tinha de que a história não é um dado, mas um processo, no qual os progressistas, os reformadores sociais e os democratas podem vencer, especialmente se souberem se entender entre si.

O jornalista, dentro e fora do PCB, foi um dos mais ardorosos defensores da ideia de uma "frente democrática" como estratégia principal, fora da qual a esquerda e os democratas perderiam influência e se reduziriam à irrelevância política, derivando sempre mais para discursos "revolucionários" incapazes de incidir na vida real. Seu livro Herança de um sonho. As memórias de um comunista (Rio de Janeiro: Record, 2000) é um documento precioso a este respeito. Sobre ele, Luiz Sergio Henriques escreveu uma ótima resenha, que vale a pena ser lida.

Marco Antônio nasceu em Belo Horizonte, em 1926. Militou desde jovem no PCB, foi eleito deputado federal em 1962 pelo estado da Guanabara, foi cassado, preso e barbaramente torturado pelo regime militar. Trabalhou em diversos jornais em Belo Horizonte, São Paulo e Goiânia. Atuou ainda, durante vários anos, como editor da revista Estudos Avançados, da USP.

continua após a publicidade

Foi, também, um defensor do patrimônio nacional e um atento estudioso dos recursos naturais do País e das disputas econômicas e políticas que se travam por eles. Escreveu três importantes livros sobre o tema. O mais recente deles é de extrema e dramática atualidade. Rio Doce: a espantosa evolução de um vale, publicado em 2012 pela editora Autêntica, analisa em detalhe a região do vale do Rio Doce. Ficamos sabendo, por exemplo, que a região, além de rica em minério, também serviu como rota de fuga de sonegadores de impostos durante o período colonial. Foi sendo ocupada meio erraticamente, ganhou peso com a construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas até chegar aos dias recentes, quando se tornou polo de poderosas indústrias, como a Vale e a Usiminas, processo que sacramentou a devastação da Mata Atlântica e a dizimação dos índios que habitavam a região, mudando drasticamente o perfil econômico e político de Minas Gerais. O gravíssimo acidente com as barragens da Samarco completa agora essa obra de destruição ambiental e humana.

Em Rio das Velhas - memória e desafios (Paz e Terra, 2002) apoia-se no estudo meticuloso deste que é o principal afluente do São Francisco para examinar, entre outras coisas, a luta dos mineiros da região para salvar o rio, contando assim as histórias e os dramas a isso associados. Passando pela aventura dos bandeirantes em busca de índios para o trabalho escravo, de ouro e diamantes, Marco Antônio examina o papel decisivo que o rio das Velhas teve na conquista das Gerais e na construção da primeira civilização urbana que o Brasil conheceu, justamente a de Minas. É um livro que honra a ideia, cara ao autor, de que "a água dos rios é o sangue da terra": na sua falta ou no seu maltrato, é a terra como um todo que morre. Ao narrar os passos de uma ocupação predatória e as lutas do povo miúdo -- os emboabas, os quilombolas, os inconfidentes, os operários de Morro Velho, as populações ribeirinhas --, Marco Antônio reflete sobre a crise ecológica atual, que ganhou novo capítulo com a tragédia recente de Mariana.

Este veio das pesquisas de Marco Antônio se completou com Os descaminhos do São Francisco (Paz e Terra, 2005), no qual o pesquisador procurou demonstrar como o projeto de transposição de águas do rio não levava em consideração as razões históricas, políticas, econômicas e sociais daquela bacia, desconhecendo os fatores morfológicos, hídricos, climáticos, paisagísticos e humanos que têm particular incidência na região.

continua após a publicidade

O defensor do patrimônio nacional se articulou assim com o militante comunista que jamais fez de suas convicções políticas e ideológicas um fator de distinção dogmática ou uma arma para discriminar e atacar adversários. Marco Antônio Tavares Coelho foi um político e um intelectual que soube ser comunista sem perder a perspectiva crítica, a tolerância e a ideia de que a democracia é não somente um valor universal, mas o caminho pelo qual se poderá construir um mundo melhor.

Fará muita falta.

Com a morte do jornalista Marco Antônio Tavares Coelho dia 21/11/2015, aos 89 anos, morre uma parte importante da geração que construiu o PCB e o converteu em importante ator da política brasileira até o começo dos anos 1980. Ele era o único remanescente da cúpula do partido em 1964, quando do golpe militar. Uma figura admirável pela firmeza de ideias, pela capacidade de diálogo e pela convicção que tinha de que a história não é um dado, mas um processo, no qual os progressistas, os reformadores sociais e os democratas podem vencer, especialmente se souberem se entender entre si.

O jornalista, dentro e fora do PCB, foi um dos mais ardorosos defensores da ideia de uma "frente democrática" como estratégia principal, fora da qual a esquerda e os democratas perderiam influência e se reduziriam à irrelevância política, derivando sempre mais para discursos "revolucionários" incapazes de incidir na vida real. Seu livro Herança de um sonho. As memórias de um comunista (Rio de Janeiro: Record, 2000) é um documento precioso a este respeito. Sobre ele, Luiz Sergio Henriques escreveu uma ótima resenha, que vale a pena ser lida.

Marco Antônio nasceu em Belo Horizonte, em 1926. Militou desde jovem no PCB, foi eleito deputado federal em 1962 pelo estado da Guanabara, foi cassado, preso e barbaramente torturado pelo regime militar. Trabalhou em diversos jornais em Belo Horizonte, São Paulo e Goiânia. Atuou ainda, durante vários anos, como editor da revista Estudos Avançados, da USP.

Foi, também, um defensor do patrimônio nacional e um atento estudioso dos recursos naturais do País e das disputas econômicas e políticas que se travam por eles. Escreveu três importantes livros sobre o tema. O mais recente deles é de extrema e dramática atualidade. Rio Doce: a espantosa evolução de um vale, publicado em 2012 pela editora Autêntica, analisa em detalhe a região do vale do Rio Doce. Ficamos sabendo, por exemplo, que a região, além de rica em minério, também serviu como rota de fuga de sonegadores de impostos durante o período colonial. Foi sendo ocupada meio erraticamente, ganhou peso com a construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas até chegar aos dias recentes, quando se tornou polo de poderosas indústrias, como a Vale e a Usiminas, processo que sacramentou a devastação da Mata Atlântica e a dizimação dos índios que habitavam a região, mudando drasticamente o perfil econômico e político de Minas Gerais. O gravíssimo acidente com as barragens da Samarco completa agora essa obra de destruição ambiental e humana.

Em Rio das Velhas - memória e desafios (Paz e Terra, 2002) apoia-se no estudo meticuloso deste que é o principal afluente do São Francisco para examinar, entre outras coisas, a luta dos mineiros da região para salvar o rio, contando assim as histórias e os dramas a isso associados. Passando pela aventura dos bandeirantes em busca de índios para o trabalho escravo, de ouro e diamantes, Marco Antônio examina o papel decisivo que o rio das Velhas teve na conquista das Gerais e na construção da primeira civilização urbana que o Brasil conheceu, justamente a de Minas. É um livro que honra a ideia, cara ao autor, de que "a água dos rios é o sangue da terra": na sua falta ou no seu maltrato, é a terra como um todo que morre. Ao narrar os passos de uma ocupação predatória e as lutas do povo miúdo -- os emboabas, os quilombolas, os inconfidentes, os operários de Morro Velho, as populações ribeirinhas --, Marco Antônio reflete sobre a crise ecológica atual, que ganhou novo capítulo com a tragédia recente de Mariana.

Este veio das pesquisas de Marco Antônio se completou com Os descaminhos do São Francisco (Paz e Terra, 2005), no qual o pesquisador procurou demonstrar como o projeto de transposição de águas do rio não levava em consideração as razões históricas, políticas, econômicas e sociais daquela bacia, desconhecendo os fatores morfológicos, hídricos, climáticos, paisagísticos e humanos que têm particular incidência na região.

O defensor do patrimônio nacional se articulou assim com o militante comunista que jamais fez de suas convicções políticas e ideológicas um fator de distinção dogmática ou uma arma para discriminar e atacar adversários. Marco Antônio Tavares Coelho foi um político e um intelectual que soube ser comunista sem perder a perspectiva crítica, a tolerância e a ideia de que a democracia é não somente um valor universal, mas o caminho pelo qual se poderá construir um mundo melhor.

Fará muita falta.

Com a morte do jornalista Marco Antônio Tavares Coelho dia 21/11/2015, aos 89 anos, morre uma parte importante da geração que construiu o PCB e o converteu em importante ator da política brasileira até o começo dos anos 1980. Ele era o único remanescente da cúpula do partido em 1964, quando do golpe militar. Uma figura admirável pela firmeza de ideias, pela capacidade de diálogo e pela convicção que tinha de que a história não é um dado, mas um processo, no qual os progressistas, os reformadores sociais e os democratas podem vencer, especialmente se souberem se entender entre si.

O jornalista, dentro e fora do PCB, foi um dos mais ardorosos defensores da ideia de uma "frente democrática" como estratégia principal, fora da qual a esquerda e os democratas perderiam influência e se reduziriam à irrelevância política, derivando sempre mais para discursos "revolucionários" incapazes de incidir na vida real. Seu livro Herança de um sonho. As memórias de um comunista (Rio de Janeiro: Record, 2000) é um documento precioso a este respeito. Sobre ele, Luiz Sergio Henriques escreveu uma ótima resenha, que vale a pena ser lida.

Marco Antônio nasceu em Belo Horizonte, em 1926. Militou desde jovem no PCB, foi eleito deputado federal em 1962 pelo estado da Guanabara, foi cassado, preso e barbaramente torturado pelo regime militar. Trabalhou em diversos jornais em Belo Horizonte, São Paulo e Goiânia. Atuou ainda, durante vários anos, como editor da revista Estudos Avançados, da USP.

Foi, também, um defensor do patrimônio nacional e um atento estudioso dos recursos naturais do País e das disputas econômicas e políticas que se travam por eles. Escreveu três importantes livros sobre o tema. O mais recente deles é de extrema e dramática atualidade. Rio Doce: a espantosa evolução de um vale, publicado em 2012 pela editora Autêntica, analisa em detalhe a região do vale do Rio Doce. Ficamos sabendo, por exemplo, que a região, além de rica em minério, também serviu como rota de fuga de sonegadores de impostos durante o período colonial. Foi sendo ocupada meio erraticamente, ganhou peso com a construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas até chegar aos dias recentes, quando se tornou polo de poderosas indústrias, como a Vale e a Usiminas, processo que sacramentou a devastação da Mata Atlântica e a dizimação dos índios que habitavam a região, mudando drasticamente o perfil econômico e político de Minas Gerais. O gravíssimo acidente com as barragens da Samarco completa agora essa obra de destruição ambiental e humana.

Em Rio das Velhas - memória e desafios (Paz e Terra, 2002) apoia-se no estudo meticuloso deste que é o principal afluente do São Francisco para examinar, entre outras coisas, a luta dos mineiros da região para salvar o rio, contando assim as histórias e os dramas a isso associados. Passando pela aventura dos bandeirantes em busca de índios para o trabalho escravo, de ouro e diamantes, Marco Antônio examina o papel decisivo que o rio das Velhas teve na conquista das Gerais e na construção da primeira civilização urbana que o Brasil conheceu, justamente a de Minas. É um livro que honra a ideia, cara ao autor, de que "a água dos rios é o sangue da terra": na sua falta ou no seu maltrato, é a terra como um todo que morre. Ao narrar os passos de uma ocupação predatória e as lutas do povo miúdo -- os emboabas, os quilombolas, os inconfidentes, os operários de Morro Velho, as populações ribeirinhas --, Marco Antônio reflete sobre a crise ecológica atual, que ganhou novo capítulo com a tragédia recente de Mariana.

Este veio das pesquisas de Marco Antônio se completou com Os descaminhos do São Francisco (Paz e Terra, 2005), no qual o pesquisador procurou demonstrar como o projeto de transposição de águas do rio não levava em consideração as razões históricas, políticas, econômicas e sociais daquela bacia, desconhecendo os fatores morfológicos, hídricos, climáticos, paisagísticos e humanos que têm particular incidência na região.

O defensor do patrimônio nacional se articulou assim com o militante comunista que jamais fez de suas convicções políticas e ideológicas um fator de distinção dogmática ou uma arma para discriminar e atacar adversários. Marco Antônio Tavares Coelho foi um político e um intelectual que soube ser comunista sem perder a perspectiva crítica, a tolerância e a ideia de que a democracia é não somente um valor universal, mas o caminho pelo qual se poderá construir um mundo melhor.

Fará muita falta.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.