STF rejeita marco temporal para demarcação das terras indígenas; veja o que acontece agora


Senado pode prosseguir a votação do projeto que inclui a tese na legislação brasileira; caso seja aprovada e sancionada, a lei pode ser contestada na Corte; entenda

Por Gabriel de Sousa
Atualização:

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas nesta quinta-feira, 21. Com o placar de nove a dois, os ministros foram contrários à tese de que um território indígena só poderia ser demarcado se houvesse uma comprovação de que a comunidade requerente estivesse no local na data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Na prática, a decisão é uma vitória dos povos originários.

Os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber acompanharam o relator Edson Fachin, que votou contra a tese do marco temporal. Já os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques decidiram votar a favor da implementação de uma linha de corte para definir a demarcação dos territórios indígenas.

Sessão do STF sobre a tese do marco temporal acompanhada por indígenas Foto: Wilton Junior/Estadão
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Nesta semana, em contraponto ao julgamento no Supremo, o Senado decidiu acelerar a tramitação de um projeto de lei que inclui o marco temporal na legislação brasileira que rege as demarcações de terra. A proposta é defendida por parlamentares ruralistas e já foi aprovada na Câmara. O texto também prevê que, além de estarem no espaço requerido na data em 1988, os ocupantes precisam comprovar que são, de fato, indígenas com adoção de hábitos e costumes dos seus povos.

O projeto está sendo analisado pela Constituição de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e precisa ser aprovado pelo colegiado para ir ao plenário da Casa. A bancada ruralista não conseguiu acelerar a apreciação do tema devido a pedido de vista e a votação da CCJ fosse adiada para a próxima quarta-feira, 27.

Caso vá ao plenário, a proposta precisa receber o apoio de 41 dos 81 senadores. Por mais que o STF tenha considerado o marco temporal inconstitucional, a decisão não impede que a lei seja aprovada e siga para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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O que é marco temporal?

O marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que leva em consideração um entendimento de que uma terra indígena só poderia ser demarcada se fosse comprovado que os indígenas estavam na terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois desse dia, não teria direito a pedir a demarcação.

A tese recebeu atenção pela primeira vez em 2009, quando apareceu em um julgamento do STF a respeito da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Naquela época, o entendimento da Suprema Corte foi que aquele local poderia ser demarcado porque a comunidade indígena estava instalada no local no 5 de outubro de 1988.

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Por mais que a decisão fosse favorável aos povos indígenas, essa decisão do STF abriu caminho para a que a tese pudesse ser usada contra o interesse dos povos originários que não estivessem nas terras naquela data.

O que foi considerado inconstitucional pelo pelo STF?

O STF considerou inconstitucional um recurso do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O instituto utilizou a tese do marco temporal para pedir a reintegração de posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, que teve a sua demarcação homologada em 2003, ou seja, 15 anos depois da promulgação da Constituição. Também foi negada um apelação do instituto para pedir o reconhecimento da Reserva Biológica do Sassafrás ao poder estadual, área que está sendo disputada por indígenas do povo xocleng.

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No julgamento, os ministros entenderam que o artigo 231 é uma cláusula pétrea. Ou seja, não pode ser alterada depois da promulgação da Constituição. Essa determinação da Suprema Corte se torna uma barreira para que o Poder Legislativo possa alterar a regulamentação das demarcações de terras indígenas. A professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tainah Sales, explica que essas cláusulas visam assegurar os direitos individuais e que o entendimento do STF foi a de que o marco temporal violaria os dos indígenas.

“Entre as cláusulas, estão os direitos individuais. A questão da ocupação das terras tradicionais está sendo considerada uma cláusula pétrea porque diz respeito a direitos fundamentais dos povos indígenas. A definição de um marco temporal caracterizaria uma violação”, disse.

O que ocorre a partir de agora?

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Com a rejeição do STF, o poder público não poderá utilizar o argumento do marco temporal para demarcar as terras indígenas que estão sendo disputadas atualmente. A decisão da Corte faz com que o regimento atual para demarcações de territórios aos povos originários seja o delimitado atualmente pela Constituição Federal, sem direito a novas interpretações por parte das autoridades.

O regimento atual data de 1996, e estabelece que as demarcações são feitas por iniciativa e orientação da Funai. Segundo a lei, o órgão deve contratar antropólogos para elaborar um estudo de identificação das áreas em disputa, com base em estudos sociológicos, jurídicos, cartográficos, ambientais, além da produção de levantamentos fundiários necessários para as delimitações.

Com o caso considerado inconstitucional pelo STF, o Congresso vai continuar discutindo a pauta?

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A decisão do STF não impede que o projeto que está em tramitação no Senado continue a ser analisado pelos parlamentares. Caso seja aprovado pela CCJ e pelo plenário da Casa, a proposta ainda precisa passar pela sanção de Lula.

Caso o projeto chegue até a mesa de Lula, ele terá duas opções. Uma delas é a de acatar a decisão da maioria do Congresso e sancionar o marco temporal. A sanção poderia ser contestada no STF. O outro caminho é vetar a lei, levando em consideração a decisão da Corte.

De acordo com Emanuel Pessoa, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), o Senado pode insistir na tramitação do projeto de lei. Porém, o entendimento atual do tribunal tornará a lei passível de ser contestada e derrubada. “Os senadores decidem se vão continuar ou não com o projeto. Mas eles sabem que, com essa posição atual do Supremo, a lei vai ser julgada como inconstitucional. Mas se o Congresso quiser aprovar essa lei, ele pode”, explicou.

Uma possível contestação da lei pode virar um novo imbróglio jurídico, que pode levar anos para ser analisado. Com isso, a composição da Corte pode ser outra, o que tornaria possível a mudança de entendimento pelo próprio Supremo.

A sessão da CCJ do Senado realizada nesta quarta-feira, 20, foi marcada por mensagens diretas dos senadores aos ministros. “Não podemos aqui abrir mão da nossa prerrogativa de legislar, senão fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF”, disse Sérgio Moro (União-PR).

Outros senadores acompanharam a declaração de Moro, e deram a entender que o Legislativo deve continuar a tramitar a PEC apesar da decisão do Supremo. “Temos que ter tamanho de senador, que não é menor que ministro do Supremo. Temos mecanismos para frear esses desmandos”, afirmou Plínio Valério (PSDB-AM).

Integrante de partido da base do governo Lula, Weverton Rocha (PDT-MA), também criticou o STF e colocou a tramitação da PEC como uma “última instância” para os apoiadores da tese do marco temporal. “Creio (que a votação do projeto em plenário) será a última instância. Esse projeto é fruto de debate dessa Casa”, disse. “É aqui que se decide, não é no Supremo. O Supremo só tem que guardar a Constituição. Não é deliberar se fizemos certo ou errado.”

O Supremo pode impedir a votação no Congresso?

Se os parlamentares insistirem na votação do projeto, o Supremo tem pelo menos dois caminhos disponíveis. O primeiro, mais cauteloso, é aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for sancionado, esperar o ajuizamento de alguma ação para eventualmente derrubar o texto. A segunda alternativa é um controle prévio de constitucionalidade. A atuação preventiva ocorre, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição.

O que dizem os apoiadores da tese?

Os apoiadores da constitucionalidade tese do marco temporal afirmam que ela traz uma segurança jurídica para o agronegócio e os produtores rurais. Essa opinião foi defendida pelo ministro Kassio Nunes Marques, que argumentou que, sem o prazo, poderia haver uma “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no Brasil.

“Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação”, afirmou Nunes Marques.

Entre os indígenas, também há apoiadores do marco temporal. Em entrevista ao Estadão, a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) disse que a mudança na regra para demarcação seria essencial para dar um fim aos conflitos fundiários. “Trata de garantir uma segurança para todos, tanto para indígenas quanto para não indígenas. Vai acabar por vez com essa discussão que não vai levar o País a nada, só o dividir”, afirmou a parlamentar.

O que dizem os opositores da tese?

Especialistas em direitos indígenas alegam que a tese do marco temporal se trata de um argumento sem respaldo legal ou histórico. Segundo os opositores da proposta, o argumento desconsidera as frequentes expulsões e outras violências que essas populações sofreram ao longo da história do País.

Na opinião dos contrários à tese, o que se busca efetivamente é impor o marco para inviabilizar todas as demarcações que estão em andamento, abrindo espaço para que esses territórios sejam ocupados pelo agronegócio e pela mineração. Há também um temor de que o marco temporal seja utilizado para fazer revisões de terras já demarcadas.

O relator do julgamento no STF, ministro Edson Fachin, foi um dos que votou contra a tese. Em 2021, durante o início do julgamento, considerou que o critério para a demarcação de terras indígenas deve ser definido por tradicionalidade, e não por um limite de tempo. “A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 e independe da configuração de renitente esbulho”, afirmou Fachin.

Se o marco fosse aprovado no STF, quais seriam as consequências práticas no processo de demarcação de terras?

De acordo com um levantamento feito pelo Estadão, o marco temporal poderia inviabilizar a demarcação de 114 terras indígenas em 185 municípios do País. O tamanho desses territórios somam 9 milhões de hectares, sendo o equivalente a um terço do tamanho do Estado de São Paulo. Atualmente, as áreas indígenas já homologadas têm 119 milhões de hectares.

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas nesta quinta-feira, 21. Com o placar de nove a dois, os ministros foram contrários à tese de que um território indígena só poderia ser demarcado se houvesse uma comprovação de que a comunidade requerente estivesse no local na data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Na prática, a decisão é uma vitória dos povos originários.

Os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber acompanharam o relator Edson Fachin, que votou contra a tese do marco temporal. Já os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques decidiram votar a favor da implementação de uma linha de corte para definir a demarcação dos territórios indígenas.

Sessão do STF sobre a tese do marco temporal acompanhada por indígenas Foto: Wilton Junior/Estadão

Nesta semana, em contraponto ao julgamento no Supremo, o Senado decidiu acelerar a tramitação de um projeto de lei que inclui o marco temporal na legislação brasileira que rege as demarcações de terra. A proposta é defendida por parlamentares ruralistas e já foi aprovada na Câmara. O texto também prevê que, além de estarem no espaço requerido na data em 1988, os ocupantes precisam comprovar que são, de fato, indígenas com adoção de hábitos e costumes dos seus povos.

O projeto está sendo analisado pela Constituição de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e precisa ser aprovado pelo colegiado para ir ao plenário da Casa. A bancada ruralista não conseguiu acelerar a apreciação do tema devido a pedido de vista e a votação da CCJ fosse adiada para a próxima quarta-feira, 27.

Caso vá ao plenário, a proposta precisa receber o apoio de 41 dos 81 senadores. Por mais que o STF tenha considerado o marco temporal inconstitucional, a decisão não impede que a lei seja aprovada e siga para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O que é marco temporal?

O marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que leva em consideração um entendimento de que uma terra indígena só poderia ser demarcada se fosse comprovado que os indígenas estavam na terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois desse dia, não teria direito a pedir a demarcação.

A tese recebeu atenção pela primeira vez em 2009, quando apareceu em um julgamento do STF a respeito da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Naquela época, o entendimento da Suprema Corte foi que aquele local poderia ser demarcado porque a comunidade indígena estava instalada no local no 5 de outubro de 1988.

Por mais que a decisão fosse favorável aos povos indígenas, essa decisão do STF abriu caminho para a que a tese pudesse ser usada contra o interesse dos povos originários que não estivessem nas terras naquela data.

O que foi considerado inconstitucional pelo pelo STF?

O STF considerou inconstitucional um recurso do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O instituto utilizou a tese do marco temporal para pedir a reintegração de posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, que teve a sua demarcação homologada em 2003, ou seja, 15 anos depois da promulgação da Constituição. Também foi negada um apelação do instituto para pedir o reconhecimento da Reserva Biológica do Sassafrás ao poder estadual, área que está sendo disputada por indígenas do povo xocleng.

No julgamento, os ministros entenderam que o artigo 231 é uma cláusula pétrea. Ou seja, não pode ser alterada depois da promulgação da Constituição. Essa determinação da Suprema Corte se torna uma barreira para que o Poder Legislativo possa alterar a regulamentação das demarcações de terras indígenas. A professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tainah Sales, explica que essas cláusulas visam assegurar os direitos individuais e que o entendimento do STF foi a de que o marco temporal violaria os dos indígenas.

“Entre as cláusulas, estão os direitos individuais. A questão da ocupação das terras tradicionais está sendo considerada uma cláusula pétrea porque diz respeito a direitos fundamentais dos povos indígenas. A definição de um marco temporal caracterizaria uma violação”, disse.

O que ocorre a partir de agora?

Com a rejeição do STF, o poder público não poderá utilizar o argumento do marco temporal para demarcar as terras indígenas que estão sendo disputadas atualmente. A decisão da Corte faz com que o regimento atual para demarcações de territórios aos povos originários seja o delimitado atualmente pela Constituição Federal, sem direito a novas interpretações por parte das autoridades.

O regimento atual data de 1996, e estabelece que as demarcações são feitas por iniciativa e orientação da Funai. Segundo a lei, o órgão deve contratar antropólogos para elaborar um estudo de identificação das áreas em disputa, com base em estudos sociológicos, jurídicos, cartográficos, ambientais, além da produção de levantamentos fundiários necessários para as delimitações.

Com o caso considerado inconstitucional pelo STF, o Congresso vai continuar discutindo a pauta?

A decisão do STF não impede que o projeto que está em tramitação no Senado continue a ser analisado pelos parlamentares. Caso seja aprovado pela CCJ e pelo plenário da Casa, a proposta ainda precisa passar pela sanção de Lula.

Caso o projeto chegue até a mesa de Lula, ele terá duas opções. Uma delas é a de acatar a decisão da maioria do Congresso e sancionar o marco temporal. A sanção poderia ser contestada no STF. O outro caminho é vetar a lei, levando em consideração a decisão da Corte.

De acordo com Emanuel Pessoa, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), o Senado pode insistir na tramitação do projeto de lei. Porém, o entendimento atual do tribunal tornará a lei passível de ser contestada e derrubada. “Os senadores decidem se vão continuar ou não com o projeto. Mas eles sabem que, com essa posição atual do Supremo, a lei vai ser julgada como inconstitucional. Mas se o Congresso quiser aprovar essa lei, ele pode”, explicou.

Uma possível contestação da lei pode virar um novo imbróglio jurídico, que pode levar anos para ser analisado. Com isso, a composição da Corte pode ser outra, o que tornaria possível a mudança de entendimento pelo próprio Supremo.

A sessão da CCJ do Senado realizada nesta quarta-feira, 20, foi marcada por mensagens diretas dos senadores aos ministros. “Não podemos aqui abrir mão da nossa prerrogativa de legislar, senão fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF”, disse Sérgio Moro (União-PR).

Outros senadores acompanharam a declaração de Moro, e deram a entender que o Legislativo deve continuar a tramitar a PEC apesar da decisão do Supremo. “Temos que ter tamanho de senador, que não é menor que ministro do Supremo. Temos mecanismos para frear esses desmandos”, afirmou Plínio Valério (PSDB-AM).

Integrante de partido da base do governo Lula, Weverton Rocha (PDT-MA), também criticou o STF e colocou a tramitação da PEC como uma “última instância” para os apoiadores da tese do marco temporal. “Creio (que a votação do projeto em plenário) será a última instância. Esse projeto é fruto de debate dessa Casa”, disse. “É aqui que se decide, não é no Supremo. O Supremo só tem que guardar a Constituição. Não é deliberar se fizemos certo ou errado.”

O Supremo pode impedir a votação no Congresso?

Se os parlamentares insistirem na votação do projeto, o Supremo tem pelo menos dois caminhos disponíveis. O primeiro, mais cauteloso, é aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for sancionado, esperar o ajuizamento de alguma ação para eventualmente derrubar o texto. A segunda alternativa é um controle prévio de constitucionalidade. A atuação preventiva ocorre, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição.

O que dizem os apoiadores da tese?

Os apoiadores da constitucionalidade tese do marco temporal afirmam que ela traz uma segurança jurídica para o agronegócio e os produtores rurais. Essa opinião foi defendida pelo ministro Kassio Nunes Marques, que argumentou que, sem o prazo, poderia haver uma “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no Brasil.

“Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação”, afirmou Nunes Marques.

Entre os indígenas, também há apoiadores do marco temporal. Em entrevista ao Estadão, a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) disse que a mudança na regra para demarcação seria essencial para dar um fim aos conflitos fundiários. “Trata de garantir uma segurança para todos, tanto para indígenas quanto para não indígenas. Vai acabar por vez com essa discussão que não vai levar o País a nada, só o dividir”, afirmou a parlamentar.

O que dizem os opositores da tese?

Especialistas em direitos indígenas alegam que a tese do marco temporal se trata de um argumento sem respaldo legal ou histórico. Segundo os opositores da proposta, o argumento desconsidera as frequentes expulsões e outras violências que essas populações sofreram ao longo da história do País.

Na opinião dos contrários à tese, o que se busca efetivamente é impor o marco para inviabilizar todas as demarcações que estão em andamento, abrindo espaço para que esses territórios sejam ocupados pelo agronegócio e pela mineração. Há também um temor de que o marco temporal seja utilizado para fazer revisões de terras já demarcadas.

O relator do julgamento no STF, ministro Edson Fachin, foi um dos que votou contra a tese. Em 2021, durante o início do julgamento, considerou que o critério para a demarcação de terras indígenas deve ser definido por tradicionalidade, e não por um limite de tempo. “A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 e independe da configuração de renitente esbulho”, afirmou Fachin.

Se o marco fosse aprovado no STF, quais seriam as consequências práticas no processo de demarcação de terras?

De acordo com um levantamento feito pelo Estadão, o marco temporal poderia inviabilizar a demarcação de 114 terras indígenas em 185 municípios do País. O tamanho desses territórios somam 9 milhões de hectares, sendo o equivalente a um terço do tamanho do Estado de São Paulo. Atualmente, as áreas indígenas já homologadas têm 119 milhões de hectares.

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas nesta quinta-feira, 21. Com o placar de nove a dois, os ministros foram contrários à tese de que um território indígena só poderia ser demarcado se houvesse uma comprovação de que a comunidade requerente estivesse no local na data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Na prática, a decisão é uma vitória dos povos originários.

Os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber acompanharam o relator Edson Fachin, que votou contra a tese do marco temporal. Já os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques decidiram votar a favor da implementação de uma linha de corte para definir a demarcação dos territórios indígenas.

Sessão do STF sobre a tese do marco temporal acompanhada por indígenas Foto: Wilton Junior/Estadão

Nesta semana, em contraponto ao julgamento no Supremo, o Senado decidiu acelerar a tramitação de um projeto de lei que inclui o marco temporal na legislação brasileira que rege as demarcações de terra. A proposta é defendida por parlamentares ruralistas e já foi aprovada na Câmara. O texto também prevê que, além de estarem no espaço requerido na data em 1988, os ocupantes precisam comprovar que são, de fato, indígenas com adoção de hábitos e costumes dos seus povos.

O projeto está sendo analisado pela Constituição de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e precisa ser aprovado pelo colegiado para ir ao plenário da Casa. A bancada ruralista não conseguiu acelerar a apreciação do tema devido a pedido de vista e a votação da CCJ fosse adiada para a próxima quarta-feira, 27.

Caso vá ao plenário, a proposta precisa receber o apoio de 41 dos 81 senadores. Por mais que o STF tenha considerado o marco temporal inconstitucional, a decisão não impede que a lei seja aprovada e siga para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O que é marco temporal?

O marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que leva em consideração um entendimento de que uma terra indígena só poderia ser demarcada se fosse comprovado que os indígenas estavam na terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois desse dia, não teria direito a pedir a demarcação.

A tese recebeu atenção pela primeira vez em 2009, quando apareceu em um julgamento do STF a respeito da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Naquela época, o entendimento da Suprema Corte foi que aquele local poderia ser demarcado porque a comunidade indígena estava instalada no local no 5 de outubro de 1988.

Por mais que a decisão fosse favorável aos povos indígenas, essa decisão do STF abriu caminho para a que a tese pudesse ser usada contra o interesse dos povos originários que não estivessem nas terras naquela data.

O que foi considerado inconstitucional pelo pelo STF?

O STF considerou inconstitucional um recurso do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O instituto utilizou a tese do marco temporal para pedir a reintegração de posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, que teve a sua demarcação homologada em 2003, ou seja, 15 anos depois da promulgação da Constituição. Também foi negada um apelação do instituto para pedir o reconhecimento da Reserva Biológica do Sassafrás ao poder estadual, área que está sendo disputada por indígenas do povo xocleng.

No julgamento, os ministros entenderam que o artigo 231 é uma cláusula pétrea. Ou seja, não pode ser alterada depois da promulgação da Constituição. Essa determinação da Suprema Corte se torna uma barreira para que o Poder Legislativo possa alterar a regulamentação das demarcações de terras indígenas. A professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tainah Sales, explica que essas cláusulas visam assegurar os direitos individuais e que o entendimento do STF foi a de que o marco temporal violaria os dos indígenas.

“Entre as cláusulas, estão os direitos individuais. A questão da ocupação das terras tradicionais está sendo considerada uma cláusula pétrea porque diz respeito a direitos fundamentais dos povos indígenas. A definição de um marco temporal caracterizaria uma violação”, disse.

O que ocorre a partir de agora?

Com a rejeição do STF, o poder público não poderá utilizar o argumento do marco temporal para demarcar as terras indígenas que estão sendo disputadas atualmente. A decisão da Corte faz com que o regimento atual para demarcações de territórios aos povos originários seja o delimitado atualmente pela Constituição Federal, sem direito a novas interpretações por parte das autoridades.

O regimento atual data de 1996, e estabelece que as demarcações são feitas por iniciativa e orientação da Funai. Segundo a lei, o órgão deve contratar antropólogos para elaborar um estudo de identificação das áreas em disputa, com base em estudos sociológicos, jurídicos, cartográficos, ambientais, além da produção de levantamentos fundiários necessários para as delimitações.

Com o caso considerado inconstitucional pelo STF, o Congresso vai continuar discutindo a pauta?

A decisão do STF não impede que o projeto que está em tramitação no Senado continue a ser analisado pelos parlamentares. Caso seja aprovado pela CCJ e pelo plenário da Casa, a proposta ainda precisa passar pela sanção de Lula.

Caso o projeto chegue até a mesa de Lula, ele terá duas opções. Uma delas é a de acatar a decisão da maioria do Congresso e sancionar o marco temporal. A sanção poderia ser contestada no STF. O outro caminho é vetar a lei, levando em consideração a decisão da Corte.

De acordo com Emanuel Pessoa, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), o Senado pode insistir na tramitação do projeto de lei. Porém, o entendimento atual do tribunal tornará a lei passível de ser contestada e derrubada. “Os senadores decidem se vão continuar ou não com o projeto. Mas eles sabem que, com essa posição atual do Supremo, a lei vai ser julgada como inconstitucional. Mas se o Congresso quiser aprovar essa lei, ele pode”, explicou.

Uma possível contestação da lei pode virar um novo imbróglio jurídico, que pode levar anos para ser analisado. Com isso, a composição da Corte pode ser outra, o que tornaria possível a mudança de entendimento pelo próprio Supremo.

A sessão da CCJ do Senado realizada nesta quarta-feira, 20, foi marcada por mensagens diretas dos senadores aos ministros. “Não podemos aqui abrir mão da nossa prerrogativa de legislar, senão fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF”, disse Sérgio Moro (União-PR).

Outros senadores acompanharam a declaração de Moro, e deram a entender que o Legislativo deve continuar a tramitar a PEC apesar da decisão do Supremo. “Temos que ter tamanho de senador, que não é menor que ministro do Supremo. Temos mecanismos para frear esses desmandos”, afirmou Plínio Valério (PSDB-AM).

Integrante de partido da base do governo Lula, Weverton Rocha (PDT-MA), também criticou o STF e colocou a tramitação da PEC como uma “última instância” para os apoiadores da tese do marco temporal. “Creio (que a votação do projeto em plenário) será a última instância. Esse projeto é fruto de debate dessa Casa”, disse. “É aqui que se decide, não é no Supremo. O Supremo só tem que guardar a Constituição. Não é deliberar se fizemos certo ou errado.”

O Supremo pode impedir a votação no Congresso?

Se os parlamentares insistirem na votação do projeto, o Supremo tem pelo menos dois caminhos disponíveis. O primeiro, mais cauteloso, é aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for sancionado, esperar o ajuizamento de alguma ação para eventualmente derrubar o texto. A segunda alternativa é um controle prévio de constitucionalidade. A atuação preventiva ocorre, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição.

O que dizem os apoiadores da tese?

Os apoiadores da constitucionalidade tese do marco temporal afirmam que ela traz uma segurança jurídica para o agronegócio e os produtores rurais. Essa opinião foi defendida pelo ministro Kassio Nunes Marques, que argumentou que, sem o prazo, poderia haver uma “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no Brasil.

“Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação”, afirmou Nunes Marques.

Entre os indígenas, também há apoiadores do marco temporal. Em entrevista ao Estadão, a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) disse que a mudança na regra para demarcação seria essencial para dar um fim aos conflitos fundiários. “Trata de garantir uma segurança para todos, tanto para indígenas quanto para não indígenas. Vai acabar por vez com essa discussão que não vai levar o País a nada, só o dividir”, afirmou a parlamentar.

O que dizem os opositores da tese?

Especialistas em direitos indígenas alegam que a tese do marco temporal se trata de um argumento sem respaldo legal ou histórico. Segundo os opositores da proposta, o argumento desconsidera as frequentes expulsões e outras violências que essas populações sofreram ao longo da história do País.

Na opinião dos contrários à tese, o que se busca efetivamente é impor o marco para inviabilizar todas as demarcações que estão em andamento, abrindo espaço para que esses territórios sejam ocupados pelo agronegócio e pela mineração. Há também um temor de que o marco temporal seja utilizado para fazer revisões de terras já demarcadas.

O relator do julgamento no STF, ministro Edson Fachin, foi um dos que votou contra a tese. Em 2021, durante o início do julgamento, considerou que o critério para a demarcação de terras indígenas deve ser definido por tradicionalidade, e não por um limite de tempo. “A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 e independe da configuração de renitente esbulho”, afirmou Fachin.

Se o marco fosse aprovado no STF, quais seriam as consequências práticas no processo de demarcação de terras?

De acordo com um levantamento feito pelo Estadão, o marco temporal poderia inviabilizar a demarcação de 114 terras indígenas em 185 municípios do País. O tamanho desses territórios somam 9 milhões de hectares, sendo o equivalente a um terço do tamanho do Estado de São Paulo. Atualmente, as áreas indígenas já homologadas têm 119 milhões de hectares.

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas nesta quinta-feira, 21. Com o placar de nove a dois, os ministros foram contrários à tese de que um território indígena só poderia ser demarcado se houvesse uma comprovação de que a comunidade requerente estivesse no local na data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Na prática, a decisão é uma vitória dos povos originários.

Os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber acompanharam o relator Edson Fachin, que votou contra a tese do marco temporal. Já os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques decidiram votar a favor da implementação de uma linha de corte para definir a demarcação dos territórios indígenas.

Sessão do STF sobre a tese do marco temporal acompanhada por indígenas Foto: Wilton Junior/Estadão

Nesta semana, em contraponto ao julgamento no Supremo, o Senado decidiu acelerar a tramitação de um projeto de lei que inclui o marco temporal na legislação brasileira que rege as demarcações de terra. A proposta é defendida por parlamentares ruralistas e já foi aprovada na Câmara. O texto também prevê que, além de estarem no espaço requerido na data em 1988, os ocupantes precisam comprovar que são, de fato, indígenas com adoção de hábitos e costumes dos seus povos.

O projeto está sendo analisado pela Constituição de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e precisa ser aprovado pelo colegiado para ir ao plenário da Casa. A bancada ruralista não conseguiu acelerar a apreciação do tema devido a pedido de vista e a votação da CCJ fosse adiada para a próxima quarta-feira, 27.

Caso vá ao plenário, a proposta precisa receber o apoio de 41 dos 81 senadores. Por mais que o STF tenha considerado o marco temporal inconstitucional, a decisão não impede que a lei seja aprovada e siga para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O que é marco temporal?

O marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que leva em consideração um entendimento de que uma terra indígena só poderia ser demarcada se fosse comprovado que os indígenas estavam na terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois desse dia, não teria direito a pedir a demarcação.

A tese recebeu atenção pela primeira vez em 2009, quando apareceu em um julgamento do STF a respeito da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Naquela época, o entendimento da Suprema Corte foi que aquele local poderia ser demarcado porque a comunidade indígena estava instalada no local no 5 de outubro de 1988.

Por mais que a decisão fosse favorável aos povos indígenas, essa decisão do STF abriu caminho para a que a tese pudesse ser usada contra o interesse dos povos originários que não estivessem nas terras naquela data.

O que foi considerado inconstitucional pelo pelo STF?

O STF considerou inconstitucional um recurso do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O instituto utilizou a tese do marco temporal para pedir a reintegração de posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, que teve a sua demarcação homologada em 2003, ou seja, 15 anos depois da promulgação da Constituição. Também foi negada um apelação do instituto para pedir o reconhecimento da Reserva Biológica do Sassafrás ao poder estadual, área que está sendo disputada por indígenas do povo xocleng.

No julgamento, os ministros entenderam que o artigo 231 é uma cláusula pétrea. Ou seja, não pode ser alterada depois da promulgação da Constituição. Essa determinação da Suprema Corte se torna uma barreira para que o Poder Legislativo possa alterar a regulamentação das demarcações de terras indígenas. A professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tainah Sales, explica que essas cláusulas visam assegurar os direitos individuais e que o entendimento do STF foi a de que o marco temporal violaria os dos indígenas.

“Entre as cláusulas, estão os direitos individuais. A questão da ocupação das terras tradicionais está sendo considerada uma cláusula pétrea porque diz respeito a direitos fundamentais dos povos indígenas. A definição de um marco temporal caracterizaria uma violação”, disse.

O que ocorre a partir de agora?

Com a rejeição do STF, o poder público não poderá utilizar o argumento do marco temporal para demarcar as terras indígenas que estão sendo disputadas atualmente. A decisão da Corte faz com que o regimento atual para demarcações de territórios aos povos originários seja o delimitado atualmente pela Constituição Federal, sem direito a novas interpretações por parte das autoridades.

O regimento atual data de 1996, e estabelece que as demarcações são feitas por iniciativa e orientação da Funai. Segundo a lei, o órgão deve contratar antropólogos para elaborar um estudo de identificação das áreas em disputa, com base em estudos sociológicos, jurídicos, cartográficos, ambientais, além da produção de levantamentos fundiários necessários para as delimitações.

Com o caso considerado inconstitucional pelo STF, o Congresso vai continuar discutindo a pauta?

A decisão do STF não impede que o projeto que está em tramitação no Senado continue a ser analisado pelos parlamentares. Caso seja aprovado pela CCJ e pelo plenário da Casa, a proposta ainda precisa passar pela sanção de Lula.

Caso o projeto chegue até a mesa de Lula, ele terá duas opções. Uma delas é a de acatar a decisão da maioria do Congresso e sancionar o marco temporal. A sanção poderia ser contestada no STF. O outro caminho é vetar a lei, levando em consideração a decisão da Corte.

De acordo com Emanuel Pessoa, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), o Senado pode insistir na tramitação do projeto de lei. Porém, o entendimento atual do tribunal tornará a lei passível de ser contestada e derrubada. “Os senadores decidem se vão continuar ou não com o projeto. Mas eles sabem que, com essa posição atual do Supremo, a lei vai ser julgada como inconstitucional. Mas se o Congresso quiser aprovar essa lei, ele pode”, explicou.

Uma possível contestação da lei pode virar um novo imbróglio jurídico, que pode levar anos para ser analisado. Com isso, a composição da Corte pode ser outra, o que tornaria possível a mudança de entendimento pelo próprio Supremo.

A sessão da CCJ do Senado realizada nesta quarta-feira, 20, foi marcada por mensagens diretas dos senadores aos ministros. “Não podemos aqui abrir mão da nossa prerrogativa de legislar, senão fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF”, disse Sérgio Moro (União-PR).

Outros senadores acompanharam a declaração de Moro, e deram a entender que o Legislativo deve continuar a tramitar a PEC apesar da decisão do Supremo. “Temos que ter tamanho de senador, que não é menor que ministro do Supremo. Temos mecanismos para frear esses desmandos”, afirmou Plínio Valério (PSDB-AM).

Integrante de partido da base do governo Lula, Weverton Rocha (PDT-MA), também criticou o STF e colocou a tramitação da PEC como uma “última instância” para os apoiadores da tese do marco temporal. “Creio (que a votação do projeto em plenário) será a última instância. Esse projeto é fruto de debate dessa Casa”, disse. “É aqui que se decide, não é no Supremo. O Supremo só tem que guardar a Constituição. Não é deliberar se fizemos certo ou errado.”

O Supremo pode impedir a votação no Congresso?

Se os parlamentares insistirem na votação do projeto, o Supremo tem pelo menos dois caminhos disponíveis. O primeiro, mais cauteloso, é aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for sancionado, esperar o ajuizamento de alguma ação para eventualmente derrubar o texto. A segunda alternativa é um controle prévio de constitucionalidade. A atuação preventiva ocorre, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição.

O que dizem os apoiadores da tese?

Os apoiadores da constitucionalidade tese do marco temporal afirmam que ela traz uma segurança jurídica para o agronegócio e os produtores rurais. Essa opinião foi defendida pelo ministro Kassio Nunes Marques, que argumentou que, sem o prazo, poderia haver uma “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no Brasil.

“Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação”, afirmou Nunes Marques.

Entre os indígenas, também há apoiadores do marco temporal. Em entrevista ao Estadão, a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) disse que a mudança na regra para demarcação seria essencial para dar um fim aos conflitos fundiários. “Trata de garantir uma segurança para todos, tanto para indígenas quanto para não indígenas. Vai acabar por vez com essa discussão que não vai levar o País a nada, só o dividir”, afirmou a parlamentar.

O que dizem os opositores da tese?

Especialistas em direitos indígenas alegam que a tese do marco temporal se trata de um argumento sem respaldo legal ou histórico. Segundo os opositores da proposta, o argumento desconsidera as frequentes expulsões e outras violências que essas populações sofreram ao longo da história do País.

Na opinião dos contrários à tese, o que se busca efetivamente é impor o marco para inviabilizar todas as demarcações que estão em andamento, abrindo espaço para que esses territórios sejam ocupados pelo agronegócio e pela mineração. Há também um temor de que o marco temporal seja utilizado para fazer revisões de terras já demarcadas.

O relator do julgamento no STF, ministro Edson Fachin, foi um dos que votou contra a tese. Em 2021, durante o início do julgamento, considerou que o critério para a demarcação de terras indígenas deve ser definido por tradicionalidade, e não por um limite de tempo. “A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 e independe da configuração de renitente esbulho”, afirmou Fachin.

Se o marco fosse aprovado no STF, quais seriam as consequências práticas no processo de demarcação de terras?

De acordo com um levantamento feito pelo Estadão, o marco temporal poderia inviabilizar a demarcação de 114 terras indígenas em 185 municípios do País. O tamanho desses territórios somam 9 milhões de hectares, sendo o equivalente a um terço do tamanho do Estado de São Paulo. Atualmente, as áreas indígenas já homologadas têm 119 milhões de hectares.

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