PF aproveitou ‘janela de oportunidade’ para Élcio delatar, afirma 1º delegado do caso Marielle


Giniton Lages diz que elo entre investigados ‘só se quebrou agora’ e que Ronnie Lessa também pode buscar acordo de colaboração

Por Roberta Jansen
Atualização:
Entrevista comGiniton Lages Primeiro delegado do caso Marielle

Primeiro delegado designado para investigar o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, Giniton Lages foi o responsável pelas apurações que levaram às prisões do sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e do ex-PM Élcio Queiroz, exatamente um ano depois do crime, em março de 2019. No mesmo dia em que a prisão dos dois foi anunciada, Giniton foi afastado do caso.

De lá para cá, outros quatro delegados trabalharam para a elucidação do crime, mas nenhuma nova informação relevante foi apresentada. Desde o início deste ano, no entanto, por ordem direta do ministro da Justiça, Flávio Dino, o caso passou às mãos da Polícia Federal.

Na última segunda-feira, 24, foi revelado que Élcio assinou acordo de delação premiada, relatando a dinâmica do crime e jogando luz sobre detalhes até então desconhecidos.

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Em entrevista ao Estadão, Giniton fala de suas impressões sobre a delação de Élcio, a expectativa de uma delação do próprio Ronnie Lessa, e os rumos da investigação.

Giniton Lages durante entrevista coletiva após a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, em 2019 Foto: Sergio Moraes/Reuters - 12/03/2019

“Não tenho como avaliar como as coisas se deram nesses quatro anos, mas o que se apresentou agora poderia ter acontecido em qualquer momento, ao longo desses quatro anos. Bastava o Élcio estar ‘quebrado’”, afirmou Lages, que é autor do livro “Quem matou Marielle?” (Matrix Editora) e atualmente dirige o Departamento-Geral de Polícia da Baixada.

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“Mas é preciso ter fidelidade intelectual com a vida real; isso não é um filme de Hollywood em que a gente aperta um botão e as coisas vão acontecendo. O elo entre os dois (Élcio e Ronnie) era muito robusto e só se quebrou agora, às vésperas do julgamento. E a Polícia Federal, de forma perspicaz, soube perceber a janela de oportunidade.”

Como o senhor recebeu a notícia da delação premiada de Élcio Queiroz e da confirmação dos fatos levantados pela sua investigação sobre a dinâmica do crime?

Acompanhei as notícias como um espectador qualificado, digamos assim. Não consegui dormir na noite passada, estava em estado de euforia total. Porque o que aconteceu agora era um desejo meu e da minha equipe já em março de 2019. Sempre foi o nosso desejo e nossa estratégia buscar essa delação. Sempre acreditamos que o Élcio era o elo mais fraco entre os dois indiciados. O sentimento hoje é de muita alegria e esperança renovada de que, a partir dessa delação, a investigação rume à confirmação de um autor intelectual ou não.

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Por que essa delação demorou tanto? Só foi conseguida agora com a entrada da Polícia Federal na investigação, quatro anos depois da prisão dos dois...

Eu atuei durante nove anos no Rio de Janeiro em investigações de homicídio. O caminho natural de uma investigação complexa é esse mesmo: amealhar provas robustas para, depois, a partir delas, buscar uma delação. Com as provas em mãos conseguir buscar um contraponto para os álibis e alegações do indiciado e achar uma janela de oportunidade; ou seja, um momento em que um deles aceite o benefício da delação. Não tenho como avaliar como as coisas se deram nesses quatro anos, mas o que se apresentou agora poderia ter acontecido em qualquer momento, ao longo desses quatro anos. Bastava o Élcio estar ‘quebrado’.

Ronnie Lessa (esq.) e Élcio Queiroz, principais suspeitos do assassinato de Marielle Franco Foto: POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO
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Mas não é muita coincidência que isso tenha acontecido justamente quando a Polícia Federal assumiu a investigação?

É preciso ter fidelidade intelectual com a vida real; isso não é um filme de Hollywood em que a gente aperta um botão e as coisas vão acontecendo. O elo entre os dois (Élcio e Ronnie) era muito robusto e só se quebrou agora, às vésperas do julgamento, e a Polícia Federal, de forma perspicaz, soube perceber a janela de oportunidade. Mas também não podemos deixar de dar a devida relevância a tudo que foi produzido pela operação Lume (que resultou na prisão dos dois indiciados em 2019), feita pela Polícia Civil e pelo MPRJ.

O que seria exatamente essa ‘janela de oportunidade’?

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(Para se conseguir uma delação) tem que haver robustez das provas e a conveniência de um dos indiciados. Quando as prisões foram feitas, em março de 2019, já tínhamos a robustez das provas, mas não havia esse segundo elemento, que foi o que se conseguiu agora. O elo que sustentava a lealdade entre eles (Élcio e Ronnie) foi enfraquecido. Não existe fórmula mágica, deve ter havido monitoramento da vida carcerária. A polícia foi percebendo as manifestações dos advogados, da família, monitorando dessa forma a saúde do elo entre os dois. E, no momento adequado, houve essa aproximação.

O senhor comandou a investigação no primeiro ano após o crime, que levou a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiróz em março de 2019. A delação confirma tudo o que a sua equipe tinha levantado?

A delação confirmou o que já estava posto, que Élcio dirigiu o carro, que Ronnie foi o atirador, que o carro foi clonado, a movimentação dos dois, essas coisas. Ele falou em novos partícipes; isso evidentemente é importante, não se pode deixar ninguém de forma. Todas essas informações somadas vão trazer novos detalhes sobre por que o carro não foi localizado, por que a arma não foi encontrada, o monitoramento que fizeram, o deslocamento que eles fizeram depois do crime, o trabalho para esconder os vestígios. A delação traz luz para detalhes do pré e do pós-crime e pode até nos levar a uma nova delação, do próprio Ronnie ou do Suel.

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O personagem novo que surgiu na delação foi Edmilson da Silva de Oliveira, o Edmilson Macalé. Ele teria sido o elo entre um suposto mandante do crime e Ronnie Lessa. Mas Macalé foi executado em 2021. Será que esse depoimento não acaba sendo um beco sem saída?

Pelo que entendi, o que foi divulgado é apenas um anexo da delação. Existem outros. A expectativa é que a autoria intelectual possa estar nos outros anexos, que seja apontada para além de Macalé. E temos também o Suel (Maxwell Simões Corrêa, preso segunda-feira, 24), com quem podemos avançar na apuração. Essa é a minha expectativa.

A sensação que se tem é que a investigação do caso Marielle e Anderson ficou parada por quatro anos. Foi suspensa após as prisões de 2019 e só foi retomada agora....

Essa leitura não me parece correta. Eu deixei o caso em 2019, alguns dias após a Operação Lume, em que apresentamos Ronnnie e Élcio como executores, mas as promotoras que trabalharam comigo continuaram na investigação, a Simone Sibilio e Letícia Emile (elas pediram para se afastar da força-tarefa em 2021). Todo o material que arrecadamos na casa do Élcio e do Ronnie foi trabalhado pelo MP e pela Polícia Civil. Mas, como eu disse, é uma investigação complexa, que demandou técnicas de investigação não testadas antes. As mudanças de delegados (foram cinco no total) fazem parte da dinâmica normal da Polícia Civil, não creio que foi isso que atrasou.

Houve muita desconfiança sobre o papel da polícia nesses quatro anos. Os próprios envolvidos no crime são todos PMs, ex-PMs, bombeiros. Todo mundo sabe do envolvimento de policiais com a milícia. Não é natural que haja desconfiança?

Somos uma instituição, assim como o Ministério Público, o Judiciário, a Polícia Militar. Não somos formados por robôs, mas por pessoas de origens diferentes, de pensamentos diferentes, de visões de mundo diversas, temos de tudo nas instituições. E essas pessoas vêm da sociedade, trazem seus vícios, suas virtudes, qualidades e defeitos. Sob a pecha da desconfiança, fomos investigados, cunhou-se até a expressão inédita até então, investigação da investigação. E isso trouxe prejuízo para a minha investigação. Eu vivenciei isso na pele e, no fim, nada foi provado. É preciso confiar. Se existem desvios, existem corregedorias. Acho perigoso o discurso de que todo policial é miliciano, ligado ao crime, corrupto, fechado com o tráfico. A maioria pratica o bem todos os dias.

O senhor acredita na condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz?

Sempre acreditei que condenaríamos os dois, independentemente da delação, a pena máxima, com o que produzimos em 2019. Não há dúvida quanto aos executores, os dois estavam dentro do carro, cometeram o homicídio e merecem pena máxima. E eu quero ser ouvido no júri, apresentar as provas, porque eu acredito demais nelas. Foram elas que nos trouxeram até este momento. Prender os executores é tão importante quanto prender os mandantes. Se não tivéssemos prendido os executores, não teríamos como chegar nos mandantes, isso me parece óbvio.

Primeiro delegado designado para investigar o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, Giniton Lages foi o responsável pelas apurações que levaram às prisões do sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e do ex-PM Élcio Queiroz, exatamente um ano depois do crime, em março de 2019. No mesmo dia em que a prisão dos dois foi anunciada, Giniton foi afastado do caso.

De lá para cá, outros quatro delegados trabalharam para a elucidação do crime, mas nenhuma nova informação relevante foi apresentada. Desde o início deste ano, no entanto, por ordem direta do ministro da Justiça, Flávio Dino, o caso passou às mãos da Polícia Federal.

Na última segunda-feira, 24, foi revelado que Élcio assinou acordo de delação premiada, relatando a dinâmica do crime e jogando luz sobre detalhes até então desconhecidos.

Em entrevista ao Estadão, Giniton fala de suas impressões sobre a delação de Élcio, a expectativa de uma delação do próprio Ronnie Lessa, e os rumos da investigação.

Giniton Lages durante entrevista coletiva após a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, em 2019 Foto: Sergio Moraes/Reuters - 12/03/2019

“Não tenho como avaliar como as coisas se deram nesses quatro anos, mas o que se apresentou agora poderia ter acontecido em qualquer momento, ao longo desses quatro anos. Bastava o Élcio estar ‘quebrado’”, afirmou Lages, que é autor do livro “Quem matou Marielle?” (Matrix Editora) e atualmente dirige o Departamento-Geral de Polícia da Baixada.

“Mas é preciso ter fidelidade intelectual com a vida real; isso não é um filme de Hollywood em que a gente aperta um botão e as coisas vão acontecendo. O elo entre os dois (Élcio e Ronnie) era muito robusto e só se quebrou agora, às vésperas do julgamento. E a Polícia Federal, de forma perspicaz, soube perceber a janela de oportunidade.”

Como o senhor recebeu a notícia da delação premiada de Élcio Queiroz e da confirmação dos fatos levantados pela sua investigação sobre a dinâmica do crime?

Acompanhei as notícias como um espectador qualificado, digamos assim. Não consegui dormir na noite passada, estava em estado de euforia total. Porque o que aconteceu agora era um desejo meu e da minha equipe já em março de 2019. Sempre foi o nosso desejo e nossa estratégia buscar essa delação. Sempre acreditamos que o Élcio era o elo mais fraco entre os dois indiciados. O sentimento hoje é de muita alegria e esperança renovada de que, a partir dessa delação, a investigação rume à confirmação de um autor intelectual ou não.

Por que essa delação demorou tanto? Só foi conseguida agora com a entrada da Polícia Federal na investigação, quatro anos depois da prisão dos dois...

Eu atuei durante nove anos no Rio de Janeiro em investigações de homicídio. O caminho natural de uma investigação complexa é esse mesmo: amealhar provas robustas para, depois, a partir delas, buscar uma delação. Com as provas em mãos conseguir buscar um contraponto para os álibis e alegações do indiciado e achar uma janela de oportunidade; ou seja, um momento em que um deles aceite o benefício da delação. Não tenho como avaliar como as coisas se deram nesses quatro anos, mas o que se apresentou agora poderia ter acontecido em qualquer momento, ao longo desses quatro anos. Bastava o Élcio estar ‘quebrado’.

Ronnie Lessa (esq.) e Élcio Queiroz, principais suspeitos do assassinato de Marielle Franco Foto: POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

Mas não é muita coincidência que isso tenha acontecido justamente quando a Polícia Federal assumiu a investigação?

É preciso ter fidelidade intelectual com a vida real; isso não é um filme de Hollywood em que a gente aperta um botão e as coisas vão acontecendo. O elo entre os dois (Élcio e Ronnie) era muito robusto e só se quebrou agora, às vésperas do julgamento, e a Polícia Federal, de forma perspicaz, soube perceber a janela de oportunidade. Mas também não podemos deixar de dar a devida relevância a tudo que foi produzido pela operação Lume (que resultou na prisão dos dois indiciados em 2019), feita pela Polícia Civil e pelo MPRJ.

O que seria exatamente essa ‘janela de oportunidade’?

(Para se conseguir uma delação) tem que haver robustez das provas e a conveniência de um dos indiciados. Quando as prisões foram feitas, em março de 2019, já tínhamos a robustez das provas, mas não havia esse segundo elemento, que foi o que se conseguiu agora. O elo que sustentava a lealdade entre eles (Élcio e Ronnie) foi enfraquecido. Não existe fórmula mágica, deve ter havido monitoramento da vida carcerária. A polícia foi percebendo as manifestações dos advogados, da família, monitorando dessa forma a saúde do elo entre os dois. E, no momento adequado, houve essa aproximação.

O senhor comandou a investigação no primeiro ano após o crime, que levou a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiróz em março de 2019. A delação confirma tudo o que a sua equipe tinha levantado?

A delação confirmou o que já estava posto, que Élcio dirigiu o carro, que Ronnie foi o atirador, que o carro foi clonado, a movimentação dos dois, essas coisas. Ele falou em novos partícipes; isso evidentemente é importante, não se pode deixar ninguém de forma. Todas essas informações somadas vão trazer novos detalhes sobre por que o carro não foi localizado, por que a arma não foi encontrada, o monitoramento que fizeram, o deslocamento que eles fizeram depois do crime, o trabalho para esconder os vestígios. A delação traz luz para detalhes do pré e do pós-crime e pode até nos levar a uma nova delação, do próprio Ronnie ou do Suel.

O personagem novo que surgiu na delação foi Edmilson da Silva de Oliveira, o Edmilson Macalé. Ele teria sido o elo entre um suposto mandante do crime e Ronnie Lessa. Mas Macalé foi executado em 2021. Será que esse depoimento não acaba sendo um beco sem saída?

Pelo que entendi, o que foi divulgado é apenas um anexo da delação. Existem outros. A expectativa é que a autoria intelectual possa estar nos outros anexos, que seja apontada para além de Macalé. E temos também o Suel (Maxwell Simões Corrêa, preso segunda-feira, 24), com quem podemos avançar na apuração. Essa é a minha expectativa.

A sensação que se tem é que a investigação do caso Marielle e Anderson ficou parada por quatro anos. Foi suspensa após as prisões de 2019 e só foi retomada agora....

Essa leitura não me parece correta. Eu deixei o caso em 2019, alguns dias após a Operação Lume, em que apresentamos Ronnnie e Élcio como executores, mas as promotoras que trabalharam comigo continuaram na investigação, a Simone Sibilio e Letícia Emile (elas pediram para se afastar da força-tarefa em 2021). Todo o material que arrecadamos na casa do Élcio e do Ronnie foi trabalhado pelo MP e pela Polícia Civil. Mas, como eu disse, é uma investigação complexa, que demandou técnicas de investigação não testadas antes. As mudanças de delegados (foram cinco no total) fazem parte da dinâmica normal da Polícia Civil, não creio que foi isso que atrasou.

Houve muita desconfiança sobre o papel da polícia nesses quatro anos. Os próprios envolvidos no crime são todos PMs, ex-PMs, bombeiros. Todo mundo sabe do envolvimento de policiais com a milícia. Não é natural que haja desconfiança?

Somos uma instituição, assim como o Ministério Público, o Judiciário, a Polícia Militar. Não somos formados por robôs, mas por pessoas de origens diferentes, de pensamentos diferentes, de visões de mundo diversas, temos de tudo nas instituições. E essas pessoas vêm da sociedade, trazem seus vícios, suas virtudes, qualidades e defeitos. Sob a pecha da desconfiança, fomos investigados, cunhou-se até a expressão inédita até então, investigação da investigação. E isso trouxe prejuízo para a minha investigação. Eu vivenciei isso na pele e, no fim, nada foi provado. É preciso confiar. Se existem desvios, existem corregedorias. Acho perigoso o discurso de que todo policial é miliciano, ligado ao crime, corrupto, fechado com o tráfico. A maioria pratica o bem todos os dias.

O senhor acredita na condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz?

Sempre acreditei que condenaríamos os dois, independentemente da delação, a pena máxima, com o que produzimos em 2019. Não há dúvida quanto aos executores, os dois estavam dentro do carro, cometeram o homicídio e merecem pena máxima. E eu quero ser ouvido no júri, apresentar as provas, porque eu acredito demais nelas. Foram elas que nos trouxeram até este momento. Prender os executores é tão importante quanto prender os mandantes. Se não tivéssemos prendido os executores, não teríamos como chegar nos mandantes, isso me parece óbvio.

Primeiro delegado designado para investigar o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, Giniton Lages foi o responsável pelas apurações que levaram às prisões do sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e do ex-PM Élcio Queiroz, exatamente um ano depois do crime, em março de 2019. No mesmo dia em que a prisão dos dois foi anunciada, Giniton foi afastado do caso.

De lá para cá, outros quatro delegados trabalharam para a elucidação do crime, mas nenhuma nova informação relevante foi apresentada. Desde o início deste ano, no entanto, por ordem direta do ministro da Justiça, Flávio Dino, o caso passou às mãos da Polícia Federal.

Na última segunda-feira, 24, foi revelado que Élcio assinou acordo de delação premiada, relatando a dinâmica do crime e jogando luz sobre detalhes até então desconhecidos.

Em entrevista ao Estadão, Giniton fala de suas impressões sobre a delação de Élcio, a expectativa de uma delação do próprio Ronnie Lessa, e os rumos da investigação.

Giniton Lages durante entrevista coletiva após a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, em 2019 Foto: Sergio Moraes/Reuters - 12/03/2019

“Não tenho como avaliar como as coisas se deram nesses quatro anos, mas o que se apresentou agora poderia ter acontecido em qualquer momento, ao longo desses quatro anos. Bastava o Élcio estar ‘quebrado’”, afirmou Lages, que é autor do livro “Quem matou Marielle?” (Matrix Editora) e atualmente dirige o Departamento-Geral de Polícia da Baixada.

“Mas é preciso ter fidelidade intelectual com a vida real; isso não é um filme de Hollywood em que a gente aperta um botão e as coisas vão acontecendo. O elo entre os dois (Élcio e Ronnie) era muito robusto e só se quebrou agora, às vésperas do julgamento. E a Polícia Federal, de forma perspicaz, soube perceber a janela de oportunidade.”

Como o senhor recebeu a notícia da delação premiada de Élcio Queiroz e da confirmação dos fatos levantados pela sua investigação sobre a dinâmica do crime?

Acompanhei as notícias como um espectador qualificado, digamos assim. Não consegui dormir na noite passada, estava em estado de euforia total. Porque o que aconteceu agora era um desejo meu e da minha equipe já em março de 2019. Sempre foi o nosso desejo e nossa estratégia buscar essa delação. Sempre acreditamos que o Élcio era o elo mais fraco entre os dois indiciados. O sentimento hoje é de muita alegria e esperança renovada de que, a partir dessa delação, a investigação rume à confirmação de um autor intelectual ou não.

Por que essa delação demorou tanto? Só foi conseguida agora com a entrada da Polícia Federal na investigação, quatro anos depois da prisão dos dois...

Eu atuei durante nove anos no Rio de Janeiro em investigações de homicídio. O caminho natural de uma investigação complexa é esse mesmo: amealhar provas robustas para, depois, a partir delas, buscar uma delação. Com as provas em mãos conseguir buscar um contraponto para os álibis e alegações do indiciado e achar uma janela de oportunidade; ou seja, um momento em que um deles aceite o benefício da delação. Não tenho como avaliar como as coisas se deram nesses quatro anos, mas o que se apresentou agora poderia ter acontecido em qualquer momento, ao longo desses quatro anos. Bastava o Élcio estar ‘quebrado’.

Ronnie Lessa (esq.) e Élcio Queiroz, principais suspeitos do assassinato de Marielle Franco Foto: POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

Mas não é muita coincidência que isso tenha acontecido justamente quando a Polícia Federal assumiu a investigação?

É preciso ter fidelidade intelectual com a vida real; isso não é um filme de Hollywood em que a gente aperta um botão e as coisas vão acontecendo. O elo entre os dois (Élcio e Ronnie) era muito robusto e só se quebrou agora, às vésperas do julgamento, e a Polícia Federal, de forma perspicaz, soube perceber a janela de oportunidade. Mas também não podemos deixar de dar a devida relevância a tudo que foi produzido pela operação Lume (que resultou na prisão dos dois indiciados em 2019), feita pela Polícia Civil e pelo MPRJ.

O que seria exatamente essa ‘janela de oportunidade’?

(Para se conseguir uma delação) tem que haver robustez das provas e a conveniência de um dos indiciados. Quando as prisões foram feitas, em março de 2019, já tínhamos a robustez das provas, mas não havia esse segundo elemento, que foi o que se conseguiu agora. O elo que sustentava a lealdade entre eles (Élcio e Ronnie) foi enfraquecido. Não existe fórmula mágica, deve ter havido monitoramento da vida carcerária. A polícia foi percebendo as manifestações dos advogados, da família, monitorando dessa forma a saúde do elo entre os dois. E, no momento adequado, houve essa aproximação.

O senhor comandou a investigação no primeiro ano após o crime, que levou a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiróz em março de 2019. A delação confirma tudo o que a sua equipe tinha levantado?

A delação confirmou o que já estava posto, que Élcio dirigiu o carro, que Ronnie foi o atirador, que o carro foi clonado, a movimentação dos dois, essas coisas. Ele falou em novos partícipes; isso evidentemente é importante, não se pode deixar ninguém de forma. Todas essas informações somadas vão trazer novos detalhes sobre por que o carro não foi localizado, por que a arma não foi encontrada, o monitoramento que fizeram, o deslocamento que eles fizeram depois do crime, o trabalho para esconder os vestígios. A delação traz luz para detalhes do pré e do pós-crime e pode até nos levar a uma nova delação, do próprio Ronnie ou do Suel.

O personagem novo que surgiu na delação foi Edmilson da Silva de Oliveira, o Edmilson Macalé. Ele teria sido o elo entre um suposto mandante do crime e Ronnie Lessa. Mas Macalé foi executado em 2021. Será que esse depoimento não acaba sendo um beco sem saída?

Pelo que entendi, o que foi divulgado é apenas um anexo da delação. Existem outros. A expectativa é que a autoria intelectual possa estar nos outros anexos, que seja apontada para além de Macalé. E temos também o Suel (Maxwell Simões Corrêa, preso segunda-feira, 24), com quem podemos avançar na apuração. Essa é a minha expectativa.

A sensação que se tem é que a investigação do caso Marielle e Anderson ficou parada por quatro anos. Foi suspensa após as prisões de 2019 e só foi retomada agora....

Essa leitura não me parece correta. Eu deixei o caso em 2019, alguns dias após a Operação Lume, em que apresentamos Ronnnie e Élcio como executores, mas as promotoras que trabalharam comigo continuaram na investigação, a Simone Sibilio e Letícia Emile (elas pediram para se afastar da força-tarefa em 2021). Todo o material que arrecadamos na casa do Élcio e do Ronnie foi trabalhado pelo MP e pela Polícia Civil. Mas, como eu disse, é uma investigação complexa, que demandou técnicas de investigação não testadas antes. As mudanças de delegados (foram cinco no total) fazem parte da dinâmica normal da Polícia Civil, não creio que foi isso que atrasou.

Houve muita desconfiança sobre o papel da polícia nesses quatro anos. Os próprios envolvidos no crime são todos PMs, ex-PMs, bombeiros. Todo mundo sabe do envolvimento de policiais com a milícia. Não é natural que haja desconfiança?

Somos uma instituição, assim como o Ministério Público, o Judiciário, a Polícia Militar. Não somos formados por robôs, mas por pessoas de origens diferentes, de pensamentos diferentes, de visões de mundo diversas, temos de tudo nas instituições. E essas pessoas vêm da sociedade, trazem seus vícios, suas virtudes, qualidades e defeitos. Sob a pecha da desconfiança, fomos investigados, cunhou-se até a expressão inédita até então, investigação da investigação. E isso trouxe prejuízo para a minha investigação. Eu vivenciei isso na pele e, no fim, nada foi provado. É preciso confiar. Se existem desvios, existem corregedorias. Acho perigoso o discurso de que todo policial é miliciano, ligado ao crime, corrupto, fechado com o tráfico. A maioria pratica o bem todos os dias.

O senhor acredita na condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz?

Sempre acreditei que condenaríamos os dois, independentemente da delação, a pena máxima, com o que produzimos em 2019. Não há dúvida quanto aos executores, os dois estavam dentro do carro, cometeram o homicídio e merecem pena máxima. E eu quero ser ouvido no júri, apresentar as provas, porque eu acredito demais nelas. Foram elas que nos trouxeram até este momento. Prender os executores é tão importante quanto prender os mandantes. Se não tivéssemos prendido os executores, não teríamos como chegar nos mandantes, isso me parece óbvio.

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